• Nenhum resultado encontrado

Monica Ulson Brandao Teixeira

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Monica Ulson Brandao Teixeira"

Copied!
16
0
0

Texto

(1)

CUIDAR E SER CUIDADO: PERSPECTIVAS DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFNATIL

TEIXEIRA, Mônica Ulson Brandão. monicaubt@hotmail.com Orientador: Profa. Dra. Maria Machado Malta Campos Programa de Pós-Graduação Educação: Curriculo da PUC - SP Bolsista CAPES

RESUMO

Este trabalho de pesquisa, em fase de elaboração, tem como objetivo principal a compreensão de como professores de Educação Infantil que, estando também na posição de alunos de curso de formação continuada (PEC-Municípios 2ª edição), percebem o cuidado, tanto da perspectiva de alunos, quanto da de professores. O referencial teórico é bastante abrangente, passando pelas áreas da saúde, da filosofia e da educação. É um trabalho de natureza qualitativa que, partindo de inquietações trazidas pelo vivido, terá em 63 questionários mistos e em seis entrevistas semi-estruturadas seus instrumentos de pesquisa de campo. Tais instrumentos serão posteriormente analisados através da associação entre métodos qualitativo e quantitativo. A análise inicial do material coletado reafirma a complexidade do tema abordado e aponta para a necessidade de ampliação da pesquisa, principalmente, no tocante às questões de gênero, de profissionalização da profissão de professor, de poder e de construção de autonomia.

Palavras-chave: Educação Infantil, cuidado da criança, currículo.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho de pesquisa tem a finalidade de compreender o sentido das práticas de cuidado para professores de Educação Infantil que são, também, alunos de curso de formação continuada.

(2)

Como tutora do Programa de Educação Continuada - Formação Universitária para os professores das redes municipais – o PEC - Municípios 2a edição, pude perceber que a palavra

“cuidado” pode ter inúmeros significados. Notei que, apesar de, no curso, termos abordado a relação entre cuidado e educação, em algumas situações, ainda apareciam representações que dissociavam cuidar de educar, que associavam o cuidado praticado na escola àquele praticado pelas mães, ou outras que admitiam a relação entre “cuidado e educação”, porém o faziam mais como um jargão do que como ação (a ação existe, mas na maioria das vezes não é refletida).

Fazendo parte do nosso universo lingüístico, a palavra cuidado nos remete a sentimentos ambíguos, em função dos diversos significados que possui. Pode ser a interjeição Cuidado!, que refreia movimentos e sugere um acautelamento, um distanciamento diante do perigo. Mas também pode ser vista como zelo ou indicar a pessoa ou coisa que é objeto do zelo. Ainda existe a possibilidade de significar encargo. E qual o significado que damos ao cuidado? Será que os alunos-professores, quando estão na situação de alunos, percebem o cuidado de maneira diferente daquela que o fazem quando assumem a posição - tradicionalmente reprodutora, conforme Paulo Freire - de professores? Como se percebem como cuidadores e como objetos/sujeitos de cuidados?

Até o momento, o presente trabalho é composto por três capítulos de desenvolvimento do tema: um sobre o PEC Municípios 2ª edição, um sobre a trajetória brasileira no atendimento à criança pequena e um terceiro sobre o cuidado.

2. JUSTIFICATIVA

Atualmente, com a contribuição da Sociologia da Infância, têm sido incorporados aos discursos educacionais ligados à primeira infância alguns conceitos como interação social, ambiente educativo, jogos e brincadeiras. Porém, quando se trata de cuidados, notamos em muitos dos discursos e/ou práticas um conceito limitado de “cuidado”, baseado no senso-comum.

(3)

A legislação atual buscou integrar educação e cuidados, mas ainda assim parecemos estar presos à dicotomia assistência / assistencialismo e à educação compensatória. O Plano Nacional de Educação (PNE) admite esta dicotomia e solicita sua superação ao afirmar que:

(...) constitui diretriz importante a superação das dicotomias creche / pré-escola, assistência ou assistencialismo / educação, atendimento a carentes / educação para a classe média e outras, que orientações políticas e práticas sociais equivocadas foram produzindo ao longo da história. Educação e cuidados constituem um todo indivisível para crianças indivisíveis (...). (BRASIL, 2000, p. 49)

Ainda assim, muitas instituições que atendem crianças de 0 a 3 anos continuam a receber denominações que carregam o peso do assistencialismo. A palavra creche, por exemplo, ainda pode ser encontrada em dicionário de uso corrente na década de 1980 sob a definição de: “instituição de assistência social que abriga, durante o dia, criancinhas cujas mães são necessitadas ou trabalham fora do lar.” (FERREIRA, 1986)

Além disso, os profissionais deste nível de ensino são, muitas vezes, discriminados por não possuírem formação específica e/ou por realizarem um trabalho considerado inferior. Tenho observado que, em alguns lugares, pajens ou ADIs (auxiliar de desenvolvimento infantil) dividem espaço com professores. Nestes casos, normalmente, a divisão do trabalho segue a tradicional regra estabelecida pela dissociação entre saber e fazer, cabendo às pajens e ADIs as tarefas relativas ao cuidado físico, de higiene, enquanto os professores encarregam-se daquilo que consideram ser educação.

Incluir na legislação o cuidado como parte integrante da educação, sem dúvida, é um passo, mas não tem sido suficiente para que muitas das práticas sejam alteradas.

Acreditando ser necessário compreender o significado dado ao cuidado pelos atores dos processos educacionais, indago: Como o cuidado é percebido? Sob qual perspectiva ele é observado? Seu sentido pode variar dependendo de quem cuida e de quem é cuidado?

E, a partir de um cuidado re-significado, buscar caminhos para a sua real inclusão no currículo e na realidade escolar.

(4)

3. OBJETIVOS E PROBLEMA DE PESQUISA

Esta pesquisa tem por objetivo buscar significados e compreender como professores de Educação Infantil que, estando também na posição de alunos de curso de formação continuada (o PEC-Municípios 2ª edição), percebem o cuidado, tanto da perspectiva de alunos, quanto da de professores.

Busca-se também refletir sobre uma possível re-significação do conceito de cuidado e sobre formas de incluí-lo na realidade escolar.

4. METODOLOGIA

Busco, através de uma pesquisa qualitativa, realizar um trabalho prático-teórico, procurando compreender como se dão os fenômenos observados, na sua facticidade, observando-os no espaço e no tempo do mundo-vivido, de forma a abrir caminhos para uma nova prática.

O trabalho teve início quando percebi que as noções de cuidado das minhas alunas do PEC eram bastante variadas e também com o incômodo causado a algumas delas pela relutância de outras em aceitar que as práticas de cuidado fossem realizadas por professores. Isso me instigou a querer compreender como isso se dava.

Inicialmente, na tentativa de não me restringir apenas à visão de um grupo de alunas, foi entregue um questionário para professores-alunos de cinco pólos diferentes do PEC, em três regiões distintas: município próximo da capital paulista e regiões sul e centro-sul da cidade de São Paulo, solicitando-lhes que fosse preenchido por aqueles que quisessem. Obtivemos retorno de 63 professoras-alunas, que foram a base para a elaboração das entrevistas.

Concomitantemente à realização da pesquisa de campo foi sendo efetuado o levantamento teórico sobre três tópicos: o atendimento a crianças de 0 a 6 anos no Brasil, o cuidado e o PEC.

(5)

Também sob o esquema de adesão, foram realizadas seis entrevistas com alunas-professoras de um município próximo da capital. Este pólo foi escolhido em função da facilidade de acesso aos dados, uma vez que a pesquisadora era tutora deste pólo.

A análise do material coletado será uma combinação de métodos quantitativos e qualitativos, sendo que os primeiros darão embasamento ao segundo, trazendo, por exemplo, informações relativas ao sexo, idade e experiência das alunas-professoras.

5. O PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA - Formação Universitária para os professores das redes municipais – PEC-Municípios 2ª edição1:

O PEC - Formação Universitária Municípios - é uma reedição do PEC-Formação Universitária que, nos anos 2001 e 2002, ofereceu formação superior para mais de 6.000 professores da rede estadual de educação de São Paulo. Na 1ª edição do PEC Municípios, o Programa formou cerca de 4.500 professores.

Pelo interesse de diversas prefeituras, nos anos de 2006 e 2007, o Programa foi novamente oferecido aos professores das redes municipais, por meio de um convênio entre a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Ensino, seção São Paulo (UNDIME/SP), viabilizado por meio do apoio da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP). A Fundação Carlos Alberto Vanzolini (FCAV) respondeu pela gestão operacional do Programa.

Nesta 2ª edição, foram formados aproximadamente 1,7 mil professores, distribuídos em 53 turmas, em 26 ambientes de aprendizagem. O Programa teve o objetivo de formar professores das séries iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil das redes municipais de São Paulo que estivessem em serviço, com pelo menos dois anos de efetivo exercício na rede pública, e que possuíssem apenas formação em nível médio. Ao término do curso, os professores passaram a ter formação em nível superior com Licenciatura Plena em tais níveis de ensino.

1 Informações obtidas no sitio do PEC – Municípios (http://www.rededosaber.sp.gov.br/contents/SIGS-CURSO/

(6)

Caracterizou-se como um programa especial de formação universitária presencial, com forte apoio de mídias interativas, que veio atender à meta, apontada no Plano Nacional de Educação, de formação específica dos docentes em nível superior.

Fez parte da metodologia do curso a utilização de videoconferências, vivências educadoras e trabalhos monitorados – à distância e presenciais. Tais atividades foram desenvolvidas nos Ambientes de Aprendizagem da Rede do Saber (chamados de pólos), instalados nas unidades escolares da rede estadual ou em ambientes equivalentes disponibilizados pelos municípios em unidades escolares da sua rede de ensino. O curso foi realizado em mais de 3.000 horas, tendo ocorrido de segunda-feira a sábado, durante 24 meses.

O material didático e a infra-estrutura de monitoramento e apoio foram os mesmos utilizados na 1ª edição do PEC-Formação Universitária Municípios. No material didático impresso fornecido aos alunos-professores a concepção implícita é a de que a criança, sendo um ser integral, necessita de um atendimento que promova a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos e sociais. A concepções de educação e cuidado coincidem com aquelas dadas pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, nos quais

Cuidados são compreendidos como aqueles referentes à proteção, saúde e alimentação, incluindo as necessidades de afeto, interação, estimulação, segurança e brincadeiras que possibilitem a exploração e a descoberta. (BRASIL, 1998, v. 1, p. 18)

Em diversos trechos do material impresso, podemos encontrar a associação entre cuidar e educar, como preconizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. (BRASIL, 1999)

6. O ATENDIMENTO À CRIANÇA: uma trajetória brasileira

Fazendo uma retrospectiva através da análise de autores como Ribeiro (2003), Kramer (2003), Del Priori (2007) e Kishimoto (1988), percebe-se que, desde a chegada dos portugueses ao Brasil até o final do século XIX, só houve preocupação com a situação da

(7)

infância quando esta ameaçava, de alguma forma, a vida em sociedade. Primeiro foram os cuidados com doenças e as possíveis epidemias. Depois, foi a associação da criança ao futuro do país e, mais uma vez, olhou-se para a infância como meio de se alcançar outros fins. Na década de 1930, com a necessidade de mão-de-obra nas indústrias, torna-se importante o surgimento de instituições que abriguem as crianças enquanto suas mães trabalham nas indústrias.

Até a década de 1930, pouco se falou em educação; o foco era o atendimento, o recolhimento, o abrigo e o cuidado. E isso não é apenas uma questão semântica, mas resultado da forma como a criança e o processo educacional eram encarados.

Nesta trajetória, observação da real valorização da criança foi bastante rara. O atendimento da infância era importante para os pais e/ou para o desenvolvimento do país. Desta forma, os critérios que orientaram as iniciativas voltadas às crianças não tiveram como ponto de partida as suas necessidades. Mesmo porque, até o final do século XIX, a criança não era considerada um indivíduo; isso só começa a acontecer com o avanço da psicologia do desenvolvimento.

Com este avanço, na primeira metade do século XX, há o que Carvalho (1999) chama de “psicologização da relação de cuidado” tanto no âmbito familiar quanto no institucional, revelando o foco nas questões psicológicas e a diminuição da preocupação com o cuidado físico. (p. 73)

Em 1942 é criada a LBA (Legião Brasileira de Assistência), que tinha como um de seus objetivos o oferecimento de serviços de assistência social. Rapidamente, ampliou sua atuação para muitos municípios do território nacional. Em 1977, ampliou também sua área de atuação, passando a agir sistematicamente no setor de creches, com o Projeto Casulo. Nos dez anos seguintes o programa foi se fortalecendo, chegando a formular programas e a traçar metas de cunho nacionais. (CAMPOS, ROSEMBERG e FERREIRA, 1995)

A década de 1940 foi especialmente importante para as creches com a inclusão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) da obrigatoriedade de as empresas particulares com

(8)

mais de 30 funcionárias manterem creches para que as funcionárias pudessem amamentar seus filhos.

Em 1959 é promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a Declaração Universal dos Direitos da Criança.

Diferentemente da política adotada na década de 1920, na década de 1960, a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBM), em sintonia com a Lei de Segurança Nacional, apresenta a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) – em substituição ao SAM (Serviço de Assistência ao Menor) - como local para educação do menor infrator, sem repressão, através de um tratamento biopsicossocial. Porém, estas políticas não conseguiram atingir seus objetivos, sendo responsáveis pela reiteração do estigma da pobreza, associando-a à delinqüência. (PASSETTI, 2007)

Entre os anos 30 e os anos 70, consolidou-se o Estado de Bem-Estar Social, no qual se operou uma regulação social manifesta em sistemas nacionais de habitação, trabalho, educação, saúde e assistência baseados na meritocracia, no universalismo e na seletividade do direcionamento das ações.

Na década de 1970, a LDB 5.692/71, abordou de forma muito vaga o sistema educacional para crianças menores de 7 anos. Isso foi um dos fatores que levaram a diversas discussões na sociedade civil e a reivindicação de que o Estado construísse e administrasse creches, vistas como um direito da população.

A década de 1980 foi marcada pela criação e extinção de diversos órgãos, programas e projetos que objetivavam o atendimento pré-escolar. Buscou-se a ampliação da quantidade do atendimento oferecido, mas com redução de custos.

Com a Constituição de 1988, finalmente há uma referência legal aos direitos das crianças e ao “atendimento em creche e pré-escola à criança de zero a seis anos de idade.” (BRASIL, 1988)

Nos anos de 1990 estabeleceram-se muitas discussões acerca da Educação Infantil, em grande parte originadas na nova concepção de infância trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao estabelecer que as crianças têm direitos “como pessoas humanas em

(9)

processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.” (BRASIL, 1990) A criança deixava de ser uma categoria universal para tornar-se historicamente construída.

Como resultado, ainda nesta década surgiram a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (BRASIL, 1993), A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Brasil, 1996), Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI (Brasil, 1998) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - (DCNEI (BRASIL, 1999).

Na década de 2000 as discussões e os avanços continuam e aparecem outros importantes documentos oficiais, como o Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2000), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006) e a Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito da criança de 0 a 6 anos à educação (BRASIL, 2006).

Muito se caminhou, mas sob a alegação de falta de recursos, até hoje o Estado ainda não assumiu totalmente os encargos de uma Educação Infantil democrática.

Para Angotti (2006), “os direitos consignados à infância brasileira não revelam estar em processo de consolidação, sobretudo em termos legais, merecendo atenção para garantia do conquistado.” (p. 16)

7. CUIDADO: mas o que é isso? Buscando sentidos.

Para iniciar, buscamos as definições de cuidado na língua portuguesa. Tratamos de levantar as definições de cuidado existentes em dicionários das décadas de 1960, 1980 e 2000, procurando observar permanências e mudanças.

Em dicionário da década de 1960 (Nôvo Dicionário, 1965, p.911), relacionadas ao radical cuid-, pudemos encontrar as palavras: cuidadeira, cuidadeiro, cuidado, cuidador, cuidadoso, cuidar e cuidoso. Assim como Montenegro (2001), em definição datada de 1958, encontramos significados distintos para cuidadeiro e cuidadeira. O vocábulo masculino é um adjetivo, definido como cuidadoso, trabalhador, enquanto o feminino é um substantivo

(10)

sinônimo de mulher que cuida de alguma coisa. Acreditamos ser um indício da associação entre cuidados e o sexo feminino.

Na década de 1980 (Novo Dicionário Aurélio, 1986, p. 507) não encontramos mais referência às palavras cuidadeira e cuidadeiro. Quanto à palavra cuidado, as referências são semelhantes às da década de 1960: atenção, cautela, desvelo, encargo, inquietação de espírito, pessoa ou coisa que é objeto de desvelos, pensado, previsto. Já para cuidar, além das definições encontradas na década anterior, encontramos também: ter cuidado consigo mesmo, com a sua saúde, com a sua apresentação.

Na primeira década do século XXI, Houaiss (2001), destaca que cuidar é um verbo português do século XIII. Os significado das palavras cuidar e cuidado permanecem praticamente inalterados.

Em todos os dicionários consultados, o verbo cuidar está indicado como sendo originário do verbo latino cogito, as atum, are. Indicativo da dissociação entre um cuidar físico e outro espiritual, que seria o originário.

O cuidado, sendo um conceito subjetivo e dinâmico, baseado em valores e, portanto, passível de inúmeras perspectivas ou interpretações, precisa ser contextualizado.

Em levantamento preliminar realizado em dissertações, teses e artigos brasileiros, pudemos encontrar referências ao cuidado nas áreas da filosofia, saúde (principalmente em enfermagem), ciências sociais (especialmente nas questões de gênero) e educação.

Em filosofia, o cuidado é visto de forma reflexiva ou existencial, sendo que Heidegger é a referência mais freqüente para esta última.

Boff (1999), utilizando-se da fábula de Higino e apoiado em Heidegger, nos mostra que “a essência humana não se encontra tanto na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado.” (p.11) Para o autor, o cuidado é o ethos – morada do homem - fundamental do humano.

Na área da saúde, tendo participado de discussões do Grupo de Estudos em Puericultura2 liderado pela Profa. Mestra Maria das Graças Barreto da Silva, da Universidade 2 Grupo de Estudos em Puericultura, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), foi criado em 2006 e é

(11)

Federal de São Paulo (UNIFESP), pude observar que o cuidado vem sendo ressignificado, buscando-se um atendimento humanizado, um cuidado que, não se restringindo à execução de técnicas, procedimentos, amplia-se para o entendimento das necessidades do indivíduo que está sendo cuidado. É um cuidado relacionado ao bem-estar do paciente.

Nas falas dos participantes do Grupo de Pesquisa, pude notar uma grande aproximação entre as questões da enfermagem e da educação, no que se refere ao cuidado. As falas que considerei mais relevantes neste sentido foram: “o cuidado na família não pode ser igual ao cuidado na enfermagem e na educação; nestes últimos, a dimensão humana deve ser acrescida do profissionalismo”; “um cuidado afetivo, com qualidade, tem relação com a autonomia de quem cuida e de quem é cuidado”; “os profissionais da enfermagem, assim como os da educação, sofrem discriminação, porque as pessoas consideram os cuidados físicos como sendo práticas inferiores”; “é preciso valorizar os cuidados profissionais, que além das competências humanas, exigem técnicas”; “as pessoas também associam a nossa profissão ao sexo feminino, alegando que a mulher cuida melhor, que ela é natural para este tipo de trabalho”. Esses depoimentos serão analisados posteriormente, no âmbito da pesquisa.

Autores como Costa (2006) e Montenegro (2001) falam dos preconceitos, discriminações e ambigüidades que envolvem a Educação Infantil e as práticas de cuidado nela inseridas e grande parte deles está bem próxima destes citados pelos enfermeiros.

Na área da educação, tendo como base o levantamento de Rocha (2001) sobre a produção do conhecimento acerca da Educação Infantil no Brasil, no período de 1983 a 1996, constatamos que, dos 432 trabalhos publicados no período em questão - 270 dissertações, 19 teses e143 artigos - em 18 deles o radical cuid- (de cuidar e/ou seus derivados) aparece em títulos, resumos e/ou palavras-chave.

Os temas principais destes trabalhos elencados por Rocha (2001) foram: o atendimento de crianças de baixo nível sócio-econômico em creches; a pré-escola como veículo social de partilha do processo de cuidado e educação da criança; influência da permanência em creches no desenvolvimento emocional de crianças; o modelo de cuidado materno substitutivo como forma de atendimento em creches para famílias de baixa renda;

(12)

trabalho interdisciplinar dentro das creches, visando à promoção da saúde e do desenvolvimento da criança; concepções e opiniões de educadoras acerca de atividades psicopedagógicas e de cuidado físico; concepção de criança da sociedade brasileira do século XIX; processos de adaptação na creche tanto para a criança como para a família e educadores; atuação de profissionais de psicologia como capacitadores de profissionais de educação; aquisição de comportamentos de higiene buco-dental do pré-escolar; igualdade de oportunidades entre os sexos e sua relação com a educação; avaliação de Lares Vicinais.

Em apenas seis trabalhos (uma dissertação, uma tese e quatro artigos), todos da década de 1990, pensa-se especificamente ao binômio cuidar/educar. Em um trabalho, ligado à História da Educação, busca-se descrever e analisar as transformações no discurso e na prática do cuidado dispensado à criança pequena no Brasil do século XIX; em outro, fala-se da insuficiência de um cuidar educativo que se restringe a tomar conta de crianças durante ausência das mães em creches domiciliares de Florianópolis. Um terceiro trabalho, trata da integração entre cuidado e educação no sistema sueco de atendimento à infância e dois trabalhos abordam a questão da dicotomia entre cuidado e educação. Um último trabalho trata da cisão entre cuidar e educar, indicando o modelo escandinavo, onde há uma política pública integrada de cuidado e educação infantil, como exemplo de atendimento e qualidade.

Em análise da legislação, principalmente da área da educação, pudemos observar inúmeras referências ao radical cuid- e também a este radical associado ao radical educ-. Nos 12 documentos analisados, encontramos 268 referências ao radical cuid- , mas apenas em 50 delas este radical estava associado ao radical educ-. Esta associação começa a aparecer em 1998, no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998). A partir de então, em seis dos oitos documentos analisados observou-se esta associação.

No PCN em Ação, apesar de encontrarmos um módulo dedicado ao educar associado ao cuidar denominado “Quem educa: cuida”, ao longo do texto não foi possível localizar os radicais educ- e cuid- associados.

(13)

A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos específicos. (Brasil, 1998, v. 1, p. 24)

Na Educação Infantil, a maioria das práticas de cuidado estão relacionadas à sobrevivência e ao desenvolvimento da autonomia da criança.

É fundamental conhecer as condições da criança de Educação Infantil, para que, em primeiro lugar, identifiquemos os conhecimentos necessários ao professor, principalmente aqueles provenientes de outras áreas do conhecimento e que, normalmente, não fazem parte da formação. Quem é esta criança, quais suas características e necessidades? (COSTA, 2006)

Penso que o cuidado não tem uma definição imutável, nem tão pouco única. Encaro-o expressando-se em diferentes formas: um cuidado superprotetor, que abafa ou um que seja despreocupado; até mesmo o descuidado pode ser uma forma de cuidado.

8. RESULTADOS PRELIMINARES

A análise inicial do material coletado, apesar de não estar concluída, aponta para a necessidade de direcionar atenção também para as questões de gênero, de profissionalização da profissão de professor e de poder.

O levantamento acerca do cuidado também indica necessidade de ampliação da pesquisa. O fato do cuidado se concretizar de diferentes formas me leva a pensar em Winnicot e a “mãe suficientemente boa”.

Tudo isso reafirma a complexidade do tema abordado. 9. BIBLIOGRAFIA

ANGOTTI, Maristella. Apresentação. IN: ANGOTTI, Maristella. (org.) Educação infantil: para que, para quem e por quê? Campinas, SP: Editora Alínea, 2006.

(14)

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

________. Lei nº 5.692, 11 ago 1971. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 12 ago 1971.

________. Lei nº 8.069, 13 jul.1990. Estatuto da criança e do adolescente. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 16 jul 1990.

________. Lei nº 93.94, 20 dez 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Ministério da Educação e do Desporto, 1996.

________. Parecer CEB nº 022/98; Resolução CEB nº 1, de 7 de abril de 1999. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica, 1999.

_________. Plano nacional de educação. apresentação de Vital Didonet. Brasília: Editora Plano: 2000.

________. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. 3v.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Programa de desenvolvimento profissional continuado. Brasília: SEF, 1999. (Parâmetros em ação).

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Integração das instituições de educação infantil aos sistemas de ensino: um estudo de caso de cinco municípios que assumiram desafios e realizaram conquistas. Brasília: MEC/SEF, 2002.

(15)

_______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil. Brasília, DF, 2006. 2v.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para as Instituições de Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2006.

________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito da criança de 0 a 6 anos à educação. Brasília: MEC, SEB, 2006.

CAMPOS, Maria Malta; ROSEMBERG, Fúlvia e FERREIRA, Isabel M. Creches e pré-escolas no Brasil. 2.ed. São Paulo: Cortez/Fundação Carlos Chagas, 1995.

CARVALHO, Marília Pinto de. No coração da sala de aula. São Paulo: Xamã, 1999.

COSTA, Fátima Neves do Amaral. O cuidar e o educar na educação infantil. In: ANGOTTI, Maristela (org.) Educação infantil: para quê, para quem e por quê? Campinas, SP: Editora Alínea, 2006.

DEL PRIORE, Mary. Apresentação. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das crianças no Brasil. 6.ed. São Paulo: Contexto, 2007.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. A pré-escola em São Paulo (1877 a 1940). São Paulo: Edições Loyola, 1988.

(16)

KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 7.ed. São Paulo: Cortez, 2003.

MONTENEGRO, Thereza. O cuidado e a formação moral na educação infantil. São Paulo: EDUC, 2001.

Nôvo Dicionário Brasileiro Melhoramentos Ilustrado. 3.ed. São Paulo: Comp. Melhoramentos, 1965.

PASSETTI, Edson. Crianças carentes e políticas públicas. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das crianças no Brasil. 6.ed. São Paulo: Contexto, 2007.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 19.ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

ROCHA, Eloisa Acires Candal (coord.); SILVA FILHO, João Josué da. e STRENZEL, Giandréa Reuss (orgs.). Educação Infantil (1983-1996). Brasília: MEC/Inep/Comped, 2001.

(Série Estado do Conhecimento, nº 2) Disponível em:

Referências

Documentos relacionados

este volume contém os contos escritos por sir Arthur Conan doyle que guardam algumas de suas histórias mais famosas e queridas: As aventuras de Sherlock Holmes, Memórias de Sherlock

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo

que, embora estas convenções sejam artifícios, não significa que elas sejam arbitrárias. O homem inventa a partir de sua disposição cooperativa esquemas de ação que produzem

- promover o fortalecimento da Gestão e do Planejamento Socioambiental Municipal através da Agenda 21, Programa de Capacitação de Gestores Ambientais, Gestão Ambiental Rural

Em ambos os ensaios clínicos, os indivíduos que receberam o esquema de duas doses de Ambirix ou um esquema de três doses da vacina combinada contendo 360 Unidades ELISA de vírus

Hoje, o PECQMamo tem três frentes de trabalho: (i) a avaliação da infra- estrutura e realização de testes para avaliação do desempenho dos equipamentos e

Os resultados deste trabalho mostram que o tempo médio de jejum realizado é superior ao prescrito, sendo aqueles que realizam a operação no período da tarde foram submetidos a

Para os tratamentos térmicos, foi preparada uma amostra do fio supercondutor com dimensões 150 mm de comprimento e 3,00 mm de diâmetro para cada perfil de