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Progressão referencial entre textos na cobertura jornalística contínua

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

KARINA MENEGALDO DIAS

PROGRESSÃO REFERENCIAL ENTRE TEXTOS NA

COBERTURA JORNALÍSTICA CONTÍNUA

CAMPINAS, 2016

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PROGRESSÃO REFERENCIAL ENTRE TEXTOS NA

COBERTURA JORNALÍSTICA CONTÍNUA

Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Anna Christina Bentes da Silva

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA KARINA MENEGALDO DIAS E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ANNA CHRISTINA BENTES DA SILVA.

CAMPINAS, 2016

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AGRADECIMENTOS

Durante todo o processo de escrita desta dissertação, fui, aos poucos, tendo muito e muitos a quem agradecer: A minha família, em particular a minha avó Nadir, exemplo de força, equilíbrio e bom humor; Ao Éric, a família que escolhi, em especial pelo que não se agradece, o amor; A todos os meus amigos, que sempre deram um sentido imensurável à amizade, mas em particular, durante esta pesquisa: Fábio e Profa. Ana Rosa; A minha orientadora, Profa. Anna Bentes, a quem tudo o que poderia dizer sobressalta a

honra de ter sido sua orientanda; Aos professores Sebastião Carlos Leite Gonçalves e Edwiges Maria Morato, pelas recomendações e aprendizados acadêmicos. Foi muito importante tê-los em minha banca!;

Aos amigos que fiz no mestrado: Beatriz, Rafaela e Cláudio, pela disponibilidade e pela gentileza de sempre; Aos leitores atentos que tive em diferentes momentos da minha escrita: Fábio, Éric, Fernando e Cláudio; Aos meus alunos, que reforçaram a minha convicção em relação à carreira acadêmica; A toda a equipe da Secretaria de Pós-graduação, sempre muito eficientes e simpáticos; A todos os mentores que passaram pela minha vida, aos quais não vou nomear, para não cometer a injustiça do esquecimento; Por fim, ao CNPq, pelo fomento fornecido a esta pesquisa. A todos, o meu honesto, muito obrigada.

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RESUMO

Levando em conta que, ao ocupar-se da informação, os veículos de mídia constroem a visão apreendida sobre os assuntos retratados, esta pesquisa tem como objetivo analisar como são construídas certas imagens do fato retratado ao longo de uma cobertura jornalística. A construção dessas imagens ocorre por meio da ativação e da elaboração de objetos de discurso que permitem o estabelecimento da progressão referencial entre as matérias. Para isso, partimos dos estudos de referenciação, vinculados aos pressupostos de Mondada e Dubois (2003), Koch (2009a; 2009b) e Koch e Marcuschi (1998), para propormos essa abordagem da progressão referencial entre textos, como uma estratégia de manutenção da coesão discursiva em matérias de uma cobertura contínua. Para tanto, foram selecionadas as coberturas realizadas por dois veículos da imprensa paulista, os jornais diários O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, a respeito de um fato ocorrido em Paris, em novembro de 2015, que repercutiu internacionalmente e que ficou conhecido como Atentados em

Paris. Realizamos análises qualitativa e quantitativa sobre (i) como ocorreram as construções dos

objetos discursivos e (ii) como os referentes introduzidos e suas respectivas recategorizações são empregados em relação a um fato que possui uma retratação gradativa. A partir das análises, pudemos observar que a progressão referencial pode ocorrer entre textos, por meio, primordialmente, da retomada dos referentes. A retomada dos referentes é elaborada de forma a manter idêntico o núcleo da expressão referencial, procedendo-se ao acréscimo de modificadores junto ao núcleo. Esse procedimento básico constitui-se em fator primordial para a viabilidade de uma cobertura jornalística contínua de um mesmo fato, dado que possibilita a identificação e manutenção da imagem do objeto de discurso pelo leitor. Nesse sentido, a progressão referencial entre textos promove tanto um efeito de identidade referencial para os objetos de discurso construídos e/ou mobilizados, como também certo modo de compreender os fatos e assuntos abordados nos textos da cobertura jornalística.

Palavras-chave: progressão referencial; objetos de discurso; texto jornalístico; cobertura jornalística;

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ABSTRACT

Considering that, when dealing with information, the media vehicles build the apprehended view of the portrayed subjects, this paper intends to analyze how certain images of the portrayed fact are built during a journalistic coverage. The building of these images takes place by means of the activation and elaboration of the objects of discourse which allow the establishing of the referential progression between the news pieces. In order to do so, we start out from studies of referenciation, connected to the theories of Mondada and Dubois (2003), Koch (2009a; 2009b) and Koch and Marcuschi (1998), so that we propose this approach of referential progression between texts as a strategy for the maintenance of discursive cohesion in news pieces of a continuous coverage. For that, we have selected the coverage realized by two vehicles of the São Paulo press, the daily journals O Estado de

S. Paulo and Folha de São Paulo, about a fact occurred in Paris, in November 2015, which

reverberated internationally and became known as the Paris Attacks. We have conducted qualitative and quantitative analyses on (i) how the construction of the objects of discourse took place and (ii) how the referents introduced and their respective recategorizations are employed in relation to a fact which possesses a gradual portrayal. From the analyses, we could observe that the referential progression may occur between texts, by means, primordially, of the retaking of referents. The retaking of referents is elaborated in such a way as to keep the nucleus of the referential expression identical, then proceeding to adding modifiers to this nucleus. This basic procedure constitutes a primordial factor for the viability of a continuous journalistic coverage of the same fact, which makes the identification and maintenance of the image of the object of discourse possible to the reader. In this sense, the referential progression between texts promotes as much an effect of referential identity to the built and/or mobilized objects of discourse as a certain way of comprehending the facts and subjects approached in the texts of journalistic coverage.

Keywords: referential progression; objects of discourse; journalistic texts; journalistic coverage;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1. O TEXTO JORNALÍSTICO ... 14

1.1 Do século XVII à atualidade: a influência do jornalismo internacional no Brasil ... 14

1.2 Aspectos estruturais dos textos jornalísticos ... 17

2. A QUESTÃO REFERENCIAL ... 26

2.1 Breve introdução ... 26

2.2 A construção dos objetos de discursos: o que dizem as teorias ... 27

2.3 A construção de objetos de discurso: breves exemplificações com o corpus da pesquisa ... 33

2.4 Anáforas associativas e suas âncoras: o que dizem as teorias ... 35

3.1 Descrição e contextualização do corpus ... 41

3.2 Veículo de imprensa: jornal diário O Estado de S. Paulo ... 44

3.3 Veículo de imprensa: jornal diário Folha de S. Paulo ... 45

3.4 Método e unidades de análise ... 46

3.5 Breves considerações sobre os parâmetros de seleção, organização e síntese ... 48

4. A PROGRESSÃO REFERENCIAL ENTRE TEXTOS COMO ELEMENTO ESTRUTURAL NA CONSTRUÇÃO DA COBERTURA JORNALÍSTICA ... 51

4.1. Análise da progressão no jornal diário O Estado de S. Paulo ... 52

4.1.1 Retomadas de referentes ... 61

4.1.2 Introduções ancoradas e a manutenção da identidade por meio da repetição do modificador terroristas e do nome-núcleo terroristas ... 69

4.1.4 Recategorização com substituição do nome-núcleo ... 77

4.2 Análise da progressão no jornal diário Folha de S. Paulo ... 82

4.2.1 Retomadas de referentes ... 95

4.2.2 Introduções ancoradas e a manutenção da identidade por meio da repetição do modificador terroristas e do nome-núcleo terroristas ... 108

4.2.3 A mudança de posição nas rotulações: de núcleo a modificador ... 112

4.2.4 Recategorização com substituição do nome-núcleo ... 115

4.3 Recategorizações nos discursos reportados nas coberturas dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo ... 116

4.3.1 Folha de S. Paulo ... 117

4.3.2 O Estado de S. Paulo ... 121 4.3.3 Comparativo entre os discursos reportados: O Estado de S. Paulo versus Folha de São Paulo122

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 123 REFERÊNCIAS ... 127 ANEXOS... 135

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INTRODUÇÃO

A Imprensa ocupa nos dias atuais não somente o espaço de levar informação à sociedade, como também o de opinar sobre os assuntos abordados, mesmo que não declaradamente. Porém, ao ocupar-se do papel da informação, os veículos de mídia exercem, consequentemente, a escolha sobre o que será noticiado, o que é noticiável e como será construído esse fato. Para tanto, diversos recursos textuais são utilizados para compor as matérias, de acordo com as várias intencionalidades do autor e do veículo de comunicação. Consideramos, então, como um ponto inicial deste projeto o fato de que, para compreender a imagem final de um acontecimento e de seus personagens amplamente retratados pela imprensa em uma cobertura continuada, é preciso ter uma compreensão mais aprofundada dos processos textuais envolvidos na criação do objeto discursivo, ou seja, do objeto de mundo construído pelo discurso em diversos textos de mídia de uma cobertura contínua.

Sendo assim, temos como objetivo a ampliação da compreensão dos processos referenciais, partindo de pressupostos embasados nos estudos de Mondada e Dubois (2003), Koch (2009a; 2009b), Koch e Marcuschi (1998), de forma a mostrar que existe uma construção dos objetos de discurso entre os textos que compõem uma mesma cobertura jornalística. Trabalhamos, para tanto, com a hipótese de que a progressão referencial ocorre entre textos, sendo o principal recurso de progressão a criação de uma identidade referencial e discursiva, traduzida em certas imagens finais sobre o fato retratado em uma cobertura jornalística.

O critério norteador de composição do corpus pautou-se na escolha de um acontecimento de grande repercussão internacional e amplamente retratado pela imprensa nacional, ocorrido durante o andamento da pesquisa, e que nos despertou grande interesse pelo fato de concentrar um grande número de matérias nas primeiras 48 horas após o fato ocorrido, nomeado, aqui, após a identificação da identidade referencial de Ataques em Paris. Para isso, foram escolhidos para a análise dois veículos de mídia impressa, os jornais diários, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, em suas versões on-line, pelo fato de juntos

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formarem a maior parcela da mídia impressa do Estado de São Paulo1 e por estarem entre os jornais de maior repercussão no âmbito paulista.

Julgamos, contudo, que a relevância do estudo do corpus apresentado não somente restrinja-se às contribuições a respeito da imagem de um fato de importância histórica, mas, sobretudo acreditamos que ele possa propiciar a compreensão e o desnudamento a respeito do papel que a mídia exerce dentro do cenário social e a maneira como opera os recursos linguísticos para atingir seus leitores. E acreditamos na relevância teórica da pesquisa por considerar que a abordagem à progressão referencial intertextual amplie os limites de compreensão dos discursos construídos através dos textos, entendendo-os como uma construção contínua, expandindo as discussões sobre a construção da identidade referencial.

Posteriormente à apresentação inicial do corpus, faz-se indispensável justificar os motivos que nos levaram a analisar e discutir as especificidades da construção dos objetos de discurso, nos textos de um domínio discursivo específico, o jornalístico. Em nossa pesquisa de Iniciação Científica realizada entre 2009 e 2010, na Universidade Federal de São Paulo, observamos o comportamento da progressão referencial nas matérias da revista Veja sobre o Caso Nardoni. Já na iniciação científica, notamos que a progressão dos objetos de discurso ocorria entre textos ao longo da cobertura jornalística do referido fato, o que nos levou à hipótese que motivou este estudo.

Como dissemos anteriormente, buscamos considerar, nessa pesquisa, os estudos que versam sobre a conceituação e parâmetros do texto, traçando uma explanação e uma discussão, no campo da Linguística Textual, que podem ser conjugadas às atuais teorias da comunicação que também buscam compreender o funcionamento de textos jornalísticos em contextos como o da cobertura continuada de um fato.

Acreditamos que a relevância de nosso estudo reside em mostrar a possibilidade de abordagem dos textos de uma cobertura midiática como uma construção continuada, responsável pela emergência de imagens constantes sobre o fato retratado.

Considerando dos princípios de análise empregados por pesquisadores do campo da Linguística Textual, nosso objetivo geral é o de expandir o conceito de progressão referencial, entendido não apenas como um recurso de coesividade no interior de um único texto, mas também entre textos.

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Pretendemos com este estudo demonstrar a possibilidade da construção contínua dos objetos de discurso em diferentes textos jornalísticos sobre um mesmo fato, mostrando como recursos linguísticos e textuais são utilizados para a construção, ao longo dos textos, de identidades referenciais que conferem certa configuração do fato em foco. Trabalhamos com “a hipótese de que em coberturas de um fato ou acontecimento, a construção dos objetos de discurso centrais ocorre no decorrer dos textos, traduzindo-se em uma série de imagens finais dos objetos retratados.

Desse modo, buscamos aventar de que maneira os recursos linguístico-discursivos empregados na construção de um fato midiático, ao longo de um conjunto de textos publicados em determinada ordem cronológica, servem aos propósitos da imprensa para a edificação da imagem final de um fato, ou de uma personagem que se torna pública. Crê-se que esses recursos possibilitem aos jornalistas e aos editoriais a constituição da notícia seguindo os propósitos de continuidade do interesse do leitor.

Nessa pesquisa, consideramos que o fato jornalístico atualmente possui um caráter de entretenimento, sendo a continuidade narrativa uma estratégia fundamental para que esse caráter seja configurado. Para Pena (2010) a continuidade narrativa não trata de uma nova maneira de estruturar os textos jornalísticos, mas antes de uma usual abordagem da imprensa, dado que uma cobertura jornalística é necessariamente pautada por repetições, acrescidas de novas informações, que servem para manter o interesse do leitor.

Apresentamos, por fim, a estrutura composicional desta dissertação, por capítulo. Optamos por iniciar esta dissertação com as discussões a respeito do texto jornalístico, para apresentar primeiramente o nosso objeto de análise. Para tanto, no primeiro capítulo, apresentamos alguns conceitos basais adotados pela comunicação na composição e compreensão do texto jornalístico, mais especificamente no tocante ao gênero recortado, a notícia, que compõe o nosso corpus de pesquisa, e, posteriormente a essa exposição inicial, trouxemos um pouco da discussão feita por estudiosos da Linguística.

No segundo capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos que nortearam nossa hipótese de pesquisa e objetivos perseguidos. E, ao propor a análise de textos jornalísticos de mídia impressa, enfocando processos referenciais, adotamos especialmente as visões de Mondada (2002) e Mondada e Dubois (2003), para quem a construção do objeto de discurso é um processo que se forma de maneira progressiva.

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O terceiro capítulo apresenta os parâmetros e os aspectos metodológicos da pesquisa. Nesse capítulo, expusemos e contextualizamos o corpus de análise, detalhamos cada um dos textos que compuseram o corpus, explicamos as escolhas realizadas para chegarmos ao recorte feito, expusemos os cálculos utilizados e detalhamos os parâmetros analíticos adotados, as unidades e as categorias de análise utilizadas.

O quarto capítulo constitui a parte central desta dissertação, pois é nele que apresentamos a análise dos dados à luz das discussões expostas anteriormente. Por meio das análises, pudemos averiguar a validade de nossa hipótese de pesquisa e em quais circunstâncias de produção ela ocorre, bem como fazer o levantamento das estratégias referenciais envolvidas no processo de progressão entre textos.

O quinto e último capítulo destina-se à apresentação das conclusões geradas a partir das análises desenvolvidas.

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1. O TEXTO JORNALÍSTICO

O objetivo deste capítulo é apresentar o texto jornalístico, mostrando o seu desenvolvimento estrutural ao longo da história e algumas de suas particularidades estilísticas. Para tanto, a presente exposição será dividida em três partes: Na primeira parte, faremos um apanhado histórico de como o texto jornalístico foi sendo consolidado, versando sobre os Quatro momentos do jornalismo; na segunda, faremos uma exposição da estrutura textual dos textos jornalísticos, abordando os três tipos textuais e seus gêneros, com ênfase na explanação sobre a estrutura textual clássica da notícia; por último, trataremos das abordagens provenientes de alguns estudiosos do texto jornalístico, tomando, especialmente, os estudos de van Dijk (2005), desenvolvidos no âmbito de uma perspectiva sociocognitiva dos processos de produção e compreensão textual.

1.1 Do século XVII à atualidade: a influência do jornalismo internacional no Brasil

A linguagem e as características adotadas pelo jornalismo contam com alguns desdobramentos textuais que foram se desenvolvendo ao longo de 400 anos de história da imprensa. Apesar de suas peculiaridades, o discurso jornalístico compartilha traços com outros tipos de discurso, tais como o discurso científico e o literário (MARCONDES FILHO, 1986).

Na Alemanha do século XV, a invenção da prensa de tipos móveis, pelo ourives Johann Gutenberg, foi uma das descobertas mais importantes para a difusão de ideias e de informações na Era Moderna (SCHUDSON, 2010). Iniciou-se a publicação de diversos livros e houve o surgimento dos primeiros jornais impressos do século XVII. A linguagem, ainda sem um estilo definido nesses primeiros impressos jornalísticos, aproximava-se, por vezes, da linguagem empregada em textos religiosos e literários. Além disso os textos estruturavam-se como pequenas notícias (SODRÉ, 1983).

A linguagem própria do texto jornalístico impresso começou a ser delineada no século XVIII, num período denominado por Marcondes Filho (2002) de Primeiro Jornalismo (1789-1830), à época da Revolução Francesa. É possível assinalar que o jornalismo da época ajudou a consolidar os ideais políticos da revolução: a construção dos pilares da nova sociedade

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francesa - sintetizados no lema da revolução “Liberdade, igualdade e fraternidade” - por meio de textos jornalísticos pautados na opinião expressa (SODRÉ, 1983).

Nessa época, os jornais eram organizações relativamente pequenas, e seus interesses declarados eram mais políticos do que comerciais. Como a sociedade ainda estava num processo de industrialização, o fluxo de notícias era pequeno e explicitamente opinativo. Esse período é comumente abordado como o jornalismo revolucionário (SCHUDSON, 2010).

O momento conhecido como Segundo Jornalismo, que compreende o período de 1830 a 1900, foi marcado pelo desenvolvimento da imprensa como negócio rentável. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial na Europa e nos Estados Unidos fez com que um grande contingente de pessoas fosse morar nos centros urbanos. No contexto desse êxodo, que levou a população do meio rural para o meio urbano, os jornais tornaram-se mais populares e passaram a publicar textos com vistas a alcançar toda a população leitora (SODRÉ, 1983).

Nesse período, o gênero notícia passou a ocupar uma posição importante. Segundo a pesquisadora Cremilda Medina (1988), a notícia ganha o status de um produto que respeita a lógica capitalista, já que é confeccionada para ser consumida em larga escala. É nessa época que surge a profissionalização dos jornalistas na Europa e nos Estados Unidos (SODRÉ, 1983).

O sociólogo Schudson (2010) afirma que, por volta de 1830, surgia o conceito de objetividade jornalística2. Até esta época, a maioria dos jornais norte-americanos adotava em seus textos uma escrita declaradamente parcial, o que representava a contraposição prática ao ideal de objetividade. Com a consolidação dos valores democráticos na sociedade norte-americana, os leitores passaram a exigir uma cobertura mais imparcial e objetiva da imprensa. Nesse período, surge o chamado modelo norte-americano de relato jornalístico, cuja estrutura organiza os fatos numa ordem decrescente de importância, com base em informações verídicas – coletadas a partir de relatos de terceiros (entrevistas) ou evidências. Esse modelo, ainda utilizado, é conhecido como pirâmide invertida.

2 No Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo, objetividade está relacionada a: “as palavras

estranhas ou desconhecidas deverão sempre ser explicadas; rebuscamentos não têm vez, sobretudo no lead; deve-se dar preferência às fradeve-ses curtas, procurando oferecer um ritmo adequado e, principalmente, jamais deve-se deve construir leads com um período único. ” Já o Manual de Redação, da Folha de S. Paulo, adverte que: “não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções. Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível”.

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No chamado Terceiro Jornalismo (1900-1970), o estilo de escrita e organização do texto com ênfase nos assuntos e personagem retratados passou a ser adotado como padrão nas notícias, em vários países. Essa época é caracterizada pela expansão do jornalismo como grande negócio, pois conjuntamente à consolidação, de certa forma hegemônica, do estilo de escrita e organização textual, surgem os grandes conglomerados jornalísticos no mundo todo (SODRÉ, 1983).

Nos Estados Unidos, William Randolph Hearst, considerado um dos pais do jornalismo sensacionalista, comandou um império jornalístico que envolveu jornais, estações de rádio e revistas. No Brasil, Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, seguiu seu exemplo, se tornando um dos mais poderosos homens da mídia que o Brasil já conheceu, conforme relata Fernando Morais na biografia “Chatô: o rei do Brasil” (2011). E não foi apenas na estruturação empresarial que Chateaubriand aderiu ao modelo americano, pois com o jornal “Diário Carioca”, a redação jornalística brasileira aderiu ao modelo norte-americano, na década de 1950. Até aquele momento, a imprensa brasileira era fortemente influenciada pelos jornalismos português e francês. A maior parte dos textos dos jornais impressos ainda possuía um posicionamento marcado pela opinião declarada, nos quais mesmo as notícias eram narradas de maneira parcial, numa estrutura que misturava informação e opinião.

Já em 1900, o diplomata e escritor brasileiro Joaquim Nabuco, no seu livro de memórias “Minha formação”, chamou a atenção para o pragmatismo da imprensa norte-americana, voltada para os acontecimentos e personagens, no lugar da reflexão. No trecho a seguir o escritor apresenta sua visão sobre o enfoque dado pela imprensa americana à vida privada:

[Nos Estados Unidos,] O político é entregue sem piedade aos repórteres; a obrigação destes é rasgar-lhes, seja como for, a reputação, reduzi-la a um andrajo, rolar com ele na lama. Para isso não há artifício que não pareça legítimo à imprensa partidária; não há espionagem, corrupção, furto de documentos, intercepção de correspondência ou de confidência, que não fosse justificada pelo sucesso. O efeito de tal sistema pode ser moralizar a vida privada, pelo menos a dos que pretendem entrar para a política, se há moralidade no terror causado por um desses formidáveis exposures eleitorais, os franceses diriam chantage. A vida política, porém, ele não tem moralizado. A consciência pública americana é muito inferior à privada, a moral do Estado à moral de família. (NABUCO; 2012)

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A implantação do estilo de texto jornalístico norte-americano foi trazida à imprensa brasileira após uma temporada do jornalista do “Diário Carioca”, Pompeu de Sousa, nos Estados Unidos, em 1950. O modelo centrado na informação, com o compromisso declarado com a imparcialidade, a objetividade e a concisão foi incorporado, no final da década de 1950, pelo “Jornal do Brasil”, iniciando a mais famosa reforma gráfico-editorial da história da imprensa brasileira, e servindo como base para os manuais de redação em vigor até hoje na maior parte dos jornais do país, conforme Sodré (1980).

Atualmente, vivemos em um período denominado Quarto Jornalismo, em vigor desde 1970, momento em que houve a incorporação das novas tecnologias na produção jornalística. Desde então, a imprensa consolidou no cotidiano da população média a importância da notícia, que se tornou cada vez mais ordinária na vida das pessoas, seja por meio da veiculação tradicional, como o jornal impresso, o rádio e a televisão, seja pelos novos suportes criados com a revolução digital, a partir da década de 1990, como as mídias digitais.

Segundo o escritor italiano Ítalo Calvino (1992), a modernidade se caracteriza pela diversidade. O mundo moderno é muito diferente da Idade Moderna, em que prevaleciam as vozes da Igreja e da nobreza. O mundo moderno é um mosaico de vozes sociais assimiladas pela literatura e pelas artes modernas.

1.2 Aspectos estruturais dos textos jornalísticos

Segundo José Marques de Melo (1986, p.69), é possível separar os textos jornalísticos em duas grandes categorias: informativos e opinativos. Na forma opinativa, podemos incluir os editoriais, textos em terceira pessoa que representam a opinião institucional de um determinado veículo de comunicação, os artigos de opinião, crônicas, resenhas, colunas, cartas, caricaturas e comentários. Os gêneros opinativos caracterizam-se por expressar fundamentalmente carga de opinião e visão pessoal, ou institucional, sobre um fato.

No tipo informativo, está o gênero jornalístico no qual o corpus desta pesquisa se enquadra, a notícia. Segundo Marques de Melo, podemos citar, além da notícia, como integrantes desse tipo os gêneros: as notas, as reportagens e as entrevistas. De acordo com o autor, o principal objetivo desses gêneros é informar o leitor e, portanto, os textos possuem uma ênfase maior na função referencial da linguagem.

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Os textos informativos representam teoricamente a produção mais impessoal do jornal. Trata-se de textos com função informacional, oferecidos ao público de maneira imparcial e direta, mantendo o leitor atualizado, ao levar as informações que possuem utilidade pública e relevância social (MORAIS, 2011).

Segundo Habermas (2003), os assuntos tratados no gênero noticiário são temas pertencentes à “esfera pública”, ou seja, o espaço no qual os cidadãos podem debater temas de grande interesse de uma sociedade, como os “Atentados de Paris”, corpus desta pesquisa. Em direção oposta, mas também marcando a relação entre notícia e temas pertencentes à esfera pública, Lage (2006) afirma que, alimentados pelas notícias, os temas escolhidos compõem os temas da esfera pública e da opinião pública (LAGE, 2006).

Apesar dos veículos de imprensa apregoarem a imparcialidade no gênero notícia, estratégias de convencimento estão sempre presentes no texto, como a utilização do discurso do especialista, apontado por Chauí (2006), como forma de embasar uma determinada informação, transformando opinião em argumento.

Citelli (2004) explica essa estratégia como a tentativa de atrelamento aos discursos dominantes, como fonte de validação, ao utilizar figuras vinculadas a instâncias de poder que gozam de respeito e confiança pública.

Alinhada aos pressupostos da imparcialidade, a notícia, tal como conhecemos hoje, possui uma estrutura textual específica, desenvolvida a partir da década de 1830, nos Estados Unidos, no contexto da Guerra da Secessão (SCHUDSON, 2010), a partir da necessidade de se veicular informação objetiva. Nesse período, surgiu a primeira agência de notícias da história, a Associated Press, que fez a cobertura jornalística da Guerra Civil americana.

Como as notícias eram publicadas por jornais diferentes, o enfoque deveria ser imparcial e o formato deveria seguir uma estrutura que pudesse ser facilmente editada, a de pirâmide invertida. Essa estrutura, criada pela imprensa norte americana no século XIX, pode ser observada nas referências feitas nos textos do corpus às grandes agências de notícia mundiais, como a Reuters, EFE, AFP, BBC e Deutch Welle, já que ambos os veículos de mídia a que recorremos, O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo, basearam a escrita de seus textos nos textos veiculados por grandes agências internacionais.

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Schudson (2010, p.96) afirma que o surgimento da notícia, compreendida como um relato imparcial e objetivo de um determinado acontecimento, com base em evidências reais, deve-se ao surgimento dos sistemas políticos democráticos. Essa característica da sociedade americana foi descrita por Tocqueville, em “Democracia na América” (2010), ao apontar o crescente interesse da população norte-americana pelas notícias, em consonância com a consolidação da democracia, com destaque para a importância da imprensa na formação da opinião pública:

Num país onde reina ostensivamente o dogma da soberania, do povo, a censura não é apenas um perigo, mas ainda, um grande absurdo. Quando se concede a cada um o direito de governar a sociedade, é necessário reconhecer também a sua capacidade de escolher entre as diferentes opiniões que agitam seus contemporâneos e de apreciar os diferentes fatos cujo conhecimento pode guia-los. A soberania de um povo e a liberdade da imprensa são, pois, duas coisas inteiramente correlatas. A censura e o voto universal, pelo contrário, são duas coisas que se contradizem e não podem encontrar-se muito tempo nas instituições políticas de um mesmo povo. Entre os doze milhões de homens que vivem no território dos Estados Unidos, não existe um sequer que ainda tenha ousado propor restringir a liberdade da imprensa. (TOCQUEVILLE, p.144-145, 2010)

Conforme assinala Jorge (2008), a notícia é estruturada nos seguintes parâmetros: 1) precisão: contando apenas com informações que sejam relevantes; 2) clareza: o texto deve ser escrito com frases curtas, em ordem direta, utilizando palavras comuns, para que seja entendido por um maior número de pessoas; 3) concisão: o texto não deve ser muito longo, apenas com as informações necessárias; 4) objetividade: o texto deve ser narrado sempre em terceira pessoa; 5) imparcialidade: o jornalista não deve expressar a opinião sobre o assunto retratado. Jorge (2008) complementa essa estrutura apontando a necessidade da utilização de mais de uma fonte de informação.

Do ponto de vista da forma, a notícia, segundo Lage (2006), deve possuir uma narrativa, e o fato deve ser narrado em ordem cronológica, com as informações apresentadas em ordem crescente de importância. Esse formato de pirâmide invertida, adotado no Brasil, com base na estrutura norte americana, apresenta as informações mais importantes no início da notícia e prescinde da repetição dessas informações na continuidade da cobertura do mesmo fato (PENA, 2010).

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Como forma de exemplificação, tomaremos como base a narrativa tradicional jornalística de um acidente, na qual o fato mais relevante é narrado desde o princípio, começando com a informação se há ou não vítimas fatais, com número de vítimas, seguido das circunstâncias em que o acidente ocorreu.

Ao parágrafo inicial dá-se o nome de “lide” (do inglês, lead). No lide, o jornalista procura responder às questões básicas para o entendimento de um fato, entre elas: 1) quem?, 2) quando?, 3) o quê?; 4) onde; 5) como?; 6) por quê? Alguns autores incluem ainda uma sétima pergunta: para quê? Vejamos a seguir a estrutura do “lide”, ou lead, propostas pelos “Manuais de Redação” de ambos os veículos de mídia utilizados nesta pesquisa. De acordo com o Manual de Redação e Estilo do Estado de S. Paulo,

O Lead é a abertura da matéria. Nos textos noticiosos, deve incluir, em duas ou três frases, as informações essenciais que transmitam ao leitor um resumo completo do fato. Precisa sempre responder às questões fundamentais do jornalismo: o que, quem, quando, onde, como e por quê. Uma ou outra dessas perguntas pode ser esclarecida no sub-lead, se as demais exigirem praticamente todo o espaço da abertura. Graficamente, recomenda-se que o lead tenha de quatro a sete linhas da lauda padrão do Estado. Nada impede, porém, que ocupe uma ou duas linhas, apenas, em casos excepcionais ou quando se tratar de informações de impacto. Mais que nas demais partes do texto, o lead deve ser objetivo, completo e simples e, de preferência, redigido na ordem direta. (MANUAL DE REDAÇÃO E ESTILO, p.43, 2003);

De acordo com o Manual da Redação da Folha de São Paulo,

O lide tem por objetivo introduzir o leitor na reportagem e despertar seu interesse pelo texto já nas linhas iniciais. Pressupõe que qualquer texto publicado no jornal disponha de um núcleo de interesse, seja este o próprio fato, uma revelação, a ideia mais significativa de um debate, o aspecto mais curioso ou polêmico de um evento ou a declaração de maior impacto ou originalidade de um personagem. (MANUAL DA REDAÇÃO, p.28).

Ao responder a essas questões, o jornalista fornece um panorama sobre o acontecimento. O lide é um convite ao leitor para que prossiga a leitura. Embora haja uma polêmica sobre a existência ou não do sublide, este pode ser definido como a complementação do lide (NABUCO, 2012). O que se segue é o corpo da matéria, no qual mais detalhes sobre o tema são apresentados, tais como entrevistas e dados.

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Jorge (2008) é ainda mais específica ao sugerir que a notícia deve ter em torno de 30 linhas, com a seguinte distribuição: lide (5 linhas), sublide (5 linhas), corpo (15 linhas) e fecho (5 linhas). Existem, também, várias formas de lide. Pode ser o clamado lide “simples” ou “direto”, em que as perguntas são respondidas no primeiro parágrafo sem maiores invenções; outro tipo é o lide “resumo”, em que a maior parte dos fatos é resumida já no primeiro parágrafo; existe ainda o lide iniciado com declaração entre aspas. Neste caso, aconselha-se seu uso apenas quando se trata de uma afirmação realmente importante; há ainda um tipo de lide que se inicia com uma ou mais perguntas – além de diversas outras formas usadas no dia a dia dos jornais. (MARCONDES FILHO, 2002)

Apesar de o gênero notícia ser compreendido como um gênero que apresenta uma estrutura fixa, aprendida nas escolas de comunicação ou na rotina do trabalho diário nas redações dos meios de comunicação, cada veículo adota estilo próprio, o que depende, em muitos casos, do perfil do leitor e da linha politico-ideológica do jornal. Afinal, as notícias são entendidas do ponto de vista empresarial como o principal produto de um editorial (MEDINA, 1988).

O jornalismo compreendido como uma atividade interpretativa e construtora dos fatos utiliza-se de dois critérios: o da percepção dos acontecimentos como algo importante e sua narração como algo interessante, ora selecionando a realidade através da importância social do fato, ora selecionando-a pelo interesse que o fato pode despertar. O modo de narrar o acontecido como algo interessante revela o lado arbitrário do trabalho jornalístico, contrapondo-se à objetividade proposta (MEDINA, 1988). As palavras de Medina (2008) a respeito da prática jornalística nos apresenta melhor o processo de estruturação dessa escrita narrativa:

Quando se observa o fazer cotidiano do jornalista e a doutrina presente na formação universitária (que data também do fim do século XIX), verificam-se marcas epistemológicas herdadas do Discurso sobre o espírito positivo. Ou do espírito comtiano. Senão, vejamos: a noção de real e a relação objetiva com o real; a tendência para diagnosticar o acontecimento social no âmbito da invariabilidade das leis naturais; a ênfase na utilidade dos serviços informativos; o tom afirmativo perante os fatos jornalísticos; a busca obsessiva pela precisão dos dados com valor de mercado; a fuga das abstrações; a delimitação de fatos determinados. A moldura ideológica, fixada no jornalismo, está representada nas palavras-chave da bandeira brasileira – ordem e progresso (MEDINA, 2008, p.24-25).

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Silva (2014) aponta que muitas vezes, na busca pela novidade, a mídia reveste os fatos antigos, que reaparecem com uma nova roupagem. Já Serva (2000) diz que a base da notícia é o fato novo, causador de surpresa, mas que esse fato novo nada mais é do que uma “notícia velha”, então reformulada. E para que seja mantido o interesse do leitor pelo fato, a mídia constrói, por meio da narrativa e de retomadas, uma identidade discursiva, para o fato e seus personagens, com uma quantidade de informações sobre eles quase inalterada em toda a cobertura.

Pena (2010) diz que as repetições ao longo de uma cobertura jornalística impressa funcionam como um fator identificador e de manutenção do interesse do leitor. Sendo assim, segundo o autor, a manutenção de alguns termos para designação do fato e de seus autores, bem como a repetição de algumas informações e de formas sintáticas já utilizadas, quando não de repetições exatas, promovem no leitor o interesse contínuo na cobertura sobre determinado fato, ao mesmo tempo em que promove uma espécie de intimidade do leitor com o retratado.

Os recursos de repetição e reformulação abordados por Pena (2010), Silva (2014) e Serva (2000), presentes em todos os textos analisados neste trabalho, por meio da repetição dos referentes textuais, compõem a estratégia de progressão textual ao longo dos textos, na composição de uma cobertura continuada. Essas repetições, promotoras de uma identidade referencial, funcionam para o leitor como elemento de manutenção de interesse pela identificação e familiaridade, segundo os autores citados.

Tendo em vista a estrutura de construção narrativa de uma cobertura jornalística impressa, é possível afirmar que a manutenção da identidade textual-discursiva promovida pela progressão referencial ao longo dos textos é o fator preponderante na construção e manutenção de uma cobertura jornalística. Nosso apontamento ampara-se nos autores do campo da comunicação, mobilizados neste capítulo, para quem a repetição de termos contribui para a manutenção do fato como repetível e, consequentemente, para a manutenção do interesse do leitor, ou seja, contribui para a manutenção da identidade referencial, por meio da construção da progressão referencial entre textos.

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1.3 O texto jornalístico como objeto de estudo

Nos anos 1960, com o desenvolvimento da Linguística Textual, foi aberta a discussão sobre os tipos textuais, com o desenvolvimento da vertente de estudo de gêneros textuais, linha de estudo que buscava a descrição dos critérios internos em uma língua na busca de uma categorização dos textos. Ressalte-se que nos tempos atuais várias abordagens teóricas deram um novo norte aos estudos relacionados ao texto, pois critérios externos à língua passaram a ser considerados (BONINI, 2002).

De acordo com Bonini (2002), desde a Antiguidade há uma preocupação na nomeação, delimitação e categorização dos textos. Na Grécia Antiga, já existiam estudos sobre o tema que almejavam descrever as partes convencionais de um texto; essas partes chamadas de categorias eram “descritas em abstrato, quase que à margem do ato comunicativo e do contexto social de ocorrência” (BONINI, 2002, p.14).

Sobre o gênero jornalístico, Bonini (2001) ressalta que existem poucos estudos que trazem as correlações entre os gêneros ou que tratem dos textos do jornal com um todo:

Na literatura da área da comunicação, a noção de gênero não aparece de forma muito clara. Tanto são entendidos como gêneros os textos relacionados a uma prática discursiva (de ocorrência empírica, como a notícia e a reportagem) quanto os traços que representam categorias mais amplas e de caráter tipológico, determinados pelo filtro teórico do estudioso e não pela realização empírica, como é o caso dos gêneros diversionais, utilitários e formais que aparecem em Dias et al. (2001). Muitos dos gêneros específicos (que Dias et al. denominam formatos) também não são identificáveis como ocorrências empíricas de textos no jornal: história em quadrinhos (são vários gêneros, sendo o que ocorre mais comumente no jornal é a tira); propaganda empresarial (também diz respeito a vários gêneros); história de interesse humano (é, provavelmente, um tipo de reportagem); e suíte (que corresponde a uma extensão do relato da notícia nas edições posteriores, não sendo um gênero, mas um mecanismo de textualização da notícia) (BONINI, 2003, p.01).

Seguindo a discussão de Bonini (2003), os estudos recentes sobre o gênero não trazem uma definição clara sobre os parâmetros do texto jornalístico e não explicitam sua forma de constituição, pois faltam estudos que contemplem todas as tipologias da organização do jornal e dos seus respectivos gêneros no que tange à estrutura textual.

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Para Van Dijk (1990) também é importante notar que a leitura de uma notícia demanda uma quantidade significativa de conhecimentos prévios relacionados ao assunto, muito embora, o autor destaque que não é possível estabelecer o capital de conhecimento mobilizado.

Outra característica levantada por van Dijk (1990), em seu estudo, é que após um curto período de tempo (por volta de um mês), sem a veiculação de uma notícia sobre um determinado assunto, os leitores não mais conseguiram resgatar em suas memórias dados e informações relativos ao fato lido. Com base nisso, o autor, verificou que as informações consolidadas são relativas ao que nomeou de “macro posições”, constituídas por termos relacionados aos temas política ou socialmente importantes nas vidas dos leitores. Esses levantamentos levaram o autor a concluir que as informações contidas nas notícias se transformam em conhecimento para o leitor por meio de repetições e da recorrência de informações, recurso comum em coberturas jornalísticas continuadas sobre um fato, conforme pontua Pena (2010).

Sendo assim, van Dijk nos apresenta alguns elementos estruturais da notícia em sua relação com a produção de conhecimento, sobre os quais destacaremos alguns: como um vocabulário acessível ao leitor médio, reduzindo ao mínimo os termos técnicos, o uso de nominalizações ao invés de verbos e “declarações propostas”, como em “No pronunciamento do presidente...”. Outro fator importante ao nosso estudo e destacado por van Dijk (1990) é a seleção do léxico empregado. No âmbito das escolhas lexicais, van Dijk (1990) nos apresenta um exemplo que se alinha à temática tratada no nosso corpus:

el ejemplo tradicional de usar “terroristas” en lugar de “guerrilla” o “luchadores de la liberdad” es sólo un ejemplo. Lo mismo sucede con el uso de “revuelta” en lugar de “distúrbios” o en lugar de “resistencia”, o el uso de la palabra “alborotadores” en lugar de, por ejemplo, “manifestantes”. Un gran parte del punto de vista oculto, de las opiniones tácitas o de las ideologías usualmente negadas por la prensa pueden inferirse a partir de estas descripciones e identificaciones del léxico de los grupos sociales y de sus miembros. (van Dijk, 1990, p.252)

Mais adiante, em nossas análises, será possível observar que todos esses recursos apontados por van Dijk em relação à estrutura da notícia são utilizados na construção dos objetos de discurso e, consequentemente, na progressão referencial. Sendo assim, torna-se fundamental a compreensão de como esses objetos se edificam e progridem.

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A compreensão dos sistemas comunicativos em sociedade ajuda no entendimento de muitos aspectos da produção dos textos jornalísticos. Os jornalistas na produção da notícia utilizam sempre algum tipo de conhecimento prévio do mundo. Entendemos que não é possível a compreensão dos processos estruturais de produção de um texto sem a consideração dos processos referenciais, em especial no caso dos textos jornalísticos, nos quais há a criação de identidades para os assuntos abordados por meio da construção e repetição de um léxico identitário para a manutenção de interesse a partir da repetição.

Fechamos este capítulo com uma questão levantada a partir das discussões travadas por van Dijk (2005) e apresentadas aqui a respeito da produção da notícia pelo jornalista, por acreditarmos que ela nos leva as questões tratadas no capítulo de análise, no qual a responderemos: Dentro da estrutura da notícia proposta pelos teóricos da comunicação e observada por estudiosos do texto, como o recurso chave apontado, a repetição, ocorre textualmente?

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2. A QUESTÃO REFERENCIAL

2.1 Breve introdução

Apesar de muito já ter sido discutido sobre referenciação, as análises apresentadas até o momento tendem a não considerar a formação das cadeias referenciais como um processo possível de ser observado transversalmente, considerando os textos que compõem uma cobertura jornalística a respeito de determinado assunto. Nossa pesquisa, ao contrário do cenário exposto, apresenta a progressão referencial entre textos, transversalmente, ao longo de uma cobertura jornalística continuada.

A cobertura de um caso abordado pela mídia, por meio de textos verbais, apresenta repetições e recategorizações sucessivas de objetos de discurso já introduzidos. Comumente, ao longo de uma cobertura jornalística, a introdução de um objeto-de-discurso em um texto ocorre de maneira ancorada, ou seja, associada a textos anteriores nos quais estão organizadas as principais informações a serem oferecidas ao leitor sobre o assunto dessa cobertura.

Entendemos a progressão referencial, tal qual esboçamos em nossa hipótese, como um fenômeno que ocorre não apenas no interior de um texto, mas, especialmente, no caso das coberturas jornalísticas sobre um fato, entre os textos jornalísticos produzidos ao longo de uma cobertura, particularmente sobre um fato de impacto nacional, ou internacional.

Neste capítulo, apresentaremos uma breve discussão dos principais conceitos teóricos a serem empregados na análise do corpus, conceitos esses desenvolvidos no âmbito da Linguística Textual sobre o fenômeno da referenciação. De forma a iniciar uma discussão sobre a extensão dos termos empregados, especialmente em relação aos termos “referente discursivo” e “objeto de discurso”, consideraremos como fio condutor os dizeres de Koch (2009a, p. 29): “‘referentes’ não são coisas do mundo real, mas objetos de discurso, construídos no decorrer dessa atividade”.

Portanto, daqui em diante, trabalharemos, em um primeiro momento, com o conceito de objetos de discurso, por meio das estratégias de recategorização, incluindo as rotulações, que mobilizam as expressões referenciais, mas, em especial, expressões nominais definidas, na qual destacamos as descrições definidas, tendo em vista que o fato de ser a estratégia mais

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utilizada; e, em um segundo momento, com o conceito de anáforas associativas. De forma a dinamizar a discussão teórica apresentada, exemplificaremos os conceitos com algumas análises iniciais de excertos do corpus de nossa pesquisa.

2.2 A construção dos objetos de discursos: o que dizem as teorias

(..) as categorias e os objetos de discurso pelos quais os sujeitos compreendem o mundo não são nem preexistentes, nem dados, mas se elaboram no curso de suas atividades, transformando-se a partir dos contextos. Neste caso, as categorias e objetos de discurso são marcadas por uma instabilidade constitutiva, observável através de operações cognitivas ancoradas nas práticas, nas atividades verbais e não-verbais, nas negociações dentro da interação. (MONDADA E DUBOIS, 2003).

A epígrafe que abre esta subseção nos introduz à discussão teórica sobre a questão da referenciação, e, consequentemente, aos fundamentos teóricos deste trabalho, postulados por Mondada e Dubois (2003): os objetos de discurso emergem no discurso como uma construção que é fruto de fatores contextuais. No processo de desenvolvimento textual o autor mobiliza conhecimentos e informações a respeito do retratado, para a construção dos objetos de discurso, conforme a sua intenção discursiva. Sendo assim, os objetos de discurso são concebidos no decorrer das atividades discursivas. As autoras valem-se da metáfora do espelho3, segundo a qual o texto seria um espelho do mundo, para oferecer um contraponto ao conceito de construção dos objetos de discurso que adotam. O conceito de construção, adotado por elas, opõe-se à ideia de que as estruturas linguísticas reproduzem fatos e personagens, no interior dos textos, como na metáfora do espelho.

A perspectiva partilhada por diversos autores, os quais abordaremos ao longo deste texto, opõe-se à visão de Milner (2003), que, como pontuado por Cavalcante (2003), “(...) se inscreve na perspectiva oposta: de língua como uma representação perfeita e adequada do mundo real. ”. Sendo assim, a perspectiva que utilizaremos nesta pesquisa é a de construção dos objetos discursivos e não de transposição dos objetos de mundo para o texto.

3 As autoras tomam como base o texto de Rorty (1980), no qual o autor discorre sobre os dizeres de Kant em

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Dito de outro modo, o conceito de Blikstein, explicado por Koch (2009), de que o real é “um produto de nossa percepção cultural” (op. cit., 2009, p.77), consiste na ideia de que os elementos lexicais não são simplesmente introduzidos no texto espelhando a realidade, visto que os objetos de mundo são produtos de nossas experiências culturais. O que entendemos como realidade é na verdade uma série de conceitos e práticas sociais, muitas delas estabelecidas e pré-estabelecidas por grupos, e reforçadas constantemente por meio da linguagem e do léxico cunhado, as quais nos remetem à noção de objeto de discurso construído no interior do discurso, e, portanto, a sua leitura é condicionada aos conceitos e aos conhecimentos ativados pelo leitor (Koch, 2009b).

Essa perspectiva conceitual tem início, especialmente, com os estudos de Apothéloz e Reichler-Béguelin (1995) e de Mondada e Dubois (1995), que formulam questionamentos sobre os conceitos anteriores de “referência” e “referente”, que, de acordo com Lima e Feltes (2013), apresentavam uma “visão cartográfica do mundo”. Essa visão cartográfica seria, então, uma visão fixa de mundo, contrária à visão sociocognitivista, que compreende o desenvolvimento de um texto como resultado de nossas experiências e conhecimentos culturais, sociais, históricos e pessoais na relação com o assunto abordado. Tomemos os dizeres de Marcuschi (2005, p.69), para a melhor compreensão dessa abordagem:

Conhecer um objeto como cadeira, mesa, bicicleta, avião, livro, banana, sapoti não é apenas identificar algo que está ali, nem usar um termo que lhe caiba, mas é fazer uma experiência de reconhecimento com base num conjunto de condiç ões que foram estabilizadas numa dada cultura. O mundo de nossos discursos (não sabemos como é o outro) é sócio-cognitivamente produzido.

Para Mondada e Dubois (2003), a introdução do objeto de discurso funciona como uma primeira categorização, cuja construção traduz-se em um processo no qual o objeto é introduzido, ou categorizado, e retomado de maneira progressiva. As autoras, ainda, postulam a substituição do conceito de referência e referente pela noção de referenciação, que consiste em um processo, pela de objeto de discurso, como “construtos culturais”, adotados nesta pesquisa.

A progressão referencial, segundo Koch (2009a), ocorre por intermédio de três estratégias: (i) de introdução, na qual o objeto de discurso é introduzido no texto,

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constituindo a etapa inicial de construção; (ii) retomada ou manutenção, na qual o objeto de discurso já introduzido é retomado referencialmente, mantendo-o em foco; (iii) desfocalização, na qual um novo objeto de discurso é introduzido, alterando o foco discursivo.

Os objetos introduzidos são retomados através das anáforas, referenciação retrospectiva, e das catáforas, por adiantamento. A progressão referencial, para a formação de cadeias referenciais, ocorre por meio desse processo de introdução e retomada, no interior do qual a focalização discursiva é mantida.

Na retomada do referente, o produtor do texto, além de promover a manutenção da focalização discursiva e a progressão referencial, busca agregar informações que vão construindo o objeto ao longo do discurso. Dentro dessa perspectiva, a referenciação traduz-se na construção dos objetos de discurso, em um processo no qual o autor edifica estraduz-ses objetos progressivamente por meio da retomada dos referentes já empregados e da introdução de novos referentes, que agregam informações selecionadas discursivamente, de acordo com suas intenções de representação. Como bem explicado por Lima e Feltes (2003): “A referenciação é, antes de tudo, uma atividade discursiva e os referentes passam a ser concebidos como objetos de discurso elaborados, pelos interlocutores, no interior dessa atividade”.

Como se pode notar, os objetos de discurso são edificados no texto caracterizando uma construção discursiva e não a transposição do real. Ao utilizar o termo “construção” não há a acepção de que as informações são dissociadas da percepção de realidade compartilhada pelos indivíduos de uma sociedade, mas que os elementos lexicais utilizados na edificação dos objetos discursivos são escolhidos e levados ao texto com um determinado propósito discursivo.

Alinhando-se à Mondada e Dubois, grande parte da abordagem adotada atualmente, incluindo os estudos recentes de Koch (2009a) e de Cavalcante (2011; 2012; 2013), compreende a construção do objeto de discurso como um processo ocorrido em contexto sociocognitivo interacional, visão compartilhada pelos estudos de Koch (2005; 2009a), Koch e Marcuschi (1998) e Koch e Elias (2009), dentro dos quais as informações que o leitor recebe no texto serão interpretadas e compreendidas por ele partindo dos conhecimentos e conceitos que possui a respeito do que está sendo retratado.

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Podemos dizer, ainda, que os objetos de discurso emergem por meio de um processo em que o autor seleciona informações conforme seus intentos, seu projeto de dizer, cabendo ao leitor a ativação de seus conhecimentos prévios para o estabelecimento do processo de leitura e compreensão do projeto do autor. Sendo assim, a compreensão dos sentidos dos objetos de discurso ocorre através de processos cognitivos realizados pelo leitor para processar e interpretar o que está sendo lido, como pontua Marcuschi (2008), ao dizer que o leitor realiza inferências para entender as informações recebidas, de tal forma que, nos processos de referenciação, a inferenciação atua como um fator por intermédio do qual o leitor ativa seus conhecimentos prévios e valores para compreensão do texto.

Consistindo os objetos de discurso em uma construção da realidade discursiva, é possível afirmar que o autor do texto faz a seleção de informações pertinentes à edificação projetada, erigindo os objetos de discurso ao longo de sua produção textual, assim como o faz um escritor quando elabora de forma cuidadosa as características das personagens de seu texto literário.

Desta forma, a construção de um objeto de discurso resulta de um trabalho de construção discursiva com base na visão de mundo do produtor sobre a realidade externa ao texto. Partindo das informações selecionadas, é a mobilização e a combinação de determinados recursos linguísticos (determinantes, nomes, modificadores) que permitem a emergência da imagem produzida por um determinado objeto-de-discurso. Porém, a imagem produzida pelo objeto de discurso não é fornecida pelo autor em sua totalidade, pois contará com conhecimentos prévios e contextuais do leitor, que serão ativados no momento da leitura.

De acordo com Koch (2009a), as principais estratégias de progressão referencial, utilizadas nas categorizações e recategorizações referenciais são: “a. uso de pronomes ou elipses (pronome nulo); b. uso de expressões nominais definidas; c. uso de expressões nominais indefinidas.” (Koch, 2009a; p. 85).

Neste capítulo, nos ateremos às expressões nominais, que servem para uma melhor compreensão das estratégias referencias empregadas no corpus no processo de referenciação. Nesse sentido, apresentamos, com vistas a introduzir à explicação, o esquema da autora para demonstrar os parâmetros de configuração das expressões nominais definidas. Esses parâmetros também servem para o entendimento da configuração das expressões indefinidas,

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no gráfico a seguir, baseando-nos na explicação da autora sobre a estrutura formal das expressões:

Det. + Nome

Det. + Modificador(es) + Nome + Modificador(es)

Det. Artigo definido

Demonstrativo

Modificador Adjetivo

SP

Oração relativa

(Koch, 2009; p. 87)

As expressões nominais, com ou sem o determinante, segundo Koch (2009a), dão viabilidade ao “querer dizer” (Koch, 2009a, p. 87), geralmente com a função de ativação dos conhecimentos prévios do leitor, ao colocar na superfície textual uma característica que se deseja demarcar, caracterizando-se como uma escolha de uma informação em detrimento de outra informação relativa ao referente.

No que tange às expressões nominais, destacamos as descrições definidas, como a principal estratégia referencial utilizada no corpus que, como bem explicado por Koch (2009a):

(...) caracterizam-se pelo fato de o locutor operar uma seleção, dentre as propriedades atribuíveis a um referente, daquela (s) que, em dada situação discursiva, é (são) relevantes (s) para a viabilização de seu projeto de dizer.

As descrições definidas, ainda de acordo com Koch (2009a), ativam informações que se pretende destacar a respeito de um referente. A introdução de uma descrição definida pode fornecer, por exemplo, informações acerca das opiniões do autor do texto, contidas na seleção realizada na introdução dessas descrições. Como observaremos mais adiante, nas análises, muitas das retomadas correferenciais possuem recategorizações por meio de descrições definidas.

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As cadeias referenciais anafóricas formadas, preferencialmente, com as descrições definidas revelam o projeto do autor na construção de uma determinada imagem sobre o retratado.

Ao introduzir no texto uma expressão referencial que nomeia, ou designa, um conjunto de informações a respeito do objeto de discurso, de acordo com Koch, as informações ou designações são rotuladas. Apesar da rotulação também poder estar ancorada a outros elementos do texto, a ligação não é somente realizada por associação direta ou indireta, mas também através do encapsulamento de elementos associados a outros referentes. Segundo Francis (1994), as rotulações oriundas de encapsulamentos precedentes ou antecedentes consistem em nominalizações.

Conforme a especificação adotada por Francis (2003), esses rótulos ainda podem ser incluídos tanto de maneira prospectiva (cataforicamente) como retrospectiva (anaforicamente). Todavia Francis (2003) diz que quando um rótulo é prospectivo tem por função “dizer ao leitor o que esperar” (op. cit., p. 195), antecipando a leitura sobre o objeto ainda não introduzido, ao passo que um rótulo, quando é anafórico, aponta ao leitor como o objeto já apresentado deve ser interpretado. Para o autor, a referência do rótulo retrospectivo pode ser, por vezes, difusa, como explica no trecho reproduzido:

(...) um rótulo retrospectivo não necessariamente se refere a uma extensão de discurso claramente delimitada ou identificável: nem sempre é possível decidir onde se encontra o limite inicial de sua base de referência. (...) A extensão precisa do discurso a ser seccionada pode não importar: é a mudança de direção assinalada pelo rótulo e seu ambiente imediato que é de crucial importância para o desenvolvimento do discurso. Pode-se mesmo arguir que uma indistinção referencial deste tipo pode ser usada estrategicamente pelo escritor para efeitos criativos ou persuasivos, talvez dando escopo para diferentes interpretações, ou ofuscando as linhas de argumentos artificiosos ou espúrios. (op. cit., p.200)

A propósito das rotulações que, ainda que em pequeno número, aparecem no corpus analisado, podemos dizer que o papel das nominalizações na progressão referencial, como demarcam os autores explicitados anteriormente, deixa claro que as retomadas com expressões nominais possuem uma âncora, precedente ou antecedente, como pontuado por Francis (1994), mas que, como podemos melhor entender pelos dizeres de Koch (2012), ocorre de maneira diversa das retomadas anafóricas associativas e indiretas:

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Minha proposta é que se incluam, entre os casos de introdução ancorada de objetos-de-discurso as chamadas nominalizaç ões, tal como definidas por Apothéloz (1995): uma operação discursiva que consiste em referir, por meio de um sintagma nominal, um processo ou estado significado por uma proposiç ão que, anteriormente, não tinha o estatuto de entidade. Assim definida, a nominalizaç ão designa um fenômeno geral de transformaç ão de proposições em entidades. Neste caso, porém, o processo de inferenciação é distinto daquele mobilizado no caso das anáforas associativas e indiretas.

Dentre as estratégias referenciais apontadas anteriormente, observamos no corpus o uso de descrições definidas, conjuntamente a estratégia de denominação reportada. Como podemos observar no exemplo seguinte, a denominação reportada promove um distanciamento crítico do que está sendo levado ao discurso, por intermédio da introdução da fala de outrem, comumente uma autoridade (Koch; 2009):

Exemplo 1

“Hollande acusa EI e classifica ataques como ‘atos de guerra’” (MATÉRIA 15 – JORNAL: O ESTADO DE S. PAULO – 14/11/2015 16h29)

O que notamos no recorte da fala do presidente francês, François Hollande, é que a recategorização é realizada na fala do próprio presidente trazida para o discurso. Com isso, o jornal isenta-se da responsabilidade da recategorização empregada, visto que quem classifica os ataques como atos de guerra é o presidente.

2.3 A construção de objetos de discurso: breves exemplificações com o corpus da pesquisa

Ao promover a recategorização de um objeto discursivo com substituição do referente, é preciso deixar expressa contextualmente a correferência entre um e outro objeto de discurso por meio da construção de uma cadeia referencial baseada em processos sociocognitivos de interpretação das relações de sentido entre os dois objetos. No entanto, a correferencialidade não se sustenta apenas com o processo de retomada de um objeto por outro, mas também em função da presença de outros elementos do contexto, tais como os elementos que compõem os predicados (verbos e seus complementos), arranjados de forma a

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possibilitar ao leitor tanto a identificação do referido objeto de discurso, como a manutenção do foco discursivo. Vejamos dois exemplos que serão discutidos a seguir:

Exemplo 2

“Os agressores realizaram seis ataques quase simultâneos na capital: tiroteios em vários bares do centro, uma tomada de reféns na casa de shows Bataclan, na qual morreram pelo menos 70 pessoas, e três explosões nas imediações do Stade de France, onde a seleção nacional disputava um amistoso contra a Alemanha.” (MATÉRIA 7 – JORNAL: O ESTADO DE S. PAULO – 14/11/2015 06h30)

Exemplo 3

“Em noite de pânico e terror, vários atentados simultâneos atingiram nessa sexta-feira, 13, pontos distintos de Paris e deixaram mais de 120 mortos e dezenas de feridos.” (MATÉRIA 10 – JORNAL: O ESTADO DE S. PAULO – 14/11/2015 08h38)

Nos exemplos acima, retirados do corpus dessa pesquisa, é possível perceber que os textos apresentam objetos de discurso (“seis ataques quase simultâneos na capital” e “vários atentados simultâneos”) que podem ser considerados como correferentes entre si especialmente porque: (i) há uma recategorização de ataques por atentados, substituição esta que mostram uma reorientação argumentativa por parte do produtor, dado que atentado apresenta um acréscimo/especificação em relação aos sentidos do nome-núcleo ataque; (ii) há a manutenção do modificador simultâneo em relação ao nome-núcleo; e (iii) ambos os eventos são circunscritos contextualmente como tendo acontecido em Paris, sendo que, no primeiro enunciado essa orientação espacial é feita por meio da expressão na capital, e no segundo enunciado é feita pela expressão referencial pontos distintos de Paris.

Esse trabalho discursivo sobre o evento ocorrido em Paris em novembro de 2015 corrobora a discussão feita acima porque é possível observar que o objeto de discurso ataque é introduzido em uma matéria e retomado em outra não por meio da repetição da expressão referencial, mas por meio de um trabalho de recategorização que reorienta o leitor para novos aspectos do objeto de discurso em construção.

Não obstante as recategorizações oriundas de repetições e de recategorizações por meio de substituições, ou modificações, do referente, outra estratégia utilizada nos textos da cobertura jornalística sobre o ocorrido em Paris em 2015, é o emprego da repetição do nome-núcleo da expressão referencial acrescida de um modificador, como veremos adiante. Em

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