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Os portugueses na grande guerra : uma experiência de combate e de cativeiro

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Academic year: 2021

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I

Os portugueses na Grande Guerra

Uma experiência de combate e de cativeiro

Dissertação de Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares

Área de Especialização em História Contemporânea por

Carlos Jorge Alves Lopes

Orientadora:

Professora Doutora Maria Isabel João Lisboa, Outubro de 2012

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II

Capa: Foto de Arnaldo Garcês

Tirada em Paris, a 14 de Julho de 1919, durante o Desfile da Vitória. Os portugueses participaram com um contingente de 150 soldados do Corpo Expedicionário Português, integrado nas forças aliadas do Marechal Foch que desfilaram na Place de L'Etoile sob o comando do Major de Infantaria Ribeiro de Carvalho, tendo como Porta-bandeira o Tenente de Infantaria Perestrello d’Alarcão e Silva, do Regimento de Infantaria n.º 22, de Portalegre.

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III AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à Professora Doutora Maria Isabel João agradeço o apoio e a confiança depositada, ao ter aceitado o desafio de orientar esta dissertação, que estimulou a minha reflexão sobre a problemática da intervenção militar portuguesa na Grande Guerra de 1914-1918. Também pelo rigor manifestado no decurso do trabalho, tendo-me proporcionado o privilégio de ter contribuído com o esclarecimento de dúvidas e apreensões surgidas ao longo deste projeto e por ser um exemplo de dedicação ao ensino e investigação a seguir. Por tudo, manifesto o meu profundo reconhecimento à Professora Doutora Ana Paula Avelar que ao longo dos anos tem sido um pilar no desenvolvimento da minha vida académica e aos meus pais pelas manifestações de afeto e de incentivo.

Agradeço de modo especial à minha mulher Anabela pelo seu companheirismo, sentido crítico, entusiasmo e ajuda a todos os níveis, principalmente pelo entender a falta de atenção e de tempo. Reconheço que esteve sempre ao meu lado e que sem ela não teria conseguido chegar ao fim da dissertação.

À minha filha Ana Sofia pela sua força, pelo seu sorriso, pelos seus mimos e pela sua companhia imprescindível.

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IV

DEDICATÓRIA

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V

Resumo

O presente trabalho foi realizado no âmbito do Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares da Universidade Aberta e incide sobre a intervenção do Corpo Expedicionário Português na Flandres, entre 1917 e 1918. Tendo como objetivo compreender de que modo o ambiente físico e psicológico influenciou a capacidade de resistência e o moral dos portugueses nesse teatro de guerra, foi executado um levantamento da informação impressa em obras memorialísticas publicadas no início do século XX. Foram, ainda, estudadas outras obras relacionáveis e investigados diversos fundos arquivísticos institucionais. Caracterizado o momento histórico, foram identificadas causas e efeitos que influenciaram os comportamentos em combate, a quebra da força de comando e a experiência vivida em cativeiro.

Palavras associadas: Grande Guerra, Portugueses na Flandres, CEP, trincheiras, prisioneiros.

Abstract

This project, developed during the Masters Degree in Estudos Portugueses Multidisciplinares, in Universidade Aberta, focuses on the intervention of the Portuguese Expeditionary Corps in Flanders, between 1917 and 1918. With the aim to understand how the environment influenced the physical and psychological resilience of the Portuguese in this theater of war, we made a survey of the existing memoirs published in the early twentieth century, identified other works relatable and also investigated several institutional archive resources. Characterized the historical moment, we identified causes and effects that influence the behaviors in combat, the breakdown in the chain of command and the experience lived in captivity.

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VI

Sumário

Introdução ... 1

Capítulo I – A Frente Interna... 13

Capítulo II - A Experiência de Combate... 23

O Exército Português... 25

Lei da Reforma do Exército de 1911 ...27

A Mobilização do Exército ...30

A Instrução Militar...31

A Partida para a França ...33

De Brest até ao Front ... 39

A Caminho do Front ...39

A Distribuição das Tropas...40

No Front ... 41

A Zona de Guerra...41

Os Combates ...45

O Desgaste de Campanha ... 56

Fadiga Física e Moral...56

Licenças de Campanha...64

As Insubordinações no CEP...66

Os Motins nas Tropas Britânicas ...81

Os Motins nas Tropas Francesas...83

A Ofensiva Alemã da Primavera de 1918 ...87

Capítulo III - A Experiência de Cativeiro... 91

O Prisioneiro de Guerra... 91

Captura de Prisioneiros de Guerra ... 93

Relatos de Captura ... 96

Logística de Acolhimento de Prisioneiros de Guerra...100

Na Retaguarda Inimiga até ao Depósito de Prisioneiros ...102

A Espera no Depósito de Prisioneiros...104

Do Depósito de Prisioneiros para os Campos de Internamento ...106

A Vida nos Campos de Internamento... 108

O Dia-a-dia e o Trabalho...110

As Encomendas - Colis ...111

Os Últimos Dias de Cativeiros ...113

Campos de Internamento de Prisioneiros ...115

Repatriamento dos Prisioneiros ... 118

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VII

Bibliografia... 127

Sumário de Quadros

Quadro 1 - Efectivos do Exército Português durante a Grande Guerra ... 27

Quadro 2 - Recusas Colectivas de Embarque para França ... 37

Quadro 3 – Zonas de Transporte Ferroviário ... 39

Quadro 4 - Combates de 1917 ... 46

Quadro 5 - Combates de 1918 ... 50

Quadro 6 - Insubordinações 1916 e 1917 ... 67

Quadro 7 - Insubordinações 1918, de Março a Julho ... 73

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VIII

IN FLANDERS FIELDS

Remembrance Day Poems by John McCrae

In Flanders fields the poppies blow Between the crosses, row on row, That mark our place: and in the sky

The larks, still bravely singing, fly Scarce heard amid the guns below. We are the Dead. Short days ago We lived, felt dawn, saw sunset glow, Loved, and were loved, and now we lie

In Flanders fields.

Take up our quarrel with the foe: To you from failing hands we throw

The torch; be yours to hold it high. If ye break faith with us who die

WE SHALL NOT SLEEP, THOUGH POPPIES GROW

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1

Introdução

Durante o trabalho de investigação foram estudadas as memórias de guerra publicadas por militares portugueses durante e após a Grande Guerra e consultados diversos arquivos históricos. Encontrámos referências às relações interpessoais, aos longos períodos de espera passados nas trincheiras, ao frio do Inverno de 1917, à estranheza da alimentação, à falta de conforto e de higiene, aos bombardeamentos, aos trabalhos de reparação e manutenção, à fadiga, doença, cativeiro e morte.

Assim em resultado das leituras efetuadas ao longo da investigação emergiram duas grandes questões: quais as condições físicas e psicológicas que os militares portugueses tiveram de resistir? E por que é que o Corpo Expedicionário Português se desagregou?

Para compreender estes homens foi preciso colocá-los no seu contexto histórico, entender a mentalidade da época, o rumo que as sociedades europeias seguiam a um nível social e económico, assim como entender os extremismos nacionalistas que afloravam e por último também perceber como nós vemos esses mesmos acontecimentos à luz da cultura sociedade atual.

O período de 1914 a 1918 foi marcado por um ressurgimento de nacionalismos e de grandes jogos de poderes entre os Estados europeus1, onde a fagulha acesa com o atentado em Sarajevo libertou os ódios coletivos existentes entre alemães-eslavos, franceses-alemães e russos-alemães, que os insípidos movimentos pacifistas não conseguiram conter.

As elites intelectuais e financeiras ao longo da Europa acompanharam as campanhas de propaganda nacionalista e militarista efetuada pelas respetivas imprensas, onde se fomentava a radicalização de posições que só poderia levar ao deflagrar de um conflito armado. Neste contexto é fundamental relembrar que no início do século XX as elites militares eram um vetor importante na evolução intelectual das sociedades civis e foi desta consciência que partiu a liderança de muitas dessas intervenções.

Fora destas elites os movimentos das classes operárias na Europa central começavam-se a organizar e o desenvolvimento do sindicalismo e das correntes anarquistas, às quais começavam a aderir as juventudes burguesas, tomavam importância social. Foi neste contexto que se iniciou a idealização de uma nova

1

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2

sociedade, de um novo homem e que os movimentos intelectuais acreditaram que a guerra iria por fim à estagnação da sociedade coeva. Mesmo durante a Grande Guerra mantiveram o pensamento que a concentração dos milhões de homens que ficaram confinados nas trincheiras provocaria a quebra das barreiras intersociais existentes entre operários, camponeses e burgueses ao encontrarem-se lado a lado num igual nível de sofrimento e de luta pela sobrevivência. Refira-se que nas frentes internas as populações civis sem capacidade para suprir as necessidades básicas também lutava igualmente para sobreviver.

A ideia da guerra como a solução para os males da sociedade era partilhada entre as elites intelectuais europeias que se influenciavam entre si e que comungavam da ideia de modernidade ligada à força mecânica e à virilidade, tanto a nível literário como estético, veiculando diretamente para os círculos sociais que detinham o poder político o reforço da ideia da guerra como uma extensão da ação diplomática.

O pensamento europeu do início do século XX encontrava-se profundamente influenciado pela corrente de pensamento futurista liderada pelo italiano de Filippo-Tommaso Marinetti. Na Itália existiu abertamente a exaltação da virilidade através da agressividade e da guerra, fundamentando-a como forma de luta contra o imobilismo intelectual e social, tendo parte da opinião pública estado ao lado de quem reclamava a entrada da Itália na Grande Guerra2. Em França existiam iguais movimentos de raiz intelectual futurista que partilhavam a ideia de acelerar a evolução social através da guerra. Também aqui existia a convicção que seria possível fazer renascer a consciência individual dos cidadãos e fortificá-la no campo de batalha. Até na Rússia, que ainda mantinha uma sociedade estruturalmente feudal, houve a influência de correntes intelectuais modernistas da Europa central nos seus principais centros urbanos. Se bem que o temperamento e a dispersão geográfica das elites intelectuais russas tenha determinado uma atitude não uniforme e inicialmente passiva em relação à guerra, essa atitude evoluiu ao longo da guerra para uma atitude revolucionária violenta contra a burguesia e contra o Estado.

Os círculos intelectuais alemães também foram influenciados pelas ideias modernistas europeias, mas refletindo o seu caracter germânico numa modernidade construída através da ligação à natureza e à génese da Nação. Contudo também

2

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3 consideravam que a guerra seria uma forma de acelerar a evolução da sociedade e de criar disciplina.

Todas estas influências culturais chegaram a Portugal atingindo os círculos intelectuais e políticos nacionais, que em muitos casos eram partilhados pelas mesmas pessoas. Centrados principalmente em Lisboa, sobressaem nomes como António Ferro, Fernando Pessoa, José de Almada-Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, Santa-Rita, Eduardo-Viana e Amadeo de Sousa-Cardoso3.

Neste sentido podemos apresentar a propaganda intervencionista de António Ferro, no poema Passo de Marcha publicado na Ilustração Portuguesa:

«…Portugueses, ide à guerra: Peito firme, olhar leal… Deixem lá as suas vidas, Tragam vida a Portugal!

*

Sangue de heróis tinge a relva Onde há ramos de oliveira… Sangue e relva… Portugueses,

Já lá está a nossa bandeira4!»

Também, em 4 de Abril de 1917, quando Lisboa via partir o grosso das suas tropas para França, Almada-Negreiros manifestou a sua posição intervencionista na conferência apresentada no Teatro República, ou em Dezembro desse mesmo ano na revista Portugal Futurista com um texto intitulado, Ultimatum às Gerações Portuguesas do século XX5, em reação à subida ao poder do Presidente Sidónio Pais e em reforço da necessidade de continuar a intervenção militar portuguesa na Europa. Almada-Negreiros exprimia assim o nacionalismo e afirmava a vontade de criar a Pátria portuguesa do século XX, e como os seus congéneres italianos afirmava que a guerra era purificadora ao declarar:

3 Neves, 1987, pp.25-8 4 Ilustração Portuguesa, n.º463, p.8, 4/01/1915 5 Leal, 2011, p.10

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4

«...ide buscar na guerra da Europa toda a força da nossa nova Pátria. No Front está concentrada toda a Europa, portanto a Civilização atual". Para o movimento futurista português "a guerra é o ultra-realismo positivo6.»

Assim, se por um lado parte a elite intelectual portuguesa acreditava no intervencionismo como a única forma de criar uma nova sociedade, por outro a elite política no poder considerava o intervencionismo como uma necessidade para ultrapassar às dificuldades políticas, económicas e às divergências com a Igreja, ou seja, uma forma de sobrevivência7.

«O PRP sentia, […], o risco da sua situação e procurou sempre uma maneira de se nacionalizar, ou seja, de surgir à nação como mais do que a esquálida tirania da plebe urbana. A guerra talvez pudesse servir esse propósito8.»

Ainda no campo das ideias os governos intervencionistas9 não conseguiram efetuar uma campanha suficientemente mobilizadora que unisse a Nação em volta do seu objetivo, a entrada de Portugal no teatro de guerra europeu. Uma das dificuldades de comunicação adveio da constante justificação da intervenção militar na Europa com o objetivo de salvaguardar as colónias, outra por não apresentar justificações diretas e compreensíveis para o sacrifício humano solicitado, ou seja, para morrer ou ficar estropiado nos campos de batalha em França e, ainda, pela inexistência de uma estratégia de partilha de sacrifícios, onde servir no exército fosse compensado por impostos especiais sobre quem lucrasse com a guerra e por uma imposição de acesso igual para todos os cidadãos aos recursos e bens essenciais do país através do racionamento dos mesmos10.

Outra dificuldade para conseguir a mobilização moral dos civis e dos militares, para que fossem enviadas tropas para o teatro de guerra europeu deveu-se à dependência que os governos intervencionistas tinham dos meios de comunicação escrita, da

6

Neves, 1987, pp.43-6

7

Opinião originalmente defendida por Vasco Polido Valente.

8

Valente, 2010, p.76

9

O Partido Democrático defendeu durante conflito a intervenção de tropas portuguesas no teatro de guerra europeu, daí a designação de intervencionista.

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5 estrutura de comunicação da Igreja e dos movimentos sindicais para transmitirem a sua mensagem. O nível de analfabetismo generalizado e a oposição da Igreja aos governos republicanos dificultavam que as mensagens chegassem ao interior do país. Se por um lado a imprensa escrita nacional e regional se encontrava dividida sobre a questão da intervenção, os governos intervencionistas também não foram capazes de ultrapassar estes obstáculos com a utilização da rede escolar pública, escolas primárias e secundárias, que era o veículo mais direto para fazer chegar a sua mensagem às famílias, como tinha sido feito em França11, já que a política republicana tinha apostado na instrução como forma de desenvolvimento e também de transmissão das ideias republicanas.

Neste contexto é importante referir que a classe de professores não era ideologicamente homogénea, mas era maioritariamente republicana12, e dado que existiam mais de seis mil escolas primárias, esta estrutura apresentava os meios logísticos necessários para difundir a propaganda patriótica. A utilização das escolas de Instrução Militar Preparatória também não apresentou qualquer sucesso na difusão da propaganda intervencionista, face à fraca implementação que tinha no terreno e porque estavam principalmente vocacionadas para a preparação tática das praças para o exército13.

Assim, os entraves logísticos encontrados e o fraco empenho dos intervencionistas na divulgação de uma efetiva propaganda patriótica, durante o período de 1916-1918, implicou uma incapacidade de mobilizar a Nação e dar um sentido patriótico ao Corpo Expedicionário Português14.

No entanto nem tudo foi errado e houve por parte do governo em 1916, através do seu Ministro da Guerra Norton de Matos, ações de propaganda junto dos militares, onde foram proclamadas as razões da intervenção na Europa e ações de propaganda junto da população civil através de comícios encenados junto a monumentos nacionais de modo a fazer uma ligação emocional com passado histórico da Nação.

11 Meneses, 2000, p.83 12 Rosas, 2010, pp. 170-85. 13 Meneses, 2000, p.84 14 Meneses, 2000, p.82

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O primeiro comício de Propaganda Patriótica aconteceu em Évora (Abril), seguido de um outro na Batalha15 (Agosto) e outro em Coimbra (Outubro), todos em 1916. Chegaram a estar programados para 1917 mais comícios de propaganda patriótica, António José de Almeida ainda planeou ir à Figueira da Foz, Beja e Faro, mas os comícios foram sendo sucessivamente adiados até que com a queda do governo de António José de Almeida, em Abril de 1917, foram cancelados definitivamente16. Neste périplo de propaganda patriótica era esperado que Afonso Costa viesse a efetuar comícios no Porto, Viseu, Lamego, Guarda, Castelo Branco, Tomar e Covilhã, e que Norton de Matos fizesse mais dois comícios, um no Minho e outro em Trás-os-Montes. O Governo tentou controlar diretamente a propaganda com a edição da revista Portugal na Guerra mas a polémica gerada à volta da sua edição a partir de França acabou por a interromper. Posteriormente efetuou outra tentativa para criar uma publicação de propaganda em favor do Corpo Expedicionário Português, com uma composição editorial formada por jornalistas e artistas intervencionistas, mas o golpe de 5 de Dezembro de 1917 pôs também fim a essa iniciativa.

A Proclamação ao Exército17, em 25 de Março de 1916, passou a identificar a conflitualidade da Alemanha contra Portugal com o início nos ataques alemães em África e no teatro europeu com o desrespeito da Alemanha pelos pequenos países, como a Sérvia, a Bélgica e Portugal. Mesmo este texto, que foi a base da justificação da propaganda patriótica, não conseguiu demonstrar aos cidadãos a necessidade da intervenção no teatro europeu, em muito por ter sido seguido o modelo francês da ideia de defesa da “Liberdade”, da “Civilização” e da “Justiça” e ainda os direitos das pequenas nações, mas a realidade portuguesa era diferente, uma vez que não exista uma invasão do território continental pelo exército alemão, o que em muito fragilizou a aderência da mensagem de propaganda patriótica à realidade nacional18.

No entanto, houve duas organizações da sociedade civil cuja ação se tornou notória pelo apoio aos intervencionistas, a Cruzada das Mulheres Portuguesas e a Junta

15

Ilustração Portuguesa, n.º550, p.198-9, 4/09/1916

16

Cortesão, 1919, p.20. Referiu nas suas memórias que até Março de 1916 não tinha visto, ainda, o governo tratar de fazer propaganda dos nossos deveres militares, preocupação que levou que o governo viesse a planear um calendário de comícios para explicar ao exército a necessidade da intervenção em França.

17

AHM, Lisboa, 1ª Div., 35ª Sessão, CX 1298

18

Meneses, 2000, p.85. A razão oficial para a participação de Portugal na guerra foi publicada no Diário do Governo de 17 de Janeiro de 1917

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7 Patriótica do Norte. A nível de personalidades individuais há dois nomes que marcaram essa propaganda patriótica intervencionista: Ana de Castro Osório e Jaime Cortesão.

Ana de Castro Osório foi um dos elementos mais ativos da sociedade civil para a propaganda a favor da intervenção no teatro de guerra europeu e representou a liderança da intervenção das mulheres na sociedade portuguesa no início do século XX. Com uma visão esclarecida sobre o movimento feminino fez vários alertas ao Governo da União Sagrada para o perigo que incorriam em não combater a contrapropaganda monárquica e católica. Estas intervenções vieram a afetar o trabalho desenvolvido pela Cruzada das Mulheres Portuguesas após 5 de Dezembro de 1917 com a presidência de Sidónio Pais. Refira-se que uma das principais críticas que fez aos Governos Democráticos e ao Governo da União Sagrada foi a de não terem preparado as mulheres para substituírem os homens que partiam para a guerra, como força de trabalho, à imagem do que os americanos tinham feito, insistindo na capacidade de trabalho das mulheres e consequentemente na possibilidade de desenvolver a produção industrial e agrícola19.

Jaime Cortesão que foi deputado republicano e um dos grandes defensores do intervencionismo português na frente europeia colaborou na revista Águia e posteriormente desenvolveu ações pessoais de propaganda patriótica. Conhecedor da sociedade civil e crítico da forma lenta com que se construía a cultura republicana, desenvolveu um trabalho de base com a publicação da Cartilha do Povo, onde através de um diálogo entre três personagens: José Povinho, seu filho Manuel Soldado e João Portugal, tentou ensinar a ideia de Pátria, divulgar os valores históricos e de remarcar a necessidade de defender a Pátria dos invasores estrangeiros20.

As ações de propaganda institucional, por muito que tenham sido ajudadas por importantes ações individuais, foram insuficientes e inadaptadas ao se basearem em discursos formais e literários que não conseguiram convencer os corações de uma população 75% analfabeta e chegar aos meios rurais de onde partiu o grosso dos homens que foram para França21. Quando Portugal conseguiu reunir as condições logísticas para enviar as tropas para França já não existia qualquer ilusão sobre o que era a guerra na Europa, há muito que esta se tinha tornado numa guerra estática e mortífera. 19 Meneses, 2000, p.91 20 Meneses, 2000, p.95 21 Marques, 2008, p.345

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Para compreender a evolução da investigação é importante entender que houve ao longo dos tempos uma evolução na abordagem histórica do tema, tanto a nível mundial, como a nível nacional. Os anos que nos afastam do conflito permitiram edificar múltiplas construções históricas e interpretativas da Grande Guerra que se refletem em milhares de páginas escritas por todo o Mundo22. Muitas dessas páginas descrevem acontecimentos na primeira pessoa, os quais efetivamente transmitem elementos que contribuem para a construção da História e outros descrevem testemunhos observados sobre acontecimentos e factos que efetivamente constroem a História.

No período entre 1914 e 1964, desde o início do conflito até à comemoração do 50º aniversário, os escritos sobre a Grande Guerra foram efetuados essencialmente por pessoas que simultaneamente foram participantes em ações localizadas na guerra e historiadores como relatores de visões mais estratégicas e globais do conflito, divulgando informação produzida por outros, principalmente no que se refere à produção de monografias sobre campanhas militares e sobre a atividade diplomática. Nestes conjuntos agrupam-se os militares que publicaram as descrições das batalhas em que estiveram envolvidos, defendendo na sua narrativa as escolhas estratégicas e a sua reputação.

Foi um primeiro período historiográfico, onde existia ainda um compromisso afetivo, ou político, entre os intervenientes e os acontecimentos narrados, e a preocupação dos memorialistas em se expressarem de forma a glorificar a Nação, como por exemplo Portugal na Grande Guerra do General Ferreira Martins e A Batalha do Lys do General Gomes da Costa.

Esta fase em que os historiadores foram também testemunhas não terminou no Armistício, mas continuou através da produção literária dos políticos e dos diplomatas que seguirem o mesmo caminho historiográfico dos generais. Se os generais descreveram a guerra, os políticos e os diplomatas dedicaram-se a descrever e a argumentar sobre a culpa da guerra. A brutalidade da Grande Guerra criou a absoluta necessidade de a justificar e de determinar a quem atribuir a culpa23.

22

Winter, 2005, p.1 23

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9 Neste objetivo cada país seguiu o seu rumo, tendo a França e a Grã-Bretanha desenvolvido um estudo aprofundado sobre o conflito e a Alemanha, dado a sua situação política revolucionária e posteriormente nacional-socialista, efetuado uma produção literária menor em quantidade e qualidade, mais política onde debatia as razões da derrota centrada na ideia de ter sido punhalada nas costas pelos seus políticos. Da mesma forma que as restantes nações, na Alemanha a questão da culpa da guerra também foi debatida.

Em Portugal, e se for tomado em consideração a demografia nacional e o nível de analfabetismo da época, podemos dizer que existiu uma enorme produção memorialista e historiográfica nesta primeira fase, como se pode evidenciar do catálogo das publicações relativas à Grande Guerra existente na Biblioteca da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, em Lisboa, que referencia 1700 exemplares dedicados ao tema, entre monografias e diários catalogados24 até 1958.

Esta linha de apresentação formal da história do conflito, onde sistematicamente não eram abordadas as vivências dos soldados manteve-se até depois da 2ª Guerra Mundial, apesar de terem começado a aparecer, essencialmente em França, visões mais sociais da história. Mas o grande salto na abordagem historiográfica deu-se na década de 60, quando começou a descentralização da produção historiográfica para fora das universidades. Os velhos soldados começaram a rarear e o aumento de licenciados em história permitiu o aparecimento de mais grupos de estudo e de uma maior produção literária autónoma em relação aos meios académicos25.

No início na década 60, e até aos finais dos anos 80, deu-se um período de enorme expansão na educação universitária na Europa e nos Estados Unidos da América, com um aumento simultâneo de público interessado em trabalhos específicos sobre história o que também implicou o aparecimento de revistas especializadas. A nível de trabalhos de investigação, dissertações e teses doutorais foram décadas em que houve um aumento destes trabalhados, tendo-se verificado como no período anterior uma concentração de produção em França e na Grã-Bretanha.

24

A nível de catalogação da bibliografia portuguesa sobre a Grande Guerra, existem outros dois trabalhos anteriores, BEJA, Nuno (1922), Esboço de uma Bibliografia Portuguesa da Grande Guerra, com 164 títulos nacionais, e BRANDÃO, José (1926), Notas Subsidiárias para uma Bibliografia Portuguesa da Grande Guerra, com 286 títulos nacionais.

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Nesta segunda fase deixou de se publicar uma história descritiva dos acontecimentos, como tinha acontecido na fase anterior, em muito porque a história militar começou a ser escrita por historiadores não militares, como Ducasse26.

Nesta nova abordagem as decisões militares estratégicas e diplomáticas passaram para um segundo plano. A guerra passou a ser parte de um conjunto de acontecimentos ligados a fenómenos da economia e da sociedade, transformando a narração histórica de uma história em torno das Nações para uma história com base nos Povos. A história da Grande Guerra libertou-se da história militar e diplomático, e ampliou o seu horizonte.

Num contexto social, os veteranos da Grande Guerra encontravam-se já com mais de 60 anos e com esta idade voltam a revistar as suas memórias de guerra, já sem a preocupação de autojustificar a sua atuação, mas para descreverem as suas experiências pessoais. Acrescentou-se ao fato de se comemorar o 50º aniversário da Grande Guerra o fato e de os meios de comunicação terem à sua disposição um novo veículo de difusão, a televisão27.

Iniciou-se a abertura e divulgação de arquivos fotográficos e cinematográficos anteriormente reservados, mas principalmente apareceram as entrevistas feitas a soldados veteranos que contaram em direto na televisão a suas experiências nas trincheiras e no cativeiro. Com esta nova visão da Grande Guerra dada através da televisão, apareceu a face individual da guerra.

Na década de 70 em Portugal, surgiram novos trabalhos neste contexto, como os trabalhos de Oliveira Marques produzidos entre 1972 e 1981, mas a nível internacional destacou-se o trabalho de Marc Ferro, em 1969, que já apresenta uma visão global da guerra, interligando os acontecimentos de cada Nação beligerante com relatos ao nível da vivência dos soldado e dos civis.

A abertura dos arquivos secretos a partir de 1967 e 1968, também deram um novo alento à investigação histórica e inauguraram novas perspetivas sobre a guerra, revelando motivações, causas de motins e ações pacifistas de certos sectores da

26

A obra de Ducasse, Meyer e Perreux, 1959, a Vie et mort des français 1924-1918, coordenada por Maurice Genevoix, secretário perpétuo da Academia Francesa, integra a vida quotidiana dos soldados e os civis na história da Grande Guerra.

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11 sociedade. Nos finais da década de 80, com Becker28, deu-se na França um novo passo na historiografia sobre a Grande Guerra com a introdução da análise histórica dentro de uma perspetiva cultural e social da mesma29.

Nos finais da década de 80, início da década de 90 presenciou-se uma nova evolução na historiográfica da Grande Guerra, em consequência de duas conferências internacionais basilares, a Conferência de Nanterre, em 1988, sobre As Sociedades Europeias e a Grande Guerra e a Conferência de Péronne, em 1992, sobre A Guerra e a Cultura.

De forma contínua manteve-se a abordagem dos temas que analisavam a vertente diplomática e militar, conjugando as visões dos políticos, dos generais, dos soldados e dos civis, aparecendo então o estudo das consequências da guerra e da memória da guerra. Foi o aparecimento da análise em termos de mentalidade e da caracterização psicológica.

Nesta nova aproximação à história, através da análise multidisciplinar do conflito com referências inseparáveis à memória e à identidade, incluiu-se o comportamento psicológico dos soldados em combate e nos motins30, acrescentou-se as consequências da evolução tecnológica e repercussões da mesma na identidade dos povos.

Assim, com o mesmo objetivo de manter a memória viva, analisamos inúmeras memórias publicadas e o grau de envolvimento dos autores com os relatos, de modo a compreender a proximidade dos mesmos com as memórias descritas e o seu envolvimento emocional.

É neste âmbito historiográfico que a nossa investigação se enquadra, analisando a intervenção dos portugueses no teatro europeu durante a Grande Guerra, recorrendo ao estudo da memória de guerra em termos de mentalidade, de opinião e da repercussão psicológica durante duas fases distintas vividas no teatro de guerra em França. Numa primeira fase em que colheram uma experiência de combate e numa segunda fase, para aqueles que foram capturados, colheram uma experiência de cativeiro.

28

Jean-Jaques Becker, historiador francês, no seu trabalho Les Français dans la Grande Guerre, de 1980, contribui para o desenvolvimento de novas abordagens da história.

29

Winter, 2005, p.25

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No final da investigação ficámos com a convicção que o campo de estudo sobre a Grande Guerra, tanto ao nível militar, como político, económico e social, e em especial no que se refere à participação portuguesa neste conflito não se encontra esgotado, existindo um vasto horizonte por investigar e para aprofundar o conhecimento.

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Capítulo I – A Frente Interna

Para além da frente europeia e da frente africana, na retaguarda do conflito militar existiu uma frente esquecida onde se travaram lutas internas entre intervencionistas e não intervencionistas1 e onde a população civil também sofreu diretamente com o desgaste moral e a fome provocada pelos bloqueios navais e pela guerra submarina ao comércio marítimo.

Para além destes problemas os governos intervencionistas também tiveram que manter a população afastada das imagens da guerra e longe da propaganda inimiga, por forma a evitar o aparecimento de movimentos de contestação ou fortalecer os oposicionistas. Se por um lado a propaganda intervencionista conseguiu motivar parte dos cidadãos em torno do objetivo do Partido Democrático, colocava-se por outro lado um problema em relação às notícias que chegavam do Front.

Para combater a desmoralização houve que controlar a reprodução das imagens disponibilizadas em postais e revistas. Grandes partes dessas imagens autorizadas estavam ligadas à temática de cariz patriótico e de intervenção do Corpo Expedicionário Português em França, se bem que tenham sido disponibilizadas outras com temáticas de carácter eminentemente emocional ou religioso. Quanto às imagens de guerra, essas eram retiradas de publicações da Entente e consequentemente já se encontravam filtradas previamente através das censuras estrangeiras.

A censura militar e a autocensura moral dos editores da época, fizeram atenuar a comunicação do horror que existia nos campos de batalha. As imagens de guerra que chegavam ao grande público raramente apresentavam mortos ou feridos e quando tal acontecia apresentavam-nos em momentos de calma e serenidade. Os feridos apareciam com ferimentos ligeiros ou com ligaduras limpas, bem colocadas e sem qualquer sinal de sangue, muitas vezes acompanhados por enfermeiras gentis ou camaradas de armas alegres. Estas imagens transferiam sempre uma ideia de esperança e compaixão, e no limite quando era inevitável mostrar a morte mostravam-na de forma heroica2. O controlo das imagens de guerra que circulavam entre o Front e Portugal, e que chegavam por correio às famílias

1

Refira-se que o conceito de intervencionismo estava ligado à intervenção no teatro de guerra europeu. Não existem evidências de uma forte contestação quanto à intervenção militar no teatro de guerra africano.

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dos soldados, eram controladas pela censura militar em França através dos serviços postais militares.

Muito deste trabalho de censura enquadrava-se dentro da preocupação de esconder e de banalizar o horror da guerra, e de colocar este fenómeno de terror a um nível aceitável. Também neste sentido foram colocados à disposição da população artefactos de uso comum em forma de instrumentos de guerra. Assim em mercados tradicionais apareceram objetos como pisa-papéis em forma de obus, harmónicas em forma de submarino, pinturas heroicas e outras formas de fazer chegar souvenires junto da população civil, sempre com uma intenção que ultrapassar a simples visão mercantil e apresentar a guerra de forma dissimulada, atenuada e sem a glorificar. Em França chegaram a aparecer jogos de sociedade que acompanhavam as temáticas bélicas, através da integração do tema em jogos de tabuleiro. Para fazer chegar a cultura de guerra às crianças também foram produzidos jogos militares, brinquedos tipo arma e soldados de chumbo, essencialmente com o papel de iniciar uma educação militar e de encorajar a preparação psicológica dos jovens para a guerra3.

Outro meio de mistificar a ideia de guerra foi a utilização de propaganda belicista dissimulada em espetáculos públicos de teatro onde apareciam canções e circulavam panfletos, folhetos e cartazes com mensagens intervencionistas. Neste contexto também contribuiu para a banalização da violência a ação dos humoristas que influenciavam o nível de angústia através da ridicularização de situações de guerra. Os alemães chegaram a utilizar esta técnica como forma de comunicação de instruções básicas de guerra, como lançar uma granada ou se defenderem de um ataque de gás. Também Paris, em 1917, houve uma exposição denominada A Guerra e os Humoristas e em Portugal foi publicada uma banda desenha de Stuart Carvalhais, em fascículos no Século Cómico da Ilustração Portuguesa4.

Quando em Portugal a censura militar iniciou a sua ação, em 1916, a imprensa apresentava um número significativo de publicações periódicas, entre diários e semanários, onde se praticava a liberdade editorial sobre qualquer assunto, situação que se tornou

3

Mosse, 2009, p.145

4

Stuart Carvalhais editou em fascículos no Século Cómico, desde 1915 até ao final da Grande Guerra, um banda desenhada baseada nas aventuras do Quim e do Manecas com o intuito de satirizar o poder e a burguesia, contrapondo tipos populares e miseráveis. Com estas personagens engendrou ações imprevisíveis que ao longo do tempo foram se apurando na crítica social e política.

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15 perigosa com a intervenção militar em África e impossível de se manter com a entrada no teatro de guerra europeu, a 9 de Março de 1916.

A censura militar desde 30 de Novembro de 1914, Decreto n.º 1117, começou a colocar algumas proibições à publicação de notícias sobre o Exército e a Marinha que não tivessem proveniência oficial, com a expressiva intenção de salvaguardar o secretismo das missões militares em África. Com o mesmo fundamento de salvaguardar as tropas e controlar a opinião pública durante o desenvolvimento da guerra na Europa houve um desenvolvimento da ação imposta pela censura militar5, que durou desde Março de 1916 a Fevereiro de 1919, data em que se dá finalmente o regresso do grosso das tropas que se encontravam em França.

Foi a intervenção no teatro europeu que justificou a alteração da liberdade de imprensa, em 12 de Março de 1916, com a publicação do Decreto n.º 2270, onde foi exarado como justificação o motivo de guerra, de defesa nacional, da defesa da ordem pública contra injustificáveis alarmes e de evitar o propalar de notícias falsas ou inconvenientes à segurança do Estado.

Este Decreto n.º 2270 veio autorizar o impedimento de circulação de publicações sem, no entanto, ter sido estruturada uma censura formal. Começou como um procedimento de apreensão das edições, delegado inicialmente nas competências do Governador Civil dos Distritos onde as mesmas eram editadas, o que teve implicações económicas imediatas.

Face às apreensões feitas nos primeiros dias em que o Decreto n.º 2270 começou a ser aplicado e nos consequentes custos derivados dessas mesmas apreensões, levou a que os responsáveis pelos periódicos se reunissem com o Ministro do Interior, logo a 20 de Março de 1916, para negociar a aplicação da censura militar num sistema de censura prévia e não a posteriori, visando desta forma mitigar os prejuízos. Este serviço foi operacionalizado recorrendo a uma comissão de censura, recrutada preferencialmente entre militares. Na prática, com a implementação da censura prévia os periódicos deixaram de ser apreendidos, mas passaram a apresentar espaços em branco nas suas páginas, que representavam os locais de onde os textos tinham sido retirados.

Os poderes para exercer a fiscalização/censura prévia sobre toda a informação relacionada com guerra e segurança nacional foram regulamentados no Decreto n.º 2308,

5

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de 31 de Março de 1916. Mais tarde, em Julho de 1916, esta ação de censura prévia foi estendida às colónias através do Decreto n.º 2538, de 31 de Julho de 1916, porque as operações em África assim o exigiam.

A censura prévia com objetivos militares, em 1916, combatia a contrapropaganda de origem interna proveniente dos republicanos unionistas, monárquicos e anarco-sindicalistas, e de origem externa pró-germânica que através de artigos de opinião na imprensa periódica6 e panfletos distribuídos nas ruas e Quartéis, com o objetivo de desmoralizar a Nação e criar condições que impedissem o envio de tropas para França7.

A censura prévia prevaleceu após o Armistício de Compiègne, assinado a 11 de Novembro de 1918, mas foi levantada antes de terminar o estado de guerra, como indica o Artigo 1º, do Decreto n.º 2308, uma vez que o Tratado de Paz de Versalhes só foi assinado em 28 de Junho de 1919, terminando formalmente a beligerância entre Portugal e a Alemanha.

A manutenção da censura prévia após o Armistício terá sido também motivada pela situação de instabilidade política e social que a República continuava a viver e que veio a culminar com os confrontos entre republicanos e monárquicos, naquilo que ficou conhecida como A Monarquia do Norte8, de 19 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 1919.

Em Agosto 1917, foi publicado outro decreto que reorganizou a composição das comissões de censura, o Decreto n.º 3283, de 8 de Agosto de 1917, que introduziu a responsabilização individual dos censores pelos cortes efetuados.

Em Setembro de 1917, houve mais legislação, desta vez com a intenção de restringir a censura prévia a matérias estritamente ligadas ao esforço de guerra9 e que por inerência pudessem ser prejudiciais à defesa nacional, tanto militar como económica, e às apreciações sobre o desenvolvimento da guerra e à propaganda antiguerra.

Em Novembro de 1917, os serviços de censura prévia passaram a estar dependentes do Ministério da Guerra, com o Decreto n.º 3534 de 10 de Novembro de 1917, e também passou a ser proibido e reprimido com exemplar severidade qualquer propaganda a favor

6

Cortesão, 1919, p.19. “A propaganda germanófila continua a fazer-se descaradamente. Antes da declaração de guerra [9 de Março de 1916] vendiam-se em Portugal 30.000 exemplares por mês do A.B.C., revista germanófila da Espanha”.

7

Marques, 2008, p.34

8

Franco, 1993, pp. 41-62

9

Este Decreto evidência que estariam a acontecer abusos, ou interpretações muito latas, sobre os temas a censurar.

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17 do inimigo, através do Decreto n.º 3544, de 13 de Novembro de 1917, o que demonstra que existia efetivamente uma contrapropaganda cativa.

Em Junho de 1918, voltou a ser publicada mais legislação sobre o funcionamento da censura prévia, com o Decreto n.º 4436 de 17 de Junho de 1918, onde foi feito um esclarecimento sobre as situações em que a censura militar deveria atuar e ao nível da responsabilidade individual dos censores e, ainda, acrescentava a pena de demissão para aqueles que não cumprissem ou fossem negligentes.

Como resultado do trabalho realizado pela censura prévia e militar, o Ministério da Guerra através da sua Repartição de Informação conseguiu controlar a circulação de informação, o que se refletiu na prática numa glorificação da intervenção militar portuguesa pela imprensa.

Comparativamente com a atuação de outras censuras militares estrangeiras que apareceram durante a Grande Guerra, a censura militar portuguesa encontrava-se enquadrada nos modelos seguidos pelas nações aliadas, tanto quanto ao cuidado na apresentação de imagens de guerra, como na orientação dada na divulgação de acontecimentos.

Na Ilustração Portuguesa de Março de 1916, foi publicado o seguinte artigo, que mostra que na época existia a consciência da necessidade de impor uma censura durante o período de guerra, sobre os meios de comunicação social e também ao nível individual.

«Serenidade. O estado de guerra com a Alemanha e com a Áustria é um Facto. Se antes de verificação desse facto todos os portugueses podiam discutir livremente a conveniência ou inconveniência da nossa participação na guerra, agora, declarada a beligerância, a liberdade de discussão cessou. Estamos perante factos consumados. Ontem, a opinião era um direito. Hoje, o silencia é um dever. Praticavam mal aqueles que, antes de declarado o estado de guerra, pretendiam co arctar a livre opinião alheia; não praticam bem aqueles que, esclarecida finalmente a nossa situação exterior, perturbam, com discussões inúteis, a fecunda serenidade da Nação que se arma. Passou a hora confusa das palavras. Chegou o momento decisivo da ação. O país espera tranquilo, com

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18

a serena consciência das responsabilidades que se aceitam, com a calma dignidade do dever que se cumpre10.»

Noutra edição da Ilustração Portuguesa, em Abril de 1916, foi publicado o seguinte artigo que revela a dificuldade que existia em controlar os meios de comunicação e a oposição política. Durante o período de guerra a censura militar, enquanto instrumento regulador e de defesa nacional, não foi compreendida pela sociedade, nem os sucessivos governos conseguiram aplica-la convenientemente.

«A censura. Portugal não será um país ingovernável; mas é um país difícil de governar. Há entre nós uma decidida tendência para considerar como um ato violento o exercício legítimo de toda a autoridade. O português, apesar do seu carácter contemplativo, subordina-se com dificuldade às leis. Há nele um espírito imanente de liberdade, que o torna dificilmente adaptável a todos os princípios de disciplina social, de disciplina moral, e até de disciplina intelectual. Em Portugal só são possíveis os governos tolerantes, as leis tolerantes, as autoridades tolerantes. Mesmo quando as leis são justificadas, é preciso executa-las moderadamente, e deixar ao português o direito pleno e livre de dizer mal delas. Por que tem merecido tão violentos ataques a censura prévia à imprensa? Porque a lei é má? Não11.»

Em Junho de 1916, também na Ilustração Portuguesa, foi publicado outro artigo referindo-se à censura e incidindo na crítica feita ao método utilizado de deixar espaços em branco para assinalar a localização dos textos censurados, demonstrando a incompreensão do público que começava a questionar a necessidade e a qualidade dessa censura.

«O silêncio. Victor Hugo, julgo eu, dizia que não havia nada que mais aguçasse a curiosidade do que uma porta “derrière laquelle il se passe quelque chose”. Ao ver os espaços em branco nos jornais, tenho a nítida impressão da porta atrás da qual se passa, com efeito, alguma coisa. Não +há nada que mais favoreça a conjetura inverosímil e ousada do que um artigo truncado, interrompido bruscamente. – O que será? – Perguntamos todos nós; o papel branco fascina e o menos que podemos pensar é que se

10

Ilustração Portuguesa, n.º 527, de 27-03-1916

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19 escreveram horrores que a decência não permite reproduzir. Afinal, na maior parte das vezes, trata-se de coisas que o público nem notava se por acaso as lesse. Mas será uma utilidade o silêncio absoluto sobre os factos que interessam à vida de um país? É duvidoso. O silêncio, em certas ocasiões, é infinitamente mais alarmante do que a verdade pura e simples12.»

No teatro de guerra europeu a censura militar foi facilmente aplicada, já que as comunicações de, e para, os combatentes eram efetuadas através do Serviço Postal de Campanha, SPC13, que incluía um serviço de censura próprio e adequado às circunstâncias, não permitindo que circulassem informações da retaguarda para o Front que desmoralizassem as tropas e que inversamente transmitissem informação crítica que pudesse vir a ser conhecida pelo inimigo.

Este serviço só foi implementado em 1916 com a preparação de tropas para o Corpo Expedicionário Português para França, apesar de se estar em guerra com a Alemanha na frente africana desde 1914 e o Decreto governamental que regulava a constituição do mesmo datar de 191214. A censura aplicada às comunicações militares foi eficaz no controlo da informação que circulava no Front, apesar de terem existido muitas tentativas de incumprimento por parte destes, que causaram inclusivamente algumas situações punidas disciplinarmente.

Mas na prática a aplicação da censura nem sempre protegeu os soldados que se encontravam no Front, por vezes tinha um lado negativo sobre o moral das tropas que se encontravam nas trincheiras, porque ao lerem os artigos publicados pelos correspondentes de guerra sobre fatos que tinham assistido ou participado, criava nestes um sentimento de frustração. Não se podia acreditar em tudo o que se lia.

A forma como as notícias eram publicadas acabava por influenciar os próprios objetivos militares, especificamente na execução de Raids às trincheiras inimigas, fazendo com que deixasse de ser importante o sucesso obtido na destruição de abrigos e soldados inimigos e que apenas importasse o número de prisioneiros capturados.

12

Ilustração Portuguesa, n.º 537, de 05-06-1916

13

Freitas, 1935, “As minhas recordações da Grande Guerra”, nestas memórias transmite-nos o funcionamento do Serviço Postal de Campanha.

14

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20

Como exemplo temos uma notícia publicada no Times, de 6 de Janeiro de 1917, com o seguinte teor: "German Raiders near Loos, Heavy trench fighting15”.

A informação sobre a qual a notícia foi publicada tinha sido enviada do Quartel-general, em França, com o seguinte conteúdo:

«Early this morning a hostile raiding party succeded in entering our trenches south of Loos. Heavy fighting ensured and the enemy was speedily driven out, leaving a number of dead in our trenches. Some of our men are missing.»

No entanto, dificilmente se conseguiria deduzir que os alemães estiveram a ocupar as trincheiras inglesas durante 40 minutos, que recolheram de dentro dos dug-outs na linha de apoio 51 prisioneiros e que à parte de uma metralhadora operada por um cabo e duas praças não houve mais qualquer resistência, e ainda que o comandante do batalhão foi substituído.

Na transformação desta mensagem que utilizamos a título de exemplo, percebe-se que a ação da censura militar ao manipulou a notícia tinha como objetivo influenciar a opinião pública e não informar a dos soldados no Front, porque em relação estes não só era conhecida a realidade, como se existia qualquer intenção de esconder esta informação do inimigo era perfeitamente inútil, uma vez que este tinha participado no acontecimento e conhecia toda a verdade.

Houve também em todas as frentes de combate propaganda dirigida ao inimigo, a chamada contrapropaganda, chegando a haver lançamentos de folhetos a partir de aviões, ou de projéteis, sempre com a intenção de o desmoralizar ou de o fazer desertar.

«Os aeroplanos inimigos lançavam sempre alguma coisa ao passarem sobre a povoação [La Grogue]: exemplares da Gazette des Ardennes em que se insultavam os Aliados, proclamações anunciando para muito breve coisas terríveis e noutras ocasiões, o que era bem pior, bombas e torpedos aéreos16.»

15

Moran, 1945, p.73

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21 Foi neste contexto de contrapropaganda que apareceu pela primeira vez o salvo-conduto17, onde se garantia ao inimigo que se este se entregasse sem oferecer resistência, ou desertasse, seria tratado com dignidade e adequadamente. Nesta contrapropaganda apelava-se ao amor paternal e ao desejo pela paz, e utilizava-se um discurso coloquial e respeitoso ou ainda se fazia ressaltar a superioridade militar com a intenção de quebrar a força moral inimiga para combater. Outro propósito era a intenção de criar divisões entre os militares e os civis e de os virar contra os seus governos.

As mulheres também foram um tema preferencial da contrapropaganda, quando eram mostradas com filhos ao colo, sensíveis e emotivas, de forma intencional a influenciar o moral daqueles que se encontram a combater no Front. Também foram exploradas as comparações entre as vicissitudes sofridas pelas praças e sargentos em comparação com a vida confortável dos oficiais. Nestas comparações existia o propósito de criar condições para o aparecimento da luta de classes, situação que teve um grave impacte no Corpo Expedicionário Português.

Em resumo a propaganda e a censura foram duas faces da mesma moeda. Com elas todos os governos manipularam a informação e as atitudes das populações. Mais ou menos conseguida em alguns países, em Portugal não foi conseguido aproveitar extensivamente estes instrumentos para motivar e moralizar a sociedade em torno do objetivo intervencionista.

O território nacional transformou-se numa frente interna onde se desgastou o moral das tropas e se dividiu a sociedade, por não incutir transmitir um objetivo compreensível através da propaganda e por não se ter conseguido impedir convenientemente a ação da contrapropaganda inimiga.

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Capítulo II - A Experiência de Combate

Janeiro de 1917 marcou o início da presença portuguesa no teatro de guerra europeu, com a chegada das primeiras tropas do Corpo Expedicionário Português (CEP) sob o comando do General Tamagnini de Abreu. Este era composto inicialmente por uma Divisão de Infantaria, à qual foi posteriormente adicionada uma segunda Divisão e ainda um Corpo de Artilharia Pesada, totalizando um efetivo total acima dos 50.000 homens1.

Para a História deste corpo de exército diversos autores, principalmente depois da década de 60, transmitiram uma ideia de falta de preparação militar do CEP ao associarem a passagem dos militares portugueses por campos de instrução ingleses, como o campo de instrução de Etaples2, antes de avançarem para o Front. No entanto a passagem por Etaples não se enquadrava especificamente numa necessidade de colmatar eventuais falhas de instrução militar que não tivesse acontecido em Tancos, mas porque todas as unidades que chegavam a França e ficavam dentro da supervisão do comando britânico, fossem portugueses, ingleses, australianos, indianos ou outros, passavam sempre pelo campo de instrução de Etaples para tirocínio e integração na frente de combate.

No entanto há que reconhecer que a instrução militar em Tancos não apresentou grande valor militar para aquilo que iriam encontrar em França, uma vez que foi essencialmente um exercício de manobras conjuntas a grande escala, mas taticamente pouco adaptadas às condições que o CEP viria a encontrar na Flandres.

Se por um lado o Milagre de Tancos foi uma das maiores manobras militares conjuntas do Exército português em solo pátrio até hoje, foi também uma manobra de propaganda 3 do Ministro da Guerra Norton de Matos, para demonstrar aos

1

Martins, 1934a, p.214. O efetivo total transportado durante os dez meses de 1917 foi de 2.122 oficiais, 2.879 sargentos e 54.382 cabos e soldados.

2

O campo de instrução de Etaples ficava a 24 km a Sul de Bolonha. Por este campo passaram todos os contingentes britânicos e aliados sob a sua coordenação. O treino, que durava em média duas semanas, tinha tal dureza que muitos preferiam ser enviados de imediato para a frente de combate e as próprias condições hospitalares aplicavam tratamentos mais punitivos que terapêuticos. Retirado da internet http://www.prole.info/pamphlets/mutinieswwi.pdf, em 26/07/2011, artigo de David Lamb.

3

Martins, 1934a, pp.104-7. A mensagem de propaganda associada ao «surpreendente êxito do Milagre de Tancos», onde se apresentou uma imagem de eficiência militar, foi transmitida oficialmente aos oficiais

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representantes políticos e militares aliados que Portugal se encontrava pronto para intervir.

As tropas portuguesas quando começaram a chegar a França, nos finais de Janeiro de 1917, tiveram de se adaptar ao armamento inglês e às táticas de guerra utilizas nas trincheiras da Flandres, muito diferente da guerra móvel que tinham até então treinado e que o Exército português conhecia e estava experimentado nos combates em África.

Em Julho de 1917 o CEP assumiu definitivamente a responsabilidade do seu sector e iniciou um longo período de combate de trincheiras, bombardeamentos, patrulhas e Raids, que associados à dureza das condições de vida e à permanência constante na zona de combate sem substituição para descanso efetivo, trouxe um problema de quebra de moral que em muito contribuíram para as situações de insubordinação que viveram a acontecer mais tarde.

Durante o período de Julho de 1917 a Abril de 1918, o CEP foi cumprindo a sua missão defendendo o sector que lhe foi destinado pelos britânicos, sem receber reforços de Portugal que permitissem no mínimo a substituição das tropas baixas.

Quando em 9 de Abril de 1918 se deu o ataque alemão4 sobre o sector português, dentro do plano geral da que foi a última ofensiva alemã sobre a frente ocidental, a Operação Georgette, os militares portugueses encontravam-se fisicamente exaustos, desmoralizados, com graves falhas de efetivos, tanto a nível de praças como de oficiais. Coincidência ou não, os efetivos da 2ª Divisão de Infantaria, com um ano consecutivo de permanência nas trincheiras, encontravam-se de malas feitas para seguirem para descanso na retaguarda naquele dia, de acordo com as ordens emanadas pelo Comando Supremo Britânico, para retirar da zona de combate.

das missões inglesa e francesa, e oficiais observadores espanhóis, no dia 22 de Julho de 1916, na grande parada de Montalvo.

4

Com o tratado de Brest-Litovsk, a 3 de Março de 1918, os revolucionários russos puseram fim à guerra com as Potências Centrais, a qual tinham causado perto de 4 milhões de mortos russos. É na sequência deste tratado que libertou várias Divisões alemãs que a Alemanha iniciou o movimento tático da ofensiva da Primavera de 1918, tendo o terceiro movimento tático sido dirigido diretamente sobre as forças portuguesas.

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O Exército Português

Entre o início da República e o início da Grande Guerra 1914-18, Portugal Continental e Ilhas (Açores, Madeira e Cabo Verde) registavam uma população que rondava os seis milhões de habitantes. A população continental vivia essencialmente fora dos centros urbanos e mesmo assim os que viviam em cidades estavam concentrados nas cidades de Lisboa e Porto5. É por esta razão que o bastidor português da Grande Guerra, a frente interna, se centrou nestes dois polos urbanos, simultaneamente culturais e políticos e que na época se apresentavam como representantes da face civilizada e moderna da República. Os restantes centros urbanos, excluindo Coimbra, seguiam de forma reativa os acontecimentos de Lisboa e Porto, razão por que fazer a História dos acontecimentos políticos do período de 1914 a 1918 não é mais do que escrever a História de Lisboa e do Porto6.

A demografia nacional neste período foi estável7, em grande parte devido à emigração que se descontrolou desde a implantação da República e que assim prosseguiu durante a Grande Guerra, levando à saída de mais de 400.000 portugueses.

Outro fator que contribuiu para a estabilidade demográfica deveu-se a causas de saúde pública relacionadas com as epidemias de tifo, pneumónica entre 1917 e 1918 e à fome que assolou o país que em conjunto causaram mais de 100.000 mortos, sem contar com cerca de 10.000 mortos nos teatros de guerra na Europa e na África.

Sendo um povo demograficamente pequeno e com um território histórico muito vasto, não tinha tradições intervencionistas e apenas existia uma posição consensual para a utilização do Exército na África portuguesa. A posição intervencionista dos governos do Partido Democrático, apoiados por um Parlamento maioritariamente seu, teve de ultrapassar a oposição de muitos oficiais para conseguirem obrigar o Exército a tomar uma posição ativa no teatro de guerra na Europa.

5

Censo da População Portuguesa, 1920, da Direção Geral de Estatística, p. 9.

6

Marques, 1986, pp. 289-93. Oliveira Marques no Capítulo, Os Problemas Básicos a Resolver, da sua História de Portugal, faz um enquadramento demográfico de Portugal, diferenças entre o Norte e o Sul, entre o Interior e o Litoral.

7

No 5º recenseamento geral da população portuguesa, em 1911, a população apresentava 5.960.056 habitantes e no 6º recenseamento geral da população portuguesa, em 1920, a população apresentava 6.032.991 habitantes. Esta estagnação foi devida em parte à epidemia da gripe pneumónica em 1918 e à guerra. Retirado da internet http://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=CENSOS&xpgid=censos_historia_pt, em 12/09/2012, Instituto Nacional de Estatística.

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26

Quando a Grande Guerra teve início em 1914 os efetivos do Exército português apresentavam 30.700 homens no Continente, incluindo 12.000 em instrução, e 900 homens distribuídos pelas Ilhas8.

Em África a intervenção do exército deu-se logo no início do conflito, em 1914, e só veio a terminar em Novembro de 1918 após o Armistício. Levou à mobilização de 50.100 homens ao longo dos vários anos da guerra, tendo partido para Angola 18.400 homens para Angola e para Moçambique 31.700 homens.

Em Angola, as hostilidades com os alemães mantiveram-se entre 1914 e 1915, na fronteira sul envolvendo ações diretas contra o território da colónia alemã da África Alemã do Sudoeste, também chamada de Damaralândia, atual Namíbia, e posteriormente contra os indígenas que se revoltaram contra a soberania portuguesa em resultado do conflito com esta colónia alemã.

Em Moçambique as hostilidades mantiveram-se desde 1914 até 1918, tendo-se desenvolvido inicialmente na fronteira norte, junto ao rio Rovuma, que demarcava a fronteira com África Alemã Oriental e progressivamente estendido ao interior do território de Moçambique.

Para a defesa de outros territórios nacionais9 que constituíram a frente interna, o exército mobilizou mais 12.000 homens para guarnecer as Ilhas (Açores, Madeira e Cabo Verde), o Estado da Índia Portuguesa, Timor e Macau, e ainda foram mantidos 40.000 homens na Metrópole10 por causa do perigo das incursões monárquicas e do perigo espanhol11.

Na frente europeia Portugal deixou a sua neutralidade, ou o seu não intervencionismo europeu ativo, a 23 de Fevereiro de 1916, quando executou o arresto de 70 navios alemães e 2 navios austro-húngaros que se encontravam surtos em portos nacionais espalhados pelo Mundo. Para esta frente europeia foi feito um esforço de 8 Lobo, 1922, pp.248-9 9 Lobo, 1922, pp.248-9 10

Meneses, 2011, pp. 115-23. Neste trabalho, no capítulo dedicado às relações entre Portugal e a Espanha durante a I República de Hipólito de la Torre Gómez, é abordada a questão da independência de Portugal e as iniciativas de Afonso XIII.

11

Gómez, 1998, p.143 e Gómez, 2002, p.152. Durante todo este período a ameaça espanhola foi efetiva e em particular durante em Março de 1915. A posição intervencionista portuguesa e entrada no conflito europeu foi também um fator desestabilizador da neutralidade espanhola, que em parte deu força aos movimentos iberistas espanhóis.

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27 mobilização que conseguiu enviar para França até ao final da guerra mais 57.000 homens, o que totalizou uma mobilização de mais de 150.000 homens12 até o final da Grande Guerra, o que constituiu o maior número de efetivos alguma vez ativos até à data. Este crescimento exponencial do exército, entre 1916 e 1918, acarretou o aparecimento de um dos seus maiores problemas, a falta de capacidade para formar oficiais suficientes para o enquadramento dos efetivos em teatro de guerra. A este problema juntou-se a falta de oficiais por causa das baixas em combate e pela incapacidade de os substituir por desgaste físico, psicológico e pelas licenças.

Quadro 1 - Efetivos do Exército Português durante a Grande Guerra

Efetivos do Exército em Agosto de 1914 13

No Continente 30.764 (destes 12.000 estavam na fase de instrução)

Nas Ilhas 887

Efetivos no Início da Grande Guerra 31.651 Efetivos do Exército mobilizados até Novembro de 1918 Para França 57.178

Para África 50.150

Para defesa das Ilhas 12.383 Para defesa do Continente 40.000 Total de tropas mobilizadas 159.711

Lei da Reforma do Exército de 1911

O Decreto-Lei de Organização Geral do Exército14, publicado em 25 de Maio de 1911, 1ª Série n.º 11, de 26 de Maio de 1911, estipulou o fim do exército profissional e apresentou uma nova organização militar, no conceito de Nação em Armas, com um serviço obrigatório de 15 a 30 semanas nas fileiras, com períodos de repetição de instrução e um sistema de comando com base em oficiais milicianos.

12

Rosas, 2010, pp. 295-8. Relativamente aos contingentes militares portugueses que combateram nos dois teatros de operações, África e Europa, e as guarnições da frente interna, existe grande variação de fonte para fonte, fundamentalmente por não serem consideradas as tropas indígenas ou os serviços logísticos. Fernando Rosas apresenta um total de 105.544 tropas mobilizadas entre 1914 e 1918.

13 Lobo, 1922, pp 245-59. No capítulo referente ao esforço militar e financeiro de Portugal, Costa Lobo

apresente um conjunto de dados muito interessantes, tanto mais que a edição reporta a 1922, referentes à mobilização geral do país e à situação em 31 de Março de 1919.

14

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No entanto, a nova organização foi obrigada a manter um corpo do quadro permanente na metrópole de 11.699 homens, que em tempo de paz tinham a incumbência de garantir os serviços administrativos e de segurança na estrutura militar.

Com este modelo foi introduzida a Instrução Militar Preparatória aos 17 anos e incorporação no exército aos 20 anos, passando os cidadãos depois do serviço militar obrigatório para a reserva territorial, com o intuito de fazer esses reservistas continuarem a frequentar durante sete a nove anos uma Escola de Repetição durante duas semanas por ano. Neste âmbito foi ainda determinada a abertura de uma Escola de Quadros para a formação de oficiais milicianos.

A reforma alterou substancialmente a origem dos indivíduos mobilizados ao obrigar todos os estratos sociais urbanos a uma prestação do serviço militar, novidade no que se refere à população das cidades de Lisboa e do Porto15.

Ao impor esta reforma os republicanos tinham consciência que para a dimensão demográfica do país e para a cultura nacional se ia reduzir a curto prazo a capacidade operacional do Exército, mas também tinham consciência que se optassem por manter o modelo monárquico de exército profissional a médio prazo seria o suicídio do regime, uma vez que os jovens oficiais profissionais não apresentavam grande adesão ao regime republicano16.

Em 1912, a reforma do Exército mantinha-se quase toda no papel, em parte por causa dos problemas existentes nas colónias. Em África, as Campanhas de Pacificação de 1912-13, em Moçambique, e as Campanhas de Pacificação de 1911-14, em Angola, as quais tiveram continuidade durante o período da Grande Guerra, e as campanhas de pacificação de 1912 na Índia e em Timor demonstravam a necessidade de manter um quadro de oficiais e unidades operacionais permanentes.

Houve, ainda, diversas situações em que o Exército foi chamado para suster incursões monárquicas e para atuar como força de intervenção em manifestações e greves. Nas vezes que o exército atuou como força de intervenção contra manifestações

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Telo, 1980, p.5

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Referências

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