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Reflexões sobre o filme A Onda a partir das lentes da teoria hipodérmica

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Academic year: 2021

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rincipal paradigma teórico do início do século 20, a teoria hipo-dérmica influenciou pesquisas e ajudou a fundar a epistemologia que deu origem ao moderno campo de estudos da Comunicação. O artigo realiza uma releitura da teoria a partir do filme A Onda, de direção de Dennis Gansel (2008) e chega à conclusão de que, se de um lado, são evidentes as fragilidades do modelo proposto por Lasswell, de outro, ain-da é possível perceber a riqueza e relativa valiain-dade desse processo concebido nos anos 1930, mesmo diante das transformações e desafios que surgiram com as novas tecnologias.

Palavras-chave: comunicação; teoria hipodérmica; Harold Lasswell; fil-me A Onda.

Angelo Muller

Doutorando e Mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS – Bolsista Integral/Capes). E-mail: angelo.muller@acad.pucrs.br

Renata Andreoni

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Doutoranda em Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS – Bolsista Integral/Capes). Mestre em Comunicação Social pela PUC-RS. E-mail: andreoni.renata@gmail.com

lentes da teoria hipodérmica

1. Contribuições de Luciana Buksztejn Gomes, mestranda em Comunicação Social na Pontif ícia Universidade Cató-lica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

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Reflections on The Wave movie from the lenses

of hypodermic theory

Main theoretical paradigm of the early twentieth century, the magic bullet theory in-fluenced research and helped found the epistemology that gave rise to modern commu-nication studies field. This paper presents a reinterpretation of the theory from the mo-vie The Wave, directed by Dennis Gansel (2008), and comes to the conclusion that if, on one hand, weaknesses are evident on the proposal of Lasswell model, on the other, it is still possible to perceive the wealth and relative validity of the process designed in the 1930s, even in the face of changes and challenges that have arisen with new technologies. Keywords: communication; magic bullet theory; Harold Lasswell; movie The Wave.

Reflexiones sobre la película La Ola a partir de

las lentes de la teoría hipodérmica

Paradigma teórico principal de principios del siglo 20, la teoría hipodérmica influyó in-vestigaciones y ayudó a fundar la epistemología que dió origen al campo de estudios de la comunicación moderna. El artículo presenta una reinterpretación de la teoría desde la película La Ola, dirigida por Dennis Gansel (2008), llegando a la conclusión que si, por una parte, son evidentes debilidades de la propuesta por el modelo de Lasswell, por el otro, todavía es posible ver la riqueza y la validez relativa del proceso diseñado en los años 1930, aún frente a los cambios y desafíos que han surgido con las nuevas tecnologías. Palabras clave: comunicación; teoría hipodérmica; Harold Lasswell; película La Ola.

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O presente artigo objetiva refletir sobre o filme A Onda a partir das lentes da teoria hipodérmica. Esta proposta parte do entendimento de que as teorias são construções e que, portanto, “é mais prudente questionar a utilidade de uma teoria do que questionar a sua veracidade” (Littejohn, 1982, p. 21). Ainda que se trate de uma teoria há bastante tempo em desuso, con-sideramos que é possível relacionar alguns de seus aspectos com o processo comunicacional que permanece vigente. É o que vemos, por exemplo, na in-tencionalidade dos emissores, que disparam suas mensagens com o mesmo propósito de criar alterações na ordem do pensamento dos grupos. Ao mes-mo tempo, não podemes-mos subtrair completamente dos indivíduos expostos às mensagens, pelo menos em certo grau, a algumas alterações em seus proces-sos de decodificação dos estímulos diários.

Não se tratam, certamente, de transmissões completas de mensagens, de downloads de conteúdos na íntegra, de processos de comunicação reali-zados à perfeição – algo que de fato se revela cada vez mais distante da pos-sibilidade prática – mas de estímulos que, ao encontrar os campos propícios, podem realizar transformações e gerar atitudes de acordo com a intenção dos emissores. Da mesma forma, diante da incompatibilidade, estes estímu-los tendem a ser infrutíferos ou, quando muito, direcionar a massa de recep-tores para atitudes contrárias àquelas esperadas pelos emissores. Não per-dendo a analogia do sentido empregado pela teoria da agulha hipodérmica, seria como dizer que as mensagens poderiam tanto funcionar como vacinas, que em pequenas doses ajudariam a sustentar ou predispor os indivíduos a agirem de acordo com determinadas atitudes ou posicionamentos desde que predispostos a tal; como também poderiam, em pequenas doses, intoxicar os indivíduos incompatíveis a tais mensagens.

A estrutura do trabalho apresenta inicialmente algumas considerações sobre a teoria hipodérmica. Na seção subsequente, é brevemente sintetizado o objeto de análise, o filme A Onda, tendo como parâmetro a teoria hipodér-mica; para por fim, nos aproximarmos do conceito de massa e refletirmos sobre o objeto a partir do modelo proposto.

A teoria hipodérmica

O contexto histórico do surgimento da teoria hipodérmica está situa-do no períositua-do entreguerras, quansitua-do, de acorsitua-do com Wolf (1987) a atenção estava voltada com bastante interesse para o aspecto da difusão no processo comunicativo através dos veículos que ficaram conhecidos como meios de comunicação de massa. Segundo o autor, a teoria hipodérmica

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é uma abordagem global aos mass media, indiferente à diversidade existente entre os vários meios e que responde sobretudo à interrogação: que efeito têm os mass media numa sociedade de massa? A principal componente da teoria hipodérmica é, de facto, a presença explícita de uma teoria da sociedade de massa, enquanto, no aspecto «comunicativo», opera complementarmente uma teoria psicológica da acção. Além disso, pode descrever-se o modelo hipodérmico como sendo uma teoria da propaganda e sobre a propaganda; com efeito, no que diz respeito ao universo dos meios de comunicação, esse é o tema central (Wolf, 1987, p. 7).

O autor resgata o conceito de homem-massa de Ortega y Gasset (1962), ao desenvolver considerações sobre a sociedade de massa e o ho-mem-massa, surgido em razão da “desintegração da elite” (Wolf, 1987, p. 4). Para Ortega y Gasset (1962), o fenômeno da multidão seria o conjunto composto por uma minoria (pessoas especialmente qualificadas) em as-sociação com uma massa social (pessoas não especialmente qualificadas). A massa poderia ser compreendida, como propõe Ortega y Gasset (1962), pelo conjunto de pessoas que concebe, portanto, o homem médio. Nesse sentido, “nos grupos que se caracterizam por não ser multidão e massa, a coincidência efetiva de seus membros consiste em algum desejo, ideia ou ideal, que por si exclui o grande número” (Ortega y Gasset, 1962, p. 62-63). Explicando que “o homem-massa é o homem cuja vida carece de projeto e caminha ao acaso” (Ortega y Gasset, 1962, p. 104).

Ferreira (2001) aponta que Ortega y Gasset foi um crítico da nova so-ciedade que se moldava e era concebida como uma soso-ciedade de massa. E onde havia uma crescente presença dos meios de comunicação. Assim, mas-sa seria uma associação formada por indivíduos cada vez mais encerrados em seus próprios domínios diante de um contexto onde “os meios de comu-nicação surgem com força [...]” (Ferreira, 2001, p. 106).

Harold Lasswell, na obra Propaganda Techniques in the World War (1927), apresenta algumas lições da Primeira Guerra Mundial, entendendo que os meios de difusão têm uma importância fundamental na construção das opiniões. Aproveitando-se desse conceito, Mattelart (2005, p. 37) afirma que “a propaganda constitui o único meio de suscitar a adesão das massas; além disso, é mais econômica que a violência, a corrupção [...]”. Mattelart (2005) explica tratar-se de uma visão instrumental e que de um lado toma a mídia por uma força onipotente, e de outro, a audiência como uma massa homogênea que teria como característica a reação imediata diante do esque-ma estímulo-resposta. E o esque-mais importante: sem pensar. Mattelart (2005) argumenta, ainda, que a mídia agiria segundo um modelo de agulha

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hipo-dérmica, conforme cunhado por Lasswell, ao referir que existiria um impac-to direimpac-to entre o estímulo e a resposta, quase como o efeiimpac-to de uma injeção.

Para Araújo (2001) a teoria hipodérmica estaria ancorada nas teorias de sociedade de massa, desenvolvidas por Le Bon e Ortega y Gasset, que en-tendiam que a sociedade do século 20 era formada por uma multidão, sendo que as relações interpessoais não teriam importância ou seriam inexistentes. Também teria por base as teorias behavioristas, de forma que a ação humana seria resultante de um estímulo externo.

Para explicar o paradigma da sociedade de massa, Ferreira (2001) faz uso da teoria hipodérmica - também conhecida como teoria da seringa ou

bullet theory - e afirma que, de acordo com a própria nomenclatura, é

pos-sível perceber a “onipotência da sociedade e dos mass media” e a fragilida-de das pessoas. “O termo hipodérmico ou seringa mostra como o público é comparado aos tecidos do corpo humano, que atingido por uma substância [...] todo o corpo social é atingido indistintamente” (Ferreira, 2001, p. 107). O autor entende que a mensagem é tomada por verdadeira e que, a esse estí-mulo, irá corresponder uma determinada reação.

Lasswell (1971) explica que qualquer processo pode ser visto de duas formas, quais sejam, estrutural ou funcional, e que sua abordagem será a par-tir do ângulo funcional. Assim, a sua análise da comunicação trata sobre: “1) a vigilância sobre o meio; 2) a correlação das partes da sociedade em resposta ao meio; 3) a transmissão da herança social de uma geração para a outra” (Lasswell, 1971, p. 106). Para o autor, podem ser encontrados equivalentes biológicos entre associações humanas. Nesse sentido, Wright (1973) justifica que Harold Lasswell

relacionou certa vez as três atividades principais dos especialistas em comunicações: 1) Detecção prévia do meio ambiente; 2) Correlação das partes da sociedade na reação a esse meio e 3) Transmissão da herança social de uma geração para a seguinte (Wright, 1973, p. 16).

Ao trabalhar sobre o modelo comunicativo da teoria hipodérmica, Wolf (1987) ressaltou a importância do efeito para esse modelo, que seria dado como certo. Explica que, para Lasswell, para descrever um ato de comuni-cação, seria adequado responder as seguintes questões: quem; diz o quê; em que canal; para quem e com que efeito?

Costa e Mendes (2012) justificam a importância do conceito de massa para a compreensão dessa teoria e lembram que Lasswell retomou o modelo de Aristóteles ao observar a propaganda, de forma que o ato comunicativo seguiria a sequência interrogativa acima exposta. Assim, as autoras

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com-preendem cada etapa do ato comunicativo, entendendo que o “quem” estaria vinculado ao comunicador e aos seus interesses; “diz o quê” seria a análise do conteúdo; “em que canal”, estaria vinculado aos meios escolhidos no proces-so; “para quem”, referir-se-ia ao receptor; e “com que efeito?”, seria a forma em que os efeitos são recebidos.

As autoras argumentam que Lasswell apresentou três funções da co-municação, a partir do modelo proposto. A primeira seria da vigilância so-bre o meio, ou seja, “a mídia funciona como um vigilante ao relevar tudo o que pode ser uma ameaça ao sistema de valores de uma sociedade, e dessa forma as pessoas podem conviver naturalmente frente aos problemas sociais que possam acontecer” (Costa; Mendes, 2012). A segunda consistiria no re-lacionamento e interação das pessoas, que aconteceria em razão da comuni-cação, criando assim um ambiente de cooperação. A comunicação auxiliaria, ainda, na transmissão do patrimônio cultural entre as gerações.

Entendemos que para esta teoria, o receptor é visto como parte de uma massa amorfa, indefesa, com um comportamento único e uniforme. Daí o paralelo com o projétil, ou bala mágica, porque a informação seria recebida como uma injeção, entrando no corpo humano de forma imediata. A massa passa a ser percebida como um novo tipo de organização social, constituída por um conjunto homogêneo de pessoas, ainda que estas tenham origens diferentes. O modelo comunicativo seria do emissor e do receptor, de for-ma que todo estímulo geraria ufor-ma resposta, sendo os seus efeitos imediatos e inevitáveis. Na realidade, quer parecer que, para a teoria hipodérmica a resposta a um estímulo é aquela que foi idealizada pelo emissor, já que os efeitos são tidos como certos. O receptor passa a ser um agente passivo. A teoria situa-se dentro dos estudos dos emissores e trabalha, podemos dizer, de forma central, com as ideias de emissor, manipulação e massa.

Segundo a metáfora da agulha hipodérmica, os media injetam seus conteúdos diretamente em cada membro da audiência, sendo que a ab-sorção se dá de modo rápido e instantâneo. Wolf (1987) ensina que, neste modelo, existiriam algumas premissas, entre elas o fato de os processos serem assimétricos, por haver, de um lado, um emissor que produz o efei-to e do outro, uma massa passiva que reage de forma instantânea. Outro pressuposto apresentado pelo autor diz respeito ao efeito da comunica-ção, que seria intencional, desde o princípio, e relacionado ao conteúdo da mensagem. Assim, a análise do conteúdo seria um instrumento de verifi-cação dos objetivos da manipulação dos emissores. Costa e Mendes (2012) explicam que a teoria da bala mágica foi

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Pensava-se que bastava “atingir o alvo” e a propaganda teria êxito. O seu modelo era uma simples relação de estímulo – resposta, influenciada pelos estudos de psicologia comportamental (behavorismo) que despontavam [...] (Costa; Mendes, 2012, p. 2).

Por trabalhar com a ideia de massa, recorremos à Mattelart (1994), que apresenta a diferença entre os conceitos de massa e comunidade, res-gatando os ensinamentos de Ferdinand Tönnies, que na virada do século 19 para o 20 levou em consideração as mudanças pelas quais passava a socie-dade europeia da época. Assim, Tönnies cunhou os termos Gemeinschaft (comunidade) e Gesellschaft (sociedade), sendo o primeiro caracterizado pelas relações sociais informais e o segundo pela divisão do trabalho, ou seja, por um vínculo contratual aceito de forma voluntária, de forma que as partes passariam a aceitar as regras e submeter-se-iam às sanções em caso de descumprimento das mesmas.

Conforme explica Mattelart (1994, p. 47), na realidade, “em vez de es-truturas e instituições, os dois pólos exprimiam duas dimensões da ação social”. Mas ainda assim, explica o autor, Tönnies não acena no sentido de atribuir um sinal positivo a qualquer um deles. A partir dessas concepções, surgiram interpretações diversas, pois se, de um lado, esse novo mundo tra-ria maior liberdade e pluralismo, por outro, podetra-ria trazer mais desumani-zação, anonimato e fragmentação (Mattelart, 1994). Estabeleciam-se novas relações sociais nessa nova sociedade.

Estudo de caso: filme A Onda

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A história do filme se passa na Alemanha, mas resgata um episódio real ocorrido nos Estados Unidos em 1967, na cidade de Palo Alto, na Ca-lifórnia. Na ocasião, um professor de Ciência Política que lecionava e se identificava com a disciplina de anarquia recebeu a tarefa de lecionar na-quele semestre a disciplina de autocracia. As ideias entram em choque e o professor, contrariado, acaba encontrando uma forma pouco ortodoxa para cumprir sua tarefa.

Ao questionar os estudantes da classe sobre ser possível a instauração de uma nova ditadura na Alemanha (0:13:27), um aluno responde que: “De jeito nenhum! Estamos além disso”. O professor Rainer então propõe à turma que façam, uma experiência seguindo as regras de um regime autocrático em sala de aula pelo período de uma semana. Para isso, entra em votação a esco-lha de um líder, que acaba sendo o próprio professor; elabora-se um código de conduta que envolve valores relacionados com a autocracia - como o res-2. O filme de 2008,

dirigido por Dennis Gansel, foi visto du-blado em português, com áudio original em alemão, legen-dado em português. Está disponível na lista de filmes do Netflix.

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peito e a ordem -; e o regime vai ganhando o acréscimo de novos elementos à medida que o experimento se consolida - surge o nome A Onda, se opta pelo uso de um uniforme, cria-se um símbolo, uma saudação e, adequando o fato real ao tempo diegético do filme, é elaborada uma página na internet. Durante o processo de organização do grupo, alguns alunos mais críti-cos acabam não concordando com a experiência e desistindo da disciplina. Mas ao mesmo tempo, o professor é comunicado que alguns pais estavam aprovando a mudança de comportamento de seus filhos. No filme, fica su-bentendido que um dos valores que acabam ganhando importância na nova organização é o da imposição física. Essa inferência se dá por associação, uma vez que o professor e líder do movimento, era praticante de esportes e treinador do time de polo aquático da escola.

Já no dia seguinte, o professor se surpreendeu com o fato de os alunos assumirem seus novos papéis e apresentarem-se enfileirados e em silêncio. Mas à medida em que a semana vai passando, entra em curso uma mudança gradual no comportamento do professor (que é visível no relacionamento com a sua esposa e, até mesmo, com uma das alunas que resolveu não par-ticipar do experimento), bem como no comportamento dos alunos. Ambos dão demonstrações de satisfação com o poder e apresentam comportamen-tos violencomportamen-tos. Destacamos dois facomportamen-tos que ilustram bem esse posicionamento: 1) quando um aluno, jogador de pólo aquático e membro da Onda, perde o controle e tenta afogar um jogador do time oposto (1:21:40); 2) quando um aluno – Marco – bate no rosto da namorada – Karo (1:24:47).

Os acontecimentos vão fugindo do controle dos atores envolvidos e o movimento parece ganhar realmente vida e intensidade. Então, o professor percebe que está havendo algo maior do que o esperado e, no último dia do experimento, decide reunir os alunos no auditório da escola para acabar com A Onda. Porém decide fazer isso utilizando uma estratégia retórica que apresentaria o movimento como positivo para então mostrar como ele era prejudicial. O professor e alguns alunos que lhe eram mais próximos fecham o auditório e então ele começa seu discurso dizendo que A Onda iria domi-nar a Alemanha e que os alemães teriam saído perdendo com a globalização (1:31:13). Apresenta argumentos inflamados, que são recebidos com emoção e entusiasmo pelos alunos. Os jovens ficam encantados. É então que Rainer, para aplicar sua estratégia retórica, acusa um aluno de traição e pergunta se, como punição, ele deveria ser enforcado ou decapitado (1:33:58), para então dizer que “é isso que fazem na ditadura” (1:34:10). “Entenderam o que acon-teceu aqui?” (1:34:19). O professor então resgata a pergunta feita no início daquela semana, se ainda seria possível uma outra ditadura na Alemanha, ao que responde “era isso que estava acontecendo aqui, fascismo” (1:34:33).

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É então que o desfecho trágico acontece quando um dos alunos mais entu-siastas do movimento se dá conta que se tratava de uma farsa do professor e passa a o ameaçar com um revólver. O aluno é desafiado pelo professor, não se controla, atira contra um colega e depois se suicida3.

Análise e considerações

Ao propor a experiência de um regime autocrático, o professor respon-de ao respon-desafio respon-de mostrar aos alunos que, mesmo diante dos exemplos históri-cos, dos bem conhecidos efeitos e perigos subjacentes a esse tipo de governo, a autocracia ainda é capaz de exercer um fascínio sobre os indivíduos, na medida que propõe valores relacionados ao progresso e ao fortalecimento dos grupos. Nesse sentido, o primeiro passo parece ter sido a construção de um conjunto de normas a serem impostas e a obrigatoriedade da submissão dos indivíduos a esse conjunto. Com isso – e esse fato é salientado durante o filme – fica claro que havia a intenção de unificar o grupo para torná-lo uma massa que respondesse unissonamente aos estímulos/mensagens.

Desde o início, o professor (emissor) transmitiu aos alunos (receptores) estamentos (mensagens) que foram recebidos como verdadeiros e inquestio-náveis. E um a um, os estímulos das mensagens produziram como resposta movimentos no sentido da aceitação e rejeição do regime autocrático. Cer-tamente, uma observação minuciosa não poderia permitir que se tratasse os alunos do grupo como uma massa homogênea. Porém, alguns fatores, e entre eles o próprio conjunto de regras impostas, faziam com que, sob uma hipoté-tica perspectiva de observação onde fosse utilizada uma lente mais afastada do objeto, essa massa relativamente homogênea poderia se revelar. É o caso do contexto socio-histórico, pois todos faziam parte da mesma escola, o que pressupõe que fizessem parte de uma mesma comunidade; frequentavam o mesmo nível escolar, o que pressupõe que eram de uma faixa etária compatí-vel, compartilhando relativamente as mesmas questões existenciais.

Ainda que, por outro lado, o fato de pertencer a uma mesma escola não garantisse equivalência no nível financeiro e cultural; bem como o fato de o núcleo familiar, como foi representado no filme, fosse a origem das primeiras diferenças culturais em relação a cada indivíduo, fazendo com que, não por acaso, alguns alunos não conseguissem se adaptar à experiência, demonstra reações divergentes às pretendidas, como as de realizar questionamentos so-bre o mérito do experimento. Portanto, a aproximação dessa lente hipotética seria, por sua vez, capaz de revelar diferenças importantes na ordem da con-sideração daquele conjunto de alunos como massa.

Isso fica claro nas duas alunas que estão presentes no surgimento da 3. Muito embora o

filme seja baseado em fatos reais, há elementos de ficção, como esta cena do suicídio de um dos alunos.

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ideia mas optam por não participarem da Onda. Mas não são apenas estes dois casos que apresentam uma interpretação difusa dos estímulos. Há mo-mentos em que fica evidente o desconforto em alunos que pertencem ao movimento, provavelmente relacionado com o sentimento de dúvida sobre as atitudes do grupo. Isso demonstra divergências mesmo entre o conjun-to-massa que concordara em participar da Onda. Esse ponto ilustra a mais importante fragilidade da teoria hipodérmica, que pressupõe ser a massa homogênea. Ela nunca o é, completamente.

Mas também se faz necessário considerar o fato de que, ao aproximar-mos ou afastaraproximar-mos a lente imaginária através da qual observaaproximar-mos um de-terminado conjunto de indivíduos considerado “massa”, as diferenças irão obedecer a uma tendência de se tornarem mais pronunciadas, na medida que nos aproximamos do objeto, ou mais atenuadas, na medida em que nos afastamos, até que desapareçam e revelam a uniformidade que torna a massa um conjunto relativamente padronizado. Portanto, nos parece que os fatores que tornam essa massa um conjunto, estes sim, devem ser analisados em função das mensagens em um estudo sobre recepção via teoria hipodérmica. Daí que, de tal estudo, os resultados devem ser apresentados possibilitando que o conjunto-massa revele suas tendências, como um corpo aberto e vivo, e não suas regras, como uma massa homogênea e hermética.

Em relação às propriedades essenciais do conceito de massa, relevantes na nossa análise, uma cena, no início do filme, apresenta dois personagens diante de um dilema existencial: eles se perguntam se existe um motivo sobre o qual poderiam desenvolver um sentimento conjunto de revolta (0:08:50). Dessa discussão surge o argumento de que faltaria um objetivo comum à juventude, evidenciando o que seria considerado a marca daquela geração, na qual uma celebridade - Paris Hilton - seria o tema mais procurado no google. Essa passagem traz à luz uma aproximação bastante fiel ao que foi proposto por Ortega y Gasset com a ideia de “homem-massa”: um homem sem projeto, mero espectador da história. Por outro lado, também aponta para uma necessidade de revolta que é normativa na juventude. E tanto o é, que os indivíduos do movimento empregaram suas forças em torno de um governo autocrático que acabou por despertar sentimentos fascistas em seus integrantes. O paradoxo aqui é que a união em torno do movimento A Onda, não deixou de ser um gesto de revolta, característico da juventude questio-nadora, inquieta, desejosa de algo novo; mas também um comportamento de massa em torno de uma ideia fascista.

Em que pese as críticas à teoria hipodérmica, no sentido de que os efeitos dos meios de comunicação não são estudados, pois eles seriam dados como certos (Ferreira, 2001), no objeto tomado como corpus de análise, foi

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possível percebermos que alguns dos aspectos propostos pelo modelo comu-nicativo de Lasswell (1971) validam o modelo geral. É o caso das variáveis encontradas na natureza do comunicador (quem) e seu interesse em relação ao ato comunicativo; do conteúdo da mensagem (diz o quê); do meio (canal); da audiência (quem) e com quais efeitos.

Apesar das considerações iniciais sobre a relatividade da massa, a teoria hipodérmica afirma que o conteúdo das mensagens é transmitido (ou injeta-do) em cada membro da audiência de uma forma instantânea e rápida, e essa relação pode ser percebida no decorrer do filme. As respostas dos alunos (da maioria deles), aos estímulos, foram rápidas e intensas. Mas nem todos receberam tal estímulo como o pensado pela teoria, ou seja, nem todos rece-beriam como uma injeção o estímulo.

Ao tentar reproduzir nos alunos os sentimentos relacionados com as autocracias, o professor não tinha ideia sobre a dimensão que o movimento iria tomar. Mesmo que se atribua ao contexto (classe média, brancos, jovens) um dos fatores determinantes para os desencadeamentos apresentados no filme - e na história - fica claro que não se pode vincular necessariamente o efeito desejado ao discurso. Porém, também fica evidente que o indivíduo ou a massa exposta à mensagem tende a não passar incólume por essa exposi-ção. Sofre pelo menos suas consequências emocionais, seja concordando ou discordando, reagindo com empatia ou não. As mensagens, portanto, apre-sentam um grau de interferência no construto do mundo dos indivíduos que são tocados pelas mensagens, independentemente de sua vontade.

Nesse sentido, e a partir das considerações que realizamos neste artigo, a teoria hipodérmica se mostra mais do que uma teoria inauguradora na tra-dição de pesquisa em comunicação, mas uma teoria que consegue apresentar um modelo, ainda que generalista - pode ser dito, superficial - mas válido para a compreensão dos fenômenos comunicacionais.

Referências

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FERREIRA, G. M. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés do paradigma da sociedade de massa. In: Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. HOHLFELDT, A; MARTINO, L. C.; FRANÇA, V. V.

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Filme “A onda” [Die Well] – Dur.: 106 minutos – Direção: Dennis Gansel. Ro-teiro: Todd Strasser (romance), Dennis Gansel e Peter Thorwart. Ano: 2008. LASSWELL, H. A estrutura e a função da comunicação na sociedade In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e indústria cultural, 2.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971, p. 105-117.

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Referências

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