• Nenhum resultado encontrado

Sociedades senescente: análise de vínculos sociais numa instituição de longa permanência em Campina Grande – Paraíba | Memorialidades

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Sociedades senescente: análise de vínculos sociais numa instituição de longa permanência em Campina Grande – Paraíba | Memorialidades"

Copied!
33
0
0

Texto

(1)

VÍNCUlos soCiais NUMa iNstitUiÇÃo

dE loNGa PErMaNÊNCia EM CaMPiNa

GraNdE – ParaÍBa

Benedita Edina da Silva Lima Cabral1 José Anchieta Bezerra de Melo2 Kátia Ramos Silva3

Resumo. O último censo demográfico realizado pelo IBGE indica que 11% da população brasileira é constituída por idosos, e a Paraíba ocupa a quinta colocação, com o maior contingente. Esse fato tem provocado sensíveis modificações na sociedade contemporânea e, nesse sentido, as Instituições de Longa Permanência para Pessoas Idosas (ILPIs) passam a ser percebidas como parte da realidade social e necessárias para o atendimento de idosos que se encontram em situação de risco. Este artigo pretende discutir essa complexa realidade social a partir da exposição e análise dos resultados de um Projeto de extensão, da área de Ciências Sociais, realizado no Instituto São Vicente de Paulo, na cidade de Campina Grande-PB. No âmbito dessa Instituição, enfatizamos as práticas de sociabilidade construídas entre os mediadores institucionais e os residentes, e entre estes e o nosso grupo de extensionistas. A fim de contemplar os objetivos propostos, utilizamos a metodologia da História Oral, através da técnica da história de vida, e a observação participante. Concluiu-se que, se por um lado a ILPI pode ser vista como um ambiente formal e regido

1 Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Professora Associada – PPGCS/

UACS/UFCG.

2 Mestre em Sociologia – PPGS/UFPB. Professor da FCM-PB. 3 Mestranda em Sociologia – PPGS/UFPB.

(2)

por normas, por outro lado, a Instituição pode possibilitar novas experiências de sociabilidade geracional entre os indivíduos que compartilham a mesma condição social e o espaço físico, e entre estes e os cuidadores. Diferentemente dos estereótipos elaborados pelo senso comum sobre a “estaticidade” social que caracteriza uma ILPI, esperamos contribuir para que diferentes percepções sobre a velhice institucionalizada possam ser reconhecidas.

Palavras-Chave: Instituição de Longa Permanência para Pessoas Idosas (ILPIs). Idosos. Extensão.

sENEsCENt soCiEtY: aNalYsis oF

soCial BoNds iN a loNG-tErM CarE

iNstitUtioN iN CaMPiNa GraNdE –

ParaiBa

Abstract. The last census executed by the Brazilian Geography and Statistics Institute (IBGE) indicates that 11% of the Brazilian population is formed by elderly people, and the State of Paraíba is in the fifth place with the largest contingent. This fact has led sentient changes in the contemporary society and, for this purpose, the long-term care institutions for elderly (ILPI's) are realized as part of social reality and they are necessary to the elderly care that are at risk. This article intend to discuss the complex social reality through the presentation and analysis of an extension project results, in social sciences field, executed at São Vicente de Paulo Institute, in Campina Grande, State of Paraiba. In this institution, we emphasized the practices of sociability built between the institutional mediators and the rest home residents, and between them and our group of extension workers. In order to observe the proposed objectives, we adopted the oral history methodology, through the technic of life history, and participant observation. It was

(3)

concluded that, on one hand the (ILPI) can be seen as a formal environment and governed by rules, on the other hand, the institution can enable new experiences of generational sociability among people who share the same social status and physical space, and between them and the caregivers. Differently of the stereotypes produced by common sense, about the social immutability that features a (ILPI), we hope to contribute in order those different perceptions about the institutionalized aging may be recognized.

Keywords: Long-Term Care Institution for the Elderly. Extension Project.

1 i

ntrodução

o interesse pelo envelhecimento humano tem sido constante. o considerável aumento de produções científicas e o valor atribuído a esses estudos são mo-tivados, inicialmente, pelas transformações demográ-ficas que evidenciam o prolongamento do curso de vida e a expansão do contingente idoso, os quais im-pulsionaram análises para responder muitas inda-gações, tais como: os significados e práticas sociais referentes às idades ao longo do curso da vida; como a sociedade contemporânea configura relações entre as gerações, e o cuidado com os mais velhos.

As primeiras abordagens científicas sobre velhice estavam na literatura e também no discurso médico, que preconizavam o envelhecimento a partir de suas causas e consequências para o organismo humano. Hoje, as questões relativas à longevidade têm sido ob-jeto de reflexão de muitas áreas do conhecimento,

(4)

multiplicando-se os diversos enfoques sobre o tema. Nesse quadro de transformações, a velhice deixou de configurar uma “conspiração do silêncio” (BEAU-Voir, 1990), para ser pensada enquanto “problema social” (DEBERT, 1999) que traz desafios para a pre-vidência social, educação, economia e saúde. a ve-lhice se tornou um tema complexo que trouxe à tona um conjunto de possibilidades de análises que pre-cisam ser discutidas à luz de variáveis circundantes aos indivíduos envolvidos nesse processo. Estas, por sua vez, interferindo no modo de ser dos sujeitos ve-lhos, podem conduzir às perspectivas de inclusão ou exclusão social.

De acordo com o último censo demográfico reali-zado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (iBGE) em 2010, a população considerada idosa no Brasil corresponde a 11,3%. No estado da Paraí-ba, esse índice atinge os 11,9% da população total, e esse percentual o coloca na quinta posição entre os estados com maior contingente de idosos (iNsti-tUto BrasilEiro dE GEoGraFia E EstatÍsti-Ca, 2011). Esse fato implica inúmeras alterações nos padrões sociais vigentes, visto que a longevidade exi-ge um novo rearranjo em quase todos os aspectos da vida. Essa mudança produz e impacta as políti-cas públipolíti-cas e sociais, devendo o Estado proporcio-nar melhor inserção social ao segmento, e a socieda-de criar padrões socieda-de solidariedasocieda-de entre as gerações (CaBral, 2002).

a mudança repercute também nas famílias, mo-dificando as relações intergeracionais. Muitos filhos, incapazes de suprir as necessidades específicas dos

(5)

mais velhos, transferem suas funções tradicionais de apoio para outras instituições existentes na socieda-de. É reconhecido que essas práticas têm sido rela-cionadas com as alterações nas relações de gênero, considerando-se, por exemplo, o amplo engajamen-to das mulheres no mercado de trabalho, o que redu-ziu suas possibilidades de cuidar das crianças e dos idosos. assim, observa-se um aumento de idosos re-sidindo em instituições de longa Permanência para idosos (ilPis), bem como uma maior valorização des-sas instituições, que assumem grande importância, atualmente (GroisMaN, 1999; d’alENCar, 2002; BorN; BoECHat, 2002).

debert (1999) considera que as propostas de pes-quisas sobre o envelhecimento em instituições de longa permanência são pensadas como tentativas de aproximação de uma experiência que compreende dois aspectos distintos: um apresenta a instituição asilar como aquela que promove a vivência entre um grupo de pessoas com idades semelhantes, onde os idosos podem recordar o passado e compartilhá-lo, e se converterem em narradores de suas histórias de vida, buscando construir um espaço de vivência har-moniosa e sociável. outro percebe o asilo como um espaço que favorece o distanciamento da convivência familiar e o isolamento da sociedade, e contribui para a perda da experiência de sociabilidade. Esta análise conclui que os idosos esperam encontrar, na institui-ção, alguma vida social compatível com a que perde-ram, seja devido ao avanço da idade ou ao abandono familiar, e por isso esboçam novas formas de socia-bilidade. Como apontado por debert (1999, p. 120),

(6)

[...] entrar no asilo era, para os residentes, uma forma de tentar uma nova sociabilidade que a vida na casa dos filhos não preenchia.

a princípio, ao observar a ilPi em consonância com essa segunda perspectiva, ou seja, como um am-biente que promove o afastamento dos indivíduos da sociedade mais ampla, reconhecemos que nesses, a perda do contato com os vínculos afetivos e/ou fami-liares é sentida com maior intensidade, visto que ela atua como uma inexorável ruptura. ruptura de um tempo, de uma condição, de relações, de uma tra-jetória de vida que necessita ser recriada (CaBral, 2002; 2005).

ao discutir as complexas questões que envol-vem as chamadas “instituições geriátricas” no Brasil, Vieira reconhece que o processo de envelhecer nesse ambiente ainda apresenta dois aspectos relevantes:

[...] a solidão, como estado emocional suscitado pela carência de vínculos afetivos, e o isolamento, como carência de contatos e de atividades sociais (2003, p. 16, grifos do autor).

de acordo com a perspectiva teórica desenvolvi-da por Goffman (2008), referência quando nos propo-mos a discutir esse tema, o asilo pode ser visto ain-da como uma instituição total, sendo este um lugar fechado, mantido por regras e horários, onde a vida das pessoas é totalmente administrada, tendo elas uma relação restrita com o mundo externo. assim, as instituições asilares exercem influência sobre a vida

(7)

dos residentes, face às restrições e práticas cotidia-nas muito disciplinadas. a liberdade de ir e vir é res-tringida tanto por fatores pessoais, como pelo contro-le institucional sobre aquecontro-le cocontro-letivo.

Contudo, utilizar o conceito de instituição total, no sentido goffmaniano, não se faz de forma indiscrimi-nada e literal. o asilo, apesar de constituir-se em um ambiente conduzido por horário, regras, formalidade e rigor, é caracterizado por uma maior maleabilidade de atividades, de adaptação de situações que consideram os limites físicos e psicológicos dos idosos, o que pos-sivelmente não ocorre, por exemplo, em prisões.

deste modo, não nos limitamos a analisar a vivên-cia asilar apenas como perdas e a ilPi como um am-biente puramente formal e regrado, sem espaço para expressões de autonomia e resistências cotidianas. E retomamos o primeiro aspecto que debert (1999) apontou quando reconhece as ilPis também como espaços que possibilitam vivências e convivências entre indivíduos que compartilham geração, condi-ção social e espaço físico. de acordo com essa pers-pectiva, as instituições contribuem para o estabele-cimento de uma rede de solidariedade e relações de sociabilidade entre os idosos, e destes com suas cui-dadoras sociais, formando novos laços e uma pecu-liar experiência de velhice.

assim, neste artigo, pretendemos discutir o asilo e seus residentes de forma nuançada, reconhecendo, nesse espaço, os residentes e o corpo administrativo e de servidores, através de seus conflitos e afetivida-des, imposição de normas institucionais e expressões de solidariedade mútua.

(8)

a ilPi pode ser percebida como parte da realidade social da atualidade, necessária para o atendimen-to de idosos que se encontram em situação de risco social, constituindo-se uma alternativa às situações de violência, maus-tratos, solidão, abandono fami-liar, ou por opção pessoal, própria das novas concep-ções da individualidade contemporânea, ou mesmo pela ausência de possibilidades de suprir necessida-des essenciais à vida. É espaço, por excelência, de relações sociais entre indivíduos que, embora com-partilhem a condição social e a geração, são diversos entre si, detentores de trajetórias de vida, aspirações, necessidades físicas e emocionais peculiares.

Como podemos constatar através dos relatos e da observação direta na pesquisa realizada, os cuidado-res dos asilados tanto podem ser reconhecidos pelos idosos por critérios de afetividade, quanto com cer-ta indiferença. a família, geralmente percebida como “vilã” da situação, ora é enaltecida, visto que por cui-dado e amor, em comum acordo, levaram seu ido-so para o asilo, ora é sutil ou abertamente recrimi-nada pelos residentes. os idosos, comumente vistos como “vítimas” de “algozes” no meio familiar ou entre os servidores da instituição, nem sempre repudiam a vivência na instituição, não sendo deprimidos ou desprovidos de perspectivas de futuro. Muitos reco-nhecem o lugar como um ambiente que demarca um novo modo de vida, distante de práticas de violência, opressão, descaso e que também proporciona possi-bilidades reais de construção de vínculos e atendi-mento de suas necessidades. E quase todos relem-bram com saudades os momentos familiares, quando

(9)

possuíam independência e autoridade, compartilha-vam a rede de sociabilidade e tinham autonomia para gerir suas próprias vidas. Essa nostalgia, muito evi-dente, às vezes se acentua, sendo comum aparecer a depressão, a frustração, a tristeza e o isolamento dos demais.

Para dar conta de uma realidade social complexa, que se mostra de forma nuançada, nossa proposta é discutir as vivências cotidianas de idosos residentes numa ilPi e suas relações com suas cuidadoras so-ciais (religiosas e funcionárias). destacamos as duas dimensões que as ilPis apresentam, tanto em estu-dos conheciestu-dos, como também verificaestu-dos na pesqui-sa realizada. se, por um lado, pode ser vista como um ambiente formal, regido por normas que condi-cionam o afastamento da rede familiar e da socieda-de, por outro lado, a instituição também pode possi-bilitar novas experiências de sociabilidade geracional e vivências de envelhecer. Esse exercício de ponde-rar sobre as “duas faces” das ilPis espera contribuir, portanto, para que diferentes percepções sobre a ve-lhice institucionalizada possam ser reconhecidas.

2 ilpi – i

nstituto

s

ão

V

icEntEdE

p

aulo

:

pErcursohistóricoE

carátErdisciplinardainstituiçãoasilar

o tema – Velhice asilada – é discutido por autores reconhecidos (vide referências), sendo alvo de contro-vérsias que ora ressaltam o isolamento que uma ins-tituição asilar impõe, ora destacam a relevância para o acolhimento de idosos abandonados ou carentes ou,

(10)

ainda, impossibilitados de autonomia. É reconhecido que os residentes em ilPis são possuidores de experi-ências peculiares, que relatam quando podem, e a con-vivência com outros indivíduos com os quais comparti-lham o espaço físico, normas institucionais e o cotidiano corresponde a uma nova realidade a ser administrada, uma vez que procede de vivências diferenciadas ou de convivência familiar conflituosa e os idosos precisam adaptar-se à nova dinâmica de direitos e deveres insti-tucionais de cunho coletivo.

Vivências e convivências se entrelaçam continu-amente nos diálogos estabelecidos entre os media-dores institucionais e os residentes. Neste sentido, buscamos expor, analiticamente, os resultados de um projeto de extensão acadêmico, realizado por um grupo de estudantes de Ciências sociais, a partir do ano de 2007, no instituto são Vicente de Paulo, na cidade de Campina Grande, Paraíba. discutimos os elementos presentes nessa instituição sobre a qual nos debruçamos, enfatizando práticas de sociabilida-de construídas entre resisociabilida-dentes e seus cuidadores, bem como com o nosso grupo, e os aspectos cotidia-nos configurados nesse ambiente peculiar.

O Instituto São Vicente de Paulo, localizado às margens do açude Velho, bairro Catolé, na cidade de Campina Grande, é uma antiga instituição de cari-dade, de orientação católica, administrada por frei-ras da ordem Filhas da Caridade de são Vicente de Paulo, e tem, como diretora, a irmã Bernadete. Exis-te há oiExis-tenta anos, sendo uma instituição precursora na cidade e tendo sobrevivido às muitas dificuldades sem, contudo, deixar de prestar relevantes serviços à

(11)

população idosa desprovida de recursos. a ordem re-ligiosa permanece gerenciando a ilPi e, atualmente, abriga onze freiras. dentre as religiosas, apenas duas trabalham diretamente na ilPi, sendo responsáveis por sua manutenção cotidiana.

a área total do instituto é composta por uma gran-de capela aberta ao público da cidagran-de e por duas ins-tituições de características bastante diferenciadas: uma escola de Ensino Fundamental e um asilo. En-tre a escola e o asilo encontram-se a sede da asso-ciação das Voluntárias da Caridade são Vicente de Paulo, uma quadra de esportes e um amplo espa-ço destinado à educação profissional, que promove o ensino de habilidades manuais à comunidade, or-ganizado pelas freiras, em parceria com o Estado e com as Voluntárias da Caridade, denominado “arte-sanato são Vicente de Paulo”. além disso, bem pró-ximo ao espaço dos asilados, foram inaugurados, em 1997, uma clínica de fisioterapia e dois consultórios médicos para atendimento dos residentes, denomi-nada “Clínica de Fisioterapia st.ª Catarina laboré”, a qual recebe contribuição do poderes públicos, esta-dual e municipal, para o custeio do trabalho que mé-dicos, fisioterapeutas e demais profissionais da área de saúde realizam nessa Clínica.

a capela está ao lado do prédio principal do ins-tituto e é cercada por um jardim. o prédio principal é organizado da seguinte maneira: o andar térreo é dividido entre o espaço no qual estão localizados os ambientes de convivência das religiosas e a esco-la fundamental, que funciona no turno da tarde. No andar superior, estão dispostos os dormitórios das

(12)

religiosas, vedados ao acesso público.

a área escolar está localizada no térreo do prédio principal, onde também se encontram a recepção, a sala dos técnicos, a sala da diretoria, a secretaria e o refeitório. o asilo, embora mais afastado, nos “fun-dos” da área total do instituto, se vincula ao prédio principal por meio de corredores e portas de acesso laterais.

Nesse sentido, observamos, no mesmo lugar, uma distribuição espacial original, por contemplar seg-mentos extremos da vida: a infância e a velhice. de um lado, as crianças sendo iniciadas no mundo da aprendizagem, o que exige um acompanhamento in-tenso dos educadores e familiares; de outro, os ido-sos, portadores de histórias e com diferentes neces-sidades, como o apoio constante de outras pessoas para conduzir suas próprias vidas, uma vez que mui-tos têm reduzida autonomia física ou cognitiva ou não dispõem do suporte familiar. deste modo, o prin-cípio e a finitude da vida ali convivem e se contra-põem ao dividirem o mesmo espaço, no instituto, em-bora em ambientes distintos.

após a capela, encontramos uma gruta, com uma grande imagem de Nossa senhora de lourdes, orna-mentada com flores. Um pátio gramado surge quan-do percorremos o espaço que antecede as depen-dências do asilo e que é comumente utilizado como estacionamento. Nessas imediações, havia uma anti-ga árvore que, após forte chuva, caiu. No mesmo lo-cal foi construído um espaço de convivência denomi-nado “Espaço da Gameleira”, como rememoração do “ícone”, a árvore que lá existira. Entretanto, por

(13)

es-tar próximo da ala masculina, apenas os homens re-sidentes frequentam o local de convivência, além de alguns visitantes.

a ala masculina está localizada no lado esquerdo, onde se encontram três grandes quartos com os res-pectivos sanitários. Entre a ala masculina e a femini-na estão a sala de visitas, a sala de apoio para guar-dar remédios e demais utensílios, e o refeitório. No setor feminino, à direita, encontram-se dois quartos interligados, bastante espaçosos, e, num corredor, os sanitários. aí há o acesso a uma pequena sala de convivência entre idosas com nível de demência senil avançado, que possuem mais dificuldades para cir-cular pelo ambiente. Existem mais dois quartos in-terligados, menores e destinados a idosas enfermas, as que estão acamadas.

após o salão principal, ambiente comum a idosos e idosas, estão dispostas várias cadeiras e a televisão, ao centro; ainda há um grande dormitório e um corre-dor com oito quartos, porém, em tamanhos menores, que são mais individualizados, também destinados às mulheres. os sanitários desse setor são agrupados em mais um corredor. Há ainda uma sala destinada aos funerais, localizada no espaço mais afastado e uma lavanderia próxima a uma área externa, com inúme-ras árvores e flores, cercando todo o ambiente. Consi-deramos que a disposição dos cômodos do asilo obe-dece a certos critérios de hierarquia, visto que aqueles idosos que possuem mais autonomia físico-cognitiva ocupam quartos coletivos, que são mais iluminados, “alegres”, abertos e movimentados. Enquanto àque-les que se utilizam de cadeiras de rodas e possuem

(14)

dependência física/cognitiva são destinados quartos menores, quase sem incidência de luz natural e bas-tante silenciosos.

a disposição dos espaços revela que os residen-tes estão separados em função do gênero e do grau de enfermidade que apresentam. Parece atender aos critérios estabelecidos pela agência Nacional de Vi-gilância sanitária (aNVisa) (Brasil, 2005) para re-gulamentar a criação e manutenção de instituições de longa Permanência para idosos (ilPis). os idosos enfermos, acamados, são colocados em setores mais isolados, individualizados, semelhantes a uma enfer-maria hospitalar. ao redor da instituição e em todos os cômodos internos há condições de acessibilidade favoráveis para a circulação, pois dispõem de ram-pas e corrimão. observamos que o ambiente é assép-tico, sugerindo organização, especialmente nos horá-rios de visita.

Embora existam condições favoráveis de acessibi-lidade, observamos que mesmo aqueles que têm au-tonomia para caminhar não circulam com regulari-dade por toda extensão do ambiente, limitando-se aos quartos e salas. o jardim, a capela do instituto, o “Espaço da Gameleira” e outras áreas de vivência são pouco “visitadas” pelos residentes.

Evidenciando o caráter religioso do instituto, a de-coração é composta por temas religiosos, como ima-gens e quadros de santos, além de mensaima-gens bí-blicas. a decoração inclui também vários murais de fotografias dos residentes, flores de papel nas pare-des e algumas mensagens de autoajuda.

(15)

de-nominava “asilo de Mendicidade deus e Caridade” e pertencia a uma instituição de orientação espíri-ta para abrigar os idosos desamparados da cidade. Posteriormente, e face às dificuldades financeiras, a administração solicitou a d. anselmo Petrilli, então bispo de João Pessoa, Paraíba, que encarregasse re-ligiosas de assumir a direção do instituto. Na época, chegaram quatro irmãs da ordem das Filhas da Cari-dade de são Vicente de Paulo, duas francesas e duas brasileiras. a estrutura precária do instituto passou por algumas melhorias e as religiosas passaram a re-sidir no prédio atual em 1936, quando o asilo conta-va com 20 idosos residentes.

No ano de 1938 foi fundado, também, o Externa-to são José, uma instituição escolar criada no mes-mo espaço do Instituto, com a finalidade de fornecer educação, formação moral, cívica e religiosa às crian-ças pobres, de ambos os sexos, bem como merenda, fardamento e material didático. assim, a instituição assumia duas formas de “caridade”: uma às crianças pobres e outra aos idosos, o que ocorre até o presen-te. Entretanto, em 1968, a direção admitiu ingresso de alunos pagantes, em um turno separado, denomi-nando esse espaço de “instituto santa luiza de Ma-rillac”. A renda obtida destinava-se a beneficiar todo o instituto, ajudando a mantê-lo. o ensino privado foi recentemente desativado, permanecendo apenas o público.

No mês de fevereiro de 1963, a instituição pas-sou a denominar-se instituto são Vicente de Pau-lo, entidade de caridade que, para funcionar, rece-be doações do poder público, da iniciativa privada e

(16)

da população. a “Campanha da Violeta”, iniciada em 1937, perdura até os dias atuais, e atua anualmente com o objetivo de arrecadar doações da sociedade em prol dos residentes.

Salientamos que os recursos financeiros neces-sários para manutenção e funcionamento do insti-tuto são adquiridos através de vários meios: incen-tivos que a esfera pública, municipal e estadual, destinam à instituição; percentual de 70%, previsto pelo Estatuto do idoso (ParaÍBa, 2004), do benefício previdenciário ou de assistência social recebido pe-los idosos residentes, repassado à instituição; além das doações que entidades e a comunidade destinam ao instituto espontaneamente ou através do serviço de telemarketing responsável por angariar recursos para o local.

as medidas estabelecidas pela aNVisa regula-mentam o funcionamento das ilPis no Brasil (Bra-sil, 2005) e há um controle disciplinar, externo e interno, para regulamentar o cotidiano. além das normas da Vigilância sanitária, existem outras de âmbito mais sutil e não estão explicitamente revela-das, mas podem ser notadas pela observação direta. Por exemplo, a primeira ordem da ilPi pesquisada é: quem é “de fora” da instituição não deve tentar mu-dar as regras, nem interferir nelas. Por outro lado, as restrições aos residentes, tais como horários, há-bitos e práticas diárias são de outra ordem, diferen-tes daquelas estabelecidas para os visitandiferen-tes, na me-dida em que eles, os residentes, têm que seguir tais determinações.

(17)

regulado muito claramente: salvo exceções, podem receber visitantes apenas em horários preestabeleci-dos, nos turnos da manhã e da tarde. Existem res-trições para o livre acesso ao local, contudo, os limi-tes impostos aos visitanlimi-tes encontram exceções e há certa diferença para consentir o acesso, variando de acordo com quem, quando e as motivações que im-pulsionaram a presença do visitante no local. assim, enquanto aos pesquisadores se restringiam limites para circulação nos espaços, as voluntárias, conhe-cidas como “senhoras da Caridade”, percorriam li-vremente todos os ambientes. E, quando estávamos acompanhados por elas ou por pessoas próximas das religiosas, podíamos adentrar em determinados luga-res e movimentar-nos sem muitas luga-restrições.

Embora existam tais características, o institu-to não impede a aproximação da sociedade ao local, sendo o espaço aberto para a visita de familiares e para o público em geral, principalmente por ser uma instituição de caridade, que necessita de ajuda para sua manutenção. Para tanto, mantém uma relação amistosa com os “de fora”, permitindo comemorações e festas promovidas por voluntários, desde que se-jam realizadas de acordo com as normas ali vigentes, como o respeito aos espaços dos idosos e às normas da direção. É recorrente, nas datas comemorativas, que entidades, escolas ou grupos de voluntários ofe-reçam uma programação específica, a exemplo de um cardápio diferenciado, decoração temática, vestuário diferenciado do usado nos demais dias, presença de bandas, canto coral, entrega de presentes, compa-recimento dos idosos à capela do Instituto para

(18)

par-ticiparem da celebração da missa ou a presença do padre no espaço de convivência deles, dentre outras atividades.

Numa visita de solidariedade realizada no mês de junho, prestigiamos uma festa junina promovida pela direção do instituto são Vicente de Paulo. Esse evento se constituiu numa prática de sociabilidade, onde foi possível observar, naquele dia, uma relação intergeracional mais intensa dentro do ambiente asi-lar. todo o dia foi marcado por um número maior de visitantes, pais e filhos, estudantes e voluntários da instituição, que movimentou o asilo, tornando o am-biente festivo.

as ações desenvolvidas no projeto de extensão in-cluíram, portanto, além das leituras e pesquisas, a análise da comunidade a partir das visitas ao insti-tuto são Vicente de Paulo, que tinham como objetivo conhecer o ambiente na tentativa inicial de conciliar os aspectos teóricos e práticos do projeto. Na configu-ração desse processo que nos possibilitou um olhar mais nítido sobre nosso objeto de pesquisa, foi neces-sária a integração entre alunos e professores, efetiva-da a partir efetiva-das constantes reuniões do grupo. Nestas, eram discutidos pontos importantes concernentes ao material bibliográfico, às principais metas a serem atingidas durante o respectivo mês e, principalmen-te, à discussão sobre as visitas realizadas. Percebia--se que os idosos sentiamPercebia--se acolhidos e felizes com a nossa visita. alguns, inclusive, recordaram-se de outras visitas do grupo, o que facilitou o estabeleci-mento de uma relação amistosa, que tinha por objeti-vo criar e fortalecer laços afetiobjeti-vos e, ao menos por um

(19)

momento, afastar a solidão e a tristeza tão presentes na rotina da vida asilar.

ao analisar o lugar social dos velhos e moribun-dos na sociedade pré-industrial em relação à socie-dade industrial, Norbert Elias (2001) reconheceu que, na atualidade, o processo de envelhecer con-diciona os idosos a se isolarem da sociedade e das formas de sociabilidade familiar e comunitária. Para esse autor, a crescente demanda de indivíduos para residir em ILPIs confirma esta conclusão.

assim, comenta:

o envelhecimento geralmente é acompanhado pelo esgarçamento desses laços que ultrapassam o cír-culo familiar mais estreito. Exceto quando se tra-ta de casais velhos, a admissão em um asilo nor-malmente significa não só a ruptura definitiva dos velhos laços afetivos, mas também a vida comuni-tária com pessoas com que o idoso nunca teve re-lações afetivas (Elias, 2001, p. 85).

Podemos considerar ainda que, embora uma ins-tituição asilar corresponda a um espaço social in-tensamente regulado, e que inibe expressões de au-tonomia entre os residentes, não devemos desviar a nossa atenção do objetivo principal de uma ilPi: ser um espaço de acolhimento e atendimento das necessidades vitais e sociais dos residentes, apre-sentando-se como um ambiente que se assemelha a um lar, onde há conflitos e apoios mútuos. Assim, os cuidadores – religiosas e funcionárias – necessi-tam estabelecer certos limites à entrada e atuação de visitantes, visando preservar o espaço e garantir

(20)

o mínimo de individualidade, uma vez que a noção de privacidade é bastante restrita, sendo os ambien-tes compartilhados coletivamente. Portanto, os visi-tantes devem respeitá-los e adaptar-se de maneira a preservá-los, e não o contrário. Por isso, há horá-rios adequados às visitas, quando os residentes es-tão despertos, higienizados e alimentados, evitando--se “invasão” da intimidade.

3 r

Eligiosas

,

funcionáriasErEsidEntEs

:

hiErarQuiasE sociabilidadEs

as religiosas que administram o instituto são Vi-cente de Paulo pertencem a uma congregação reli-giosa de orientação católica, e seguem seus preceitos para guiar suas vidas. realizam ações de caridade por meio do trabalho desenvolvido junto às crianças pobres que estudam na escola do instituto e aos ido-sos que necessitam de cuidados e de abrigo.

Nos horários da visita diária, estão sempre pre-sentes, de modo a auxiliar em diversas situações, como resolver eventuais problemas de comunicação, esclarecer dúvidas dos visitantes e zelar pela ordem e disciplina do local. a presença delas atua como um mecanismo de controle, de vigilância, expressando sutilmente o lugar de autoridade que ocupam e “lem-brando” a todos a disciplina que o local exige.

Em relação aos visitantes, elas são receptivas, en-tretanto, contidas. a atitude é rígida diante dos que tendem a interferir na instituição, principalmente, quando questionam assuntos restritos, tais como:

(21)

aposentadoria dos residentes, a alimentação servida e a adaptação ao novo ambiente de convivência. ao mesmo tempo, mostram-se atentas aos indivíduos ou entidades que se propõem a realizar doações de re-cursos financeiros e/ou materiais, essenciais para o bem-estar e a qualidade de vida dos residentes, e a manutenção do instituto. a atitude de reserva dian-te de questionamentos se explica por fazerem par-te de uma congregação religiosa, com rígido controle da conduta. Elas também sofrem pressão constante para que o lugar esteja de acordo com as normas so-licitadas pela Vigilância sanitária.

além das religiosas, oito funcionárias desenvol-vem diversas funções, como higienização do ambien-te e dos idosos, cuidados com roupas, uambien-tensílios e alimentação. Mostram-se solícitas com os voluntá-rios e esclarecem eventuais dúvidas dos visitantes. realizam trabalho essencial, por haver poucas reli-giosas para administrar todas as necessidades e di-versidades situacionais. trabalham em sistema de revezamento e de “diárias”, sendo definidos os dias, horários e funções a desempenhar.

os dois grupos (freiras e funcionárias) têm facili-dade de comunicação e conhecem os nomes e as ca-racterísticas de todos os residentes e se conduzem de forma adequada. a convivência entre elas parece ser amistosa e muitas trabalham bastante tempo no ins-tituto, com certo grau de proximidade para se rela-cionar e comentar assuntos relativos ao contexto asi-lar com as administradoras.

atualmente, residem 74 idosos, sendo 44 mulhe-res e 30 homens, com idade mínima de 65 e máxima

(22)

de 101 anos. dois indivíduos têm idade inferior a 60 anos, mas lá residem devido à situação de risco so-cial em que foram encontrados. o número varia, face às novas entradas e aos óbitos. A capacidade para o acolhimento é de 75 residentes.

as relações estabelecidas entre os idosos e as re-ligiosas são particularizadas. ao mesmo tempo em que alguns reconhecem a bondade e a dedicação de-las no cuidado com eles, outros são insatisfeitos com a situação em que vivem, reclamam que as irmãs di-ficultam e/ou impedem a realização de determinados anseios ou os induz a fazer aquilo que não desejam, tal como: cortar o cabelo, tomar banho cedo, se ali-mentar em horários previamente demarcados etc. o relacionamento entre residentes e funcionárias, por sua vez, é marcado por uma maior proximidade, visto que o trabalho das servidoras é realizado diretamen-te com eles. o afeto e a amizade entre funcionárias e idosas é bastante comum.

a pesquisa que realizamos neste instituto nos leva a analisar de forma mais cuidadosa os discur-sos que se apresentam no cotidiano das observações, uma vez que muitos deles não dispõem de condições mentais para expressar-se coerentemente. sabemos também que a palavra não diz tudo o que se dese-ja expressar, e ao convivermos lá, apreendemos com os gestos, olhares e ações que denotam sentimentos com relação a determinada pessoa ou situação e, às vezes, são mais elucidativos que os discursos por eles proferidos. desta forma, é a análise das poucas pa-lavras e, sobretudo, dos gestos, do silêncio e do não dito que nos permitem tecer essas considerações.

(23)

Nas relações entre freiras, funcionárias e residen-tes há um aspecto marcado pela grande aproxima-ção. os indivíduos que compõem esses três grupos sociais ocupam importante espaço na vida do outro, no aspecto religioso, financeiro ou social, embora tal relação seja normatizada e pautada por hierarquias. as freiras, em obediência aos princípios da congre-gação, dedicam a vida em prol da caridade e fazem isso ao cuidar dos idosos. as funcionárias, apesar de estabeleceram vínculos afetivos, são condicionadas pelo recebimento de salários. Por fim, os idosos bus-cam carinho, apoio, estabilidade, segurança e atendi-mento nas suas necessidades. E, assim, se constro-em laços afetivos e sociabilidades, revelando novas dimensões das vivências e convivências com o “ou-tro”, naquele peculiar ambiente.

4 c

otidianonuma

i

nstituiçãodElongapErmanênciapara

idosos

Quase todos aqueles que participaram dessa pes-quisa afirmam estar seguros e satisfeitos por terem moradia, cuidadores e por saberem que suas ne-cessidades mais urgentes serão atendidas enquan-to ali permanecer em, o que é motiivo de tranqüilida-de, apesar de verbalizarem que, se possível, optariam pelo seu próprio lar e junto aos familiares. outros relatam insatisfação com a situação que vivenciam, com certos aspectos reconhecidos como negativos e apresentam tendência a se inferiorizar. alguns dizem ser difícil aceitar a condição de dependência e ver

(24)

que tudo o que possuem é administrado por outras pessoas, inclusive o percentual das aposentadorias. a maioria é lúcida e alguns administram a parcela de seus pequenos recursos, adquirindo mobiliário e aparelhos eletrônicos, colocando-os no dormitório coletivo para usufruir de relativa privacidade/indivi-dualidade. também declaram ansiar por liberdade, autonomia, capacidade de superar as limitações físi-cas, psicológicas e institucionais nas quais esbarram cotidianamente.

Entre aqueles que demonstram frustração e desâ-nimo diante da realidade, são poucos os que se pro-põem a falar aberta e “publicamente” sobre o cotidia-no não visível ao visitante, ou seja, a estrutura mais íntima da instituição. os residentes que desejam ex-pressar seu descontentamento, o fazem de uma ma-neira mais individual, contida, discreta. “reconstro-em” os fatos da sua história de vida e apontam para aqueles aspectos que possivelmente influenciaram sua condição de vida atual, esclarecendo, para “si” e para o “outro”, o motivo da sua inserção e perma-nência no local. as vivências e recordações familia-res emergem, muitas vezes, em relatos de abandono e solidão.

Eles não possuem perspectivas para deixar a ilPi, embora alguns revelem tal pretensão. Essa ausência de perspectivas acontece por não terem autonomia física e/ou financeira, e pela inexistência de familia-res dispostos a oferecer moradia. Expfamilia-ressam, tam-bém, grande contentamento quando recebem visitas, seja de familiares ou “desconhecidos” que frequen-tam a instituição, e reiteram o desejo de que esses

(25)

vi-sitantes retornem com mais assiduidade. a presen-ça da família, sempre apontada como a responsável pela condição atual dos idosos e como a detentora das possibilidades de converter esse afastamento em reinserção, bem como de amigos e demais visitantes, atua como um conforto, muitas vezes, renovando as expectativas diante da vida (silVa, 2009).

as atividades desenvolvidas pelos residentes na ilPi são rotineiras, exceto em comemorações especí-ficas promovidas pela direção da Instituição ou gru-pos de voluntários como o nosso, que lá atuou por mais de dois anos consecutivos, ou quando entida-des obtêm autorização para realizar determinada ati-vidade com os residentes habitualmente.

as funcionárias encarregadas de cuidar, princi-palmente, do asseio e alimentação dos acamados e dos que apresentam sinais de demência levam os que são cadeirantes e os que têm dificuldade de locomo-ção motora para espaços de convivência próximos aos jardins e aos seus dormitórios. os demais, que ain-da possuem autonomia física e cognitiva, após fazer sua higiene diária, às 7 horas aguardam a “chamada” do sino indicando que o café da manhã já se encon-tra disponível no refeitório. após a refeição matinal, distribuem-se por toda a extensão da instituição, em pequenos grupos ou isoladamente, aguardam o ho-rário de visita matutino e se alimentam novamente. assistem televisão, são medicados, folheiam revistas, dormem, conversam, silenciam, rezam e ainda podem costurar artesanalmente, como no caso de uma ido-sa que aproveita o tempo livre para produzir tapetes e bonecas de pano. Nas terças-feiras, aguardam

(26)

tam-bém o grupo de voluntárias do “Projeto alegrar”, que desenvolve ações de recreação até as 11 horas. depois do almoço, alguns dormem, outros ficam dispersos à espera das possíveis visitas vespertinas, lancham e re-alizam atividades semelhantes às do período da ma-nhã. No início da noite jantam, assistem televisão, fa-zem higiene pessoal e, na maioria dos casos, dormem. Como narrado por uma idosa em nossa pesquisa:

o dia a dia a gente não se ocupa em nada. Não, não trabalha, só faz, faz as refeições, fica andando, não trabalha, só fica aqui se comunicando, andan-do dentro de casa, subinandan-do, mas sem fazer nada. Não tem trabalho, a gente de mais idade, não fica preocupada com coisa alguma. Eu não, não me ocupo de nada por causa da minha vista, que eu tenho problema na retina, tô [sic] sem ver tudo, muito ruim. aí não tem como fazer nada. o pesso-al, as meninas aqui trabalham aqui é quem faz as coisas da gente, lavar roupa, que lava louça, que cozinha, cozinheira aí pra gente. Pronto, vou levan-do a vida assim (M., 89 anos).

observamos situações nas quais certos idosos que mantêm sua autonomia cognitiva tentam inva-lidar, de forma sutil ou até mesmo “abertamente”, a fala do outro, afirmando se tratar de um “velho cadu-co” e que não se deve considerar o que diz. os mais “lúcidos” demonstram desejo em atualizar-se com as notícias do “mundo” e recorrem constantemente à memória para demarcar a distinção entre eles e os “outros”, “que já não sabem de mais nada”. Ferreira (2007, p. 208), ao desenvolver pesquisa com idosos,

(27)

objetivando discutir a relação entre memória e cons-trução da identidade social compreendida no enve-lhecimento, assevera que:

a memória, enquanto recorte analítico, é tratada aqui como um nexo entre o indivíduo e seu mundo, sempre acionada no presente, disposta na interfa-ce entre o indivíduo e o social. a idéia de um indi-víduo desmemoriado vem sempre associada com a idéia de seu descolamento do mundo dos signi-ficados sociais, de sua fragmentação como sujeito em decorrência da perda de sua história pessoal, de sua trajetória social, de suas referências de per-tencimento. Nesse sentido, o recorrente temor en-tre os idosos – como pude observar –, no esvazia-mento da memória retroativa, da impossibilidade de recompor com precisão os marcos fundantes da própria existência.

Com base em nossos estudos, podemos afirmar que as reminiscências dos idosos pesquisados po-dem ser consideradas, em relação ao universo pes-quisado, como mecanismo que tem por finalidade obscurecer a consciência das realidades do presen-te, fundando-se num passado idealizado, permeado por noções de felicidade e realização (MElo, 2010). No cotidiano da ilPi, as memórias que escamoteiam a realidade, muitas vezes de abandono, geram confli-to entre os residentes, porque suas lembranças bus-cam refazer, no presente, o que representam como passado.

Um exemplo dessa situação pode ser verifica-da nas relações estabeleciverifica-das entre “caducos” e “lú-cidos”, onde há uma maior incidência de pequenos

(28)

conflitos e divergências. Contudo, na maior parte das vezes, a convivência entre eles é pautada pelo respei-to. Novas amizades são construídas no ambiente e, através delas, uma rede de apoio, proteção e recipro-cidades se forma cotidianamente.

Na ilPi observamos nítida separação entre os gê-neros. Nos horários de visita, os homens ficam em frente aos seus dormitórios ou no “Espaço da Game-leira”, e as mulheres, no corredor, sentadas nos ban-cos de pedra ou no salão principal, próximo à ala fe-minina. Quando acontecem momentos festivos, não se percebe entrosamento entre idosos e idosas, e não presenciamos dança entre casais, mas, entre duas mulheres. segundo relato da diretora da instituição, essa separação não é determinada pela direção do Instituto, mas é condicionada pela dificuldade de se estabelecer laços de amizade entre eles e pela pró-pria divisão entre as alas dos dormitórios (masculi-na e femini(masculi-na).

5 c

onsidEraçõEsfinais

Embora inúmeras pesquisas apontem para uma vertente “pessimista” da velhice asilada, como a de Elias, que define os asilos como “desertos de solidão”, essa experiência pode favorecer o estabelecimento de uma nova forma de se relacionar socialmente e criar vínculos entre pessoas residentes e cuidadores. Nes-se Nes-sentido, sociabilidades que Nes-se desdobram em con-flitos, bem como na formação de laços de amizade são cotidianamente experienciadas entre os idosos

(29)

que residem no instituto são Vicente de Paulo.

o caráter recluso que a ilPi apresenta, contribui para que as perspectivas de solidão e isolamento se-jam percebidas e internalizadas. Contudo, elaboram--se estratégias de resistência cotidiana a essa nova realidade apresentada, ao “recriar laços”, reconquis-tar independência de mobilidade física e de atitu-de, ao buscar preservar a individualidade enquanto ser autônomo e consciente. Como Faleiros e Morano (2009, p. 324) mostram:

[...] as instituições são espaços contraditórios com temporalidades e histórias entrecruzadas onde existem normas não escolhidas pelos residentes, com um espaço estruturado por funções coletivas, relações hierarquizadas de poder, numa separa-ção do espaço institucional da vida sociocomunitá-ria e da vida familiar, com restrições à autonomia, mas com expressões de resistência como desejos, insatisfações, discordâncias, invenção de espaços e imaginários próprios.

diferentemente dos estereótipos elaborados pelo senso comum sobre a “estaticidade” social que carac-teriza uma ilPi, há múltiplas nuances que se apre-sentam quando nos detemos sobre as especificidades das experiências da velhice asilar. Estas, por sua vez, são resultantes da heterogeneidade característica des-te segmento etário, dadas as diferendes-tes trajetórias de vida dos indivíduos e grupos, que variam conforme as diferenciações de gênero, nível de escolaridade, histó-rias de vida pessoais, dentre outros aspectos.

(30)

do-nativos ao Instituto que é uma entidade filantrópica, mas o que nos chamou a atenção, durante as visitas, foi a constatação de que o ato de ouvir, abraçar e estar disponível, ainda que por um momento, bem como as demonstrações de atenção e carinho assumem uma maior importância para os idosos do asilo. Para os es-tudantes que participaram do projeto de extensão na ilPi, foi uma oportunidade de vislumbrar um hori-zonte amplo dos dilemas da velhice e construir um excepcional conhecimento da convivência intergera-cional. ainda nesse sentido, faz-se necessário acres-centar que os encontros com a comunidade idosa asi-lar se consubstanciaram como de suma importância na medida em que tornaram possível uma maior sen-sibilização quanto à postura da sociedade contempo-rânea quanto aos dilemas dos mais velhos, cerne dos debates teóricos, e da consequente necessidade de serem reformuladas práticas que possibilitem uma maior integração dos idosos na comunidade, face às demandas deste segmento tendencialmente crescente da população brasileira. Portanto, (re)pensar a velhice e o envelhecimento na contemporaneidade traz à tona um conjunto de possibilidades de análises e questio-namentos que precisam ser evidenciados a partir das variáveis que circundam os indivíduos que vivem nes-se processo.

(31)

r

EfErências

BEaUVoir, s. A velhice.tradução Maria Helena Franco Monteiro. 5. ed. rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990.

BorN, t.; BoECHat, N. s. a qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. in: FrEitas, E. et al. (org.). Tratado de Geriatria e Gerontologia. rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

Brasil. resolução – rdC n.º 283, de 26 de setembro de 2005. Define normas de funcionamento para as instituições de longa Permanência para idosos. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, dF, n. 248, 27 set. 2005. seção, p. 46.

CaBral, B. E. s. l. Mulher e velhice. in: Motta, a. et al. (org.). Reparando a falta: dinâmica de gênero em perspectivas geracional. salvador: NEiM/CrH: UFBa 2005. (Bahianas).

______. Recriar laços: estudo sobre idosos e grupos de convivência nas classes populares paraibanas. 2002. tese (doutorado em Ciências sociais)– Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.

d’alENCar, r. s. Ensinar a viver, ensinar a envelhecer: desafios para a educação de idosos. Revista de Estudos Interdisciplinares sobre Envelhecimento, Porto alegre, v. 4, p. 61–83, 2002. anual.

(32)

dEBErt, G. G. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do

envelhecimento. são Paulo: Editora da Universidade de são Paulo: Fapesp, 1999.

Elias, N. A solidão dos moribundos, seguido de envelhecer e morrer. rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001.

FalEiros, V. P.; MoraNo, t. Cotidiano e relações de poder numa instituição de longa permanência para pessoas idosas. Textos & Contextos, Porto alegre, v. 8, n. 2, p. 319–338, 2009. semestral. FErrEira, M. l. M. Memória e velhice: do lugar da lembrança. in: Barros, M. M. l. de (org.). Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

GoFFMaN, E. Manicômios, prisões e conventos. tradução dante Moreira leite. 8. ed. são Paulo: Editora Perspectiva, 2008.

GroisMaN, d. asilos de velhos: passado e presente. Estudos Interdisciplinares sobre o

Envelhecimento, Porto alegre, v. 2, p.67–87, 1999. semestral.

iNstitUto BrasilEiro dE GEoGraFia E EstatÍstiCa (iBGE). Sinopse do Censo

Demográfico 2010. Brasília, dF: iBGE, [2011?]. disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov. br/sinopse/>. acesso em: 10 out. 2011.

(33)

MElo, J. a. B. de. Guardiões da memória e do esquecimento: o caso dos velhos narradores da santa Cruz do deserto. 2010. dissertação (Mestrado em sociologia)– Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.

ParaÍBa. assembléia legislativa. Estatuto do idoso. Campina Grande: Gráfica JB, 2004.

silVa, K. r. A imagem da perda: experiências de viuvez na velhice. 2009. trabalho de conclusão de curso (Graduação em Ciências sociais)–

Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2009.

ViEira, E. B. Instituições geriátricas: avanço ou retrocesso? rio de Janeiro: Editora revinter, 2003.

Recebido em outubro de 2011. Aprovado em janeiro de 2012.

Referências

Documentos relacionados

Para consolidares e autoavaliares os teus conhecimentos, poderás encontrar ainda, nesta mesma secção, mais tarefas de exames nacionais e internacionais assim

Caso contrário, o método dará um valor de amortecimento médio dos modos e que pode ser influenciado pela forma como o teste é conduzido (pontos de excitação e pontos

Os objetivos desse trabalho foram realizar um acompanhamento periódico dos parâmetros físico-químicos e do perfil cromatográfico, quanto aos teores de carbamato de

O trabalho fará uma síntese da contribuição que os Cadernos do Povo Brasileiro (1962-64) deixaram para uma interpretação dos problemas latino-americanos, em

O Programa de Pós-Graduação em Análises Clínicas, do Instituto de Ciências Biológicas, da Universidade Federal do Pará (PPGAC-ICB/UFPA) estará recebendo

Al abordar, por una parte, el complejo de categorías étnicas de los Indios del Alto Río Negro por medio del registro de la malla de lazos sociales, de un grupo de migrantes

A contribuição significativa do meio ambiente e da genética para a susceptibilidade de doenças multifatoriais recebe grande importância devido as interações entre gene