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Esboço de um estudo do problema criminal nas creanças

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Academic year: 2021

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dg

PROBLEMA CRIMINAL

0 J9 NAS CRBANÇAS

J+Ajl

?HT>.

(2)

José Maria Pinto e Cruz

ESBOÇO DE UN ESTIDO

. do

PROBLEMA CRIMINAL

* 0 NAS CBEAMÇAS

Dissertação inaugural apresentada á faculdade de Medicina do porto

MARÇO - 1 9 1 8

P O R T O

E s c o l a Tipográfica da O f i c i n a de S. J o s é Rua Alexandre Herculano

1 9 1 8

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DIRECTOR

Roberto Belarmino do Rosário Frias

PROFESSOR SECRETARIO

R l v a r o T e i x e i r a B a s t o s

CORPO D O C E N T E PROFESSOR'S ORDINÁRIOS E EXTRAORDINÁRIOS

! . . c l a s s e - Anatomia. . . ! L u i z d e F.r,e i t a s V i eSa s

j Joaquim Alberto Pires de Lima

2.t classe — F i s i o l o g i a e l Álvaro Teixeira Bastos Histologia j Abel de Lima Salazar 3." classe — Farmacologia. José de Oliveira Lima

4.a classe — Medicina legal ( Augusto Henrique de Almeida Brandão e Anatomia patológica. ) Manoel Lourenço Gomes

5.a classe - Higiene e Ba- I Jo â o Lopes da Silva Martins Junior „,„„„, ; Alberto Pereira Pinto de Aguiar ctereologia / A n t o n i o d e Almeida Garrett 6.a classe — Obstetrícia e I Cândido Augusto Correia de Pinho

Ginecologia j Vaga

Í

Roberto Belarmino do Rosário Frias Carlos Alberto de Lima

Antonio Joaquim de Souza Junior

I

José Alfredo Mendes de Magalhães Tiago Augusto de Almeida Alfredo da Rocha Pereira

Psiquiatria Antonio de Souza Magalhães e Lemos Pediatria José Dias de Almeida Junior

P R O F E S S O R E S J U B I L A D O S José de Andrade Gramaxo

Pedro Augusto Dias

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A Faculdade não responde pelas doutrinas expendidas na dis-sertação e enunciadas nas proposições.

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#

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A

primeira pessoa a quem este trabalho em nada satisfaz, é o seu audor.

/Is condições em que foi prepa-rado impediram, porem, que se lhe puzesse aquelle cuidado que, até em

um simples ensaio, estudos desta natureza merecem ter.

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Ê meu desejo único que o douto jury que ha - de discutir a minha

dissertação a leia com a benevo-lência que eu não posso ter, quando lhe passo por cima a vista e comparo o que e/la é, com aquillo que ainda cheguei a alimentar esperanças de que pudesse ser.

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# *

Ao Ex.mo Senhor Prof. Teixeira

Bastos,, que obsequiosamente se dignou presidir á minha J)efesa de these, deixo aqui testemunhada a minha muita gratidão,

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IIÏTRODCJCÇRO

Definição do crime

S-L)AO as sociedades como os seres vivos: os différentes indivíduos que as constituem, outras tantas cellulas cujas funcções devem ser coordenadas com tendência a um determinado fim, que não pôde ser outro senão a conser-vação e o desenvolvimento dessas sociedades.

Nascem, crescem e morrem, os aggregados sociaes, e, como os orga-nismos vivos, se reproduzem e estão sujeitos a ter doenças.

A Historia — que é um tratado de Biologia geral das sociedades —

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apon-ta-nos claramente como ellas se repro-duzem, como as gerações successivas vão aproveitando os legados que ficam das que passaram, e vão deixando, áquellas que estão por vir, as heranças do seu labor de civilização. E Sidon e Tyro, gerando Carthago; Memphis e Thebas, fazendo nascer Athenas e Spar-ta— é Roma e Israel, com todas as ope-rosas colmeias gregas da Europa e da Asia-Menor, creando, pela lenta e myste-riosa elaboração da Meia Idade, a domi-nadora civilização da Europa Moderna.

— Assim se realiza aquella lei do progresso humano, enunciada por Gras-set: «faculdade de progresso psychico, contínuo e indefinido, senão do indivi-duo, pelo menos da sociedade humana. » *

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3 *

Certas doenças ha em que as cel-y lulas de um organismo vivo se insubor-dinam — se assim é permittido dizer — contra a lei que deve determinar as suas funoções para um fim de utilidade geral desse organismo. Tornam-se in-dependentes; criam no individuo uma verdadeira colónia de parasitas que, pelo seu desenvolvimento e pelos pro-ductos da sua vida, é fatal muitas vezes para o ser de que primitivamente essas celluks faziam parte integrante.

São de um modo parecido as doen-ças dos organismos sociaes. Para que estes cresçam em actividade e vigor; para que vivam, até, torna-se necessário que os individuos se submetiam ás leis que regem a vida social, e cooperem, segundo a funcção que lhes for

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distri-buida, no progresso da sociedade — progresso que é um elemento da vida e da defeza humanas. '

— Quem ha ahi que não veja a da-sorganisação que deriva de não que-rerem os indivíduos, paciente e dili-gentemente, adaptar-se aos lugares que a hyerarchisação das funcções sociaes lhes tem destinado ?

Já na vida elementar das sociedades humanas se verifica, de um modo irre-fragavel, a desordem proveniente do conilictc do individuo com a espécie que é, no fundo, a verdadeira essência do crime.

Ha umas regras moraes quo diri-gem a conducta dus individuos nas suas reciprocas relações; ha uma

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5

lação escripta ou consuetudinária que regula a vida social — d'aqui se pode deduzir uma definição biológica e pre-cisa do crime, classificando-o como um

«acto anti-social, immoral e illegal». ' — Definição precisa do crime, disse eu. Poder-se-ha objectar: «a palavra crime não etiqueta factos definidos por uma lei absoluta e invariável» 2; o

ponto de vista moral é variável de idade para idade, de povo para povo: como é que se pôde definir o crime pelo tão mal definido termo de immoral?

Estas mesmas criticas podem ser oppostas a outras definições diversas do crime. Para Durkheim, o crime

«offende os sentimentos que, para um mesmo typo social, se encontram em 1 Grasset — Devoirs et périls biologiques p. 498.

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todas as consciências sãs» ; mas o que é a consciência sã ?

O mesmo se poderia dizer da defi-nição de Garofalo.

Grasset crê deixar estabelecido no seu livro «Devoirs et périls biologiques» quaes são, scientificamente, as regras de Moral e Sociologia baseadas na Biologia humana. Sendo assim, para o actual desenvolvimenlo desta sciencia, haveria já umas leis cuja contravenção nos permittiria definir o crime de um modo rigorosamente preciso.

Problema de sociologia, como é o crime, a seu respeito occorre porem perguntar, com o Prof, del Grecco, se é possível a constituição de uma sciencia unitária social. '

1 Traité international de Pt-ychologie pstliolo

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7

Perante as differenças de doutrina que ha entre os auctores que tratam de estudos sociaes, é bem licito formular essa questão. É que, onde Grasset põe a dedicação pelos outros, como um dever biológico estabelecido scientificante, colloca Le Dantec o egoísmo completo; e onde o primeiro auctor aponta, como obrigação pro-gressiva, a cooperação amigável de todos os individuos, Nietzsche, o Anti--Christo darwinista, aconselha a iucta feroz e sem tréguas.

Não ha harmonia nos princípios que servem de base aos estudos socio-lógicos, para os diversos auctores. Ver-dade é que Le Dantec, Nietzsche e os seus discípulos, estão bem dentro do monismo da sua philosophia, ao tirarem as suas conclusões de sciencia social ; todavia, comparado com o dos

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tas, melhor me parece o methodo de estudo de Grasset, que procura apreciar a vida do homem em sociedade, consi-derando-o uma espécie fixa ha longos séculos, e despreocupando-se por com-pleto das questões que são mais pro-priamente de ordem ontológica ou me-taphisica. E ainda praticamente, não será difficií a escolha, se puzermos em confronto as ideias de moral biológica apresentadas pelo Prof, de Montpellier e as outras — as da moral darwinista — que estão sendo bem cruamente exemplificadas nas modernas luctas de classes e n'essa guerra d'hoje, em que os discipulos intellectuaes do Sum-mo - Pontífice de lê na deSum-monstram quanto vale para os povos o principio do egoismo, como base das sociedades humanas.

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fun-9

dametital entre as theories pelas quaes os diversos auctores pretendem explicar o mechanismo intimo da vida das socie-dades; conquanto haja uma variabili-dade extrema n&s regras de moral que

teem presidido ao desenvolvimento das diversas civilizações: é ainda de rigor dar ao crime a denominação de acto

anti-social e immoral.

É que, independente da variação dos costumes e da moral particular a cada povo, existe, desde que o homem appa-receu na face da terra, uma eterna

ideia-lei do dever e da obrigação que

tem o mesmo caracter de firmeza axio-mática em todos os tempos e em todos

os lugares. l

Não pretendo eu, neste simples

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ço, investigar da génese desta ideia-lei. Quero tão só deixar consignado que, posta ella como principio, nos é possível fazer ura estudo geral do crime, com abstracção das relatividades de tempo e época.

Assim como a doença não passa de um conjuncto de reacções cellulares do organismo que se enfrentou com a causa morbifica, o crime ó uma modalidade das reacções do psychismo do individuo em frente dos motivos que o podem solicitar á transgressão da lei da obriga-ção e do dever, representada pelas regras moraes e sociaes predominantes.

Se as reacções cellulares permittem ao organismo conservar o equilibrio de funcções que caracteriza o estado hygido — o individuo será normal sob o ponto de vista pathologico. Se as reacções do seu psychismo forem de molde a não

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trans-11

gredir as leis que regulam o equilíbrio social e moral — o individuo será nor-mal, sob o ponto de vista criminologico.

Difficil, ou quasi impossivel, será apontar um ser vivo que seja physio-logicamente normal : a ideia do orga-nismo hygido não vae muito alem de um eschema de comparação e rela-cionação didácticas. Do mesmo modo, não s^rá fácil encontrar um individuo moralmente e socialmente perfeito. Quantos ha ahi que tenham tido sequer aquelle superior egoísmo que seria obedecer, sempre e em tudo, ao «dever de respeitar, amar e desen-volver a sua propria vida e, desse modo, contribuir para o progresso indefinido da humanidade» ? ]

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— Para que o organismo se possa considerar praticamente hygido, não se requer porem que elle, superior ao

Achilles homérico, nem tenha um calcanhar por onde seja vulnerável : basta que nesta continua pendência em que se encontra com as diversas causas pathogeneas, c o n s i g a uma media de victorias ou accordos que deixe, na interdependência das suas funcções, uma modalidade compatível com a vida.

E assim também na ordem moral e social: deve o homem, perante as obrigações que lhe são impostas, não ultrapassar as raias de uma media de conducta que esteja em harmonia com a vida da tribu, do clan ou da nação em que a sua actividade se desenvolva.

Sempre que nós queiramos estudar o modo de ser funccional de um

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deter-13

minado organismo, temos dp, antes de tudo, procurar saber como elle se for-mou, procurar quaes as causas que lhe imprimiram estes ou aquelles caracteres. Tal, perante um certo agente pathoge-neo, succumbiu ; tal, em frente do mesmo agente e nas mesmas condições, trium-phou. E assim — confrontando estas differences — somos levados a inquirir da hereditariedade destes dois individuos e também a indagar qual o meio em que elles se desenvolveram : não iremos somente estudar a causa que pôs em movimento as diversas reacções patho-logicas de um e de outro.

De um modo idêntico para o crime, ninguém pensaria em estudar simples-mente os motivos que solicitaram o criminoso á pratica do delicto. É bem de ver que, nos mesmos casos, uns homens se submettem á lei do dever e

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da obrigação e outros se insubordinam contra essa lei. Donde a causa ?

D e v e r - s e - h a procurar também entre os factores que influem na dire-cção do modo de ser psychico de cada um : a hereditariedade e o meio de origem.

Não adopto um critério exclusi-vista. Não ha crime: ha criminosos. Em alguns destes, a hereditariedade é toda a explicação do delicto; em outros, D meio em que a sua intelli-gencia e a sua affectividade se forma-ram, diz como elles se foram collo-cando fora dos quadros da media moralidade ; em muitos, temos de invocar ambas as causas.

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C A P I T U L O I

A hereditariedade na etiologia do crime

1 ACTO myterioso, imperscrutável

na sua intimidade dynamica, a heredita-riedade tem sido reconhecida com os seus caracteres de necessidade e conlin-gencia, desde que o homem se habituou a reparar como, no meio das inces-santes variações do individuo, havia uma causa que conservava o fundo invariável da espécie. '

1 Eis a definição de hereditariedade, colhida

em Ribot : «A hereditariedade é a lei biológica em virtude da qual todos os seres vivos tendem a repe-tir-se nos seus descendentes : é para a espécie, o

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Está este facto consignado nos pro-vérbios, que são a sabedoria das na-ções : — Tal pae, tal filho. De ovelha

negra, cordeirinho branco. Mas não é

só no povo, cujas noções são quasi sempre imprecisas, que nós encon-tramos um conceito exacto da heredi-tariedade. Já o velho Diognes dizia para um rapaz de crassa estupidez: «menino, o teu pae gerou-te quando estava bê-bedo».

O divino Platão queria também banir da sua Republica os filhos e sobrinhos de malfeitores; e Lycurgo punha nas suas leis um cuidado extremo em que fosse assegurada

que a identidade pessoal é para o individuo. Graças a ella, no meio das incessantes variações, ha um fundo que se conserva invariável ; graças a ell», a natureza copia-se e imita-se incessantemente,»

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17

uma fácil reproducção aos homens notáveis pela sua virtude e valor. 1

Isto vem para provar que, já na antiguidade, eram conhecidos certos c a s o s em que a hereditariedade parece determinar uma verdadeira especialização das tendências, como as que se notam em certas famílias de c r i m i n o s o s : v. g., a do José do Telhado, a do Raite, a da gatuna Milheiroz.

Conquanto sejam innegaveis os phenomenos desta natureza, verdade é também que, até sem uma educação especial e cuidada, os filhos dos cri-minosos podem crear-se e viver como cellulas p r e s t a n t e s do organismo social.

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E x e m p l o d ' i s t o , é o seguinte facto :

F. T., filho de um individuo con-denado por crimes de roubo e assas-sinato. Educado no mesmo meio que o pae fizera theatro de suas façanhas, tem sido sempre um homem hon-rado, chefe de familia exemplar pelo afinco ao trabalho e pela dedicação aos seus.

Outro caso em que parece ter havido uma falta da transmissão hereditaria de tendências immoraes: M. J. S., filha de um homem jogador, ocioso, perdulário, e de uma mulher leviana, líncontra-se no Porto, absolutamente privada de recur-sos. É nova e bonita: cercam-na todas as seducções. Um dia tem fome e é, ao mesmo tempo, perseguida por um D. João endinheirado. Apesar de tudo, resiste. A miséria a que foi reduzida,

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produz-lhe uma fraqueza orgânica que a torna uma victima da tuberculose. Morre. Mas deixa de si o exemplo de uma vida toda honestidade.

Estes casos servem só para verificar que a hereditariedade tem bem aquelle duplo caracter de íatalidade e modifi-cação possível pela vontade do homem, caracter em que Grasset insiste no seu esplendido livro La Biologie humaine.

— Mais numerosos que os factos de hereditariedade directa do crime, são aquelles em que o individuo, herdando de seus progenitores uma pesada carga de taras nervosas, é arrastado mais ou menos violentamente á pratica do delicto. Estão nestes casos os alienados crimi-nosos, de absoluta e universalmente reconhecida irresponsabilidade; e tam-bém essa plêiade numerosa de semi-lou-cos, entre os quaes se deve enquadrar o

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criminoso- nato, tão bem definido e classificado por Lombroso.

Da maxima utilidade é determinar quaes as causas que pòdém dar aos individuos uma predisposição para os actos delictuosos: vae n'isso o bem das sociedades futuras. Muito teem já feito os beneméritos trabalhadores da Crimi-nologia. No meio das dissenções de esco-las e doutrinas, o campo dos factos é livre e amplo para observações e descobertas que, se são guiadas pelas hypotheses preconcebidas, não estão porisso em completa dependência dessas hypotheses.

Em todas as estatísticas se verifica que o alcoolismo é uma das primeiras causas predisponentes do crime. Não será descabido citar as observações feitas por Morei em um família de alcoólicos :

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2)

depravação, excessos alcoólicos, embru-tecimento moral;

na segunda geração—dypsomania, accessos maníacos, paralysia geral;

na terceira geração — sobriedade, tendências hypochondriacas, delírio das perseguições, impulsões, suicídios;

na quarta geração —intelligencia pouco desenvolvida, primeiros accessos de mania aos dezesseis annos, estu-pidez, transição para a idiotia e,

final-mente, extincção provável da raça. !

Garoíalo cita o caso da família Yuke, em que se encontram 200 ladrões e assassinos e 90 prostitutas, descenden-tes, em setenta e cinco annos, de um inveterado alcoólico, de nome Max.2

1 Marro — op. cit. pag. 772.

2 Criminologia — Trad, de J. de Mattos —

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Em 100 menores delinquentes; observados por Marro, 56 eram des-cendentes de alcoólicos.

O Snr. Dr. Alfredo Luiz Lopes en-controu, em 120 criminosos por elle estudados, 26 % com ascendência de alcoólicos.

Em 25 ladrões e assassinos obser-vados pelo Snr. Dr. Mendes Correia, 6 eram filhos de alcoólicos. '

Embora haja apparente disparidade entre os números obtidos pelo Pro-fessor italiano e os que foram encon-trados pelos auctores portuguezes, nem por isso deixa de ser certo para todos o facto da degenerescência produzida pelo alcool, degenerescência que tem como resultado uma diminuição, ou

1 Mendes Correia — Os criminosos

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"23

até uma abolição completa, da acção inibitória do psychismo superior.

Todas as causas da degeneração orgânica, capazes de se reflectir sobre o systema psychico, são causas predis-ponentes do crime.

Assim a epilepsia e as différentes nevropathias ; assim todas as intoxi-cações e os próprios desregramentos moraes que a c o m p a n h a m grande numero d'ellas.

*

São em extremo interessantes as investigações feitas por Marro sobre a relação existente entre as diversas modalidades do crime e a idade dos progenitores do criminoso. Verificou aquelle auctor, em 456 delinquentes examinados, que a percentagem dos que descendiam de pães muito novos

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ou velhos era superior á que se obser-vava nas pessoas que viviam em liberdade.

Afora isto, notou grandes diffe-renças entre os criminosos descen-dentes de pães velhos e os que tinham progenitores muito jovens. Nos filhos destes últimos encontrou aquelles carac-teres de irreflexão, imprevidência, amor dos prazeres, que se manifestam em determinados crimes, como os

atten-tados contra a propriedade. Pelo contrario, nos que tinham pães velhos, notou aquellas qualidades de astúcia, premeditação, malic ia, demonstradas por outros crimes, como o furto, o abuso de confiançn, etc.

Segundo Marro, é também impor-tante a percentagem de progenitores velhos nos criminosos em que se nota um mais ou menos nitido delírio de

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25 perseguição: taes os assassinos e es que manifestam completa ausência de sentimentos affectivos.

Não é aqui opportuno discutir o valor real destes curiosos trabalhos do Prof, de Turim. É, porem, para reter o facto de as suas estatísticas demonstrarem

uma proporção de alienadas e crimino-sos, muito superior á dos individuos normaes, entre os filhos de pães já velhos ou extremamente novos.

Desastrosa é para um grande nu-mero de individuos, a hereditariedade. Ella faz recahir sobre os filhos, as con-sequências da miséria moral ou phisica dos pães; mas, se os seus effeitos são desgraçados neste sentido, não deve deixar por isso de ser considerada como um poderoso factor de progresso e aperfeiçoamento para o homem. Com effeito, é a hereditaridade què faz que os

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caracteres úteis, adquiridos por um de-terminado individuo, se propaguem mais ou menos intensamente nos seus des-cendentes, de modo a torná-los mais aptos para a vida, mais perfeitos. Por outro lado, a hereditariedade, transmit-tindo e reforçando as taras, leva os seres degenerados á esterilidade. Por este meio, ella tende para a purificação da espécie, libertando-a dos elementos nocivos ou incapazes de algum prés-timo para a communidade, e conser-vando aos mais aptos o vigor que os faz triumphal*.

Considerando-a no tocante á espécie humana e, sobretudo, em relação aos caracteres moraes, é da maxima impor-tância reparar, em que ella não é um

Jatum que pese sobre nós com todo o

despotismo de uma desgraça irreme-diável : a hereditariedade dá a

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predispo-27

sição para o crime, como pode dar a predisposição para a tuberculose. Se, neste ultimo caso, é importante a causa efficiente, também no primeiro se não devem desprezar as causas dependentes do meio em que o criminoso se desen-volveu, que são, grandíssimo numero de vezes, factores indubitáveis da crimi-nalidade.

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4 acção do meio social na etiologia do crime

í\ NINGUÉM é possível, negar o

papel da hereditariedade na formação do caracter. Este assenta sobre uma base que é, em grande parte, fornecida-pelas tendências hereditárias.

O caracter criminal — se ao con-juncto das tendências, interesses, acções do criminoso, é permittido chamar cara-cter — desenvolver-se-ha forçosamente

com muita maior facilidade em um individuo tarado do que em qualquer outro.

O f actor edcação é, no entanto, da maior importanciu. Examinando a

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ori-29 gem dos criminosos infantis, ver-se-ha que, na sua quasi totalidade, elles pro-vêem das mais baixas camadas sociaes.

No que diz respeito aos reincidentes, chamados incorrigiveis, é bem licito perguntar se, nas suas condições de vida, haveria razões para se esperar d'elles qualquer emenda.

O Snr. Dr. Mendes Correia affirma no seu livro «Creanças Delinquentes» que a grande maioria dos menores por elle examinados na Tutoria da Infância do Porto, pertence á classe dos crimi-nosos fortuitos.

Nem poderia deixar de assim ser. Muitos vadios principiaram a sua vida de vagabundagem em resultado do abandono em que foram lançados pela sua propria família. Da vadiagem ao fur-to, vae um passo. As camaradagens, o gosto pela vida ociosa (que Marro bem

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deixou demonstrado nos seus estudos sobre a puberdade), a irreflexão - e.xpli-cam, e fazem que nós consideremos quasi como perfeitamente lógicos, os crimes d'aquelles cuja pobreza foi car-regada ainda com o mais completo abandono.

A vagabundagem de origem fortuita é bem patente nos rapazes recolhidos na Escola de Reforma de Caxias, onde, em um grande numero de reclusos, as evasões são extremamente raras apesar de serem as maiores, as facilidades da fuga. ! É bem vizivel como os pequenos vadios, logo depois de encontrarem alimentação, abrigo e a regularidade no trabalho, se sujeitam, em grande maio-ria, a uma vida que está em completa

1 Mendes Correia —«Creanças delinquentes»

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31

opposição com aquella que teem levado. A auctoridade do director é, nestas casas, uma das mais importantes causas de disciplina, senão a mais importante. Assim se verifica como nas primeiras idades a principal regra de conducta é aquella que tem a obediência por mo-tivo capital. E deste modo se explica também como aqueles que não teem a quem obedecer, se deixam levar ao acaso pela primeira impulsão que so-brevem ou pelas suggestões das más companhias.

— Nas creanças abandonadas, bem se pode dizer que todas as causas de crime influem: a libertinagem, que a ausência de qualquer inibição e a excessiva suggestibilidade infantil permittem que se desenvolva, é quasi geral nos menores delinquentes. O veneno da miséria, que vinha

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intoxi-cando aquellas creanças desde a sua concepção, continuou a perverter-lhes todas as tendências, depois que viram a luz do sol : as paixões, os mais baixos instinetos, não tiveram um minimo freio educativo; necessaria-mente, a infância nestas condições terá de se entregar ao crime nas formas mais compatíveis com a sua edade — a vadiagem e o furto, que as estatísticas nos revelam com uma percentagem maior entre os criminosos menores que entre os adultos. !

*

A prostituição ó, para as mu-lheres, uma verdadeira forma de cri-1 Ver estatísticas em M. Correia — Creanças

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33

minalidade: o homem que não quer trabalhar, rouba; a mulher, em idên-ticas circunstancias, prostitue-se.

Para o caso das menores, é fácil encontrar nas condições sociaes um factor explicativo da prostituição. Por todos é conhecido o grande numero de meretrizes sahidas de entre a classe das creadas de servir; é sabido camo estas, vindas da aldeia desprovidas de uma educação que as preparasse para a vida dos grandes meios, se encontram na cidade á mercê do primeiro farçante que as queira ludibriar.

A impostura, a requintada malvadez que encontram nos seus seductores — promptos a abandona-las, logo depois da posse — contribuem não pouco para lhes dar da vida uma impressão de pessimismo que é uma desordem com-pleta nas elementares ideias moraes

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que porventura tenham. Bastarão sim-ples circumstancias de acaso para as levar, de queda em queda, até á perdi-ção da viella, com casa de meia porta.

Raro é o caso de prostituição que não pôde ser filiado em um defeito constitucional da familia a que a menor tenha pertencido.

Nos meios da província,, onde as raparigas teem sempre o amparo da familia, que é ainda tradicionalmente cuidadosa e vigilante, a prostituição rareia immenso. Porem nas grandes cidades, ó vergonhoso ver como são. um enxame as menores chegadas á mais baixa degradação. Se procurarmos sa-ber a historia de cada uma d'ellas, ve-remos que o seu destino tem sido uma teia de factos, tecidos, em grande parte, segundo um modo que bem se pôde chamar fatal.

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35

Umas são completamente abando-nadas, sugeitas á bestialidade do primeiro que passa. Outras silo vendidas pelas proprias mães.

As innumeras proxenetas que para ahi engordam, são, grande numero de vezes, a causa próxima da prostitui-ção de muitas menores, a quem fazem um cerco que bem faz lembrar as cila-das armacila-das pelos negreiros, nas suas caçadas de escravos.

Não será precizo invocar as causas de degenerescência para explicar a prostituição em muitas menores. 0 fraco poder de inibição de quem não tem um caracter formado; a sua exaggerada suggestibilidade; a irrefle-xão —conduzem áo anniquilamento mo-ral as creaturas que nem uns vislumbres de educação tiveram a moderar-lhes os impulsos d'aquelle instincto, que em

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todos existe, de desejar, com o mínimo de esforço, a maior somma de prazer, Póde-se dizer, assim, que a vontade não chegou a fazer o seu apparecimento,

n'uma coordenação de regras praticas de boa conducta moral : subverteu-a o primeiro desejo satisfeito, e annulou-a completamente uma sequencia de vida

toda vicio e miséria.

— Casos apparecem em que os factores sociaes de prostituição não são

bem patentes. Algumas prostitutas ha, ainda menores, pertencentes a famílias mais ou menos abastadas, e cujos vícios só parecem ter explicação em perverti-das tendências congénitas. Essas são, todavia, em pequeno numero; e ninguém pôde affirmai- que uma educação apro priada as não tivesse desviado do mau caminho que seguiram. O que é bem fora de duvida é que, no maior numero

(46)

37

dos casos, são os defeitos de unse a mal-vadez de outros que transformam certas creanças em uns seres desprezíveis, completamente inúteis para a vida da familia e, portanto, para a vida da espécie.

Depois de estudados, embora muito ao de leve, estes dois factores principaes do crime — a hereditariedade e o meio social — e não encarando agora, por me parecerem de menor importância, outros agentes prováveis, como o clima, o relevo do solo etc., vejamos de que meios podemos dispor para a lucta contra o crime na infância.

(47)

Prophylaxia e therapeutic» social

do crime

§ 1.° — A PREPARAÇÃO DA HERDITARIEDADE

\J CONCEITO moderno da

heredita-riedade encerra em si um verdadeiro código de moral.

Comte, affirmando que «os mortos governam os vivos», reforçou e acla-rou aquellas palavras do prophet a Jeremias— «os pães comeram as uvas verdes: por isso os dentes dos filhos nasceram derramados.»

Não é demais que se espalhe aos quatro ventos, e se faça conhecei- por

(48)

m

todos, quantos preceitos úteis estão em synthèse na concizão da phrase do creador do Positivismo.

O instincto da c o n s e r v a ç ã o da espécie reúne muitas e poderosas emo-ções; e, d'estas, o amor pelos filhos é ainda uma das que podem influir gran-demente n'este mais ou menos coor-denado conjuncto d'actos que é a con-ducta humana.

Se alguma moral scientifica — ou biológica, melhor dizendo — é possí-vel, decerto não irá por caminho errado aquelle que a quizer alicerçar era grande parte sobre as noções que a Biologia humana nos dá da heredi-tariedade. Ponto é que se consiga fazer entrar no espirito de cada um aquellas admiráveis palavras de Geor-ges Valois: «L'homme n'existe pas.

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l'esprit qui les unit.» ' Aqui reside a principal questão. Mas não será tarefa de executar com facilidade, substituir ao epicurismo grosseiro —que é regra de vida para muitos — um outro ideal mais largo e nobre que conduza o homem a guiar-se segundo as normas que são enthusiastica e eloquente-mente defendidas por Grasset no seu livro « D e v o i r s et périls biolo-giques».

Assim mesmo, muito é para dese-jar que as doutrinas benéficas desse

livro se d iff undam profusamente, para que os homens de bôa vontade, que ponham ainda o seu enlevo nesta ins-tituição fundamental da família, vejam como importa, para o futuro dos seus

(50)

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filhos, a-con.iucta que hajam por ven-tura de seguir.

Se a diffusão do conhecimento dos perigos, que acarretam para os filhos os desregramentos moraes dos proge-nitores, não é de una valor pratico absoluto (porque ha-de haver sempre quem antes queira viver a sua vida do que pensar nos que terão de lhe herdar as misérias), verdade é que outros preceitos de ordem social se podem deduzir do conhecimento que temos da hereditariedade.

— É segundo esses preceitos que foram procedendo os Estados Unidos quando puzeram aos degenerados um verdadeiro interdicto no que respeita ás suas funcções de reproducção.

No mesmo sentido deveriam influir todos aquelles que intervêem na cons-tituição de qualquer familia; mas não

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tem sido assim, desgraçadamente: na generalidade, os indivíduos que preten-dem casar as filhas, procepreten-dem como aquelles lavradores provincianos que preferem entrega-las nas mãos de um

doutor—qua tenha derrancado a alma e

o corpo pelos alcouces da cidade — a ca-sa-las com outro lavrador, que tenha nas veias a seiva for le e perdurável da raça.

A vigilância medica do casamento, nos termos em que tem sido preconizada, parece-me, pois, que só conseguirá vingar entre aquellas passons que te-nham a vontade bem illustrada por uma intelligencia farta de conhecimentos vastos e perfeitos.

Em grande parte, a preparação da hereditariedade é um problema de hy-giene geral; a kicta soeial contra o al-coolismo, a syphilis e as diversas

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xicações e infecções, não será senão a preparação de uma sociedade em que o numero de criminosos e de todos os de-generados tenda a diminuir.

Em tudo aquillo que puder favo-recer a organisação da familia, a inter-venção do Estado é da maxima utili-dade. 0 robustecimento da familia — no conceito biológico desta instituição — é incontestavelmente um grande factor de moralidade para o individuo e de vigor para a espécie. É também isto um problema de hygiene geral, que bem devia merecer a attenção das auctori-dades. Tudo quanto se fizer por melho-rar as condições de vida das classes pobres — que tão grande contingente dão para a categoria dos criminosos profissionaes — será pouco, se tivermos em vista a commum utilidade que d'ahi pôde derivar. Entre esas obras de

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protecção, não é de se negar a summa importância que teem os institutos de recolhimento e amparo das mulheres gravidas: por demais é conhecido que o individuo, no tempo da sua geração, pode soffrer a influencia, de trauma-tismos, intoxicações e infecções, que podem decidir do futuro da sua vida em sociedade.

Todos podem contribuir para a resolução deste grave problema do crime : não são somente os hygie-nistas, os medicos, os homens de leis, os economistas : teem também a sua parte os litteratos.

Não estão estes artistas livres de responsabilidade na desorganisação que a familia vem soffrendo modernamente : o conceito individualista que Rousseau

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45 legou ao Romantismo, tem uma grande parte n'aquella theoria do casamento em que se exaltou o amor a ponto de fazer delle uma paixão que desculpasse todas as baixezas e vilanias.

Enorme influencia pôde ter a litte-ratura, orientadora de tão grande nu-mero de intelligencias, reformando as ideias e substituindo á noção egoísta do amor — o conceito, perfeitamente bio-lógico, do sacrifício e do interesse ex-clusivo pela prole.

Se na instituição da familia está o meio de se obter a geração de orga-nismos mais vigorosos, nessa insti-tuição está também o meio de esses organismos encontrarem um pleno de-senvolvimento áquellas funcções que mais úteis são á vida do homem em sociedade.

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§ 2.° — A EDUCAÇÃO

0 estudo psychologies do acto, tomado na sua generalidade, demons-tra-nos corno o individuo, tendo nas-cido com as diversas potencialidades psychicas nor mães, pôde, pela acção do meio educativo em que haja de se erear, ser levado á execução habitual do acto criminoso.

Na base de todo o acto intellectual ou moral, estão os conjunctos vividos, as imagens sensitivas; se, no decorrer da sua evolução psychica, a creança não encontra nenhum exemplo de honestidade; se o meio em que ella vive lhe dá só impressões de desregra-mento de condueta e de miséria moral, como será que ella pôde fazer entrar na sua mentalidade qualquer ideia do bem ou da justiça?

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A obediência é, na infância, o código único da moral : será bom aquillo que o pae ou a mãe orde-narem.

Ora, se os pães se despreocupam do futuro de seus filhos, se lhes dão ainda suggestões criminosas—como em muitos casos succède —, certamente é bem de prever qual será o resultado que d'ahi deriva.

Todos os trabalhos de psychologia das creanças denotam a extrema impulsividade que as caractérisa, ao passarem pela segunda infância. «The hand is never so near the brain», disse Stanley Hall. '

Marro falia até na combatividade que se manifesta na idade critica.

1 Citado por J. de La Vaissière S. J. —

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Sabido como é que «tudo quanto ha de verdadeiramente nobre na nossa vida, ó de origem inibitória» (Morselli)1, não

se pôde deixar de esperar que uma creança, educada sem o mais leve prin-cipio director da conducta, tenha a sua vontade â mercê do primeiro motivo que apparaça.

São sem numero esses míseros pá-rias, creados ao abandono, filhos da rua, que teem um system a psychico onde nunca se feriu uma única lucta entre a vontade e as impulsões que as causas externas lhes tenham suscitado. A so-breposição continuada de actos immo-raes ou criminosos, tornou essas creanças uns autómatos em que o principio inibi-dor nunca representou o seu papel do

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49 predomínio sobre os desejos perigosos e a attracção dos prazeres.

E como poderia ser o contrario ? Quem lhes deu uma ideia directriz que lhes preparasse a formação de caracter? Quem tentou, ao menos, de-senvolver nellas o poder de inibição e constituir-lhes aquelle conjuncto de. hábitos de vontade que é a prepa-ração da futura conducta? A familia, não. A sociedade... essa só a conhe-ceram quando, em nome de um direito de defeza, e servindo-se do poder do mais forte, as encerrou na prisão onde

travaram conhecimento com collegas experimentados que as amestraram e apuraram na ignominia das profissões criminosas. O pequeno gatuno roubava ás vezes por necessidade, por ter con-traindo hábitos de preguiça, que o des-viavam da sujeição da officina. Entrou

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para a cadeia: o único trabalho da autoridade foi fornecer ao noviço um mestre antigo e bem versado em artes, para lhe organisai' as tendências e os hábitos e fazer d'elle um profissional perfeito.

Aasim — pela falta da acção edu-cativa da familia e pela acção do sys-tema penal que até aqui temos tido para as creanças — se formava o criminoso de habito, o reincidente, o chamado in-corrigivel.

No fundamento do direito de punir, a criminologia moderna colloca a defeza necessária da sociedade contra os seres nocivos que são os criminosos. Mas, se a sociedade tem o direito de punir, porque tem o direito de se defender — esse direito inclue um dever concomi-tante : o de velar pela prophylaxia social do crime.

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O robustecimento da instituição da família, está na primeira linha das obrigações dependentes desse dever. Não ha nada que possa substituir a família na educação dos menores; nem os melhores institutos ou asylos podem dar á creança aquella solicitude, aquella carinhosa paciência, que são necessárias para o trabalho persis-tente e aturado dos 20 annos em que a formação do individuo se realiza.

Quando a, fome entra pela porta, sahe a honra pela janella. Ninguém prega o Evangelho a estômagos vasios : devo insistir novamente em que a melhoria da situação material das famílias p o b r e s , será já um grande passo para melhorar a sua situação moral.

Quando, pela sua inferioridade moral, os pães se tornaram incapazes

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para a educação da sua prole, o Estado tem, não sô o direito, mas o dever, de substituir a familia que falta ao cum-primento da sua missão.

É de urgente necessidade o desin-volvimonto dos que existem, e a 'créa-, çãõ de novos institutos, destinados á educação dos menores, onde os profes-sores— que deveriam ter uma prepa-ração pedagógica especial —tratem de educar os internados com o fim supe-rior de os preparar para a futura vida em sociedade, formando-lhes o

cara-cter, que é a unidade e a coordenação

na conducta do homem. Do mesmo modo, devia o Estado deixar desenvol-ver plenamente os institutos particula-res de educação dos menoparticula-res — fossem ou não fossem congreganistas esses institutos; tivessem ou não tivessem por mestres os frades ou jesuitas,

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Assim não succède, infelizmente: em obediência ás estúpidas exigências de qualquer associação de logistas, impe-de-se que muitas creanças, que para ahi estão ao abandono, tenham uma educa-ção efficaz, só para que o somno de certas creaturas seja socegado, plácido, sem temores ao phantasma negro do jesuitismo.

*

A obrigação rigorosa da frequência escolar para os menores; a protecção aos pequenos estudantes, filhos de famí-lias pobres, poderia desde já ser o ensaio de uma mais larga obra de pro-phylaxia social do crime.

Como complemento a isto, da maior importância seria a introducção da hydrotherapia e de uma educação phisica completa em todas as escola spublicas.

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As apphYações da hydrotherapia, de ex-cellentes resultados nas affecções men-taes das creanças, deveriam ser de rigor. A agua fria é um admirável moderador da impressionabilidade do systema ner-voso, e a sua acção continuada teria um utilíssimo effeito em reconstituir o cére-bro frágil das creanças, porventura can-çado pelo trabalho, e em lhes attenuar as excitações á voluptuosidade que tanto compromettem a saúde em geral e o desenvolvimento da intelligencia e das faculdades moraes em particular. 1

A gymnastica em eommum, disci-plinando os movimentos, excitando as funcções geraes do organismo, estimu-lando o systema nervoso, é também de uma franca e completa utilidade.

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55 Ella é, com a educação especial dos sentidos, uma base do tratamento dos anormaes; e é lambem de um incon-testável proveito para todas as creanças.

Alem da gymnastica propriamente dita, é precizo dar o lugar, que de direito lhes pertence, aos jogos. Teem estes innumeras condições para desenvolver todas aquellas qualidades de agilidade, enthusiasmo, perseverança, resolução, que tão necessárias são depois, no exer-cício das funcções da intelligencia e da vontade que mais se prendem com a vida social do individuo. '

A educação esthetica e os trabalhos manuaes não deveriam ser desprezados na educação dos menores : reúnem, nos seus resultados, um grande numero dos 1 J. Philippe et Paul Bonoourt —Education des

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que são obtidos pela gymnastica e pelos jogos; e teem, alem d'isso, a superiori-dade de revelar e desenvolver um grande numero de possiveis aptidões.

A diffusão da instrucção será também um meio educativo de grande valor: tanto maior, quanto mais vasta e perfei-ta for essa instrucção. A sua influencia sobre a moralidade é importante, porque illumina o campo da consciência e reforça, em numero e em intensidade, os bons motivos de querer pelos quaes a vontade possa ser soilicitada.

Os menores examinados pelo Snr. Dr. Mendes Correia e estudados no seu livro «Creanças Delinquentes», são quasi todos de uma nulla instrucção e pequena intelligencia. Parece-me possivel ap-proximar e^tas deficiências intelleotuaes das falhas moraes por estas creanças apresentadas.

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Todos os meios educativos que deixei apontados, nada, on quasi nada valem, se não tiverem a completa-los a educação moral. Esta é como que o fecho da obra; e todos os outros factores deverão ser empregados tendo em vista o trabalho final da educação da vontade da creança, para sua utilidade propria e da commu-nidade social a que pertence.

Sem uma forte educação moral, os meios que se empregam, para o aperfei-çoamento phisico e intellectual do indi-viduo, poderão até servir para lhe requintar tendências criminosas que acaso tenha, dirigindo-lhas de modo a torna-lo uni delinquente mais refinada-mente perverso.

Garofalo deixa bem demonstrada na sua «Criminologia» a nulla efficacia da

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instrucção pura e simples, como factor educativo.

A educação moral deve principiar desde tenros anos. E com este fim que a acção da famililia é, de todas, a mais util; só quando a família fosse em absoluto incapaz, é que a educação deveria ser completamente entregue a estranhos, voluntários ou mercenários, mas todos de uma linha de condueta irreprehensivel, e tanto quanto possível solicites, de modo a procederem sobre o espirito da creança, não pela acção theorica de fastidiosas lições da chamada educação civica — com regras ditas e reditas materialmente na aula —, mas pela acção pratica, continuada e persist tente do exemplo.

O mestre deverá esforçar-se em que os actos de virtude se repitam, se orga-nises, para que, d'esse modo, o

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edu-59

cando faça a acquisição dos hábitos úteis. Uma vez adquiridos, os hábitos funccionarão como verdadeiras tendên-cias espontâneas e facilitarão a consti-tuição da conducta futura, de que elles próprios são, por assim dizer, o estofo. (W. James.) '

*

O verdadeiro fim da educação é a formação do caracter. Mas este, se-gundo a definição que d'elle deu Kant2,

não poderá manter - se quando não houver um conjuncto de ideias moraes

1 Citado por J. de La Vaissière S. J. —

Psycho-logie pédagogique, p. 21E.

2 O caracter é a posse da propriedade da

vontade por meio da qual o individuo procede segundo princípios p r á t i c o s determinados e inva-riáveis.

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superiores que conservem no foco da consciência aquelles juisos de valor que são susceptíveis de guiar a vontade, segundo as linhas de inibição e resis-tência ás paixões nocivas. É por isso necessário que a instrucção e a educa-ção dêem ao individuo umas noções da moral tão elevadas quanto possível, noções que determinem a coordenação e a unidade na conducta, e sejam, assim, a defeza dos hábitos da vontade contra a tendência sempre destructiva das impulsões.

*

Os meios .que tenho indicado para a educação dos menores, tornam-se de uma mais difficil applicação quando se trata de fazer mais propriamente a the-rapeutica do crime, isto é : a correcção dos criminosos. Essa correcção será

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tanto mais difficil, quanto mais próximos elles se encontrarem do termo do seu desenvolvimento orgânico. Uma vez constituidos os hábitos criminosos, a funcção do educador será não só lue lar contra as prováveis tendenaias ances-traes deletérias, mas ainda vencer a exacerbação que estas tenham tomado com os vicios adquiridos.

Dizer que a correcção é difficil, não é affirmar que é impossivel. Um caso só que houvesse a exemplificar a emenda do criminoso, seria o incentivo para se tentar a modificação do caracter em todos aquelles sobre que pudesse recahir a acção do educador. Basta citar o caso do «Morte» 1 pára se ver que, até

n'aquelles cuja malvadez poderia apre-1 Mendes Correia. -«Creanças

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sentar como sendo verdadeiros crimino-sos-natos, é possível conseguir melhorar a sensibilidade moral e vencer as pro-pensões criminosas,

O caso dos forçados de San Ste-fa.no, portando-se como homens disci-plinados e briosos, quando as neces-sidades da defeza do rei Francisco 11 de Nápoles lhes deixaram aquella ilha nas mãos, ï demonstra que nem

para os criminosos adultos se deve asseverar em absoluto a impossibili-dade de emenda.

«

Assim como a therapeutica geral se inspira nos meios de defeza do organismo contra os diversos agentes

1 Ferreira Deusdado. — «A Antropologia

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pathogeneos, também a therapeutica especial do crime se deverá inspirar nos meios que o homem tem á sua disposição para combater as impul-sões immoraes.

E esses meios são as potencias inibidoras da vontade, animadas por uma mais ou menos perfeita cons-ciência de responsabilidade.

O emprego de todos os factores educativos que procurem o desenvol-vimento da vontade e da noção de responsabilidade moral, será — a meu ver—a mais perfeita therapeutica do crime.

*

Propositadamente tenho eu deixado de tocar, tratando do crime, na esca-brosa questão do livre-arbitrio. Ella parece-me mais para ser discutida pelos

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metaphisicos do que pelos medico-legis-tas ou pelos sociólogos. Estes terão que acceitar, em bruto, o facto de o homem ter, praticamente, a dentro da sua cons-ciência, a experiência de que é livre e responsável pelos seus actos. O principio desta certeza intima que cada um de nós tem, de poder escolher uma coisa em opposição a outra, o valor theorico dessa certeza — não me compete a mim investiga - los aqui. O que importa é deixar bem expresso que, se nos des-prendermos da ideia de liberdade e responsabilidade moral, teremos, ipso--faotn, destruído toda a força inibidor a da vontade.

O simplismo do commum dos ho-mens, leva-los-ha rapidamente

àode-t&rminismo ao fatalismo — entre os

quaes só uns certos philosophos de mui esperta agudeza intellectual, é que

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po->

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dem pôr verdadeira differença. Ora o fatalismo... já se conhece o seu effeito depressor — sophisma de preguiça, mo-tivo de inacção para muitos.

E, pois, um erro gravissimo suppri-mir as noções de liberdade e responsa-bilidade. Como já disse, entendo que estas ideias devem ser, no espirito das creanças, a base da sua educação e

correcção.

Os meios educativos de que poder-mos dispor, devem ser todos escrupulo-samente applicados na correcção dos menores delinquentes. A educação re-ligiosa, proscripta ha muito do ensino, não deveria, como ó, ser desprezada na preparação dos hábitos de virtude; as emoções que a religião desperta são um poderoso meio de impressionar o espiíito da creança, dando-lhe no-ções moraes que, pela vida fora,

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nunca é possível dissiparem-se com-pletamente. '

Aos indivíduos com sensibilidade moral inferior, Garofalo 2 não crê que a

propria fé seja capaz de lhes modificar os instinctos de perversidade. Ainda que admitíamos, porem, a existência de ten-dências congénitas para o crime tão imperiosas, que por nenhum modo seja possível attenua-las ou transforma-las, a regra geral deve ser lançar mão de todos os processos educativos para des-truir as inclinações criminosas dos jo-vens: porque jamais será realizável o aperfeiçoamento scientifico de se poder diagnosticar em um individuo um tal deficit de affectividade, que torne impos-sível a applicação de qualquer methodo

1 Garofalo — Criminologia, pag. 175.

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67

educativo para o modificar nos seus interesses e tendências.

A pratica dá razão a este modo de ver, pois nos apresenta casos de emenda de criminosos, como o do «Morte», que atra/ deixo citado.

*

Uma formula util, na correcção das creanças delinquentes, será desenvol-ver-lhes a espontaneidade moral, dan-do-lhes uma condicional liberdade ao cabo de algum tempo de educação, e fazendo-lhes perceber, com uma certa latitude, a confiança que nelles se deposita; assim elles próprios poderão ir creando o habito de em si con-fiarem para a perseverança na boa conduct a, para a constituição definitiva de um caracter perfeito.

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auee gon 'iBoftiboo* o n%m ovH — Em conclusão :

A parte principal da lucta contra o crime está na sua prophylaxia — execu-tada, por um lado, na instituição da familia: por outro, no psychismo do individuo, desenvolvendo lhe, pela edu-cação moral, a consciência das respon-sabilidades.

A therapentica consistirá na reedu-cação da sensibilidade moral dos pe-quenos criminosos, pela pratica e pelo exemplo, e na sua preparação para a vida social, segundo os methodos pro-phylacticos de futuros crimes.

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PROPOSIÇÕES

Anatomia. — A existência de órgãos

rudi-mentares é o melhor argumento em favor da theoria transformista da origem do homem.

Histologia e Embrylogia. — A lei biogenetica

de Haeckel, no seu sentido stricto, não passa de um apriorismo monista.

Phisiologia. — O nosso organismo é um

labo-ratório de transformação de materia e energia.

Pathologia geral. — O leucocyto é o modelo

do bom soldado.

Materia Medica.—As ideias modernas sobre

a acção curativa de certas águas de fraca nlineralisação, demonstram que havia uma parte de verdade na ideia directriz do methodo da dosagem hahne-manniana dos medicamentos.

Anatomia pathologica. — Na tuberculose, o

pul-mão inutiliza-se porque se defende.

Clinica cirúrgica. — O processo pathologico

das gangrenas é uma prova da completa solidariedade que existe entre os diversos apparelhos da economia.

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pio ter descoberto os micróbios, já a clinica os havia revelado.

Medicina operatória. — Assim como á

medi-cina, á cirurgia deve presidir o critério phisiologico.

Obstetrícia. — Uma vez constituída a metrite

séptica puerperal, a melhor parte da therapentica é a dos estimulantes da funcção antixenica do organismo.

Hygiene. — Na hygiene da alma está contida

grande parte da hygiene do corpo, e vice-versa.

Medicina legal. — O neo-malthusianismo é,

para a vida da espécie, o que o suicídio é para a vida do individuo : toda a sociedade que queira bem defender-se, deve reprimir com todo o rigor a propa-ganda neo-malthusiasna.

VISTO : IMPKIMA-SE :

Referências

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