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Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: A neurociência afetiva como um possível modelo explicativo

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Academic year: 2021

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(1)Encontro Revista de Psicologia Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014. TRANSTORNO DE PÂNICO COMO UMA DISRUPÇÃO PERCEPTIVO-COGNITIVOEMOCIONAL A neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. Leonardo Ferreira Almada Universidade Federal de Uberlândia - UFU umamenteconsciente@gmail.com. Flávia Paes Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ / LABPR paesflavia@ig.com.br. Sergio Machado Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ / LABPR secm80@gmail.com. Antonio Egidio Nardi Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ / LABPR antonioenardi@gmail.com. RESUMO A Neurociência afetiva pode fundamentar a hipótese que a interpretação distorcida de sensações, objetos e situações no transtorno de pânico decorre de uma disrupção das relações neurais de interação e integração entre regiões cerebrais responsáveis pela percepção, cognição e emoção. Método: Foi realizada uma revisão de literatura sobre neurociência afetiva e transtorno de pânico, entre 2001 e 2014. As buscas foram realizadas nas bases de dados ISI Web of Knowledge, Psycinfo e PubMed, usando os termos ―panic disorder‖, ―perception‖, ―cognition‖, ―emotions‖ e ―septo-hippocampal system‖, devidamente agrupadas. Resultados: Existem apenas menções isoladas às disfunções perceptivas, cognitivas e emocionais que acompanham o transtorno de pânico, sendo necessário ampliar a investigação. Conclusão: Investigar a neuroanatomia do medo condicionado pode ser eficaz na avaliação da disrupção perceptivo-cognitivo-emocional no transtorno de pânico e as pesquisas básicas da Neurociência Afetiva poderão trazer novas contribuições para essa investigação. Palavras-Chave: transtorno de pânico; disrupção perceptivo-cognitivoemocional; neuroanatomia do medo; neurociência afetiva.. ABSTRACT. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@anhanguera.com Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE. Affective Neuroscience may support the hypothesis that distorted interpretation of sensations, objects and situations in panic disorder results from a disruption of neural relationships of interaction and integration among brain regions responsible for perception, cognition and emotion. Method: A literature review on affective neuroscience and panic disorder between the years 2001 and 2014 was performed. Searches were conducted in the databases ISI Web of Knowledge, PubMed and Psycinfo, using the terms ―panic disorder‖, ―perception‖ , ―cognition‖ , ―emotions‖ and ―septo- hippocampal system‖, properly grouped . Results: There are only isolated references to perceptual, cognitive and emotional dysfunctions that accompany panic disorder, it is necessary to broaden the investigation. Conclusion: To investigate the neuroanatomy of conditioned fear can be effective in the assessing of perceptual-cognitive-emotional disruption in panic disorder, and Affective Neuroscience basic research may bring new contributions to this research. Keywords: panic disorder; perceptive-cognitive-emotional neuroanatomy of fear; affective neuroscience.. disruption;. Artigo Original Recebido em: 26/04/2014 Avaliado em: 25/06/2014 Publicação: 10 de julho de 2014. 139.

(2) 140. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. 1.. INTRODUÇÃO O transtorno de pânico (doravante TP) é um dos transtornos de ansiedade mais comuns e incapacitantes (DEMIRYOGURAN et al., 2006; HUFFMAN; POLLACK, 2003; DEL PORTO, 2000), com uma incidência recorrente de ataques de pânico (isto é., crises agudas de ansiedade decorrentes de ameaças reais ou imaginárias) (MARKS, 1987; ÖHMAN, 1992; LEDOUX, 1998), que vêm acompanhados de mal-estar físico e psíquico que se retroalimentam, tendo por resultado uma espécie de convicção somática e autonômica — ou seja, não propriamente intelectual — em relação à sensação de iminente perigo e/ou morte. O TP é caracterizado por inúmeros sintomas cognitivos, emocionais, somáticos e autonômicos, como por exemplo, palpitações, sudorese, tremores, sensações de sufocamento, desconforto torácico, náusea, tontura, despersonalização etc. Portanto, devido seu caráter complexo e multifatorial, o TP tem motivado a produção de inúmeros estudos acerca de suas bases neurobiológicas, genéticas e evolutivas (CLARCK et al., 1994; CLARCK et al., 1997; CUCCHI et al., 2012; DOMSCHKE et al., 2010; GORMAN et al., 1989; GORMAN et al., 2000; GRAEFF, 2003; GRAY; MCNAUGHTON, 2000; MEZZASALMA et al., 2008; MILAN, 2003; WELKOWITZ et al., 1990). Ao lado das alterações cognitivas e comportamentais, as alterações somáticas e autonômicas verificadas em transtornos de ansiedade estão entre os mais prevalentes sintomas do TP. Essas alterações são sensações neurofisiológicas decorrentes de reações comandadas pelo sistema nervoso autônomo e pelo sistema hormonal (CLARCK et al., 1997; GORMAN et al., 1989; GORMAN et al., 2000; GRAEFF, 2003; GRAY; MCNAUGHTON, 2000; MEZZASALMA et al., 2008; Milan, 2003; WELKOWITZ et al., 1990). Dessa forma, propomos que tais alterações decorram de uma disrupção psiconeurofisiológica que se daria, de maneira concomitante, entre a percepção, cognição e emoção resultando numa falha entre as relações de interação e integração neural de tais funções. Nosso objetivo consiste em fundamentar o modelo teórico segundo o qual o transtorno de pânico é resultante de uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional. Dessa forma, a esquiva dessas situações pode prejudicar a capacidade do indivíduo de realizar atividades cotidianas. Sendo assim, pode-se pensar o TP sob o prisma de um modelo neurocientífico cujo objetivo é investigar o papel das emoções básicas na fisiologia e comportamento humanos, como é o caso da Neurociência Afetiva de Jaak Panksepp (1998).. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(3) Leonardo Ferreira Almada, Antonio Egidio Nardi, Flávia Paes, Sergio Machado. 2.. 141. MÉTODO Os artigos para inclusão no estudo foram selecionados em buscas nas bases de dados ISI Web of Knowledge, Psycinfo e PubMed entre 2001 e 2014, tendo sido utilizados os termos ―panic disorder‖, ―perception‖, ―cognition‖, ―emotions‖ e ―septo-hippocampal system‖, devidamente agrupadas. Estudos publicados em inglês foram majoritariamente selecionados, sendo selecionados poucos artigos em português. Não foram achados textos relevantes para esse estudo publicados após o ano de 2012. Alguns livros e manuais foram selecionados. A partir das próprias referências encontradas nas bases eletrônicas, foi realizada também uma busca manual nas mesmas. Foram selecionados estudos originais, revisões sistemáticas e meta-análises. Nosso foco foi em estudos originais. Porém, os estudos de revisão foram relatados e levados em consideração de forma complementar. Os critérios para aproveitamento de artigos foram: (i) maior ou menor utilização dos descritores específicos e (ii) maior ou menor relação conceitual estabelecida entre os descritores. A aplicação desses dois critérios buscou selecionar publicações que se referem à integração entre circuitos neurais perceptivos, cognitivos e emocionais na etiologia e/ou nos mecanismos terapêuticos do transtorno de pânico e excluir publicações que não faziam referência à integração entre circuitos neurais perceptivos, cognitivos e emocionais. A adoção desses critérios gerou maior aproveitamento quantitativo dos artigos dedicados à eficácia da terapia cognitivo-comportamental, e à investigação da neuroanatomia do medo condicionado e do sistema septo-hipocampal.. 3.. INTEGRANDO PERCEPÇÃO, EMOÇÃO E COGNIÇÃO Percepção, atenção e cognição são funções cognitivas que se referem a distintos processos anatômicos, fisiológicos e funcionais e a diferentes etapas do processo gnosiológico e comportamental dos mamíferos. Apesar de serem funções cognitivas distintas, elas estabelecem relações de interação e integrações neurais, resultantes do processo evolutivo do sistema nervoso, tornando-se possíveis quando o cérebro de organismos complexos, especialmente o humano, adquiriu maior complexidade estrutural e funcional. Essa complexidade estrutural e funcional que é responsável pela riqueza, flexibilidade e plasticidade do comportamento humano explica a capacidade que nosso sistema sensorial tem de (i) dar significado, cognitivo e emocional, aos diversos estímulos que estamos submersos, de (ii) agir em função das pressões exercidas pelo meio ambiente e de (iii) julgar e selecionar ações vantajosas diante de estímulos específicos (BRANDÃO et al., 1994; CARVALHO; NARDI; RANGÈ, 2008; CLARK;WELLS, 1995; CLARCK et al., 1997;. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(4) 142. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. DOMSCHKE et al., 2010; GORMAN et al., 2000; GRAFF, 2003; LEDOUX, 2996; LEDOUX 1998). Funções cognitivas como atenção, percepção, aprendizado, memória, ação e consciência resultam do mesmo processo evolutivo e pesquisas sugerem que elas não são entidades distintas e tampouco independentes em nossa circuitaria neural, e que possivelmente, para categorizamos como entidades separadas, apenas pela limitação de nossos conhecimentos atuais (CLARCK et al., 1997; GORMAN et al., 1989; GORMAN et al., 2000; GRAEFF, 2003; GRAY; MCNAUGHTON, 2000; MEZZASALMA et al., 2008; MILAN, 2003; WELKOWITZ et al., 1990). Perceber significa ―apoderar-se‖ de algo, e para isto a atenção tem que estar envolvida (LENT, 2005). A percepção gera alguma forma de memória e não há memória que não decorra de alguma forma de aprendizado, ou seja, não há memória e aprendizado sem percepção e atenção. Nesse sentido, a formação e constituição de memórias emocionais dependem da integração de funções perceptivas, atencionais e cognitivas. A atenção, que é um mecanismo de focalização dos canais sensoriais, visa selecionar e posteriormente, processar, estímulos ambientais relevantes para o observador. Do ponto de vista da biologia evolutiva, essa atividade é fundamental para a sobrevivência da espécie, tanto por nos proteger de possíveis ameaças quanto por nos conduzir às situações e aos ambientes que o contexto define como os mais adequados (LENT, 2005). A percepção, por integrar estímulos externos e internos, não se confunde com os sentidos, e precede a atenção nas bases neurais moduladoras do comportamento. Ela está na base da atividade de outros níveis funcionais de atividade mental, dentre os quais a própria atenção, além da memória, da cognição e das emoções. As principais particularidades da percepção são: (i) embora dependa dos sentidos, a percepção não se reduz a eles, já que apresenta uma especificidade que a eleva à condição de experiência mental particular complexa; (ii) a percepção, e não os sentidos, envolve processos complexos ligados à memória, à cognição e ao comportamento (LENT, 2005). O sistema nervoso central (doravante SNC) modula as informações sensoriais que chegam as vias eferentes reguladoras dos sentidos, selecionando as informações que são mais relevantes para processos, como por exemplo, a atenção seletiva e a habituação a estímulos apresentados continuamente. Portanto, os mecanismos neurofisiológicos e neuroanatômicos da percepção, atenção e cognição, parecem justificar esse mecanismo de inibição dos impulsos sensoriais pouco relevantes à nossa atenção. Nesse sentido, o SNC. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(5) Leonardo Ferreira Almada, Antonio Egidio Nardi, Flávia Paes, Sergio Machado. 143. atua na reconstrução dos estímulos na memorização e no reconhecimento para a orientação do comportamento, através de duas vias corticais, quais sejam, as vias dorsal e ventral. A via dorsal envolve o lobo parietal, que têm o objetivo de identificar relações espaciais dos estímulos com o observador e com o mundo. Já a via ventral envolve as regiões da superfície inferior do lobo temporal cuja finalidade é reconhecer os estímulos e, identificar suas funções (MACHADO, 2006). No entanto, os processos atencionais e mnemônicos parecem ser os maiores responsáveis na otimização dos mecanismos de percepção e, relacionando os processos perceptivos aos cognitivos. Percepção e cognição atuam em conjunto e de maneira harmônica na modulação do comportamento em geral, ainda que, em um momento primário, tais relações sejam bem incipientes. Sabe-se que, orientamos primariamente nosso comportamento em função de relações específicas entre percepção, atenção, memória e cognição, ou seja, ―as informações sensoriais se associam à memória e à cognição de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos‖. Tal processo poderia ser considerado, portanto, a base para os mais complexos processos cognitivos (LENT, 2005), cuja finalidade é a de conhecer o mundo e o próprio pensamento a partir da atividade neural relacionada à percepção e à atenção, com ênfase aos ―neurônios gnósticos‖ (LENT, 2005). O córtex pré-frontal (doravante CPF) é uma das principais áreas envolvidas na cognição, percepção e atenção. O CPF é composto por diversas áreas. O CPF dorsolateral (doravante CPFDL), por exemplo, recebe as informações processadas pelos mecanismos de percepção e de atenção e as armazena transitoriamente como enegramas (marcas ou impressões) operacionais. O córtex pré-frontal ventromedial (doravante CPFvm) assimila essas informações e as compara com as disponíveis na memória de longa duração, como, por exemplo, os objetivos de vida, tendo por resultado o planejamento das ações necessárias para levar tais resoluções à sua consecução. E, por fim, o córtex cingulado anterior (doravante CCA), influi o CPFDL e o CPFvm de modo a focalizar a atenção cognitiva, selecionando as informações mais relevantes ao processo (DAVIDSON, 1998; DAVIDSON, 2003; DAVIDSON, 2008; LEDOUX, 1996; LEDOUX, 1998; WHALEN, 1998). Essa breve modelo teórico neuroanatômico, fundamenta a ideia do TP como disrupção perceptivo-cognitivo-emocional. O CPF tem sido apontado como crucial na expressão de nossas atividades perceptivas, cognitivas e afetivas/emocionais, enviando informações a outras regiões cerebrais responsáveis pelo comportamento moral, recompensas e punições (DAVIDSON, 2003; WHALEN, 1998). Essa integração faz todo o sentido no que tange a expressão ‗comportamento moral‘, sobretudo na noção correlata de ―regulação do comportamento a partir da representação de recompensas e punições‖, na medida em que. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(6) 144. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. faz referência às atividades mentais subsidiadas por relações intrínsecas entre ―razão‖ e emoção.. 4.. POR UMA DEFINIÇÃO PERCEPTIVO-COGNITIVO-EMOCIONAL DO TRANSTORNO DE PÂNICO Provavelmente, um dos principais elementos fundamentadores do ataque de pânico é o estabelecimento de uma distorção perceptivo-cognitiva do organismo, que o leva a interpretar equivocamente certas sensações, ocasiões e objetos específicos aparentemente inofensivos, compreendendo-os (às vezes de maneira não consciente) como representando um perigo iminente (KRISTENSEN; MORTENSEN; MORS, 2009; CUCCHI et al., 2012; REINECKE et al., 2011). Estes aspectos perceptivo-cognitivos vinculados ao TP têm a capacidade de ativar circuitos neurais direta ou indiretamente responsáveis por processamentos emocionais que envolvem respostas fisiológicas automáticas como também respostas incontroláveis. Daí a proposta de pensar o TP a partir de uma dimensão mais ampla e integrada,. como. metacognitivas. uma. distorção. disfuncionais. são. perceptivo-cognitivo-emocional. manifestadas. como. crenças. As. negativas. crenças sobre. preocupações e a necessidade de controle dos pensamentos. Estas contribuem para que o foco sobre os pensamentos catastróficos aumente a expressão dos aspectos cognitivos, emocionais e somáticos que estão envolvidos no vicioso ciclo emocional-cognitivocomportamental da ansiedade patológica (CUCCHI et al., 2012). Os sintomas somáticos, autonômicos e cognitivos, atribuídos ao TP, constituem distorções perceptivo-cognitivo-emocionais que afetam a funcionalidade harmônica que a evolução nos deu para lidar com situações reais de perigo (PANKSEPP, 1998; DARWIN, 1998). Tal compreensão não é explícita no modelo cognitivo do TP (CUCCHI et al., 2012; REINECKE et al., 2011). No entanto, com os avanços alcançados, a noção de cognições catastróficas foi ampliada, havendo a inclusão de noções físicas, emocionais, mentais,. comportamentais. e. sociais. (REINECKE. et. al.,. 2011,. KRISTENSEN;. MORTENSEN; MORS, 2009). Essa ampliação favoreceu a compreensão mais precisa acerca das relações de integração entre as distorções cognitivas e emocionais que estão na base da incapacidade de controlar o medo e, regulação de emoções negativas no TP (REINECKE et al., 2011; OCHSNER; GROSS, 2005). É com base na compreensão de que processos cognitivos interagem com processos emocionais, que a terapia cognitivocomportamental (TCC) abrange técnicas de extinção do medo condicionado e de Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(7) Leonardo Ferreira Almada, Antonio Egidio Nardi, Flávia Paes, Sergio Machado. 145. regulação cognitiva de emoções mediante a supressão da vulnerabilidade que caracteriza o processamento cognitivo nos transtornos de ansiedade (CUCCHI et al., 2012). A compreensão implícita e explícita das relações entre percepção, cognição e emoções é também o que está na base da consideração de que o processo de extinção da memória emocional se caracteriza pela formação de um novo aprendizado perceptivo-cognitivoemocional que se superpõe ao aprendizado anterior e que inibe sua resposta emocional (ISQUIERDO, 2004). Possivelmente, os sintomas autonômicos, somáticos e cognitivos são assim denominados em função da inclinação que tem o organismo para reagir a certos estímulos internos e externos de maneira hermenêutica e interpretativa. Nesse sentido,julga-se aqui, o TP envolve diversas regiões cerebrais responsáveis por processos cognitivos e, simultaneamente, outras regiões cerebrais responsáveis pelo processamento e constituição de emoções. Certamente, a interpretação oferecida pelo organismo aos estímulos internos e externos pressupõe não apenas processos como percepção, atenção, memória e resolução de raciocínios; mais que isso, há uma série de emoções básicas que sustentam e oferecem suporte ao modo como se configurará tais processos e os próprios mecanismos que existem nos indivíduos para a resolução de problemas práticos (LEDOUX, 1996; LEDOUX, 1998; PANKSEPP, 1998). Interessante notar que a conjunção de aspectos cognitivos e emocionais efetivamente é levada em consideração na sintomatologia do pânico, ainda que, por muito tempo, certos preconceitos sustentados pela Neurociência Cognitiva acabaram por estabelecer uma dicotomia e cisão entre as atribuições e percursos constitutivos dos processos racionais e processos emocionais (LEDOUX, 1996). Grandes avanços nesta perspectiva devem ser atribuídos a Gorman e a seus colaboradores (1989), que supuseram no final da década de 1980, as relações cerebrais de interação e integração entre processos racionais e emocionais para elaborar uma hipótese neuroanatômica do TP a qual comprovasse a eficácia da psicofarmacoterapia e da TCC. A hipótese neuroanatômica do TP de Gorman e colaboradores (1989) especifica o ataque de pânico a partir de sua origem em diversos pontos no tronco cerebral, os quais compreendem a transmissão serotonérgica, dopaminérgica e o controle respiratório. A ansiedade antecipatória é aí concebida pela ativação de determinadas estruturas do sistema límbico, ao passo que a esquiva fóbica é decorrente da ativação do CPF, o que acaba constituindo uma situação muito interessante de ser investigada (GORMAN et al., 2000; KENT; COPLAN; GORMAN, 1998; WELKOWITZ et al., 1991).. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(8) 146. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. A eficácia da combinação entre psicofarmacoterapia e TCC decorre do fato de que a primeira atua na normalização da atividade do tronco cerebral e de que a segunda atua diretamente no CPF. Isso quer dizer que, muito possivelmente, a eficácia da associação entre psicofarmacoterapia e TCC pode dizer respeito à capacidade que estas duas formas de tratamento têm de atuar em percursos neurais cognitivos e percursos neurais relacionados ao processamento e constituição de emoções. Vale lembrar, o CPF é responsável, ao mesmo tempo, pelo (i) processamento de funções mentais cognitivas complexas e desenvolvidas — como linguagem, resolução de problemas e raciocínios — e pelo (ii) processamento de emoções. Trata-se da região cerebral mais essencialmente caracterizada por relações de interação e integração entre raciocínios morais e emoções (DAVIDSON, 2008; DAVIDSON, 2003; DAVIDSON, 1998). Por sua vez, o tronco cerebral, localizado próximo ao sistema límbico, e visado pela atuação psicofarmacológica, é a unidade responsável pelas reações emocionais aos estímulos internos e externos, tanto por meio da formação reticular quanto por meio do lócus ceruleus, na figura de seus neurônios secretores de norepinefrina. Corroborando com as ideias de Gorman, Clark e colaboradores são os criadores de um modelo que pressupõe que a interpretação de um estímulo interno (p. ex., estímulos fisiológicos) e/ou externo (p. ex., um objeto ou situação fóbicos) de forma catastrófica gera uma ativação simpática a qual produz respostas fisiológicas que acabam por confirmar, para o indivíduo, o caráter ameaçador das interpretações (CLARCK et al., 1994; CLARK; WELLS, 1995; CLARCK et al., 1997). Trata-se de uma disrupção entre domínios cognitivos e emocionais, objetivamente engendrada pela influência que a interpretação de uma situação, objeto ou estímulos fisiológicos pode exercer sobre o comportamento emocional do indivíduo. Esta influência é o que inviabiliza a possibilidade de relação harmônica entre os circuitos neurais relacionados com a percepção e cognição e os circuitos neurais relacionados com o processamento de emoções básicas e a subsequente constituição das emoções complexas (CLARCK et al., 1997). Esta compreensão é também o que funda o modelo de TCC para o TP (CUCCHI et al., 2012). Como se sabe, as terapias centradas na cognição e/ou no comportamento visam a uma reestruturação cognitiva do sujeito atualmente envolto em um ciclo de interpretações distorcidas. Certas das relações de interação e integração entre aspectos perceptivo-cognitivos e aspectos emocionais no TP, a TCC busca modificar os pensamentos disfuncionais, de forma a alterar os sentimentos negativos e, em consequência,. reestruturar,. em. nível. cognitivo. e. comportamental,. intermediárias e centrais (CARVALHO; NARDI; RANGÉ, 2008).. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155. as. crenças.

(9) Leonardo Ferreira Almada, Antonio Egidio Nardi, Flávia Paes, Sergio Machado. 147. Na busca pela conceituação de modelos explicativos para o TP, um dos principais desafios que se impõe aos pesquisadores é o de averiguar e compreender os experimentos neurocientíficos sobre o processo de regulação das emoções a partir de um substrato neurobiológico, neurofuncional e neuroquímico que congregue aspectos perceptivos, cognitivos e afetivos (CUCCHI et al., 2012; DAVIDSON, 1998). Portanto, é necessário associar o conhecimento neuroquímico e neuroelétrico dos processos emocionais (inerente ao papel desempenhado pelos hormônios, neurotransmissores e neuropeptídeos) aos papéis neuroanatômicos e neurofisiológicos preponderantes do CPF e da amígdala no processo neurofuncional de realce, supressão e/ou manutenção de uma resposta emocional (WHALEN, 1998). Afinal, embora o CPF seja usualmente considerado a principal área relacionada a funções cognitivas superiores, uma de suas funções mais conhecidas é a participação na geração de vários processos afetivos (DAVIDSON, 1998). Na mesma medida, estudos neurofisiológicos e de neuroimagem em humanos demonstram que o CPF é requerido para produção de sinais que guiam o comportamento e em seguida são encaminhados a outras regiões cerebrais. Esses estudos discutem de forma privilegiada as relações entre TP e o sistema neural do medo, sem deixar de levar em consideração a significação da memória emocional e os mecanismos de aprendizagem e extinção de associações entre certos tipos de fobias e certas sensações, situações e objetos (WHALEN, 1998; DAVIDSON, 1998).. 5.. NEUROANATOMIA DO MEDO CONDICIONADO: ABERTURAS PARA O TRANSTORNO DE PÂNICO A Neurociência Afetiva assimila a perspectiva evolucionista da psicologia experimental sem que assimile de maneira totalmente fiel alguns dos princípios mais contraintuitivos do behaviorismo radical. A Neurociência Afetiva tende a afirmar que, do ponto de vista evolutivo, podemos compreender a excitação sensorial que gera o medo em termos de emoção inata, sem que, para tanto, seja preciso excluir certas dimensões do sistema do medo que são adquiridas a partir da experiência. O medo, essa emoção instintiva mais básica, constitui uma resposta autonômica e endócrina a ambientes e eventos supostamente ameaçadores. Este caráter instintivo é sem dúvida a causa mais objetiva da possibilidade de ativação da resposta de estresse, a qual é, primariamente, um estado de alarme que, não por acaso, promove uma série de mudanças autonômicas e endócrinas cuja função é a de estimular os mecanismos de autopreservação (RODRIGUES; LEDOUX; SAPOLSKY, 2009). No entanto, se o medo é uma reação normal a situações ameaçadoras comuns na vida cotidiana, sua exacerbação ou disrupção — a ponto de se tornar maior. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(10) 148. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. que o legitimado pela situação, ou mesmo sua aparição em situações inapropriadas — é um indicativo claro da existência do TP (CARVALHO; NARDI; RANGÉ, 2008). O circuito do medo, na medida em que se expressa através da memória emocional, está clara e diretamente envolvido com o TP, razão pela qual tem sido tão frequentemente estudado. E, sem dúvida, um dos maiores desafios é o de assimilar as informações sobre o assunto das pesquisas básicas e pré-clínicas da Neurociência comportamental. A estas pesquisas devemos grandes avanços, gerados a partir do desenvolvimento de modelos animais de estados emocionais e comportamentais aplicáveis aos seres humanos. Porém, a despeito de uma série de empecilhos que possam existir na correlação entre estudos com modelos animais e sua aplicação em humanos, é preciso considerar a existência de aspectos do medo condicionado em animais que tornam muito efetivas sua correlação com certos aspectos clínicos do ataque de pânico. Gorman e colaboradores (2000) revisando seu estudo publicado em 1989, chegaram a algumas conclusões extremamente importantes. Os autores observaram que as medicações que atuam no sistema serotonérgico, especialmente os ISRS, quando associadas à TCC são realmente efetivas no tratamento do TP. Igualmente, foi também reforçada a noção, já defendida em 1989, de que a reatividade respiratória e cardiovascular em indivíduos com TP é anormal. No entanto, Gorman e colaboradores consideraram algumas de suas antigas idéias, como insuficientes, já que em 1989 estas não envolviam pesquisas pré-clínicas e básicas, as quais apontam para as bases neuroanatômicas do medo. A proposta atual consiste em revisar a hipótese neuroanatômica do TP a partir da consideração de uma hipótese neuroanatômica do medo condicionado que leve em consideração as pesquisas realizadas com animais, enfatizando o núcleo central da amígdala e suas projeções aferentes e eferentes. Mezzasalma e colaboradores (2008) descreveram, de maneira bastante proficiente, recentes e importantes estudos de pesquisas básicas e pré-clínicas acerca das bases neuroanatômicas do medo, os quais propuseram que o TP pode ser considerado a partir das mesmas vias envolvidas na constituição do medo condicionado em animais, incluindo o papel do núcleo central da amígdala e suas projeções aferentes e eferentes, assim como o sistema septo-hipocampal e o córtex do cíngulo. Assim, desde a primeira proposta de Gorman e colaboradores (1989), muito se avançou nas pesquisas acerca das bases neurobiológicas do transtorno de pânico, justamente em função de estudos com memória emocional e medo condicionado. Como mostra Mezzasalma e colaboradores (2008), as respostas autonômicas, neuroendócrinas e comportamentais ocorridas durante os ataques de pânico são. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(11) Leonardo Ferreira Almada, Antonio Egidio Nardi, Flávia Paes, Sergio Machado. 149. extremamente semelhantes ao que ocorre nos animais como resultado da atividade nestas regiões cerebrais mediante a inclusão artificial do estímulo condicionado. O mesmo resultado é descrito pela Neurociência Afetiva de Jaak Panksepp, que defende a assimilação dos modelos animais para compreensão do comportamento inerente ao transtorno de pânico, ressaltando que, quando o sistema do medo é ativado pela estimulação elétrica cerebral (EEC), os animais são levados a exibir uma variedade de comportamentos de medo (fear-like behaviors), variando de respostas de congelamento ao aumento de respostas de sobressalto, de maneira semelhante ao que ocorre durante o ataque de pânico (FLEISCHER, 1978). Brandão e colaboradores (2003, 2008) têm defendido que o funcionamento do sistema cerebral aversivo tem relações efetivas com os ataques de pânico. De acordo com este grupo, os mecanismos associados à resposta incondicionada estão associados ao chamado sistema de fuga/luta ou sistema cerebral aversivo. Quando estimuladas eletricamente, determinadas estruturas cerebrais produzem um padrão típico de respostas: medo, pavor e morte iminente, que vêm acompanhadas de uma atividade motora intensa acompanhada de saltos, assim como reações neurovegetativas, dentre as quais, aumento da pressão arterial, frequência cardíaca, respiração, piloeração (arrepio dos pelos), micção, defecação e exoftalmia (protuberância do olho). Esse conjunto de respostas motoras e neurovegetativas, ou respostas incondicionadas de medo, constituem essencialmente uma reação de defesa que acompanha os estados aversivos característicos do medo e da ansiedade. Ao lado do circuito neural que organiza respostas de medo inato, existe outro circuito neural, o das respostas condicionadas, também conhecido como circuito de inibição comportamental (GRAEFF, 2003). Ambos os circuitos neurais têm sido incorporados de maneira muito eficiente por modelos cognitivo-emocionais, dentre os quais o de Gray e McNaughton (2000). A grande pertinência desse modelo consiste em reconhecer o sistema septohipocampal na detecção e avaliação perceptivo-cognitivo-emocional dos estímulos que recebemos, assim como na capacidade de conferir a natureza destes estímulos e, subsequentemente, estabelecer graus de conflito quando as informações são concorrentes e, nesse sentido, prejudicam a formulação de objetivos e planos de ação. Na medida em que a função desse sistema consiste em resolver eventuais conflitos, o que requer uma tomada de decisão, sua funcionalidade depende do valor adaptativo que o indivíduo estabelece com o seu meio. A ação do sistema septo-hipocampal visa a reduzir certos efeitos da interferência produzida pela apresentação de situações ou estímulos novos no. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(12) 150. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. controle da memória, o que o insere nas regiões executoras das respostas emocionais que são mais apropriadas aos diferentes estímulos aversivos. Quando a predição e a situação real não se harmonizam, os mecanismos emocionais e cognitivos da memória passam a ser controlados pelo sistema septo-hipocampal. A resolução deste conflito ocorre pelo aumento da valência negativa dos estímulos, fazendo com que sejam compreendidos como mais ameaçadores do que realmente são, assim gerando as condições necessárias para a constituição do TP. A atribuição excessiva de valências negativas ao conflito resultante do cotejamento entre predição e realidade gera alterações mnemônicas, emocionais e cognitivas, que são características essenciais da ansiedade. E é nesse ponto que se inclui a defesa da concepção perceptivo-cognitivo-emocional do TP, no âmbito do estudo do circuito do medo e da memória emocional. Afinal, é a ocorrência de um déficit neurocognitivo nessas vias de processamentos corticais e septo-hipocampais que pode engendrar déficits no processamento de informações sensoriais (no caso das sensações corporais), conduzindo, assim, a uma ativação inapropriada desta rede de medo, justificada pela existência de estímulos excitatórios errôneos para a amígdala, que constituem, em nível perceptivo, cognitivo e emocional, a distorção que caracteriza o TP.. 6.. CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA AFETIVA: BREVES APONTAMENTOS De acordo De acordo com Jaak Panksepp (1998), é não só razoável, mas também coerente sustentar o papel-chave dos circuitos emocionais básicos do cérebro na constituição das distintas personalidades e dos mais diversos humores, assim como nas diferenciadas tendências para alegria, irritabilidade, medo e/ou melancolia. Conjuntamente, são esses circuitos cerebrais geradores de emoções que constituem uma porção significativa daquilo que se chama de natureza humana. Ao mesmo tempo, o entendimento e investigação acurada desses circuitos emocionais são também essenciais para o entendimento de inúmeros transtornos psiquiátricos, tais como esquizofrenia, autismo, transtorno bipolar, depressão maior, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de estresse pós-traumático e o TP (refs). Mas, de fato, ainda que os procedimentos de neuroimagem sejam efetivamente capazes de nos revelar as topografias cerebrais dos transtornos psiquiátricos, não é possível, por essa via, compreender a neurodinâmica subjacente aos circuitos emocionais sem um estudo que leve em consideração certas correlações entre estados neurais e estados comportamentais. A recente diversificação evolucionária, porém, afeta mais os detalhes superficiais (como as habilidades cognitivas e comportamentais) do que a arquitetura funcional dos circuitos. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(13) Leonardo Ferreira Almada, Antonio Egidio Nardi, Flávia Paes, Sergio Machado. 151. cerebrais antigos que nos ajudaram a nos tornar as criaturas emocionais que somos (PANKSEPP, 1998). Temos razões convincentes para acreditar que nossos sentimentos mais profundos de pavor emergem, de forma substancial, dos mesmos circuitos cerebrais que criaram estados de medo em outros animais. Por outro lado, a compreensão da neurodinâmica inerente aos circuitos operativos emocionais básicos depende da compreensão de que os comportamentos emocionais não podem ser separados dos contextos ambientais e sociais nos quais ocorrem (PANKSEPP, 1998). Os circuitos emocionais do cérebro são conhecidos por sua capacidade de constituir uma mistura de tendências inatas e adquiridas de ações em humanos, razão pela qual constituem também uma fonte privilegiada para a compreensão dos substratos neurais inerentes aos processos afetivos. Como se sabe claramente, não há um critério tão fidedigno e inequívoco para separar as influências daquilo que é inato daquilo que é aprendido no controle do comportamento a ser aplicado em diferentes ambientes (PANKSEPP, 1998). Mas, de fato, é para que possamos entender com clareza os aspectos do comportamento que derivam de nossa constituição essencial que se nos impõe a tarefa de identificar a forma com que os comportamentos instintuais emergem de potências intrínsecas ao sistema nervoso. É nesse sentido que a evolução imprimiu e continua imprimindo muitas e espontâneas potências psico-comportamentais no âmbito da neurodinâmica inerente ao cérebro dos mamíferos, a mesma a partir da qual são gerados os sentimentos emocionais internamente experienciados (PANKSEPP, 1998). Do ponto de vista da geração dos comportamentos emocionais, as experiências afetivas estão profundamente relacionadas com estes circuitos cerebrais que modulam e mediam ações específicas. A consecução da estratégia da Neurociência Afetiva depende da seguinte compreensão. epistemológica:. a. função. dos. estados. afetivos. subjetivamente. experienciados é sustentar padrões comportamentais e fortalecer algumas simples e efetivas estratégias de aprendizado. De acordo com o entendimento da natureza neurobiológica dos sentimentos emocionais em humanos, é necessário que se busque decodificar como os circuitos cerebrais são capazes de controlar as tendências emocionais geneticamente codificadas que compartilhamos com os outros animais. Por outro lado, é também preciso tentar determinar como as experiências subjetivas emergem ou se relacionam com esses circuitos cerebrais (PANKSEPP, 1998). A intenção de toda e qualquer orientação no âmbito da Neurociência Afetiva é a de especificar os distintos circuitos cerebrais que geram comportamentos emocionais específicos, razão pela qual podemos dizer que a vocação mais característica da Affective. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(14) 152. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. Neuroscience de Jaak Panksepp (PANKSEPP, 1998) é a de buscar uma taxonomia das emoções que seja biologicamente defensável. No nível empírico de uma taxonomia das emoções, a Neurociência Afetiva defende a existência de vários circuitos neurais que nos conduzem a um grupo de correlatas tendências emocionais. Esse é o ponto central da Neurociência Afetiva: a existência de vários circuitos neurobiológicos geradores de uma série de processos emocionais básicos (PANKSEPP, 1998). O circuito do medo, cuja disrupção perceptivo-cognitivo-emocional se relaciona de maneira direta com o TP, diz respeito a um circuito que provavelmente foi constituído ao longo da evolução para ajudar os animais a reduzir o pânico e a possibilidade de destruição, quando a harmonia prevalece (PANKSEPP, 1998). Quando este circuito é intensamente estimulado, os animais são conduzidos a fugir e a ficar extremamente assustados. Com muito fraca estimulação, animais exibem justamente a tendência motora oposta — resposta de congelamento, comum quando os animais são colocados em circunstâncias nas quais podem ser feridos ou ficarem assustados. Tal estimulação nos humanos gera intensa ansiedade. Em compensação, o circuito do TP diz respeito ao fato de que ser um mamífero é ter um nível significativo de dependência social (PANKSEPP, 1998). A evolução cerebral tem fornecido mecanismos para assegurar que os pais, especialmente as mães, tomem conta de seus descendentes, assim como tem fornecido mecanismos para que os descendentes possuam um poderoso sistema emocional para indicar que necessitam de cuidados imediatos. A natureza desses circuitos de aflição no cérebro dos cuidadores e dos que recebem cuidados tem sido clarificada, assim oferecendo os substratos neurais para o entendimento de muitos outros processos sociais, inclusive das causas biológicas do TP (PANKSEPP, 1998). Aparentemente, esses circuitos cerebrais, que geram emoções como raiva, medo, alegria, solidão, dentre inúmeros outros estados emocionais, têm uma série de pontos em comum, sobretudo se levarmos em consideração que a função nuclear dos circuitos emocionais consiste em coordenar muitos tipos de processos comportamentais e psicológicos na mente e no corpo. Além disso, podemos ainda lembrar que excitações desses circuitos cerebrais são acompanhadas por estados afetivos subjetivamente experienciados, que podem fornecer eficientes caminhos para guiar e sustentar padrões de comportamento, assim como mediar certos tipos de aprendizado (PANKSEPP, 1998). Uma das contribuições da Neurociência Afetiva de Panksepp (PANKSEPP, 1998) acerca das fontes neurais do medo e da ansiedade é a consideração de que, contrariamente ao que se postulou por muito tempo, o medo não é simplesmente um aprendizado antecipado acerca de eventos supostamente ameaçadores. Antes de tudo, o medo é uma. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(15) Leonardo Ferreira Almada, Antonio Egidio Nardi, Flávia Paes, Sergio Machado. 153. função geneticamente integrada ao sistema nervoso, que se apresenta como uma habilidade do organismo — conferida pela evolução — para perceber e antecipar certos perigos e, assim, minimizar os riscos de o corpo ser dizimado por algum estímulo interno (como alguma alteração fisiológica notável) ou externo. Dessa maneira, se o aprendizado é essencial para os animais usarem de maneira efetiva o circuito do medo no mundo real é justamente porque a evolução criou, de maneira consistente, circuitos cerebrais que ajudam a orquestrar e coordenar mudanças perceptuais, comportamentais e psicológicas que promovem a sobrevivência das espécies. Dentro desse contexto, o TP apresenta inexoráveis relações perceptivo-cognitivo-emocionais.. 7.. CONSIDERAÇÕES FINAIS O TP tem suas origens mais precisas em uma rede de medo que apresenta um nível de sensibilidade completamente alterada. De fato, as dimensões cognitivas e perceptivas do TP são absolutamente visíveis: os ataques de pânico são geralmente precedidos por uma determinada associação entre certos tipos de percepções e subsequentes interpretações de estímulos internos e externos. Por outro lado, a influência que estas interpretações perceptivo-cognitivas exercem no comportamento emocional durante os ataques de pânico é absolutamente clara e indiscutível. O que propusemos, através da Neurociência Afetiva é que a conceituação etiológica do TP não pode prescindir dessa interação e integração inexorável entre aspectos perceptivos, cognitivos e emocionais. A distorção perceptivo-cognitiva que caracteriza a interpretação dos estímulos internos e externos durante os ataques de pânico envolve toda uma carga emocional, a mesma que estimula um determinado modo de equacionar a visibilidade de certas sensações, objetos e situações. Podemos gerar a hipótese da ação conjunta exercida por (i) regiões do tronco cerebral e sistema límbico, que muito influenciam na constituição da ansiedade antecipatória, e pela (ii) ativação pré-cortical, com relação ao (a) processamento de funções mentais cognitivas complexas e (b) processamento de emoções, que engendra a esquiva fóbica. Este raciocínio leva a hipótese da Neurociência Afetiva, de que o TP, seria uma disrupção do sistema do medo, que constitui, em princípio, um conflito entre elementos inatos e elementos aprendidos, sendo a interpretação distorcida de certas sensações, objetos e situações o resultado mais concreto de um misterioso passo do processo evolutivo, que nos conferiu instrumentos neurais indispensáveis para a sobrevivência da espécie que podem, no entanto, e em função de uma desarmonia neuroquímica,. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

(16) 154. Transtorno de pânico como uma disrupção perceptivo-cognitivo-emocional: a neurociência afetiva como um possível modelo explicativo. neuroanatômica e neurofuncional, atuar de maneira absolutamente nociva para a funcionalidade dos mecanismos de sobrevivência.. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Revista (DSM-IV-TR). (4ª ed.). Porto Alegre, RS: Artmed, 2002. BRANDÃO, M. L. et al. The neural substrate of defensive behavior in the midbrain tectum. Neuroscience Biobehavioral Reviews, v. 18, p. 339-346, 1994. BRANDÃO, M. L.; et al. The relevance of neuronal substrates of defense in the midbrain tectum to anxiety and stress: empirical and conceptual considerations. European Journal of Pharmacology, Amsterdam, v. 463, p. 225-233, 2003. BRANDÃO, M. L. et al. Different patterns of freezing behavior organized in the periaqueductal gray of rats: association with different types of anxiety. Behavioural Brain Research, v. 188, p. 1-13, 2008. CAROBREZ, A.P. Transmissão pelo glutamato como alvo molecular na ansiedade. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 25, n. 2, p. 52-58, 2003. CARVALHO, M.; NARDI, A.; RANGÈ, B. Comparação entre os enfoques cognitivo, corportamental e coginitvo-comportamental no tratamento do transtorno de pânico. Revista de psiquiatria clínica, v. 35, n. 2, p. 66-73, 2008. CLARK, D.M. et al. A comparison of cognitive therapy, applied relaxation and imipramine in the treatment of panic disorder. British Journal of Psychiatry, v. 164, p. 759-769, 1994. CLARK, D.M. & WELLS, A. (1995). A cognitive model of social phobia. In: Heimberg, R. et al. (Eds.). Social phobia: diagnosis, assessment and treatment. New York: Guilford Press, 1995, p. 6993. CLARK, D.M. et al. Misinterpretation of body sensations in panic disorder. Journal of Consulting and Clinical Psychology, v. 65, p. 203-213, 1997. COLOMBETTI, G. Appraising valence. Journal of Consciousness Studies, v. 12, n. 8, p. 103–126, 2005. CUCCHI, M. et al. An explorative study on metacognition in obsessive-compulsive disorder and panic disorder. Comprehensive Psychiatry, v. 53, n. 5, p. 546-553, 2012. DARWIN, C. The Expression of Emotions in Man and Animals. New York: Oxford University Press, 1998. DAVIDSON, R. Affective style and affective disorders: perspective from affective neuroscience. Cognition & Emotion, v. 12, n. 3, p. 307-330, 1998. DAVIDSON, R. Affective neuroscience and psychophysiology: toward a synthesis. Psychophysiology, v. 40, p. 655-665, 2003. DAVIDSON, R. Toward a biology of personality and emotion. Annual New York Academy Society, v. 1, n. 1, p. 191-207, 2008. DEL PORTO, J. A. Crises de pânico na prática médica. Psiquiatria na Prática Médica, v. 33, n. 4, 2000. DEMIRYOGURAN, N. S. et al. Anxiety disorder in patients with non-specific chest pain in the emergency setting. Emergency Medical Journal, v. 23, p. 99-102, 2006. DOMSCHKE, K. et al. Interoceptive sensitivity in anxiety and anxiety disorders: an overview and integration of neurobiological findings. Clinical Psychology Reviews, v. 30, n. 1, p. 1-11, 2010. FLEISCHER, B. Disruptions of maternal behavior in rats with lesions of the septal area. Psysiological Behavior, v. 21. P. 189-200, 1978. GORMAN, J. Cognitive-behavior therapy for panic disorder delivered by psychopharmacologically oriented clinicians. Journal of Nervous Mental Diseases, v. 179, p. 473– 477, 1991.. Encontro: Revista de Psicologia  Vol. 17, Nº. 26, Ano 2014  p. 139-155.

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