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Diálogos e histórias de vida: os desafios éticos e epistemológicos da Intersubjetividade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: ESTRATÉGIAS DE PENSAMENTO E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

Diálogos e Histórias de Vida: desafios éticos

e epistemológicos da Intersubjetividade

Leuzene Jeane de Vasconcelos Salgues

Natal – RN Maio / 2009

(2)

Leuzene Jeane de Vasconcelos Salgues

Diálogos e Histórias de Vida: os desafios

éticos e epistemológicos da Intersubjetividade

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (Linha de Pesquisa Estratégias de Pensamento e Produção de Conhecimento), do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do Grau de

Doutor em Educação

.

Orientadora:

Profª Drª Ana Lúcia Assunção Aragão

Natal – RN

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Divisão de Serviços Técnicos

Salgues, Leuzene Jeane de Vasconcelos.

Diálogos e histó rias de vida: desafios éticos e epistemológicos da intersubjetividade / Leuzene Jeane de Vasconcelos. Salges. - Natal, 200 9. 206 f.: il.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Lúcia Assunção Aragão.

T ese (Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação .

1. Ed ucação - Tese. 2. Ética - Tese. 3. Diálogo - Tese. 4. História d e vida - Tese. 5. Intersubjetivid ade - Tese. I. Aragão, Ana Lúcia Assunção. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. T ítulo.

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Diálogos e Histórias de Vida: os desafios éticos e

epistemológicos da Intersubjetividade

Por

Leuzene Jeane de Vasconcelos Salgue

s

Ficha de Avaliação:

_________________________________

Profª Drª Maribel Oliveira Barreto

Centro de Pesquisa e Pós-graduação Visconde de Cairu – BA

____________________________________ Orientadora: Profª Drª Ana Lúcia Assunção

Aragão

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________

Profª Drª Carla Mercês da Rocha Jatobá Ferreira

Universidade Federal de Ouro Preto

____________________________________

Profª Drª Maria da Conceição Ferrer Botelho Sgadari Passeggi

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________

Profª Drª Maria da Conceição Xavier de Almeida

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

____________________________________

Profª Drª Geralda Macedo

Universidade Federal da Paraíba

____________________________________

Profª Drª Maria Estela Costa Holanda Campelo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(5)

Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Poemas Inconjuntos

Poemas Inconjuntos

Poemas Inconjuntos

Poemas Inconjuntos

Fernando Pessoa

Alberto Caieiro

O Universo não é idéia minha.

A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.

A noite não anoitece pelos meus olhos,

A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.

Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos

A noite anoitece concretamente

E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

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A Leuzeni e Jayme,

Meus Pais,

Bodas de Ouro nos

Desafios da Intersubjetividade.

(7)

Agradecimentos

Aos meus amados pais, Jayme e Leuzeni, pelo amor, incentivo e apoio ao longo de minha história de vida, minha mais profunda gratidão. Aos meus irmãos, Lielson, Lyana e Joelson, por terem se tornado meus amigos. A Almir, meu parceiro evolutivo, e a Mirella, nossa filha amada, pela compreensão, amor, amizade e vivência dos desafios da intersubjetividade no aconchego familiar.

À Profª Dra. Ana Lúcia Assunção Aragão, pela amizade, apoio e confiança em orientar essa tese de forma generosa e compreensiva.

Aos co-pesquisadores e participantes diretos desse estudo, pela confiança em compartilhar suas histórias de vida e aceitarem o convite de exercitar o pensamento dialógico e complexo nas reflexões de si e do mundo, exercício da Intersubjetividade.

Aos Professores Dra. Maria da Conceição Almeida, Dra. Terezinha Petrucia da Nóbrega e Dr. Edgard de Assis Carvalho, pelas contribuições intelectuais e afetivas nos Seminários de Formação Doutoral.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo apoio administrativo e informacional.

À equipe de trabalho do Departamento de Educação Infantil pela compreensão e apoio ao meu afastamento para realizar o doutorado. À Profª Maria da Conceição Passeggi e todos os colegas participantes do Ateliê Histórias de Vida e Formação, pelos elos que nos unem.

Aos amigos conquistados, Almira, Aline Dias, Aline Cleide, Luzia, Silvio e em especial, a Andréa, pelo apoio e compartilhar de idéias.

Aos Amigos amparadores, pelas energias fraternas, reflexões e insights. Finalmente, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma para a realização desse trabalho.

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Resumo

Este trabalho destaca a importância do pensamento complexo e dialógico como instrumento favorável ao desenvolvimento da compreensão de si, do outro e do mundo, tendo a cooperação como necessidade e valor determinante. Apresenta-se a construção das estratégias dialógicas e de pesquisa autobiográfica e formação, estabelecidas a partir de narrativas de histórias de vida e a vivência dos desafios éticos da intersubjetividade nos grupos de diálogo estabelecidos neste estudo. Compartilha-se as idéias de Ana Lúcia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003-a, 2003-b, 2005), David Bohm (1989, 2005), González Rey (2005), Pedro Demo (2005), entre outros, acerca do pensamento complexo que busca a cosmovisão acerca da própria humanidade e o seu contexto planetário; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983), e Almira Navarro (2005), para o diálogo; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) e Maria da Conceição Passeggi (2006-a, 2006-b), para a perspectiva da pesquisa autobiográfica e formação, com as contribuições do método analítico de narrações de Fritz Schütze (1983, 1992, 1997). Exercita-se a desconstrução de subjetividades individuais na construção de um diálogo polifônico composto de múltiplas vozes atemporais que se fazem presentes nessa tese nas mais diversas formas: entre livros, cartas, narrativas de histórias de vida, filmes, músicas, subjetividades polifônicas que explicitam a complexidade humana. Reconhece-se a necessidade de maior conhecimento acerca da complexidade da dimensão subjetiva e reafirma-se o diálogo como possibilidade de nos despir das certezas, ampliar a compreensão sobre a própria incompreensão existente no mundo e compor a construção gradativa de uma cosmovisão compartilhada, nos desafios éticos e epistemológicos existentes no exercício da intersubjetividade.

Palavras-chave: Diálogo; Histórias de Vida; Intersubjetividade; Pesquisa Autobiográfica e Formação.

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Abstract

This study emphasizes the importance of the complex and dialogical thought as a tool for enhancing the development of the comprehension of the self, the other and the world, regarding cooperation as a necessary and determinant value. The construction of dialogical strategies and autobiographical and formation researches are here presented as established from life history narrations and experiences concerning inter-subjectivity ethical challenges within the dialog groups established in this study. This study shares the ideas of Ana Lucia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003a, 2003b, 2005), David Bohm (1989, 2005), Gonzalez Rey (2005), Pedro Demo (2005), among others, concerning the complex thought questing for a cosmovision regarding humanity itself and its planetary context; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983) and Almira Navarro (2005), concerning dialog; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) and Maria da Conceição Passegi (2006-a, 2006-b), concerning autobiographical and formation researches; and contributions from the analytical method of narration by Fritz Schütze (1983, 1992, 1997) This study exercises the deconstruction of individual subjectivities in the construction of a polyphonic dialog comprised by multiple atemporal voices which are present in this thesis in various forms such as: in books, letters, life history narrations ,films, songs, polyphonic subjectivities that explain the human complexity. It is recognized that a better knowledge concerning the complexity of the subjective dimension is needed, and dialog is also reaffirmed as a possibility for baring us of certainties, broadening comprehension on the existing incomprehension in the world and composing a gradual construction of a shared cosmovision, pertinent to the ethical and epistemological challenges existing in the exercise of the inter-subjectivity.

Key words: Dialog, Life History, Inter-subjectivity, Autobiographical and Formation Research

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Résumé

Ce travail met en relief l’importance de la pensée complexe et dialogique comme instrument favorable au développement de la compréhension de soi, de l’autre et du monde, ayant la coopération en tant que nécessité et valeur dominant. On présente la construction des stratégies dialogiques et de recherche autobiographique et formation, établies à partir de narratives d’histoires de vie et la convivialité des défis éthiques de la inter-subjectivité au sein de groupes de dialogue établis dans cette étude. On partage les idées de Ana Lúcia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003-a, 2003-b, 2005), David Bohm (1989, 2005), González Rey (2005), Pedro Demo (2005), parmi d’autres, à propos de la pensée complexe qui cherche la cosmovision de l’humanité, elle-même, et son contexte planétaire ; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983), et Almira Navarro (2005), pour le dialogue ; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) et Maria da Conceição Passeggi (2006-a, 2006-b), pour la perspective de la recherche autobiographique et formation, avec les contributions de la méthode analytique de narratives de Fritz Schütze (1983, 1992, 1997). On pratique la déconstruction de subjectivités individuelles lors de la construction d’un dialogue poliphonique composé de multiples voix a-temporelles qui se trouvent dans cette thèse sous différentes formes : entre des livres, lettres, narratives d’histoire de vie, films, musiques, subjectivités poliphoniques qui explicitent la complexité humaine. On reconnait la nécessité d’une connaissance plus approfondie de la complexité de la dimention subjective et on renforce le dialogue comme possibilité de nous dénuder des certitudes, augmenter la compréhension de l’incompréhension qui existe dans le monde et à composer la construction graduelle d’une cosmovision partagée, dans les défis éthiques et epistémologiques existants dans l’exercice de l’intersubjectivité.

Mots-clés : Dialogue ; Histoires de vie ; Intersubjectivité; Recherche Autobiographique et Formation.

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Resumen

Este trabajo remarca la importancia del pensamiento complejo y dialógico como instrumento favorable al desarrollo de la comprensión de uno mismo, del otro y del mundo, teniendo la cooperación como necesidad y valor determinante. Presentase la construcción de las estrategias dialógicas y de investigación autobiográfica y formación, establecidas a partir de narrativas de historias de vida y la vivencia de los desafíos éticos de la intersubjetividad en los grupos de diálogo establecidos en este estudio. Compartiese las ideas de Ana Lúcia Aragão (1997), Almira Navarro (2005), Edgar Morin (2000, 2002, 2003-a, 2003-b, 2005), David Bohm (1989, 2005), González Rey (2005), Pedro Demo (2005), entre otros, acerca del pensamiento complejo que busca la cosmovisión sobre la propia humanidad y su contexto planetario; David Bohm (1989, 2005), Paulo Freire (1983), y Almira Navarro (2005), para el diálogo; Marie-Christine Josso (2004, 2006), Christine Delory-Momberger (2006) y Maria da Conceição Passeggi (2006-a, 2006-b), para la perspectiva de la investigación autobiográfica y formación, con las contribuciones del método analítico de narraciones de Fritz Schütze (1983, 1992, 1997). Ejercitase la desconstrucción de subjetividades individuales en la construcción de un diálogo polifónico compuesto de múltiples voces atemporales que se hacen presentes en esa tesis en las más diversas formas: entre libros, cartas, narrativas de historias de vida, películas, músicas, subjetividades polifónicas que explicitan la complejidad humana. Reconociese la necesidad de un conocimiento mayor acerca de la complejidad de la dimensión subjetiva y reafirmase el diálogo como posibilidad de desnudarnos de las certezas, ampliar la comprensión sobre la propia incomprensión existente en el mundo y componer la construcción gradual de una cosmovisión compartida, en los desafíos éticos i epistemológicos existentes en el ejercicio de la intersubjetividad.

Palabras clave: Diálogo; Historias de Vida; Intersubjetividad; Investigación Autobiográfica y Formación.

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Siglas

ASIHVIF Association Internationale des Histories de Vie em Formation

CEB Câmara de Educação Básica

CMEI Centro Municipal de Educação Infantil CNE O Conselho Nacional de Educação

PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação SME Secretaria Municipal de Educação

UFPE Universidade Federal de Pernambuco

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Ilustrações

Capa: http://www.imotion.com.br/imagens/data/media/75/2101maos_mundo.jpg Página 13: http://www.planetaeducacao.com.br/novo/imagens/artigos/diario/poder_estudantes_ 03.jpg Página 54: http://2.bp.blogspot.com/_L0sMT0ZWbbE/SY9rivrm91I/AAAAAAAAAgA/VH4Tdce67yc/ s320/puzzle_pieces_id150248_size500o.jpg Página 95: http://www.baixaki.com.br/imagens/materias/img_comunidade2.jpg Página 173: http://2.bp.blogspot.com/_q-SGvC-JLcE/Rypnk1ZezmI/AAAAAAAAB0E/tMaBIQ9OfRU/s400/puzzle_cook_big.jpg Página 199: http://ligiafascioni.files.wordpress.com/2007/07/livros.jpg Anexo 3, Pág. i: http://farm3.static.flickr.com/2261/2084093313_7d89a70c81.jpg

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Sumário:

Delineando Caminhos 13

Desafios Éticos da Intersubjetividade 54

Diálogo e Histórias de Vida: exercício ético consigo e com o mundo

95

Metadiálogo: diálogo polifônico rumo à cosmovisão 173

Referências Bibliográficas 199 Bibliografia Complementar 206 Anexos 1. Filmografia 2. Musicografia 3. As Cartas 4. Material de Apoio

4.1. Contrato de Ajuda Mútua 4.2. Autorização dos participantes 4.3. Freqüência dos participantes

4.4. Quadro das Referências Concretas e Subjetivas 4.5. Mapa mental (exemplo)

4.6. Ficha de Registro da Auto-observação

(14)

Delineando Caminhos

Gosto de pensar, que tudo se passa como num puzzle, que a peça certa encaixa sem dobrar nem forçar.... Claro, que não está em nossas mãos, encaixar todas as peças, mas por vezes cabe-nos a nós decidir... Sentir que a escolha que fazemos, nos deixa mais confortáveis, mais alinhados, com a nossa verdadeira natureza e em paz... É como sentir que a peça do puzzle, se está a encaixar....

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13 Os desafios inerentes à intersubjetividade, expressos ao longo da história da humanidade, implicam na dificuldade que temos em compreender que as coisas podem ter significados distintos para diferentes pessoas, que há uma multiplicidade de sentidos inerente à condição humana.

A interação de subjetividades ou o exercício da intersubjetividade é a complexa trama de expressões plenas de sujeitos, em um entrelaçamento e desdobramento de sentidos múltiplos que permite a integração, ampliação e transformação de vários modos de ver, sentir, pensar e agir no mundo.

Influenciamos e somos influenciados por valores, crenças e atitudes dos grupos com os quais interagimos e essa interfluência contribui para a construção de uma visão de mundo diversificada, sem que haja uma homogeneização de pensamento entre todos os sujeitos sociais.

Se essa interfluência amplia os modos de experienciarmos o mundo, também acarreta, no universo das relações interpessoais, o surgimento das dificuldades resultantes do despreparo para vivermos com os outros e com as nossas diferenças.

A nossa tendência é estabelecer sentidos para as coisas que são significativas e que são constitutivas, de algum modo, da nossa história de vida, que se aproximam de nossas referências, nossos desejos,

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14 valores, experiências, conhecimentos, sentimentos, entre outros aspectos.

A construção de sentidos perpassa as relações interpessoais, o processo de ensino e aprendizagem e a preparação para novas relações sociais. A linguagem e demais formas de comunicação favorecem a apropriação do conhecimento, a posse de crenças, de gostos, de valores e de formas de viver, ou seja, é no jogo de palavras que construímos a nossa identidade, dizemos o nosso mundo e nos dizemos no mundo1.

O mundo foi e é construído por nós, bem como fomos e somos construídos por ele. Porém, nessa construção permanece a falta de compreensão de que não estamos dissociados daquilo que observamos e isso ocorre pela dificuldade em entender que há relações entre tudo o que nos cerca.

A nossa observação do mundo tem uma dimensão de aspectos concretos e objetivos e uma segunda dimensão subjetiva, não neutra, que inclui pensamentos, sentimentos, emoções, intuições, crenças, componentes de nossa subjetividade, aspectos tão humanos quanto os da primeira dimensão.

Essas idéias orientaram os estudos2 desenvolvidos acerca da dialogicidade, junto à Linha de Pesquisa Estratégias do Pensamento e

1

Fontana e Cruz (1997, p. 104)

2

(17)

15 Produção de Conhecimento do Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, fomentando questionamentos e inquietações, com o apoio de Aragão Gomes (1997) e Navarro (2005).

Penso que é inerente ao pesquisador questionar-se sempre sobre qual seria o melhor modo para se fazer uma pesquisa e, no meu caso em específico, qual seria o melhor caminho para se estabelecer uma forma dialógica favorável à reflexão, ao pensamento complexo e à tomada de consciência da autoformação profissional e do fazer educativo desenvolvido.

As reflexões, discussões e leituras, permitiram constatar que não há um caminho pronto, definido ante as incertezas e complexidade humana e, por essa constatação, vi a necessidade de aprofundar os estudos durante o doutorado, no qual eu poderia optar pelo desafio de buscar a vivência da dialógica da compreensão de si, dos outros e do mundo para os envolvidos na pesquisa.

O intuito foi desenvolver na pesquisa uma construção metodológica que propiciasse espaço, vez e voz aos participantes, possibilitando-os o pensar complexo que trouxesse contribuições para o reconhecimento da própria trajetória profissional como sendo auto e hetero formadora.

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16 Eis o desafio do exercício da dialogicidade voltado à compreensão das dificuldades vivenciadas pelos educadores escolares, em especial, professores e equipe pedagógica, para buscar novas maneiras de auxílio a estes profissionais, na resolução de seus conflitos e criação de estratégias, para que a Educação Infantil possa ocorrer em contextos de maior qualidade relacional, ou seja, onde cada profissional possa relacionar-se melhor consigo mesmo e com os outros e, principalmente, com as crianças com as quais interage.

As estratégias dialógicas de pensamento e ação permitem uma maior compreensão de situações de crise, podendo tornar os comportamentos humanos mais lúcidos e as escolhas e tomadas de decisões mais coerentes e criativas. Acreditamos que as estratégias não necessariamente resolvem crises e conflitos; mas, podem elucidá-los e desvelá-los para que possamos compreendê-los e enfrentá-los num processo de reflexão permanente. (NAVARRO, 2005, p. 12).

A escolha pelo contexto educacional voltado à Educação Infantil se deve ao fato de que, após o mestrado, dei prosseguimento às atividades profissionais nos encontros de formação continuada dos professores desse nível educativo, realizados no ano de 2004.

Neste período, emergiram nas falas e depoimentos dos educadores participantes, as queixas e a insatisfação pela ausência de envolvimento e efetivo trabalho das equipes pedagógicas das escolas,

(19)

17 em especial, daquelas que oferecem Educação Infantil e Ensino Fundamental.

No caso da oferta de vários níveis de ensino em algumas escolas, a partir dos comentários dos educadores, infere-se que a equipe pedagógica tende a dispensar maior atenção ao ensino fundamental, uma vez que em tais instituições existe uma maior concentração de turmas deste nível de ensino. Outro aspecto a considerar é o desconhecimento e inexperiência de algumas equipes pedagógicas acerca das especificidades do educar, brincar e cuidar, inerentes à Educação Infantil.

No contexto escolar, a articulação e a fertilização dos saberes e fazeres docentes é co-responsabilidade direta da equipe pedagógica e isto implica na necessidade de ampliação de seus conhecimentos, de forma a gerar mudanças teórico-metodológicas no contexto educacional.

As mudanças podem contribuir para uma diversidade de experiências, favorecendo análises e reflexões referentes à compreensão do processo ensino-aprendizagem na Educação Infantil e da criação de estratégias de pensamento e ação para a realização de um trabalho educacional efetivo.

Nesse ínterim, em 2005, propus à equipe técnico-pedagógica do Setor de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação – SME /

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18 Natal, um levantamento do perfil pedagógico dos educadores que atuavam nas funções de apoio pedagógico (supervisores, orientadores e coordenadores pedagógicos) nas 32 escolas que ofereciam a Educação Infantil no município de Natal.

O objetivo dessa investigação era, principalmente, levantar as dificuldades e conflitos vivenciados pelos componentes das equipes pedagógicas, bem como o interesse deles acerca de conhecimentos que pudessem contribuir para a realização do trabalho educacional.

O levantamento foi realizado através de um questionário com questões objetivas e subjetivas que foi entregue nas 32 escolas que, na época ofereciam Educação Infantil. As questões foram respondidas por, pelo menos, um representante de cada instituição, totalizando 56 participantes.

Os educadores elencaram as principais dificuldades vivenciadas por eles no exercício profissional e solicitaram a discussão sobre assuntos considerados imprescindíveis para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, propostos para os futuros encontros da formação continuada da rede municipal de ensino.

No levantamento das informações, dois âmbitos despertaram o meu interesse: a vontade de compreender as dificuldades relacionais inerentes à escola e a possibilidade de contribuir de alguma forma para

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19 a minimização dos conflitos existentes no ambiente do trabalho educacional. Dentre as informações fornecidas, destacam-se:

1. Dificuldades Relacionais elencadas pelos educadores:

• Conflitos e dificuldades nas relações interpessoais;

• Dificuldade de lidar com uma diversidade de personalidades, sobretudo os adultos, colegas de trabalho;

• A falta de coesão entre as pessoas que participam do processo de ensino-aprendizagem;

• A falta de acompanhamento dos familiares na aprendizagem dos educandos;

• A falta de compromisso e responsabilidade de alguns profissionais com a função que exerce;

• A SME não seleciona nem acompanha o profissional designado para a função de suporte pedagógico;

• A falta de respeito e ética para com os professores e equipe pedagógica nas mudanças arbitrárias de funções.

2. Interesse dos educadores em Conhecimentos Humanos:

• O desenvolvimento pleno da criança, sua capacidade afetiva, emocional, as relações interpessoais, cognitiva, ética, filosófica e estética;

• Ética profissional e pessoal, ética e valores morais e ética e respeito às diferenças;

• Professor X Especialista: uma relação de ajuda mútua, compreensão e escuta;

• Psicologia da Educação, comportamento humano e diversidade humana;

• Liderança e cooperação, gestão de pessoas e gestão democrática. • Autonomia, iniciativa e determinação;

• Indisciplina e violência na escola;

• Valorização do outro, do ser humano, dos seus pensamentos, de suas atitudes;

• Valorização da escola e do processo de ensino-aprendizagem; • Relacionamento Interpessoal;

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20 • A afetividade na educação.

As informações fornecidas foram utilizadas para definição dos módulos de atividades de formação continuada na rede de ensino. Dentre as temáticas solicitadas, foi definido pela equipe técnica do Setor de Educação Infantil – SME, um módulo dedicado às relações interpessoais, do qual participei no desenvolvimento e realização, junto com outros componentes da equipe.

Na avaliação final do evento, foi constatado que, tanto a coordenação pedagógica quanto o corpo docente das escolas precisavam compreender que a prática profissional pedagógica pode estar comprometida com uma visão de mundo e de sociedade mais justa e humana, articulada com os objetivos, de preferência, descritos no Projeto Político-Pedagógico (PPP) institucional.

Na construção ou atualização do PPP, os objetivos necessitam serem consonantes com os princípios éticos, políticos e estéticos que fundamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil3, as quais devem garantir a coerência entre as ações de educar e cuidar e o projeto de sociedade que se tem e que se deseja construir.

3

O Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Câmara de Educação Básica (CEB), definiu, em 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, (Resolução CEB 1/99) que orientam a organização das instituições que se dedicam a esta etapa de ensino.

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21 Essa experiência formativa contribuiu para a valorização das construções coletivas e para determinar a continuidade dos meus estudos acerca do diálogo, interesse expresso no projeto para o doutorado, que foi aprimorado com as contribuições oriundas das vivências dialógicas, tanto nos momentos de orientação quanto nas atividades da pesquisa.

Nas minhas reflexões, após a realização do módulo específico dedicado às relações interpessoais, refleti sobre os limites éticos da ação pedagógica e percebi que os mesmos não estão relacionados ao cerceamento da liberdade ou imposição de condutas, mas, eles aproximam e articulam os interesses de cada pessoa ao interesse coletivo do grupo no qual ela está inserida. Esse movimento, muitas vezes, opõe-se aos interesses egóicos e desarticulados dos projetos integradores.

A oposição de interesses gera conflitos e por isso as organizações, quando coletivos humanos, precisam estabelecer mecanismos de reflexão sobre os objetivos organizacionais e a postura ética pertinente que fundamentam e orientam as ações individuais e grupais.

Se as pessoas evoluem a partir das reflexões sobre as próprias ações, os grupos também podem fazê-lo. Para tanto, é imprescindível

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22 situar a ética na reflexão sobre a atuação coletiva e sobre os propósitos e objetivos institucionais4.

As relações interpessoais na escola, entre adultos, entre crianças ou entre adultos e crianças, precisam estar pautadas nos princípios que orientam a Educação Infantil e no desafio de se criar e manter um ambiente que propicie o desenvolvimento do respeito por si e pelo outro, presente nas experiências que as crianças vivenciam.

O ambiente sócio-moral5 de um contexto educacional é componente de um currículo implícito, apesar de ainda ter pessoas que pensam que a escola deve se restringir ao ensino de temas acadêmicos e desenvolvimento intelectual.

Esse currículo implícito é desconhecido para aqueles que não estão conscientes de que a escola não é isenta de valores e se constitui um ambiente de pressão social para as crianças porque os adultos (professores, funcionários e pais) estão, a todo tempo, dizendo o que deve e o que não deve ser feito.

Há na escola muitas mensagens permeadas de regras, normas de comportamento e valores. Essa pressão social e coercitiva exige das crianças um comportamento submisso e conformista. Ao mesmo tempo,

4

Duart (1999)

5

(25)

23 o trabalho pedagógico busca desenvolver nelas a autonomia e pensamento reflexivo.

Muitos educadores não compreendem essa ambigüidade e pensam que são responsáveis por atuar de forma autoritária e coercitiva, sem saber que podem desfrutar da utilização de regras, valores e expectativas atreladas a sanções por reciprocidade (de aprovação recíproca), refletidas e construídas no coletivo, com as próprias crianças de sua sala de aula, permeando com afeto a sua atitude assertiva.

A adoção dessa nova postura pelos professores tem sido um desafio no sentido de que eles evitem o uso desnecessário do poder, que desfrutem de uma autoridade sensata e seletiva e, que exercitem o respeito às crianças e às formas que elas utilizam para expressar suas idéias, opiniões e emoções, compreendendo que o desenvolvimento ético se dá na reflexão e no enfrentamento das questões que fazem parte da vida delas.

A autoridade exercida sobre as crianças não deve ser justificada como forma de aprendizagem e/ou pré-requisito essenciais para se conviver em sociedade. Essa idéia é perigosa e contradiz a idéia de liberdade inerente ao exercício da democracia. Essa postura, em analogia, seria submeter às crianças a mesma impossibilidade dos

(26)

24 detentos de tomarem decisões nas prisões, ou seja, elas seriam tolhidas em suas expressões e se tornariam prisioneiras da escola6.

O desenvolvimento ético não implica em crianças obedientes, polidas ou religiosas, que seguem regras apenas ‘por obediência’, pelo medo de punições ou desejo de recompensa. Implica, porém, em uma educação de apelo reflexivo à cooperação com os demais.

Não é esperar que as crianças adotem ou imitem comportamentos de cooperação apenas para obter a aprovação dos outros, sem que haja o cultivo da motivação para agir de forma cooperativa, tampouco, que sigam preceitos religiosos, visto que, é possível ser religioso sem ser ético já que a religião varia conforme a cultura e os valores sócio-culturais.

É difícil manter o exercício de uma atitude ética em uma sala de Educação Infantil se esse desafio não for estendido a toda escola, uma vez que, ao restringir-se esse exercício a esse espaço, a criança poderá vivenciar experiências contraditórias e conflitantes em seus relacionamentos dentro e fora da sala. É preciso que haja uma extensão crescente do desenvolvimento ético a todos os envolvidos na comunidade escolar.

Para que a comunidade escolar compreenda e desenvolva uma atitude ética é imprescindível que se estabeleça o diálogo entre os seus

6

(27)

25 representantes e, que os mesmos possam discutir os princípios que fundamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil a fim de contemplá-los no Projeto Político Pedagógico.

As Diretrizes Nacionais citadas, por si só, não garantem o desenvolvimento ético na e pela educação de um país - o papel aceita tudo que é escrito nele. Cada instância do sistema de ensino (municipal, estadual ou federal) pode amparar ou obstruir a implementação de um movimento ético, pelos mais diversos motivos, de acordo com a nossa facilidade ou dificuldade em compreender, lidar e vivenciar os problemas de ordem ética em nossa vida.

Ao longo da minha formação acadêmica e pessoal sempre me inquietou a ênfase dada à neutralidade necessária ao desenvolvimento de pesquisas. Ante a diversidade humana, seja em que situação social for, pude identificar que, de modo inevitável, há várias relações objetivas e subjetivas não neutras, estabelecidas entre os sujeitos. Nessas inter-relações, modificam-se os indivíduos, uns aos outros, bem como indivíduos e ambiente.

Outro aspecto gerador de minhas inquietações tem sido o modo de se desenvolver pesquisas na escola. Participei de experiências nas quais os pesquisadores adentraram o ambiente educacional, ‘colheram’ o que necessitaram e simplesmente se foram, deixando os seus colaboradores a mercê de inúmeros questionamentos.

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26 Os ‘sujeitos’ da pesquisa, muitas vezes, desconhecem: a intencionalidade de uma entrevista ou de uma observação; o manuseio e análise das suas falas que contemplam aspectos de suas subjetividades; e, o mais grave, eles desconhecem os resultados e as conseqüências da curta passagem dos estudiosos pelo contexto escolar.

Isso não significa que todo desenvolvimento de pesquisa seja realizado dessa maneira, mas, infelizmente, ainda é possível presenciar esse modus operandi ocorrendo. Parece que não há a percepção das interfluências espontâneas e involuntárias oriundas do exercício de se percorrer locais, posições e pontos de vista dos envolvidos do contexto estudado.

Mesmo ciente de que não é possível sentir, pensar, ver ou agir de onde o outro se manifesta, há a possibilidade do pesquisador esforçar-se neste esforçar-sentido, e, ao menos, refletir sobre como percebe e interpreta a si, ao outro e ao objeto de estudo, em seu processo investigativo, através do esforço da suspensão temporária de seus pressupostos.

Ao reconhecer essas interfluências, na condição de pesquisadora, implemento em meus estudos de doutoramento na Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um esforço em manter um distanciamento mínimo entre o reconhecimento de minha natureza humana no outro, buscando validar cientificamente a produção do saber na área de ciências sociais aplicadas, ciente das

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27 repercussões inevitáveis que o pesquisador promove em si e nos outros ao adentrar o seu lócus de pesquisa.

Na elaboração da pesquisa “Diálogos e Histórias de Vida: desafios éticos e epistemológicos da Intersubjetividade”, o objetivo foi criar espaços de diálogo nas escolas, favoráveis à autoformação reflexiva e compreensiva de si, dos outros e do mundo. A criação de grupos dialógicos nos quais os participantes pudessem compartilhar as suas histórias de vida.

De fato, as narrativas das histórias de vida trazem em seu enredo os fragmentos temporais e/ou situacionais de uma vida. O narrador por mais que se esforce em narrar de si, não dará conta de todas as sutilezas do seu viver.

Essa incompletude parece não existir quando o narrador escolhe e relata a versão de si para o mundo. Isso se dá porque, segundo Josso (2204), ao narrar de si o narrador autoforma-se em função da consciência que adquire de si como sujeito capaz de autotransformar-se.

A construção metodológica da pesquisa-formação utilizando narrativas de histórias de vida, como enfatiza Josso (2004) contribui para que os autores das narrativas alcancem uma produção de conhecimentos que faça sentido para eles e que os mesmos possam se instituir como sujeitos produtores desses conhecimentos significativos.

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28 A participação nos grupos dialógicos fomentou narrativas de histórias de vida, diálogos e projetos de vida entre os seus interlocutores, porém, este estudo não teve como objetivo a análise de discursos dos mesmos.

O propósito foi criar um espaço de diálogo favorável à postura auto-reflexiva sobre a postura profissional e prática pedagógica a partir das próprias narrativas das histórias de vida autotransformadoras e reinventoras de si, expressas nos projetos de vida construídos.

Em todo o trabalho desenvolvido procurei respeitar as escolhas e decisões individuais e grupais quanto aos procedimentos, acordadas no início das atividades, de modo que, o único discurso explicitado de cada participante encontra-se, na íntegra, expressos nas cartas, instrumentos de auto-expressão e avaliação de si e do outro no processo dialógico, em conformidade aos seus anseios e desejos, enquanto que as narrativas e projetos de vida elaborados permaneceram com os seus autores.

No processo investigativo apóio-me na multirreferencialidade, conceito proposto por Jacques Ardoino (1993), para a análise de situações e fenômenos educativos de modo que seja realizada uma leitura plural de seus objetos, a partir de diferentes ângulos em função de sistemas de referências distintos, heterogêneos e não redutíveis uns aos outros.

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29 A multirreferencialidade é mais do que uma posição metodológica, é uma posição epistemológica7, ou seja, de crítica e criação científica que busca distinguir e articular, como por exemplo, pensamento simplificador versus pensamento complexo; racionalidade versus afetividade; explicação versus compreensão; saber e saber-fazer versus saber-ser e saber-deixar-ser, dentre outros aspectos.

Isto não significa a realização de uma ‘colcha de retalhos’ com pedaços desconexos, mas o exercício de criar e fazer ciência que vai se definindo em um tecido bricolado, cuja bricolagem (do francês bricoleur) metodológica é elaborada a partir da operacionalização de diversos conceitos, de várias áreas do conhecimento humano que se estabelecem a partir da convergência, ou melhor, da convivência, do diálogo, trans, pluri, interdisciplinarmente8.

A perspectiva da multirreferencialidade traz em si mesma, como forma de implicação, uma visão dinâmica de mundo que requer uma compreensão hermenêutica do contexto e das situações nas quais os sujeitos implicados interagem intersubjetivamente. E essa idéia de implicação9 significa que há um engajamento pessoal e coletivo de tal modo que esse investimento resulta em parte integrante e dinâmica de toda a atividade de conhecimento.

7 Ardoino (1993) apud Borba (1998, p. 14) 8

Martins (1998, p. 23)

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30 Estar implicado10 no processo de construção de conhecimento significa que o mesmo não se dá apenas pela racionalidade. O conhecer se estabelece no pensar e sentir complexos, a partir de motivações, conscientes ou inconscientes daquele que pesquisa, de seus desejos, anseios, identificações, projeções e trajetória de vida pessoal, de modo que ao desvelar o objeto, o próprio sujeito se desvela.

É no desafio de ser um artesão intelectual11 que o pesquisador domina e personaliza os instrumentos e a teoria, dentro de um projeto concreto de pesquisa, sendo, ao mesmo tempo, o homem de campo, criador de sua metodologia e teórico, e se recusa a deixar-se dominar seja pelo campo, pelo método e pela teoria.

Na condição de artesã intelectual, conto com as contribuições de muitos teóricos que vão sendo chamados ao processo de elaboração do meu pensamento reflexivo e complexo, para pensar a pesquisa, a implicação ética, a intersubjetividade e o diálogo no processo educativo do contexto escolar, de modo condizente com os desafios impostos pelo início deste século.

Toda teorização se dá em condições ideais e só na prática serão notados e colocados em evidência certos pressupostos que não podem ser identificados apenas teoricamente. Partir para a prática é como um

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Martins (1998, p. 29)

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31 mergulho no desconhecido, mas é o que permite a interface interativa12 entre teoria e prática.

O pesquisador pode conduzir o trabalho investigativo e ter condições de se inteirar acerca do seu objeto de estudo, e, para tanto, necessita possuir conhecimento sobre o mesmo e ter experiência em situações investigativas anteriores.

O saber prévio possibilita a criação de estratégias pertinentes que se constituem em meios de averiguação das hipóteses. Essa construção dinâmica vai sendo elaborada de modo instigante, a partir das representações que os interlocutores vão explicitando e revelando acerca de si.

A escolha por uma metodologia compreensiva se constitui no desafio de descentralizar o objeto teórico e ir delineando uma problematização a partir da realização da própria pesquisa, que não tem como finalidade obter uma síntese do saber adquirido. Mais imprescindível do que encontrar respostas é levantar questionamentos, dúvidas e possibilidades de novos saberes a serem construídos.

Uma (re)construção metodológica se delineia no próprio desenvolvimento da pesquisa ao modo dos singelos e complexos versos de Antonio Machado13 que dizem: Caminante no hay camino, se hace

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D’Ambrósio (1996)

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32 camino al andar. Al andar se hace camino y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se há de volver a pisar. (Caminhante não há caminho, faz-se o caminho ao andar. Ao andar faz-se o caminho, e ao olhar para trás vê-se a senda que nunca se há de voltar a pisar).

Não há nada pronto. As estratégias metodológicas nascem e se esboçam, transformam-se na aprendizagem suscitada da própria pesquisa, nas sutilezas do efêmero, na multiplicidade de sentidos, na complexidade do mundo.

Os caminhos não se repetem porque se transformam continuamente. E o caminhante, no final da jornada também já não será o mesmo que a iniciou. Como afirmou Montaigne14, a mudança é a única constante do espírito humano.

As escolhas e estratégias metodológicas são influenciadas pelas especificidades existentes nas relações estabelecidas entre pesquisadores e participantes. São relações que se distinguem da maioria das trocas cotidianas, já que sua finalidade é o conhecimento, embora elas continuem sendo relações sociais que exercem efeitos sobre diferentes parâmetros, inclusive, nos próprios resultados obtidos no estudo.

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33 Dentre esses efeitos há uma espécie de intrusão arbitrária, às vezes, sem negociação prévia, o que salienta uma dissimetria social15 entre pesquisador e pesquisado, em função da hierarquia de diferentes ‘capitais’, principalmente, o ‘capital cultural’. Por isso é preciso utilizar bom senso e boa educação para não ser considerado um intruso nos contextos de pesquisa.

Para que haja a redução máxima dessa violência simbólica16 é preciso que se exercite o controle dos seus efeitos, instaurando-se uma relação de escuta ativa e metódica, diferente da entrevista não dirigida e do questionário diretivo. Essa postura, aparentemente contraditória, exige uma disponibilidade do pesquisador à singularidade do outro, ao ouvir do não-dito.

O meu desejo de ousar pensar novas possibilidades cognitivas, sobre a construção metodológica, gera reflexões e questionamentos. Dentre eles, destaco os seguintes:

i) Como estar atenta e disponível às especificidades do outro sem repensar o processo de construção do conhecimento científico, o qual se nutre de um modelo de pensamento que separa, fragmenta e estabelece os modos de conduzir, pensar e analisar o processo de pesquisa?

ii) O que isola, separa ou impede novas possibilidades cognitivas, em função da fragmentação deste conhecimento e da

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Bourdieu (2001)

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34 separação entre ciência e outros saberes, como por exemplo, da tradição?

iii) O que irá garantir ou minimizar as minhas possibilidades de equívocos na percepção e na interpretação da subjetividade, do dito e das formas de pensar e sentir a si e ao mundo dos meus interlocutores?

iv) Como ocupar com as perspectivas do meu olhar e da minha subjetividade o espaço alheio, de fato, da subjetividade do meu interlocutor, quando posso lhe garantir o espaço de direito?

Esses questionamentos contribuíram para que eu percebesse uma inseparabilidade inegável entre o que sou e o que consigo reconhecer de mim e a pesquisadora que sou e tento ser. Ambas facetas de mim se fizeram presentes e me impulsionaram nesse grande aprendizado.

É preciso compreender que no processo de construção do conhecimento há uma inseparabilidade entre as atividades observadoras e auto-observadoras, entre o exercício autocrítico e o crítico, entre os processos reflexivos e os processos de objetivação, porque a procura da ‘verdade’ (relativa) é tecida com diversos metapontos de vista17 que possibilitam na reflexividade a sua complexa integração.

O caminho da verdade é uma busca sem fim18 e nele se fazem presentes o erro e o ensaio de estratégias que se revelarão frutíferas ou

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Morin (2000)

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35 não, na busca das respostas às incertezas do próprio caminho dialógico do pensamento complexo. Um processo que contribui para a saída do estado de fragmentação e da necessidade e impossibilidade da totalização, em função do inacabamento de todo conhecimento.

As indagações pessoais sobre o determinismo da postura científica vigente vão buscar apoio em outras vozes de cientistas inquietos que propuseram novas formas de pensar o conhecimento e novos procedimentos investigativos, os quais consideram a possibilidade de intercâmbio entre distintos saberes, capazes de ampliar a diversidade das formas de conhecimento de si e do mundo.

Parece que vivenciamos uma desconexão provocada pelo pensamento que dissocia o mundo, fragmentando-o e reduzindo-o de modo que o ser humano passa a ter uma visão fragmentada e reducionista de si mesmo e de uma possível realidade mais ampla e complexa.

Tal situação é denunciada por Prigogine (2001), Cyrulnik (2004), Morin (2002, 2004, 2005), Bohm (1989, 2005), Aragão Gomes (1997), entre outros, que compartilham a necessidade da mudança desse modo de pensar as coisas em um mundo de incertezas.

Com isso, a fragmentação está sendo continuamente produzida pelo hábito de tomar o conteúdo do pensamento como uma descrição do mundo como ele é. Ou seja, o pensamento em correspondência direta com a realidade objetiva. Ao fato de nosso

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36 pensamento ser permeado por distinções, segue-se o hábito de enxergá-las como divisões, através das quais o mundo é visto e experienciado com algo efetivamente em fragmentos. É este modo fragmentário de olhar, pensar e agir que tem implicações em cada aspecto da vida humana. Tentarmos dividir o que é uno e indivisível e depois tentamos identificar o que é diferente. (ARAGÃO GOMES, 1997, p. 26-27).

Em um mundo incerto realizamos, em todo momento, escolhas que se constituem verdadeiras apostas que vamos fazendo, conscientes ou não, dos riscos, das precauções necessárias e das incertezas que as permeiam.

Apesar da condição de incertezas e não apropriação da totalidade, a busca de compreensão si, dos outros e do mundo tem fomentado o desenvolvimento científico, em função da tensão criativa que essa condição promove, gerando o conhecimento científico resultante de um longo processo cumulativo e dinâmico.

O conhecimento produzido encontra-se associado aos diversos contextos ambientais, culturais e sociais, em campos cada vez mais especializados e reducionistas, que levam a uma visão fragmentada, apesar de ter alcançado grandes e valiosas conquistas científicas e tecnológicas com as especializações.

Guiado por uma visão fragmentária da realidade, o homem age no sentido de fracionar a si mesmo e ao mundo, de uma maneira que

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37 tudo parece corresponder a essa forma de pensar. A causa da fragmentação parece ter existência autônoma, independente da sua vontade e do seu desejo; logo, as formas gerais do pensamento sustentam essa fragmentação e frustram os mais profundos anseios em relação à totalidade.

O pensamento condicionado à fragmentação dificulta o exercício de um pensar mais amplo e complexo acerca da realidade. Isso pode ser exemplificado pela dificuldade em considerar tanto os aspectos racionais, objetivos e concretos de nossas vidas, quanto os aspectos subjetivos que se encontram atrelados de modo indissociável aos primeiros, sendo ambos válidos e pertinentes à condição humana.

Esses aspectos humanos19 não podem viver divididos, distantes, como se fossem independentes porque, de fato, eles são interdependentes, complementares e se nutrem mutuamente. Eles compõem o âmbito complexo que precisa ser muito mais compreendido do que explicado.

A parte racional e objetiva precisar estar associada à intuitiva e subjetiva, pois, enquanto a tecnociência enfatiza a necessidade de explicação, as ciências humanas buscam a sutileza da compreensão. Ambas as partes são imprescindíveis. Quando isoladas, são insuficientes para que se possa compreender e explicar a complexidade da realidade

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38 humana. Juntas, se complementam e contribuem para o exercício de um pensar mais amplo.

Para pensar o pensamento, é imprescindível desenvolver estratégias que possam articular as áreas fronteiriças interdisciplinares, introduzindo o sujeito na observação e fomentando um espaço central para discussões, investigações, especulações e incertezas, em um dinâmico exercício transdisciplinar que faça ‘implodir’ os determinismos mecanicistas e unilaterais20, produzindo pesquisas nas quais se intercambiam e se interfluem a ciência e a tradição.

A construção metodológica realizada na pesquisa possibilitou a criação de estratégias favoráveis ao intercâmbio de saberes, na qual adotei o exercício de um mimetismo controlado21. Essa postura se constituiu na empatia e aproximação suficientes para que me sentisse legitimada a ser eu mesma, sem ter que fingir e buscar negar o meu próprio ponto de vista.

Ser capaz de assumir o lugar e expressão do próprio pensamento, bem como tentar situar-me em pensamento no lugar que o pesquisado ocupa no espaço social, buscando compreender os condicionamentos interdependentes, psíquicos e sociais, associados à posição e trajetória específicas desse contexto.

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Almeida (2006)

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39 É possível manter uma atitude sincera de empatia para com os participantes do processo investigativo, de modo que possam ir sendo construídas as categorias que permeiam os seus sistemas de pensamento e ação. Na condição de pesquisadora, necessitei suspender temporariamente, as próprias opiniões e categorias de meu pensamento e ação, garantindo a vez e a voz a todos os envolvidos.

O conhecimento prévio dos interlocutores e a proximidade estabelecida entre eles são insuficientes para conduzi-los a uma verdadeira compreensão, caso não sejam desenvolvidas uma atenção e uma expansão da sensibilidade na busca da compreensão do outro.

É preciso o desenvolvimento de uma escuta sensível22 que possibilite situações comunicativas excepcionais, sem constrangimentos, que crie condições favoráveis ao aparecimento de um discurso extraordinário, latente, à espera de atualização.

Essa sensibilidade para a escuta, ou melhor, escuta sensível implica numa postura específica daquele que escuta, ou seja, a suspensão de qualquer juízo ou certezas, evitando interpretações e deixando-se surpreender pelo desconhecido.

Estar aberto para captar os valores, valorações e sentidos, que os interlocutores dão às próprias ações sociais, expressos de maneira implícita e/ou explícita em suas falas, possibilitando uma reconstrução

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40 (parcial) dos seus sistemas simbólicos, através do exercício de ver as coisas pelo ponto de vista do outro.

A atenção em ouvir o outro vai além da escuta das falas dos interlocutores, do dito e do não dito. Expande-se ao entorno da situação comunicativa, do presente e do passado e, extrapola os sentidos, em novos sentidos que brotam da construção do conhecimento.

Esse exercício da escuta sensível promove a ampliação acerca daquilo que se busca compreender e propicia ao pesquisador uma troca de saberes com seus interlocutores, fruto do despojamento pessoal e respeito ao olhar singular e, ao mesmo tempo plural, daquele que lhe comunica.

Para o estabelecimento do exercício dialógico, além do desenvolvimento da escuta sensível, é preciso buscar a fluência da fala autêntica23 existente no processo da fala daquele que ao dizer se diz a si mesmo, no contexto de seu tempo e espaço e no contato com outras pessoas, dizendo através de toda a sua presença e das relações que estabelece no instante que diz.

Não há ação humana destituída de uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível, ou seja, o humano se constitui no entrelaçamento do emocional com o racional24, de modo que não se

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Amatuzzi (1989)

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41 vive em interações recorrentes se não há emoções necessárias a determinadas maneiras de convivência. O que nos impulsiona à ação, os fundamentos que constituem as nossas ações são constituídos muito mais de lastro emocional do que racional.

Todo ser humano quer ser aceito tal como é, com suas virtudes, defeitos, decepções, alegrias, medos, esperanças, entre tantos outros aspectos de sua natureza. Porém, não há autenticidade em aceitar e respeitar o outro se não há aceitação e respeito por si mesmo.

Essa nossa necessidade de amor25 se dá porque os seres humanos se originam no amor e dele são dependentes, uma vez que é o amor a emoção que embasa a vida humana social e, quando ele é negado produz a grande parte do sofrimento humano.

O fenômeno social autêntico e democrático implica nas relações estabelecidas na aceitação do outro como um legítimo outro, e no respeito à sua singularidade. Nas relações humanas onde não há respeito e aceitação recíproca da diversidade de seus constituintes, caminha-se na direção de tiranias, onde há a predominância de subjugação ou em movimentos revolucionários, com separação e descaracterização social.

No processo de aceitação mútua, compreendo a fala autêntica como a possibilidade de se falar não apenas do vivido, mas do

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42 vivenciado, pela evocação de pensamentos e sentimentos pretéritos que se transforma e se atualizam em função de novas experiências compartilhadas.

As estratégias cognitivas fazem emergir uma fala original, atualizada, que extrapola os condicionamentos existentes em nosso modo de pensar e possibilitam o surgimento do novo, do inédito, em situações nas quais há intercâmbios de saberes que corroboram para a construção e produção coletiva de novos conhecimentos.

Apesar da grande tendência da mente em manter-se fiel ao que lhe parece familiar, operando e resistindo a tudo que venha a perturbar o seu equilíbrio, é possível romper com os velhos padrões de pensamento e fazer surgir novas percepções e idéias.

A visão fragmentada se amplia rumo a uma visão de totalidade, onde a realidade social passa a ser percebida não como ‘verdadeira e plena’, mas como um processo de relação, uma teia de intercomunicações26, complexa e dinâmica entre as partes e o todo e vice-versa, e suas interdependências.

Para fazer uma idéia permanecer viva é imprescindível que ela seja debatida e combatida de modo a identificar as suas incoerências e excluir os elementos que compõem as suas certezas ilógicas, renovando-a, transformando-a, aprimorando-a e, talvez, fazendo

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43 nascer uma nova teoria, porque a melhor maneira de assassinar uma idéia é venerá-la27, conduzindo-a a uma cristalização que cria um estereótipo e dogmatiza-se.

Por mais que apostemos nas nossas certezas e verdades, elas não são absolutas nem incontestáveis. Somos seres inacabados em constante busca de completude e, quanto mais capazes formos de entender e enfrentar essa imensa fragilidade, mais sábios estaremos sendo. Somos seres faltosos, desejantes sempre de saber mais porque necessitamos sempre ser mais. Podemos imaginar nossas ações, refletir sobre o que pensamos, planejar diante de eventualidades, reinterpretar lembranças e sentimentos vividos por nós. (NAVARRO, 2005, p. 21)

A resistência do pensamento ocorre porque o mesmo foi elaborado por um modelo paradigmático oculto que privilegia determinadas operações lógicas em detrimento de outras, resistindo a tudo que não se encontra contemplado na forma convencional do pensar, sentir ou agir.

Conhecemos, pensamos, sentimos e agimos segundo os paradigmas inscritos culturalmente em nós. Isto ocorre porque o paradigma, mesmo inconsciente, nutre e controla o pensamento consciente, instaurando a dissociação e separabilidade ou o exercício de

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44 uma cosmovisão sobre as coisas do Universo, ou seja, um paradigma pode ao mesmo tempo elucidar e cegar, revelar e ocultar28.

O pensamento complexo compõe-se de esforços na tentativa de religação, ou seja, religar o que o pensamento desarticulado separou, para alcançar uma totalidade (inatingível) que minimize a fragmentação que nos leva a pensar de maneira linear e determinista.

O termo complexidade29, apesar de ser muito utilizado, ainda é de difícil prática apropriada porque fomos educados a pensar de modo a separar e isolar, obedecendo à lógica das coisas deterministas que se fragilizam cada vez mais ante a problemática de lidar com as incertezas.

O alcance de um conhecimento complexo implica em rejuntar informações ao contexto ao qual pertence, fazendo com que o conhecimento produzido seja tanto mais pertinente quanto mais global ele for. A busca de ligação entre os saberes compartimentados que supere o isolamento e desarticulação que podem levar ao erro e a ilusão.

O pensamento mais amplo e global não desconsidera o detalhe, os fragmentos ou as interconexões existentes entre eles. Não se deve confundir complexidade com completude, uma vez que o pensamento

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Morin (2000)

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45 complexo busca dar conta das articulações entre os domínios disciplinares, ciente da impossibilidade da totalidade do conhecimento.

Para não cair na armadilha do pensamento30, podemos buscar o diálogo, o aprendizado de saber falar com o outro; compartilhar idéias sobre um mesmo objeto de análise com pessoas de diversas áreas e disciplinas, para expandir a compreensão acerca do mesmo.

O diálogo possibilita que cada pessoa fale de um local próprio e continue a ser o que é, porém, com a possibilidade de trocar opiniões, produzir conexões, ampliar e compartilhar conhecimentos, através do exercício da interdisciplinaridade.

Nesse processo de compartilhamento de idéias e sentimentos, expõe-se a importância da diversidade, o tesouro da vida e da humanidade31, que não nega a unidade nem defende a homogeneização, mas explicita a riqueza da natureza humana.

As múltiplas possibilidades inusitadas exigem dos interlocutores um abertismo pessoal, favorável à empatia necessária para que haja compreensão acerca do outro e do seu modo de funcionamento íntimo. Reconhecer e identificar no outro e em si os aspectos inerentes à condição humana, estejam eles latentes ou manifestos, é um movimento favorável para aqueles que buscam compreender.

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Cyrulnik (2004)

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46 O diálogo é visto por Bohm (2005) como a possibilidade de fazer emergir muitas nuanças da experiência humana, tais como: valores arraigados, natureza e intensidade das emoções, a herança de mitos culturais, entre outros, que ilustram pensamentos fragmentados, mantidos no plano coletivo.

Por ser um processo multifacetado, o diálogo entre pessoas proporciona, de modo concreto e experiencial, a identificação clara da atividade da fragmentação inerente aos processos genéricos do pensamento humano.

A visão de mundo não depende só da percepção dos sentidos e da disposição hígida do corpo e da mente. Ela relaciona-se à percepção, que tem lugar, sobretudo, na disposição reflexiva, onde a intenção de olhar é na realidade uma intenção de investigar e de se fazer compartilhar o que foi visto. Por isso, a visão de mundo é, antes de tudo, de natureza social e conhecimento inesgotável.

Apesar da ‘separabilidade’ existente entre as coisas, assumo o desafio da busca de um novo olhar sobre o fazer investigativo que propicie novas visões acerca do sistema complexo de relações da totalidade, ampliando-se a percepção da interdependência entre as partes, ou seja, as repercussões que uma delas promove nas demais.

O exercício de respeito às singularidades humanas e diferenças entre elas contribui para a identificação da dialética das partes no plano

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47 da totalidade, o que exige uma postura investigativa de abertura permanente para as infinitas possibilidades de realização do ser humano.

O intercâmbio entre distintos saberes, oriundos das possíveis estratégias do pensamento, produzem, de modo incessante, novas compreensões e novos saberes acerca da realidade e ampliam a diversidade das formas de conhecimento de si e do mundo.

Para a vivência do intercâmbio de saberes na experiência dialógica proposta no presente estudo, vivenciada a partir das narrativas de fragmentos de histórias de vida, foi imprescindível assegurar a fluência da fala autêntica.

Ao mesmo tempo, é preciso garantir uma disponibilidade íntima e uma sensibilidade para a escuta, pois, ao falar das próprias experiências, o narrador fala de si mesmo, das atitudes, comportamentos, pensamentos e sentimentos que caracterizam a sua subjetividade e explicitam o valor atribuído ao que foi vivenciado.

Ao narrar, comenta Josso (2204), inicia-se um processo de conhecimento de si mesmo que não se restringe em compreender o modo pelo qual nos formamos pelas experiências, mas, que contribui para que o narrador tenha consciência de si como sujeito capaz de transformar-se, a partir das reflexões compartilhadas acerca do próprio itinerário de vida.

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48 A narrativa compartilhada promove um movimento espiral auto-reflexivo, auto-interpretativo e de tomada de consciência sobre a relatividade social, histórica e cultural entre as situações pretéritas evocadas e o momento presente da evocação.

Um dos meus objetivos é encontrar pistas para o trabalho com as narrativas autobiográficas, que permitam despertar a atenção para a sua face autoformativa, evidenciar o que entra em jogo na reinvenção de si mesmo. De tal modo que se possa conceber, científica e afetivamente, o esforço cognitivo e afetivo do narrador nessa tarefa, os conflitos existenciais e culturais provocados pela escrita... (PASSEGGI, 2006-b, p. 73)

A abordagem de pesquisa autobiográfica pelas narrativas de histórias de vida convoca o autor da narrativa e sujeito da formação a reconhecer-se como tal, assumindo sua parcela de responsabilidade no processo formativo, colocando-o numa nova relação consigo mesmo e com os outros.

Nenhuma proposição explicativa da realidade é uma explicação em si, como enfatiza Maturana (2002). É o modo como se escuta essa proposição que determina se ela é ou não aceita como explicação, constituindo-se em seu critério de recusa ou aceitação. É a postura do observador e o que acontece com ele, que produz, de modo consciente ou inconsciente, a validação do que foi proposto.

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49 Neste estudo, investi na idéia do pensamento complexo e dialógico como ‘instrumento’ favorável ao desenvolvimento de uma ética da compreensão, necessária à convivialidade sadia, a partir de um investimento na autoformação reflexiva compartilhada, elaborada pela evocação da trajetória profissional e a implicação ética, ou sua ausência, ao longo das experiências dialógicas, a partir das histórias de vida dos dialogantes.

A implicação ética traduz a preocupação com as repercussões de nossas escolhas e ações sobre os outros e, em geral, restringe-se ao domínio social do qual emerge.

Quando há reflexão e expansão do pensar sobre as próprias fronteiras sociais, profissionais e culturais, desenvolve-se a legitimação do outro na convivência, possibilitando a ultrapassagem dessas fronteiras nesse implicar, possibilitando perspectivas inovadoras e éticas para consigo e para com o próprio fazer profissional.

Quanto mais informações são obtidas sobre o ser humano, menos o compreendemos porque uma grande quantidade de informações implica na necessidade de exercitar um pensamento que procure reunir e organizar os aspectos biológicos, culturais, sociais e individuais, inerentes à complexidade humana, a fim de reaprender as concepções sobre o homem e ampliar o conhecimento acerca do mesmo.

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