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Adolescências e acolhimento institucional: a construção narrativa de identidade diante da possibilidade de desligamento compulsório por maioridade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA MESTRADO ACADÊMICO EM PSICOLOGIA

PABLO MATEUS DOS SANTOS JACINTO

ADOLESCÊNCIAS E ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A

CONSTRUÇÃO NARRATIVA DE IDENTIDADE DIANTE DA

POSSIBILIDADE DE DESLIGAMENTO COMPULSÓRIO POR

MAIORIDADE

Salvador 2018

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PABLO MATEUS DOS SANTOS JACINTO

ADOLESCÊNCIAS E ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: A

CONSTRUÇÃO NARRATIVA DE IDENTIDADE DIANTE DA

POSSIBILIDADE DE DESLIGAMENTO COMPULSÓRIO POR

MAIORIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Área de Concentração: Psicologia do Desenvolvimento Orientadora: Profª Drª Maria Virgínia Machado Dazzani

Salvador 2018

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Jacinto, Pablo Mateus dos Santos Adolescências e Acolhimento Institucional: A Construção Narrativa de Identidade Diante da Possibilidade de Desligamento Compulsório por Maioridade / Pablo Mateus dos Santos Jacinto. 2019.

148 f.

Orientadora: Maria Virgínia Machado Dazzani.

Dissertação (Mestrado - Mestrado em Psicologia) -- Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal da Bahia, 2019.

1. Adolescências. 2. Acolhimento institucional. 3. Desinstitucionalização. 4. Identidades. 5. Narrativas.

I. Dazzani, Maria Virgínia Machado. II. Título.

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA), com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

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AGRADECIMENTOS

Eu entrei na Universidade em 2011. O país já estava, há quase dez anos, dando pequenos avanços no sentido democratizar o ensino superior. Me graduei na primeira universidade brasileira a introduzir o sistema de cotas: Universidade do Estado da Bahia. Isso representa bastante coragem e compromisso, mesmo sendo a universidade estadual com verba mais arrochada, diante da sua dimensão. Apesar disso, vivíamos um período de expansão das vagas no ensino superior, e assim foi possível que eu me inserisse nesse espaço.

Sou mais um brasileiro que inaugura a geração da sua família com diploma de ensino superior. Um dos muitos do meu tempo, que é tão recente, mas agora parece uma realidade remota. Meu pai (Gildário Jacinto) era caminhoneiro até o ano passado, quando se “aposentou” junto com minha mãe (Maria das Graças Jacinto), auxiliar de enfermagem, e retornaram para minha cidade, Iaçu-Ba, para viver da agricultura familiar.

Quando vim para Salvador, fui entendendo que gente do interior, filho de caminhoneiro, pobre, não tinha muito espaço. Da diretora da escola que, quando minha mãe foi fazer minha matrícula, fez um questionamento perverso: “Vamos ver se ele vai conseguir acompanhar”; à coleguinha de sala que, quando viu minhas primeiras notas chegando, perguntou: “Como você tira boas notas, se veio do interior?”.

Eis que ouso, como tantas outras e outros que passam por dificuldades iguais ou piores que as minhas, a atingir uma escolaridade inimaginável para minha classe. Finalizando o Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, tudo isso me vem à mente, junto de algumas reflexões que, apesar de parecerem duras, não são nada dolorosas.

Este ano a academia se mostrou um espaço belo de produção e trocas, de organização e fortalecimento. Mas também me mostrou aquilo que eu não quero ser. Não serei aquele que mede o outro pelos títulos que tem. Minha mãe nunca precisou de ensino superior pra assumir seu lugar de provedora e educadora. Meu pai sequer foi matriculado em qualquer nível de ensino. Aprendeu a ler acompanhando jogos da loteria pelo rádio. Apesar das críticas que filho sempre tem, são exemplos de caráter que nenhum diploma jamais atestará.

Por outro lado, não posso deixar de reconhecer o espaço que hoje ocupo, nem aquilo que conquistei. Não por mérito próprio, porque meu esforço foi uma das bases de tudo isso que hoje desfruto. Agradeço a cada professora por quem passei durante a graduação, em especial aquelas que me supervisionaram mais de perto em atividades de estágio: Ana Portela, Ludimila Nunes, e Cláudia Vaz, que me honra com sua presença em minha banca. Aproveito para

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agradecer imensamente a Elsa de Mattos, que lê pela terceira vez o meu trabalho e também compõe minha banca de defesa, em um verão de janeiro soteropolitano. Agradeço também Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira, que se fez presente no Seminário de Qualificação I e Dora Teixeira Diamantino, que contribuiu com meu trabalho no Seminário de Qualificação II. Agradeço a Carla Liane, que iniciou meus passos no caminho da pesquisa acadêmica. Agradeço a Carla Wirz, que me supervisionou em campo no meu primeiro estágio extracurricular. Glória Maria Machado Pimentel, que não deixo de trazer o nome completo, antes supervisora de estágio e hoje colega e eterna chefa, juntos nessa empreitada em defesa da psicologia nas políticas públicas. Vera Edington, que foi um marco na minha trajetória profissional, sendo crucial na minha construção de uma identidade de psicólogo ao me guiar em um campo da psicologia do desenvolvimento que me fisgou de modo certeiro. Por fim, agradeço especialmente a Ana Pellegrini, que me acompanhou durante quatro semestres em um trabalho árduo de conclusão de curso e com quem até hoje escrevo junto e troco figurinhas.

Durante a pós-graduação se firmaram novos vínculos. Foram lançados desafios que eu não imaginava ter que enfrentar. Nesse cenário, o apoio do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos sobre Desenvolvimento e Contextos Culturais (CULTS) foi crucial. Em nossos encontros se estreitam laços, se lançam risadas, mas também se exercita o poder de síntese, a didática, a escrita, e a partir dessas vivências eu tenho me construído como pesquisador. Agradeço imensamente a todas e todos que fazem parte desse coletivo. Virgínia Dazzani, minha orientadora, merece destaque dentre os membros. Ela que me cobra em seu tempo, sem fazer com que as pressões da academia matem meu desejo de produzir. Ela que me dá novos desafios, os quais nem sempre consigo atingir a performance esperada, mas que em muito contribuem com meu aprendizado. Destaco aqui a grande parceira de pesquisa que você é, e que esse coração continue acolhendo as pessoas da forma que me acolheu.

Em 2018, minha vida mudou um pouco mais. Minha irmã (Mirella) casou e foi morar em outro estado. Meus pais, como disse, voltaram para o interior. Sei que eles e o restante da minha família torce por mim e me auxiliam como podem, e por isso sou muito grato, apesar de não ser muito de dizer. Mas esse contexto me deixou pela primeira vez sozinho em Salvador. Até eu entender que nunca estive sozinho. Meus amigos – e até alguns familiares dos amigos – estiveram comigo, seja para tomar uma cerveja no fim de semana e me ouvir reclamar das demandas, seja para passar o tempo jogando conversa fora, ou para me dar IBOPE naquela palestra que eu fui convidado pra ministrar, dentre tantas trivialidades que fazem a gente querer seguir. Vou trazer uns nomes com receio de esquecer de alguém, mas vocês que me amam vão me perdoar: Adriana, Brenda, Erika, Ícaro, Jéssica, João, Larissa, Luci, Mariana, Renan, Sirley,

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Tia Linda, Tico, dentre tantas outras que fazem aquele esforço pra gostar de mim e têm o carinho retribuído.

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que tornou possível a realização desta pesquisa. Também sou grato ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (IPS) e ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia (POSPSI), que acolheram minha proposta de estudo.

Não tenho como deixar de fora os agradecimentos a Valdívia e Márcia, que fazem possível minha atuação na instituição de acolhimento que permitiu que este trabalho existisse. Vocês sabem o valor que têm, independentemente das dificuldades que enfrentam com a política pública. Agradeço também a minha estagiária Naira Bonfim, que logo ficou na torcida por mim, e a minha monitora Ana Vargens, que segue junto comigo se divertindo e enfrentando alguns dragões no trabalho no abrigo.

Encerro aqui com muitos “obrigados” para dar, mas sem saber ao certo para onde direcionar. Tanta gente e tantas instituições fizeram parte da minha formação que fica difícil enumerar. Reitero os agradecimentos a minha família e queria reforçar que, com esse momento marcando mais um ponto no meu caminho para ser o professor que desejo ser, muito me fortalece ouvir do melhor ministro da educação que este país já teve a seguinte frase: Verás que

um professor não foge à luta. E se a luta é para tornar minha nação mais democrática, menos

violenta, menos opressora e mais inclusiva, saibam que dessa luta eu não fugirei.

Pablo Mateus dos Santos Jacinto 15 de dezembro de 2018

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"Nós temos uma nação e nós precisamos defendê-la daqueles que de forma desrespeitosa pretendem usurpar o nosso patrimônio, o patrimônio do povo brasileiro, e entendemos a democracia não apenas no seu ponto de vista formal, embora isso seja muito importante lembrar no Brasil de hoje, são os direitos civis, são os direitos políticos, são os direitos trabalhistas, são os direitos sociais, que estão em jogo neste momento.

[...] Nós temos a responsabilidade de fazer uma oposição colocando os interesses nacionais, o interesse de todo o povo brasileiro, acima de tudo. Porque nós aqui temos um compromisso com a prosperidade desse país, nós que ajudamos a construir a democracia, uma das maiores do mundo, no Brasil, temos que ter um compromisso em mantê-la e não aceitar provocações, e não aceitar ameaças.

Vocês verão que a nação, lembrando o nosso hino nacional, verás que um professor não foge à luta, nem teme quem adora à liberdade a própria morte. Nosso compromisso é um compromisso de vida com este país. Nós temos uma longa trajetória de militância, de vida pública, nós reconhecemos a cidadania em cada brasileiro, em cada brasileira, e nós não vamos deixar esse país para trás. Nós vamos colocá-lo acima de tudo e nós vamos defender os nosso pontos de vista respeitando a democracia, respeitando as instituições, mas sem deixar de colocar o nosso ponto de vista sobre tudo que está em jogo no Brasil a partir de agora. E tem muita coisa em jogo, e nós precisamos compreender o que está em jogo.

Nós temos que fazer uma profissão de fé e que nós vamos continuar a nossa caminhada, conversando com as pessoas, nos reconectando com as bases, nos reconectando com os pobres deste país para retecer um programa de nação que há de sensibilizar mentes e corações deste país. Daqui a quatro anos nós teremos uma nova eleição, nós temos que garantir as instituições. Nós não vamos sair das nossas profissões, dos nossos ofícios, mas não vamos deixar de exercer a nossa cidadania. Nós vamos estar o tempo inteiro exercendo essa cidadania, e talvez o Brasil nunca tenha precisado mais do exercício da cidadania do que agora.

Eu coloco a minha vida à disposição desse país, tenho certeza que falo por milhões de pessoas que colocam o país acima da própria vida, acima do próprio bem-estar. E quero dizer para aqueles que eu, olhando nas ruas deste país, em todas as regiões, eu senti uma angústia e um medo na expressão de muitas pessoas, que às vezes chegavam a soluçar de tanto chorar. Não tenham medo. Nós estaremos aqui. Nós estamos juntos. Nós estaremos de mãos dadas com vocês. Nós abraçaremos a causa de vocês. Contem conosco. Coragem, a vida é feita de coragem. Viva o Brasil! Viva o Brasil!"

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RESUMO

O acolhimento institucional no Brasil é baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e configura-se como uma estratégia estatal de proteção a crianças e adolescentes em situação de risco por violação de direitos. Nas normas do ECA, o acolhimento institucional se configura como uma medida protetiva, que busca amparar os indivíduos em situação de risco e reestabelecer seus direitos violados. Em geral, o público das instituições de acolhimento consiste em crianças e adolescentes que passaram por situações de abandono, violência, negligência e, mais raramente, orfandade. Observa-se que em muitos casos o período de institucionalização se prolonga e, por vezes, os sujeitos institucionalizados completam a maioridade sob essas condições, devendo ser desinstitucionalizados compulsoriamente. Existência de estereótipos negativos, relações interpessoais e institucionais fragilizadas, dentre outros aspectos, podem contribuir com a formação de adolescentes sem preparação ou autonomia para o futuro pós-abrigamento. Nesta pesquisa, buscou-se analisar o processo de construção narrativa das identidades de adolescentes em situação de abrigamento considerando seus posicionamentos diante da possibilidade de desinstitucionalização compulsória por maioridade. A fundamentação teórico-metodológica que embasou esta investigação parte da perspectiva narrativa da psicologia. As identidades, neste enquadre, são dinâmicas e constantemente reelaboradas pelos indivíduos em sua prática social e são acessadas a partir da análise dos posicionamentos que o indivíduo adota ao longo da construção narrativa. Adolescentes que participaram da pesquisa narraram suas trajetórias a partir de uma entrevista narrativa e, através de uma ferramenta nomeada Livro da Vida, desenharam e escreveram de modo mais detalhado temas destacados na primeira entrevista. Foi possível identificar como as adolescentes constroem suas identidades ao longo e através do processo narrativo. Elas apresentam os sentidos de si quando contam histórias sobre suas trajetórias de vida e relação com pessoas e instituições, além da autorreflexão. Percebeu-se que a institucionalização põe as adolescentes em uma complexa rede de relações e vivências que são parte desse contexto, como o contato com o sistema de justiça ou com famílias interessadas em apadrinhamento ou adoção. As adolescentes têm referência umas nas outras e estar em contato com pares parece tornar o processo de abrigamento mais aprazível. Ao perceberem a redução do número de adolescentes na instituição, as meninas entrevistadas passaram a reavaliar sua permanência na instituição. Sustentam para o futuro perspectivas acerca da profissionalização e desejo de serem adotadas. Elas assimilam a condição de institucionalização compreendendo, em certa medida, seus impactos, regras, e desafios, mas sustentam um sentido de si no qual não cabe a desinstitucionalização compulsória por maioridade. Espera-se que haja maiores investigações sobre a temática, em especial diante de um momento histórico de ataque às políticas sociais e ao ECA no intuito de fornecer subsídios que embasem políticas públicas e ações profissionais conscientes dos fenômenos trabalhados e das reverberações de suas intervenções no cenário social e na vida de cada adolescente institucionalizado.

Palavras-chave: Adolescências. Acolhimento institucional. Desinstitucionalização. Identidades. Narrativas.

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ABSTRACT

The institutional sheltering settles, nowadays, as a way of protection to the children and adolescents experiencing risks by violation of rights. In Brazil, it is based on the Child and Adolescent Regulation (ECA), a legal document promulgated in 1990 that guides the policies aimed at this part of the population. In general, the shelters gather children and adolescents that lived actions of abandonment, violence, neglect and, more rarely, orphans. Many children grow old and become adolescents in the institutions, since they could not be adopted along their lives. The existence of negative stereotypes, fragile interpersonal and institutional relationships, and other aspects may contribute to the formation of adolescents without the possibility of a good post-shelter perspective. Therefore, it is important to understand the process of identity constructing in adolescents that experiences an institutionalization, since this experience may impact in their live trajectory. In this sense, this research intended to analyze the process of narrative construction of the identities of adolescents in institutional sheltering and their projects before to the possibility of compulsory deinstitutionalization by reaching the full-age. The theoretical-methodological foundation that supported this study is the narrative perspective of psychology. Identities, in this perspective, are dynamically and constantly reworked by individuals in their social practice and are accessed from the analysis of the positions that the individual adopts throughout the narrative construction. The adolescents who participated in the research narrated their trajectories from a narrative interview and through a tool named Book of Life, in which they drew and wrote in a more detailed way subjects highlighted in the first interview. It was possible to identify how adolescents construct their identities throughout and through the narrative process. They present their selves and identities when telling stories about their life trajectories and relationships with people and institutions, as well as self-reflection that happen along the narration. It was noticed that the institutionalization puts adolescents in a complex network of relationships and experiences that are part of that context, such as contact with the justice system or with families interested in socializing or adoption. The adolescents reference themselves as being in contact with peers, and that seems to make the sheltering process more likable. They hold plans for the future, like professionalization and the strategies to be adopted. They assimilate the condition of institutionalization and understand, to a certain extent, their impacts, rules, and challenges, but they support a sense of self in which compulsory deinstitutionalization by age does not make part of their plans. Finally, it is suggested to be run more research on this subject, especially in view of a historical moment of attack on social policies and the ECA in order to provide subsidies that support public policies and professional actions aware of the phenomena of institutionalization and deinstitutionalization of adolescents.

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LISTA DE FIGURAS

Página

Figura 1 Percurso de busca dos artigos nas bases indexadoras SciELO e LILACS e Portal CAPES

35

Figura 2 Representação dos elementos abordados no processo analítico realizado

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LISTA DE TABELAS

Página Tabela 1 Listagem dos artigos selecionados, com identificação do ano

de publicação, fonte e categoria

35

Tabela 2 Listagem dos qualificadores por Eixo Temático, no nível de posicionamento Eu-Eu – Caso 1: A Veterinária

76

Tabela 3 Listagem dos qualificadores por Eixo Temático, no nível de posicionamento Eu-Outro – Caso 1: A Veterinária

86

Tabela 4 Listagem dos qualificadores por Eixo Temático, no nível de posicionamento Eu-Discurso dominante – Caso 1: A Veterinária

96

Tabela 5 Listagem dos qualificadores por Eixo Temático, no nível de posicionamento Eu-Eu – Caso 2: A Atriz

100

Tabela 6 Listagem dos qualificadores por Eixo Temático, no nível de posicionamento Eu-Outro – Caso 2: A Atriz

110

Tabela 7 Listagem dos qualificadores por Eixo Temático, no nível de posicionamento Eu-Discurso dominante – Caso 2: A Atriz

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CAAE Certificado de Apresentação de Apreciação Ética

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNA Cadastro Nacional de Adoção

CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CNCA Cadastro Nacional e Crianças Acolhidas

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CRAS Centro de Referência em Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializada em Assistência Social ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ET Eixo Temático

FEBEM Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor IFBA Instituto Federal da Bahia

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada PNBEM Política Nacional do Bem-Estar do Menor SAM Serviço de Assistência a Menores

SGD Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente SUAS Sistema Único de Assistência Social

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 17

1 O PARADIGMA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL: UM PERCURSO HISTÓRICO E POLÍTICO ... 21

2 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA EM PSICOLOGIA ... 32

2.1 Resultados e Discussão ... 35

2.2.1 Reinserção familiar ... 38

2.2.2 Adoção ... 41

2.2.3 Desligamento por maioridade ... 43

2.3 Algumas Reflexões Possíveis ... 45

3 NARRATIVAS E CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA: ASPECTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS ... 47

3.1 Identidade e Narrativas ... 47

3.2 Três Dilemas que Envolvem as Identidades ... 51

3.3 Identidade e Posicionamentos ... 56 3.4 Adolescências e Identidades ... 59 4 SOBRE A PESQUISA ... 64 4.1 Justificativa ... 64 4.2 Problema de Pesquisa ... 64 4.3 Objetivos ... 64 4.3.1 Objetivo geral ... 64 4.3.2 Objetivos específicos ... 64 4.4 Métodos ... 65 4.4.1 Delineamento da pesquisa ... 65

4.4.2 Local e contexto de pesquisa ... 65

4.4.3 Participantes ... 67

4.4.4 Instrumentos e materiais ... 67

4.4.4.1 Entrevista narrativa ... 67

4.4.1 Livro da Vida ... 67

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4.5 Aspectos Éticos ... 71

5 ANÁLISE DOS CASOS: A VETERINÁRIA E A ATRIZ ... 73

5.1 Caso 1: A Veterinária ... 73

5.1.2 Posicionamento Eu-Eu ... 76

5.1.2 Posicionamento Eu-Outro ... 86

5.1.3 Posicionamento Eu-Discurso dominante ... 92

5.2 Caso 2: A Atriz ... 99

5.2.1 Posicionamento Eu-Eu ... 100

5.2.2 Posicionamento Eu-Outro ... 110

5.2.3 Posicionamento Eu-Discurso dominante ... 118

5.3 A Veterinária e a Atriz: Algumas Reflexões Sobre os Casos ... 125

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 132

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APRESENTAÇÃO

O acolhimento institucional consiste em uma estratégia adotada pelo Estado no intuito de proteger crianças e adolescentes que se encontram em situação de grave risco, seja por negligência, abandono, violência ou outras formas de violação de direitos.

Dentro da política de Assistência Social, o acolhimento institucional se destaca pela alta complexidade, considerando o fato de que consiste em um modelo de proteção no qual a criança ou adolescente é retirado do contexto familiar de origem e abrigada em uma instituição, na qual permanece até que seja possível uma reinserção familiar ou seja constatada a necessidade de inseri-lo em família substituta através do processo de adoção.

Alguns princípios orientam o acolhimento institucional como, por exemplo a excepcionalidade e brevidade. Entretanto, há casos em que os sujeitos permanecem por longos períodos institucionalizados, muitos atingindo a adolescência dentro da instituição. Ser adolescente e estar em situação de abrigamento traz alguns complicadores diante do direcionamento orientado pelo sistema de justiça. Os processos de adoção tardia, através dos quais famílias buscam crianças mais velhas e adolescentes, são raros e frequentemente esses sujeitos completam a maioridade abrigados, sendo obrigados a saírem compulsoriamente da instituição.

Para além dos problemas concretos a serem enfrentados por adolescentes que estão na iminência de desinstitucionalização compulsória por maioridade, como a busca pela profissionalização, a necessidade de conclusão da escolarização, a procura por habitação e emprego, questiona-se aqui como uma adolescente que vivencia esse processo constrói os sentidos de si. O que envolve a construção identitária de pessoas que experienciam uma situação tão complexa e particular, em um período do desenvolvimento notavelmente marcado por mudanças?

Este trabalho foi disparado através destes e outros questionamentos que emergiram da minha inserção em uma instituição de acolhimento na cidade de Salvador. Desde 2016, acompanho crianças e adolescentes com diversas trajetórias de vida e institucionais. Tenho, com isso, a oportunidade de trabalhar com adolescentes institucionalizadas que estão sempre me ensinando o que é ser alguém nessa condição, dialogando sobre seus embates e suas conquistas.

Em 2017, quando concluí o projeto anterior a esta dissertação, havia um grande quantitativo de adolescentes na instituição na qual atuo. Isso colocava a equipe diante de um desafio: como possibilitar um bom processo de desinstitucionalização? Primeiramente, dialogar

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com as adolescentes sobre seu futuro foi fundamental. Percebi, entretanto, que os discursos sobre o futuro e sobre a saída da instituição nem sempre eram carregados de boas expectativas. Algumas se referenciavam nas várias adolescentes que saíram aos 18 anos e acabaram mantendo contato com a instituição, recebendo apoio desta para conseguir se manter sem o respaldo legal que o Estado oferece às crianças e adolescentes.

Por outro lado, ouvíamos discursos carregado de esperança. Muitos deles na contramão daquilo que a literatura apontava como recorrente nesse público. Pareciam compreender que mereciam um futuro com possibilidades de desenvolvimento que a saída sem preparo da instituição não contemplava.

Surge, então, uma questão de pesquisa que engatilhou este estudo: Como ocorre o

processo de construção narrativa da identidade em adolescentes em situação de acolhimento institucional e qual sua relação com a possibilidade de desinstitucionalização compulsória por maioridade?. Para buscar responder a esse problema, foi organizada uma pesquisa empírica

qualitativa, de cunho idiográfico, através do qual dois casos foram analisados em profundidade. Os casos correspondem às vivências de duas adolescentes da instituição que se interessaram em participar do estudo.

Diante do questionamento apresentado, o objetivo desta pesquisa foi descrever e

analisar o processo de construção narrativa das identidades de adolescentes em situação de abrigamento considerando seus posicionamentos diante da possibilidade de desinstitucionalização compulsória por maioridade. Especificamente, buscou-se entender

como a construção narrativa da identidade dessas adolescentes opera a partir dos posicionamentos que elas adotam perante si mesmas, perante os outros e perante um discurso dominante – no caso, o discurso jurídico sobre a infância e juventude – ao longo da narrativa. Por fim, intentou-se identificar como o processo de construção identitária dessas adolescentes se relaciona com suas expectativas diante da possibilidade de desinstitucionalização compulsória por maioridade.

Esta dissertação foi organizada de modo que fosse possível visibilizar o trajeto institucional das infâncias e adolescências brasileiras ao longo da história, culminando em situações como as encontradas na instituição de acolhimento onde atualmente residem as adolescentes entrevistadas nesta pesquisa.

O Capítulo 1, intitulado O paradigma da institucionalização e desinstitucionalização

de crianças e adolescentes no Brasil: um percurso histórico e político, visa a retomar as práticas

de institucionalização adotadas ao longo do tempo no Brasil. Com isso, é possível perceber como essas práticas se relacionam com os objetivos das hegemonias de cada época, bem como

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os papéis que a infância e adolescência – em especial, pobres – têm ocupado perante o Estado. Ao fim, nesse Capítulo é descrito o panorama jurídico e social acerca das estratégias estatais de defesa dos direitos das crianças e adolescentes que atualmente vigora.

O Capítulo 2, intitulado Acolhimento institucional e desinstitucionalização: uma

revisão sistemática de literatura em psicologia, visa a resgatar, através de uma revisão

sistemática de literatura, publicações dos últimos 15 anos acerca das temáticas que envolvem a desinstitucionalização de crianças e adolescentes em situação de abrigamento. Essa revisão demonstrou que três principais formas de desinstitucionalização têm ganhado ênfase nos estudos sobre o tema: adoção, reinserção familiar e desinstitucionalização compulsória por maioridade. Busca-se, no texto, debater esses resultados e identificar lacunas, em especial, no campo de estudo acerca da desinstitucionalização compulsória por maioridade, foco desta dissertação.

No Capítulo 3, Narrativas e construção identitária: aspectos teórico-conceituais, é traçado um panorama teórico sobre a psicologia em sua abordagem narrativista, com destaque a conceitos centrais que servirão de base para a construção da análise e interpretação dos dados produzidos. Além dos conceitos específicos da abordagem narrativa em psicologia, também são debatidos os conceitos de identidade e adolescência, de modo a especificar a partir de qual embasamento sobre esses aspectos este estudo parte.

O Capítulo 4, intitulado Sobre a pesquisa, traz a descrição deste estudo, apresentando seu delineamento, justificativa, objetivos e aspectos metodológicos. Nesse Capítulo, é descrito o contexto no qual a pesquisa se desenvolveu, dando destaque aos aspectos institucionais. Por fim, são ressaltados os cuidados éticos adotados.

No Capítulo 5, intitulado Análise dos casos: a Veterinária e a Atriz. Esse processo de análise é descrito conforme a estratégia de análise narrativa concernente à abordagem deste estudo. A organização do capítulo consiste na análise individual de cada caso, sendo apresentados campos específicos sobre a investigação orientada pelos níveis de posicionamento do eu na narrativa que embasam esse processo analítico. Ao final do texto, é realizada uma breve síntese acerca de ambos os casos, trazendo alguns pontos que especialmente chamaram atenção por terem ganhado notoriedade no estudo.

Finalmente, nas Considerações Finais, são retomados os conteúdos históricos e teóricos apresentados nos capítulos iniciais da dissertação. Após isso, o processo analítico é traçado, sendo expostos os resultados e as discussões referentes aos casos. São expressas algumas conclusões sobre o trabalho realizado, incluindo sugestões de aprofundamento a serem realizados em estudos anteriores. Por fim, são destacadas as expectativas de contribuição desta

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pesquisa para os campos prático e acadêmico relacionados ao trabalho com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e/ou institucionalização.

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1 O PARADIGMA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL: UM PERCURSO HISTÓRICO E POLÍTICO

O acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Brasil possui uma longa trajetória histórica. A atual regulamentação que rege este público é a Lei No. 8.069, de 13 de julho de 1990, popularizada como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que se sustenta sobre a chamada doutrina da proteção integral, assumindo as crianças e adolescentes como prioritários perante o Estado. O referido documento reconhece o abrigamento como medida de proteção a crianças e adolescentes em situação de risco. Os abrigos, portanto, são definidos como “entidades públicas ou privadas que acolhem crianças e adolescentes em risco social e pessoal, buscando promover os seus direitos e o resgate de suas famílias” (Dias & Silva, 2012, p. 180).

Entretanto, o processo de abrigamento no Brasil já esteve imerso em outras configurações. Seu histórico nos remete ao período colonial, no qual as instituições religiosas, enraizadas na moral cristã de caridade, costumavam receber e cuidar de crianças abandonadas. No século XVI, destaca-se a fundação do Colégio da Bahia, alavancado por padres jesuítas que tinham como objetivo educar crianças segundo a moral cristã (Chambouleyron, 2000). O grande foco eram os povos indígenas, dado o momento no qual a estratégia adotada pela coroa portuguesa era a evangelização. As crianças indígenas desempenhavam um papel crucial nessa estratégia, pois os adultos eram considerados mais difíceis de se submeter completamente aos ensinamentos católicos por já estarem assujeitados a vícios e comportamentos contrários aos ensinamentos de Cristo. Já as crianças eram consideradas tábulas rasas e por isso n representavam a esperança da igreja em desenvolver gerações de seus povos com costumes cristãos. Condenava-se, assim, todos os aspectos ligados às culturas das etnias indígenas brasileiras e a institucionalização operava como motor desse processo. Chambouleyron (2000) também destaca a Casa do Espírito Santo, existente nesse período, que tinha como foco o ensinamento do ofício da tecelagem, o que facilitava a possibilidade da inserção dessas crianças, já crescidas, no modo de vida cristão através do trabalho.

Tal período foi também marcado pelo emprego da roda dos expostos – mecanismo instalado nas paredes de conventos e igrejas no intuito de facilitar o recebimento de recém-nascidos sem necessitar manter contato com as pessoas que os depositavam. As rodas dos

expostos se assemelhavam a prateleiras giratórias que permitiam a troca de itens entre o interior

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e perpetuou-se até a sua extinção definitiva em 1950 (Marcilio, 1997). As crianças recebidas por esse meio eram cuidadas pelos padres e freiras, em instituições religiosas, e além da assistência à subsistência, passavam pelos trâmites religiosos de batismo e iniciação à doutrina católica. Apesar do apoio da igreja e, eventualmente, dos governantes locais, Marcílio (1997) reforça o argumento de que a maioria das crianças deixadas nas rodas dos expostos não chegava à idade adulta, fato recorrente também nas camadas brasileiras de extrema vulnerabilidade ao longo da história.

Atenta-se para o fato de que a institucionalização de crianças indígenas representava, ainda que sob o caráter violento do processo de colonização, uma proposta de educação e expectativa de cuidado relacionado às comunidades indígenas, as quais demandavam aos padres a educação de suas crianças. Por outro lado, a roda dos expostos evidenciava a prática do abandono, que pouco era questionado e tampouco havia estratégias para a sua evitação, ao passo em que condizia com o papel de filantropia preconizado pela igreja católica. O abandono também partia do Estado que, por sua vez, não adotava estratégias de proteção a essas crianças, deixando a cargo das instituições religiosas essa função. Entretanto, Marcílio (1997) salienta que mesmo a roda dos expostos representou um avanço, se contrapondo a formas mais danosas de abandono, como, por exemplo, o despojo de crianças na mata, ou até mesmo nas ruas e portas das igrejas onde, sem proteção, tinham menores chances de sobrevivência.

No período imperial, que se prolonga do início do século XVIII, com a vinda da família real ao Brasil, até o final do mesmo século, com a proclamação da república, reforça-se a criação de instituições confessionais para acolhimento de crianças e adolescentes órfãos, sendo mantido o modelo de educação e rotinas análogas ao claustro religioso (Rizzini & Rizzini, 2004). Intensifica-se, também, a educação profissional no país, lastreado nos interesses da família real, agora habitante do território nacional, e pelo surgimento de uma classe média formada por artesãos, comerciantes, servidores públicos e outras categorias não detentoras de terra (Etchebéhère & Pinto, 2009). Um marco importante é a inauguração das Casas de Educandos

Artífices em algumas das províncias brasileiras. Essas instituições, referência histórica de um

ensino público brasileiro, buscavam formar crianças e adolescentes pobres, órfãos, ou apreendidos por autoridades policiais, ensinando-lhes o básico de cálculo e leitura e, por fim, algum ofício manual (Schueler, 1999). Rizzini e Rizzini (2004) destacam também as instituições militares, como as Companhias de Aprendizes Marinheiros e Escolas/Companhias

de Aprendizes dos Arsenais de Guerra, que adotavam o modelo de internato e costumavam

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Destaca-se que essas instituições tinham como foco a educação de crianças e adolescentes do sexo masculino. Às meninas restava o recolhimento em conventos ou outras instituições religiosas voltadas a crianças órfãs, onde aprendiam trabalhos manuais como corte e costura e demais afazeres domésticos, ou os conventos. Lage (2016, p. 52) evidencia que

A prática de enclausuramento assumiu não só um papel de espaço de devoção, mas também um caráter punitivo contra mulheres infratoras, ou recolhimento de mendigas e pobres, ou ainda das representantes da nobreza e da alta burguesia, especialmente aquelas que não dispunham de proteção masculina ou um dote para o casamento. Conforme os exemplos relatados, o processo de institucionalização da infância e adolescência no Brasil demonstra um intercâmbio entre práticas protetivas e práticas punitivas. Mesmo nas instituições religiosas, como os conventos, ou educacionais, como os internatos - que se potencializaram no século XIX – os aspectos morais que emergiam no contexto de reclusão eram alvo de preocupação por parte de gestores e setores hegemônicos da sociedade. Conceição (2012) revela que as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e da Faculdade de Medicina da Bahia defendidas entre o final do século XIX e início do século XX chamavam atenção para as condições de higiene e de degeneração moral nos ambientes dos internatos brasileiros.

Nesse contexto, entre o período colonial e o início do século XX, proliferaram internatos, reformatórios, escolas de aprendizes artífices e outras instituições cujo foco frequentemente era a educação. Tal estratégia atingia crianças pobres. Porém tais medidas alcançaram também crianças de famílias ricas. Esse quadro se reverte quando, no início do século XX, a juventude pobre se materializa nos textos jurídicos como potencialmente perigosa, o que reordena o modo como o Estado lida com essa problemática. Essa concepção se reforça diante de um contexto pós-abolicionista, no qual a população negra – em especial, a juventude – passa a ser tratada como um risco ao restante da população brasileira (Santos, 2008). A Lei do Ventre Livre, por exemplo, assegurava a liberdade às crianças nascidas de mães escravizadas após 1871, porém não garantia condições de sobrevivência e desenvolvimento na sociedade ainda escravocrata (Martins & Vicenzi, 2013). Essas crianças permaneciam marginalizadas e anteviam o surgimento de uma classe social excluída antes mesmo da promulgação da lei Áurea, pois já gozavam da posição de alforriados, embora permanecessem sem direitos sociais, tal como ocorreria com todos os negros escravizados em 1888.

Diante disso, Rizzini e Rizzini (2004) afirmam que o Brasil desenvolveu paulatinamente uma cultura da institucionalização da infância e adolescência, que é reconfigurada a cada

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período histórico e político. Os interesses do Estado brasileiro e das elites que o conduziram acerca das propostas de institucionalização e dos públicos alvo dessas ações variou conforme o contexto sócio-histórico e em cada momento apresentou um enquadre particular.

A partir do período da primeira república, com intensificação no início do século XX, a adolescência passa a se consolidar com mais firmeza como um problema social de interesse do Estado (Alvares, 2003; Costa, 2012; Perez & Passone, 2010), exigindo modos de intervenção governamental no intuito de evitar problemas sociais relacionados a essa etapa do desenvolvimento humano. Afinal, diante de um ideal republicano, os recursos higienistas serviam para fins de estabelecimento de uma “boa imagem” à nação, e a intervenção às crianças e adolescentes, em especial àquelas que poderiam, segundo a elite burguesa, depreciar o futuro do Brasil, emergia como essencial.

Constata-se assim, uma prática controversa aos escritos da psicologia acerca da adolescência da época que, impulsionado pelos estudos de Hall (1904), buscavam elaborar uma concepção generalista do sujeito adolescente. Por outro lado, as políticas de Estado, no Brasil, respaldavam-se em aspectos peculiares para definir seus públicos, tendo como foco especialmente as condições de pobreza e vulnerabilidade, que caracterizavam os adolescentes que deveriam passar por intervenção das políticas sociais. Isso indica que, apesar de haver um debate científico buscando uma visão universal da adolescência, na prática essa adolescência de características generalizadas e universais não existia no cenário político brasileiro. Em um cenário pós-abolição, pululavam as questões sociais que caracterizavam o adolescente que deveria passar por intervenção estatal, sendo institucionalizado e punido.

A lei que marcou esse período foi o Código de Menores1, cuja primeira versão foi sancionada em 1927, sendo reformulado em 1979 (Lei No. 6.697, de 10 de outubro de 1979)2, com requintes da rígida cultura militar. Esse código não fazia distinção entre crianças e adolescentes autores de atos infracionais e abandonados, sendo outorgado à autoridade judicial o direcionamento a ser tomado para tais sujeitos. Com frequência, esse direcionamento

1 O termo “menor” passa a se consolidar como um significante carregado de significados depreciativos a quem se

apresenta nessa condição. Firmado nos ordenamentos jurídicos, o “menor” representa uma categoria distinta das crianças e adolescentes detentores de direitos, por estar em situação irregular (Coimbra, Bocco & Nascimento, 2005; Lodoño, 1992). O “menor” é menos cidadão, é aquela criança ou adolescente vulnerável, pobre, em situação de rua, aquele que carece da intervenção do Estado, que por vezes é travestida ou explicitada na forma de violência.

2 Alguns autores denominam o período regido pelo primeiro Código de Menores como “Doutrina do Direito Penal

do Menor”, por esta legislação se assemelhar a um código penal, tendo apenas seu perfil de gerência diferenciado (Faraj, Siqueira & Arpini, 2016; Marinho & Galinkin, 2017). Para Rizzini e Rizzini (2004), o segundo Código de Menores inaugura a chamada “Doutrina da Situação Irregular”, por relacionar a característica de irregularidade ao seu público: crianças e adolescentes tidos como desvalidos e infratores (Ciarallo & Almeida, 2009). Entretanto, com frequência os autores enquadram a Doutrina da Situação Irregular nos dois códigos de menores, já que o perfil de atendimento à lei é equivalente em ambos.

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se para instituições generalistas, com públicos inespecíficos, que não respeitavam as condições peculiares de desenvolvimento nem a história de vida dessas pessoas. Assim, adolescentes autores de atos infracionais eram alocados nas mesmas instituições que promoviam acolhimento a crianças e adolescentes em situação de rua, por exemplo, o que dificultava o exercício de uma política com vistas à solução dos problemas particulares de cada circunstância. O Código de Menores de 1927 sugeria a formação de instituições masculinas e femininas e, dentro destas, a divisão de turmas conforme o motivo de internação e a gravidade da prática ou situação vivenciada pelo sujeito.

Destaca-se que, sob a ótica da Doutrina da Situação Irregular, o Estado recorria com maior constância ao afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar. Esta era uma resposta comumente adotada diante de situações de pobreza, pois costumava-se relacionar a falta de recursos materiais da família à falta de condições para promoção de cuidados adequados para os seus descendentes. As famílias eram, portanto, culpabilizadas pelas condições de vulnerabilidade às quais estavam submetidas e, com isso, era desconsiderado seu potencial de cuidado e promoção de desenvolvimento dos filhos. Dias e Silva (2012) salientam que esta cultura da institucionalização ganhou força e ainda hoje repercute nas políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.

Sob a égide do Código de Menores, em consonância com o governo populista de Vargas, em 1941 é fundado o Serviço de Assistência a Menores (SAM). O SAM surge como uma proposta de apoio às crianças e adolescentes em situação irregular (abandonados, desvalidos, infratores, dentre outras denominações comuns nos textos jurídicos da época), porém se configura como uma estratégia punitiva e repressiva, deixando de lado o caráter assistencial (Faraj, Siqueira & Arpini, 2016). Tal inclinação é reforçada em 1944, através do Decreto-Lei Nº 6.865, pelo qual o SAM tem suas competências redefinidas. Esse decreto reafirma que o SAM tem por finalidade prestar aos menores desvalidos e infratores das leis penais, em todo o território nacional, assistência social sob todos os aspectos, explicitando, em seu Art. 2º, como competências:

II - proceder a investigações para fins de internação e ajustamento social de menores; III - proceder ao exame médico-psico-pedagógico dos menores abrigados;

IV - abrigar menores mediante autorização dos Juízos de Menores; (Decreto-Lei Nº 6.865, de 11 de setembro de 1944)

Reitera-se, assim, o compromisso do Estado com a regulação das condutas e condições de vida de crianças e adolescentes em situação “irregular”. Infere-se, também, a causalidade

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dessa situação no próprio sujeito que, através do resultado de exames médicos, psicológicos3 e pedagógicos, pode ter sua institucionalização corroborada. Pesquisas apontam (Rizzini & Rizzini, 2004; Costa, 2012) que mesmo o perfil assistencial do SAM operava fora do padrão, já que o serviço era subvertido – havia casos de “falsos desvalidos” recebendo auxílio do Estado – e utilizado para fins privados, sendo protagonista de inúmeros casos de corrupção que enfraqueceram a política pública. Esse cenário gerou uma decadência paulatina do SAM, que é substituído pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) tão logo se instaura em 1964, através de golpe político, o governo militar.

A FUNABEM, regionalizada como Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM4), emerge com o ideário anticomunista do regime militar e, apesar do discurso da evitação do internamento, intensificam-se as estratégias de repressão. Segundo Rizzini e Rizzini (2004), a FUNABEM reforçou o recolhimento de crianças em situação de rua, chegando ao número de 53 mil crianças recolhidas entre 1967 e 1972, embora não haja clareza sobre as intervenções executadas após esse processo. As autoras sublinham que os dados acerca dessa instituição merecem ser analisados com ressalvas, dado o momento político vigente, e grande parte dos números apresentados nos documentos oficiais carece de confirmação. Como exemplo, Rizzini e Rizzini (2004) apresentam dados publicizados por Mário Altenfelder, primeiro presidente da FUNABEM, que expressam um quantitativo de 83.395 de crianças e adolescentes institucionalizados no Brasil. Destes, 70.348 estão na categoria “órfãos e desvalidos”, o que representava 84,4% do número total existente.

Assim como o SAM, grande parte dos serviços providos pela FUNABEM advinha de convênios entre o Estado e instituições privadas e filantrópicas. Portanto, as instituições de acolhimento (popularmente conhecidos como abrigos ou orfanatos) também sofriam influência do modelo de atuação previsto pela Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), que estabelecia as diretrizes institucionais.

Ao longo da década de 1980, o Brasil passava por fortes lutas em vistas a uma redemocratização. Buscava-se resgatar valores humanitários e políticas sociais que estiveram negligenciados durante o período da ditadura militar. No âmbito da proteção à infância e adolescência, Rizzini e Rizzini (2004) relembram que o processo de institucionalização, em

3 A psicologia é regulamentada como profissão em 1962, tendo dentre suas funções privativas, definidas por lei, a

“solução de problemas de ajustamento” (Lei Nº 4.119, de 27 de agosto de 1962). Tal prática se relaciona com o esperado da profissão nas instituições de proteção aos menores do período.

4 Em texto de autoria oculta da revista Psicologia Ciência e Profissão, critica-se os eufemismos utilizados para

designar as FEBEMs, muitas vezes referidas como “unidades educacionais” ou “terapêuticas”, quando na verdade reproduziam as práticas repressoras dos modelos anteriores (A Palavra da FUNABEM, 1988).

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especial os que limitavam a convivência social dos sujeitos, passa a ser alvo de duras críticas nesse período. Silva (1999) acrescenta que o fenômeno da violência contra os ditos “menores” foi ganhando comoção social e movimentos sociais passaram a questionar o Estado quanto ao seu papel de combater as vulnerabilidades antes de recorrer a mecanismos repressivos. A forma de atuação violenta gerou manifestações populares e rebeliões de meninos internados, além da ampliação de estudos acerca das consequências da institucionalização para crianças e adolescentes no Brasil (Rizzini & Rizzini, 2004).

É nesse contexto que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é promulgado (Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990). Ele traz consigo requintes da nova Constituição Federal, buscando fomentar uma forma descentralizada e participativa de atenção à infância e à adolescência. O Estado se afasta do sistema tutelar e é posto como um sistema garantidor de direitos à infância e adolescência. Desse modo, legalmente as crianças e adolescentes tornam-se prioridade para as políticas sociais brasileiras. De acordo com Kohlrausch (2012), há um movimento de quebra de paradigma no direito e assistência a esse público ao substituir a noção de “menor” pela de “sujeito de direitos”.

Internacionalmente, destaca-se que a consolidação da imagem da criança como sujeito de direitos teve as contribuições da Declaração de Genebra (1923), da Declaração Universal dos Direitos da Criança (UNICEF, 1959), da Convenção dos Direitos da Criança (ONU, 1989) e dos estudos da Sociologia da Infância que reconhecem a infância como um importante estágio de vida e romperam com o paradigma da criança frágil, inocente e dependente do adulto. Na perspectiva da Sociologia da Infância (Delgado & Müller, 2005; Sarmento, 2005; Delgado, Müller & Sarmento, 2006), a imagem da criança é de um sujeito competente que constrói conhecimentos, identidades e cultura e necessita ser considerado como um grupo com direitos específicos de participação. O conceito de direitos para as crianças é ambíguo e limitado em razão da sua situação de dependência em relação a terceiros, da insuficiente capacidade física, psíquica, moral e social para assumir responsabilidades e em razão das mesmas estarem atreladas as responsabilidades, direitos e obrigações dos pais e a responsabilidade do Estado.

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração de Genebra foi ampliada. Discutiu-se, ainda a necessidade da elaboração de uma segunda carta dos direitos da criança que foi concluída em 1959 e adotada pelos 78 estados membros da ONU. Esta Declaração dos Direitos da Criança (UNICEF, 1959) foi o primeiro instrumento internacional que enunciou a criança como sujeito de direitos. A partir da Declaração, surgiu a necessidade de formular uma Convenção das Nações Unidas para os direitos da criança que comprometesse os Estados através de obrigações

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especificas. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e foi ratificada pelo Brasil em 26 de janeiro de 1990, aprovada pelo Decreto legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990, vindo a ser promulgada pelo Decreto presidencial nº 99710 de 21 de novembro de 1990. O conceito de criança como um sujeito social contribuiu para o percurso da construção de direitos que lhe são associados, assim como os movimentos pelos direitos das crianças resultaram do avanço nas ciências sociais e nas políticas de direitos humanos para mulheres e direitos humanos em geral. A individualidade, a personalidade da criança e a imagem de um sujeito ativo que tem o direito de ser consultada, expressar a sua opinião, de tomar decisões em seu benefício são aspectos incorporados na Convenção dos Direitos da Criança que permitiram a construção de políticas públicas para a infância.

Ao passo desses avanços, que afinaram o modo como as políticas públicas para a infância e adolescência passariam a ser construídas no Brasil, o ECA explicita a distinção entre medidas protetivas e medidas socioeducativas e delimita distintas instituições para cada caso. O acolhimento institucional, foco deste estudo, é apresentado como medida protetiva e apenas deve ocorrer em casos excepcionais, passando sempre pelo crivo das autoridades judiciais competentes. Deverão ser mantidos todos os direitos da criança e do adolescente institucionalizados, dentre eles o direito à convivência familiar e comunitária. A destituição do poder familiar e alocação da criança ou adolescente em família substituta torna-se um processo complexo que só deve ocorrer após todas as outras possibilidades serem esgotadas. Ou seja, antes de uma criança ou adolescente estar disponível para adoção, as equipes técnicas das instituições jurídicas e assistenciais deverão avaliar se há condições de reinserção na família de origem, ou na família extensa. Não havendo essa possibilidade, a autoridade judicial pode recorrer a uma família substituta previamente habilitada para adoção que acolha a criança ou adolescente. Mesmo o acolhimento institucional emerge como último recurso, quando não há possibilidade de recorrer ao acolhimento familiar, embora este não seja predominante5.

Apesar da proposta de não institucionalização, observa-se um crescimento no quantitativo de instituições de acolhimento no início dos anos 2000. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2003 havia no Brasil 589 instituições de acolhimento para crianças e adolescentes (Silva & Mello, 2004). A maior parte delas, de cunho

5O Censo do Sistema Único da Assistência Social (Censo Suas), realizado em 2016, revelou que os serviços de

Família Acolhedora estão presentes em 522 municípios, com 2.341 famílias brasileiras habilitadas para realizar esse acolhimento. Entretanto, ao todo apenas 1.837 crianças e adolescentes estavam sendo acolhidas por esse serviço (http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/vigilancia/index2.php recuperado em 15, agosto, 2018).

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não governamental (65,0%), muitas com inclinação confessional. Atualmente, segundo o

Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), há precisamente 4.415 entidades de

acolhimento no Brasil, sendo 110 na Bahia (http://www.cnj.jus.br/cnca/publico/, recuperado em 15, agosto, 2018). Dentre as possíveis explicações para a ampliação da quantidade de instituições de acolhimento está o fortalecimento da política de Assistência Social, com a tipificação dos serviços socioassistenciais (CNAS, 2009) que define um limite de 20 crianças acolhidas por instituição, a qual deve se assemelhar ao máximo às casas regulares e não destoar da comunidade, evitando estigmas e massificação do cuidado.

Um quadro semelhante de crescimento é observado no quantitativo de crianças e adolescentes acolhidos. Em 2003, o levantamento do IPEA indicou 19.373 crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional (Silva, 2004). Atualmente, de acordo com dados coletados no CNCA, em julho de 2018, há um total de 47.766 crianças e adolescentes em acolhimento institucional no Brasil. Deste quantitativo, 23.175 do sexo feminino e 24.591 do sexo masculino. Analisando o perfil de sujeitos acolhidos, a idade merece destaque. Do total, 15.107 estão na faixa entre 12 e 17 anos, o que corresponde a aproximadamente 31,6% dessa população, representando um significativo quantitativo de adolescentes institucionalizados.

Isso prognostica um desafio para a política pública em questão, pois a faixa etária da adolescência constitui um fator relacionado à diminuição da possibilidade de adoção (Bicca, & Grzybowski, 2014; Camargo, 2005; Puretz & Luiz, 2007). Esse fenômeno coaduna com o perfil preterido pelas famílias habilitadas para adoção no Brasil, que se refere a crianças brancas, sem problemas de saúde, sem irmãos, e de preferência bebês (Mariano & Rosetti-Ferreira, 2008; Silva, Cavalcante & Dell'Aglio, 2016).

Embora a quantidade de crianças e adolescentes acolhidas não tenha crescido na mesma proporção da quantidade de instituições de acolhimento, este número ainda é expressivo. Pode-se atribuir tal crescimento também ao dePode-senvolvimento das políticas socioassitenciais e fortalecimento dos conselhos tutelares, que ganharam ênfase nas últimas décadas. Assim, vulnerabilidades antes invisibilizadas foram identificadas com o trabalho exercido pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Por outro lado, o grande número de institucionalização de crianças e adolescentes revela uma falha do Estado em solucionar a violação de direitos a este público ainda em contexto familiar e comunitário.

Com o ECA, o debate acerca da institucionalização e seus efeitos ganha corpo e poder de lei. Não apenas a privação de liberdade, mas a submissão da vida a uma lógica institucional distante do contexto familiar também é considerada inadequada para um desenvolvimento

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saudável. Isto se materializa no Estatuto que admite apenas em último caso a institucionalização, seja em instituição de acolhimento, seja em unidade de medida socioeducativa.

Em 2017, houve uma atualização do ECA reduzindo o período máximo de institucionalização de crianças e adolescentes em programas de acolhimento institucional de dois anos (previsto no texto original do estatuto) para 18 meses, salvo quando a autoridade judicial julgar necessário seu prolongamento (Lei Nº 13.509, de 22 de novembro de 2017). O abrigamento deve, portanto, ser transitório. Entretanto, a quantidade de adolescentes abrigados revela que ainda há muitos indivíduos que passaram grande parte de suas vidas nessa situação. Gomide (1998) acentua em seus estudos os efeitos que a institucionalização prolongada pode acarretar às crianças e adolescentes que cresceram em instituições de abrigamento. Dentre eles, destacam-se a baixa autoestima e a limitação nas aspirações e perspectivas. Nas entrevistas com adolescentes abrigados, notou-se que “quando falavam em ganhar dinheiro, referiam-se apenas ao suficiente para suprir suas necessidades básicas e ajudar a família; suas aspirações profissionais concentravam-se em profissões que requeriam pouca ou nenhuma escolarização” (Gomide, 1998, p. 28). Para Cavalcante, Silva e Magalhães (2010), a institucionalização é apontada como promotora de riscos psicossociais por: a) segregar a criança ou adolescente do contexto comunitário e familiar de origem, muitas vezes confinando-a e dificultando as interações sociais; b) massificar os cuidados, dificultando uma aproximação mais íntima e afetuosa entre profissionais e sujeitos acolhidos e; c) fragilizar as bases de desenvolvimento infantil, comprometendo capacidades físicas, sociais e afetivas, principalmente quando o período de abrigamento se prolonga.

Ademais, nos casos de acolhimento institucional, as vivências de constante formação e rompimento de vínculo promovidas pelos programas empregados visando à adoção e ao apadrinhamento afetivo também apresentam reflexos nas crianças e adolescentes acolhidos. Justifica-se, com isso, a exigência de uma equipe mínima de atuação nessas instituições que inclui psicólogo e assistente social, conforme aponta a normativa do Sistema Único de

Assistência Social (SUAS).6

Cabe lembrar que o debate sobre desinstitucionalização toma fôlego no contexto da reforma psiquiátrica, que se inicia mundialmente na década de 1970 e no Brasil ganha força na década de 1980 (Hirdes, 2009). Anteriormente ao boom do movimento antimanicomial, a

6 Segundo a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB-RH/SUAS), a equipe técnica de

referência para atendimento psicossocial que compõe a instituição de acolhimento deve conter, no mínimo, um psicólogo e um assistente social para cada 20 crianças e ou adolescentes acolhidos (Brasil, 2010).

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desinstitucionalização se referia basicamente ao processo de saída do ambiente asilar. Entretanto, conforme pontua Figueiró (2012), paulatinamente a desinstitucionalização passou a ser vista como um processo mais complexo, que visava não só à retirada do sujeito da condição de interno, mas estaria atrelada a uma estratégia de construção de autonomia que permitiria um desenvolvimento mais sadio àquelas pessoas que estavam há muito tempo institucionalizadas. De modo análogo, o desligamento de adolescentes que completam a maioridade não resume o processo de desinstitucionalização. Este deve ocorrer a partir de estratégias que preparem os adolescentes que passaram longos períodos institucionalizados para se desenvolverem em sociedade, agora sem tutela do Estado.

Destaca-se que as instituições de acolhimento voltadas para a assistência a crianças e adolescentes no Brasil não se propõem a institucionalizar por longos períodos, tal qual os hospitais psiquiátricos o faziam anteriormente à reforma psiquiátrica. Entretanto, a condição peculiar do desenvolvimento – conceito mencionado no ECA – convoca o Estado a buscar formas de atuação mais ágeis, já que o tempo cronológico de institucionalização pode trazer efeitos diversos a crianças e adolescentes quando comparados com a institucionalização de adultos. Então, as ações que visem ao desenvolvimento da autonomia desses sujeitos devem ser prioritárias na política pública em questão, que deve evitar ao máximo a institucionalização de crianças e adolescentes e reduzir seus possíveis efeitos adversos.

Diante da amplitude da situação, diversos estudos têm sido realizados em âmbito nacional, voltando-se a variados tópicos associados ao abrigamento, dentre eles, a desinstitucionalização. Neste contexto, é importante acessar tais estudos e compreender o panorama que eles esboçam, no sentido de identificar suas principais lacunas e promover futuras investigações.

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2 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA EM PSICOLOGIA

Esta revisão teve como objetivo compreender como o processo de desinstitucionalização permeia a trajetória de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional no Brasil através das lentes da psicologia. Optou-se por realizar uma Revisão Sistemática (RS) de literatura a partir do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e das bases indexadas SciELO e LILACS, no campo de pesquisa por assuntos. A escolha pelas referidas bases de dados se deu devido à extensa amostra de estudos indexados, bem como na confiabilidade acerca dos critérios de indexação adotados pelos instrumentos bibliográficos então utilizados.

Cabe referir que o processo de constituição do estudo ora apresentado foi composto por algumas etapas, a saber: a) elaboração de pergunta norteadora: “como o processo de desinstitucionalização permeia a trajetória de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional no Brasil?”; b) busca e imersão na literatura específica; c) coleta de dados a partir da seleção de artigos pertinentes; d) análise crítica dos estudos incluídos, obedecendo aos critérios de inclusão e exclusão apresentados nesta seção e orientados a partir do problema de pesquisa; e) apresentação dos resultados a partir da proposição e definição de categorias; f) discussão dos resultados encontrados e, por fim; g) proposição de algumas considerações a partir do panorama então acessado.

Dito isto, é importante sublinhar que a revisão sistemática de literatura diz respeito a um método cujo principal objetivo é a maximização do potencial de uma busca. De acordo com Fernández-Ríos e Buela-Casal (2009 citado por Koller, Couto & Hohendorff, 2014), o resultado de uma revisão sistemática de literatura não se restringe meramente a uma relação cronológica ou de uma exposição linear e descritiva acerca de determinada temática. Trata-se, essencialmente, da construção de um posicionamento reflexivo diante dos estudos acessados e da organização verificada em tais proposições científicas, então identificadas a partir da metodologia empregada.

Esta etapa do estudo possibilitou a compreensão acerca de como o panorama científico em psicologia se organiza em torno do tema da desinstitucionalização de crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional, identificando assim os principais autores e os principais tópicos abordados acerca da temática. Após pesquisa prévia no portal da CAPES e nas bases de dados SciELO e LILACS, foram elencados cinco descritores que propiciaram

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um maior refinamento de resultados. Os descritores elencados foram: abrigamento7, desabrigamento, institucionalização, acolhimento institucional e adoção. Destaca-se que os resultados foram filtrados dentro do período de 2003 e 2018, buscando uma faixa dos últimos 15 anos a qual julgou-se representativa para a pesquisa. De modo a explorar da melhor forma os recursos do portal, cada descritor foi composto de forma particular, no intuito de agregar os resultados mais pertinentes.

Em última filtragem, a partir da checagem dos resumos, foram excluídos os artigos que não correspondem à temática de acolhimento institucional de crianças e adolescentes. Em consonância com o método proposto, os critérios de inclusão foram: (1) o trabalho estar publicado em formato de artigo; (2) estar indexado na plataforma CAPES ou estar disponível nas plataformas SciELO e LILACS; (3) ter sido publicado entre 2003 e 2018; (4) referir-se à realidade brasileira; (5) estar contido no tópico “psicologia”, na base de dados, ser publicado em uma revista de psicologia, ou ter a psicologia como referencial teórico-metodológico no texto; e (6) ser referente à temática da desinstitucionalização da criança e/ou adolescente em instituição de acolhimento.

Utilizou-se, como critério de exclusão, além do texto não estar enquadrado nos parâmetros acima descritos: o artigo estar relacionado ao abrigamento de mulheres em situação de violência, idosos, pessoas com deficiência, dentre outros públicos que não crianças e adolescentes. Isto foi necessário devido à amplitude de representações do descritor “abrigamento”, pois este termo é aplicado a diversas modalidades de acolhimento institucional. Cabe ressaltar que a escolha por estudos que estivessem configurados dentro da realidade brasileira se justifica pela necessidade de imersão no campo científico específico acerca da situação de abrigamento em contexto brasileiro, visto que trata-se de um processo particular dentro dos parâmetros sociais e legais adotados no Brasil.

No sistema de busca do Portal de Periódicos CAPES, o descritor “abrigamento” incluiu os termos “abrigado”, “abrigada” e “abrigamento”; o descritor “desabrigamento” incluiu os termos “desabrigamento”, “desinstitucionalização” e “desligamento e maioridade”; o descritor “institucionalização” conteve os termos “institucionalização e acolhimento”; o descritor “acolhimento institucional” conteve o termo “desacolhimento”; e o descritor “adoção” incluiu os termos “abrigo e adoção” e “adoção e abrigamento”. No fim, a busca foi realizada a partir

7 O termo “abrigamento” foi substituído por “acolhimento institucional” a partir da conhecida Lei da Adoção (Lei

No. 12.010, de 3 de agosto de 2009). Por ser relativamente recente, muitos textos acadêmicos abordam a questão

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