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A comunicação como processo: o “ato de ler” uma revista impressa dentro de uma dada conjuntura histórica

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A comunicação como processo: o “ato

de ler” uma revista impressa dentro de

uma dada conjuntura histórica

Nicole Kollross

Professora substituta no curso de Comunicação Social - habilitação em Relações Públicas – UFPR Doutoranda do programa de pós-graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP

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assim, enquanto veículo que é, tanto “padrão de interação”, quanto objeto. Tem por objetivo geral apresentar algumas noções básicas, que reiteram a importância de considerar a conjuntura sociocultural histórico-política da mídia e, consequentemente, dos processos comunicativos relacionados a ela. Assume como pressuposto que deve-se ir além de uma pesquisa com “natureza presentista”, muitas vezes entendida como “inerente” à área, e que a interação com a própria revista, também deve ser abordada a partir das suas potencialidades de experiências estéticas.

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Introdução

As pesquisas na área da comunicação, e até mesmo o próprio processo comunicativo, devem ser repensados. Há uma tendência de pensar a comunicação a partir de uma “natureza presentista”, desconsiderando que algumas

de suas principais características são a dinamicidade e o forte vínculo com uma dada conjuntura sociocultural história-política.

Para tanto, o presente artigo começa debatendo a metodologia científica na área da comunicação, em seus princípios mais elementares. A partir disto, traça um rápido paralelo com as ciências sociais (também entendidas como “dadas” e “instrumentais”), por ajudarem a entender “aonde” a própria comunicação acontece.

São elaboradas, então, as principais características da revista impressa, usada como um exemplo de mídia que deve ser pesquisado a partir das noções que foram até então apresentadas. Tanto a partir de seu forte vínculo com uma dada conjuntura sociocultural histórico-política, quanto como um “padrão de interação” e objeto que,

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potencialmente, pode fazer os seus leitores terem experiências estéticas.

1 A pesquisa na área da comunicação

Ao ser entendida apenas a partir de seu valor “instrumental”, a comunicação é abordada como se fosse algo “dado”, e não em ininterrupto processo de “vir a ser”. Em uma metáfora aproximada, os “objetos” da área são pesquisados como se fossem estáveis e, assim, passíveis de serem “capturados” através de uma fotografia. Porém, por serem instáveis, seria mais indicado que a sua “captura” se desse através de um vídeo, através do qual seu movimento (em que ele realmente se manifesta) pudesse ser pesquisado. Assim, superaríamos a atual “natureza presentista” da

área, na qual

[...] o presente transforma-se no lugar natural da reflexão dos processos comunicacionais. É como se apenas o presente comportasse o ato comunicacional. Mas o que é objeto da reflexão da comunicação não é apenas o presente: deve ser o presente encharcado

das práticas de comunicação. O que é objeto da comunicação são processos comunicacionais. E como pensar processos sem pensar em relação temporal? (BARBOSA1, 2012, p. 146).

Tal foco na comunicação como algo “parado” e não em “movimento”, em alguns aspectos superficial, pode ter relação com a maneira como a própria “sociedade” é entendida. Na área de ciências sociais, em um paralelo interessante com a de comunicação, há uma abordagem na qual a sua noção de social também “pode ser usada como um tipo de causalidade para explicar os aspectos residuais que escapam a outros domínios” (LATOUR2,

2012). Isto é, também pode ter um valor “instrumental”, sendo apenas uma “base” para as outras áreas.

Assim, a relação da comunicação com as demais áreas deve ser revisada, para que ela não tenha mais apenas um valor “instrumental”, como “base” para as outras, como algo “dado”. Para tanto, é necessário “adotar uma inversão programática” (BRAGA3, 2011, p.

76, grifo do autor), na qual a comunicação passa a ser entendida como o próprio “centro” da área, a partir de seus processos interacionais. Tal foco, então, está

1 Professora da Graduação em Jornalismo Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutora em Comunicação, e doutora em História. Diretora científica da INTERCOM (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), e presidente da ALCAR (Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia).

2 “Um dos fundadores dos chamados Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT), ou social studies in Science. Sua principal contribuição teórica é – ao lado de outros autores como Michel Callon e John Law – o desenvolvimento da ANT, ou o Actor-Network Theory (Teoria Ator-Rede)”. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Bruno_Latour>. Acesso em: ago. 2013. 18 ago. 2013.

3 Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), doutor em Comunicação pela Université de Paris II, Institut Français de Presse (1984) e mestre em Educação pela Florida State University.

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de acordo com a uma das necessárias “fonte[s] de incerteza: [na qual] não há grupos, apenas formação de grupos [que] é um processo sem fim, constituído por laços incertos, frágeis, controvertidos e mutáveis” (LATOUR, 2011).

Noutras palavras, os grupos não são “realidades constituídas” ou estáveis, mas sim dinâmicos, e estão sempre sendo feitos/desfeitos. Tudo se dá através das interações entre os indivíduos, e das associações que estes podem ou não fazer. Tal processo, com isto, demanda

[...] a previsão de um “lugar” epistêmico de ocorrência dos episódios comunicacionais, em que os diversos elementos sociais, heterogêneos, se articulam e tensionam [sic], segundo determinados sistemas de relações, em função mesmo dos objetivos comunicacionais da sociedade e seus setores. Denominamos esse ambiente de “dispositivos interacionais”. São socialmente elaborados – e naturalmente trazem para a interação as dinâmicas e linhas de causalidade das diferentes regularidades sociais (BRAGA, 2011, p. 76).

Então o “lugar” em que “há” a comunicação, ou “em que” os indivíduos interagem (ou se associam), pode ser entendido como estando em “determinadas maneiras de relacionar-se”, manifestas nos próprios objetos. Tal “organização”, não custa reiterar, pode se dar através dos próprios objetos, os quais manifestam alguns padrões de interação, que

organizam a comunicação e fortalecem/enfraquecem as associações. É interessante, porém, que este reconhecimento da importância da “materialidade” na comunicação (ou mesmo nas ciências sociais) não é “novo”.

Novo é o fato de os objetos surgirem de súbito não apenas como atores completos, mas também como aquilo que explica a paisagem variegada pela qual começamos, os poderes supremos da sociedade, as notórias assimetrias, o rude exercício do poder (LATOUR, 2011).

Isto é, os indivíduos e os objetos (com os quais estes se relacionam) são paralelos, passam a ter uma importância “equivalente” em todo o processo. Compõem, assim, parte da noção dupla de “ator-rede”. Porém, vale a pena ressaltar, são obrigatoriamente interdependentes entre si, pois um “curso de ação raramente consiste de conexões entre humanos (para as quais, de resto, as habilidades sociais básicas seriam suficientes) ou entre objetos, mas, com muito maior probabilidade, ziguezagueia entre umas e outras” (LATOUR, 2011, grifo nosso).

O ato de se comunicar é, em resumo, o de interagir com outros indivíduos, associando-se com eles através de alguns padrões de interação (organizadores do processo) que podem se manifestar, também, em objetos. A partir desta noção, a comunicação deve ser

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o próprio “centro” da área (a partir de seus processos interacionais) os quais tem relação com o passado e são um ininterrupto processo de “vir a ser”.

Um exemplo válido de processo comunicacional, que se relaciona com o que foi citado até então, é o que se dá através de uma mídia impressa, em específico a revista. Esta pode ser entendida tanto como um padrão de interação, quanto a manifestação – deste – em um objeto. Ao ir além da “natureza presentista” (já citada anteriormente),

deve ser buscada a sua “processualidade”. Assim, em ambos os casos (padrão de interação e objeto), necessariamente haverá de ser considerada a sua conjuntura sociocultural histórico-política, por exemplo.

Inclusive, a partir de uma de suas principais características enquanto meio: o amplo uso de imagens (gravuras e fotografias). Este foi, aliás, uma das bases para o seu desdobramento do jornal, em que efetivamente se deu a sua “origem”. Para tanto, há de ser considerada a conjuntura em que tal processo se dá, que pode ser remetida à “Primeira República (1889-1930) [em que] observa-se o início da implantação da moderna comunicação de massa no país [quando] as revistas desempenharam papel estratégico. E, dentro delas, as imagens ocupavam lugar preponderante (BARBOSA, 2013, p. 189).

A Revista Impressa

É apenas na implementação efetiva da comunicação de massa no Brasil (aproximadamente, na Primeira República, de 1889 a 1930), que a produção de revistas impressas passa a ser mais mercadológica (tendo por objetivo explícito o lucro). Haviam muitas iniciativas individuais, com motivações específicas, que duravam poucas edições (ou mesmo, apenas uma). Assim, é neste período que se dá o “surgimento das revistas semanais, que passaram a incluir projetos políticos e culturais de intelectuais, que viam nessas publicações a possibilidade de tornar-se conhecido e participar mais de perto da dinâmica do mercado editorial (BARBOSA, 2013, p. 189).

Vale a pena ressaltar que, desde então, a revista impressa é um veículo midiático produzido para ser lido de maneira diferenciada (específica em sua espaço-temporalidade), o que pode levar a uma vivência de leitura característica. Tanto que esta é entendida como estando dentro de um jornalismo específico, o “de revista” ou, mais recentemente, o “revistativo”.

A ideia de um jornalismo “revistativo”, outra tipologia, mais que caracterizar esse tipo de jornalismo, visa a problematizar, também, algumas questões a serem tratadas na pesquisa. O “revistativo”, como adjetivação que diria de uma qualidade própria do jornalismo

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que “é” de revista, bem como apontaria para, do ponto de vista dos meios de comunicação e do jornalismo, o significado do “ser revista”, reivindicando a este meio uma singularidade. Dessa forma, não negamos a concepção de uma jornalismo de revista (expressão corrente para definir o jornalismo para o qual nos voltamos), mas buscamos, pelo “novo termo”, somar a ele algumas particularidades (TAVARES, 2011, p. 64)

Ao buscar mais persuadir que informar, de uma maneira mais lenta que rápida – são mais informais e intimistas, diferentes da “formalidade” e do distanciamento propostos no jornal, por exemplo – as revistas impressas “cobrem funções culturais mais complexas que a simples transmissão de notícias. Entretêm, trazem análise, reflexão, concentração e experiência de leitura” (SCALZO, 2011, p. 13). Tanto que, por suas principais características, é um objeto de pesquisa riquíssimo em informações, pois contém em si uma espécie de “depuração” do que há na mídia massiva, cujos veículos e públicos tendem a ser menos segmentados. Em alguma medida,

[...] revistas representam épocas (e – por que não? – erigem e sustentam mitos. Sendo assim, só funcionam em perfeita sintonia com seu tempo. Por isso, dá para compreender muito da história e da cultura de uma país conhecendo suas revistas. Ali estão os hábitos, as modas, os personagens de cada período, os assuntos que mobilizaram grupos de pessoas (SCALZO, 2011, p. 16).

Inclusive com a progressiva disseminação do uso

da internet, e sua consequente absorção e adaptação

de todas os outros veículos (massivos, segmentados ou de nicho), fica ainda mais explícito aquilo que a revista impressa tem de inerente em si: mobilidade através de seu formato, qualidade de texto (escrita) e imagem (figura, gravuras e fotografias), durabilidade e periodicidade (semanal, quinzenal ou mensal). Em específico sobre o amplo uso de imagens, já citado anteriormente, vale a pena ressaltar a “anedota” que

[...] foi somente a partir do início do século XX que a fotografia passou a fazer parte da imprensa de maneira mais ampla. E ainda que o marco inaugural da publicação da fotografia de maneira direta nos periódicos seja, no caso brasileiro, impreciso, Louzada (2009) e Andrade (2004) atribuem a inovação à Galeria Contemporânea do Brasil, editada no Rio de Janeiro pelo impressor belga Henrique Lombaerts: “seria um retrato de Machado de Assis feito pelo conceituado fotógrafo Insley Pacheco e impresso por fototipia (BARBOSA, 2013, p. 187).

Cabe, inclusive pelo seu amplo uso de imagens (dentre outras, de suas principais características), buscar um melhor entendimento sobre o próprio “ato de ler” uma revista impressa, e como ele se deu a partir de seu amadurecimento enquanto veículo. Ao ver a leitura como um processo, há algumas variáveis importantes que devem, necessariamente, ser consideradas. São os outros planos do “ato de ler” uma revista, enquanto

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potencial vivência de leitura característica. Estes, aliás, estão previstos no neologismo “revistação”, termo criado especificamente para englobar a sua complexidade.

Assim, a ideia de uma “revistação”, aqui proposta, busca abordar esse liame processual, partindo da revista como um objeto empírico e como objeto de estudo. É verdade que há para a construção de tal conceituação uma série de possibilidades teóricas, principalmente aquelas utilizadas com frequência nas pesquisas da área e sobre as quais nos referíamos acima. Pode-se realizar uma investigação editorial pelo discurso, pelas marcas institucionais, pela linguagem, pelas marcas sociais, para citar aqui alguns exemplos (TAVARES, 2011, p. 45).

Em seu formato, conteúdo (texto e imagem) e periodicidade, as revistas impressas se distanciam gradativamente dos jornais – em suas versões impressas e/ou digitais – e se aproximam dos livros. Inclusive no que propõem como vivência tida, a partir do “ato de ler”. É a dita “tocabilidade”, cada vez mais vista como um diferencial no relacionamento (ou na apropriação, a partir do ler, escutar, ver, etc.) com os veículos midiáticos.

Hoje em dia, num ambiente cultural que nos faz perder cada vez mais o contato com a materialidade das coisas, apreciamos, enquanto conteúdo da experiência estética, a impressão de uma oscilação entre efeitos de significação e efeitos de presença, entre os

conceitos e as funções que associamos aos objetos, por um lado, e sua tocabilidade [assim] estamos dispostos a aceitar qualquer objeto cotidiano como um objeto de experiência estética – mesmo se não nos esquecemos completamente da ideia de que certos objetos são feitos e, por isso, especificamente aptos a desencadear a experiência estética (GUMBRECHT, 2006, p. 54-55, grifos nossos).

Elas passaram a ter a prerrogativa de ser um veículo midiático que busca, em comparação com muitos outros, proporcionar uma experiência estética diferenciada. Para melhor entender este processo, vale a pena reiterar que as revista impressas podem ser vistas, principalmente, como produtos que alternam entre efeitos de significação e de presença.

O primeiros acontece quando a relação com o mundo se dá por abstrações mentais, geralmente redutoras e instrumentais. Por exemplo, quando através de escritos e figuras, o leitor “revisa mentalmente” tudo o que já “sabia”. Estas informações vão de encontro (em oposição) com um repertório prévio. Esta relação entre saberes “velhos” e “novos” – ou mesmo os “efeitos da experiência estética”, sobre o “conteúdo da experiência estética” – faz com que haja “uma oscilação entre os momentos em que procuro voltar ao normal, me atenho ao conceito familiar e a tudo que sei” (GUMBRECHT, 2006, p. 56).

Isto é, passa a ter um “antes” e um “depois”, a partir de uma determinada vivência (esta, sendo uma

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experiência estética). Tal processo também acontece com o segundo, o efeito de presença, que nada mais é que um “efeito de tangibilidade que surge com as materialidades de comunicação [e que] é também um efeito em movimento permanente” (GUMBRECHT, 2010, p. 38).

Ou seja, a relação com o mundo – inclusive por meio dos veículos midiáticos, como a revista impressa – não se dá apenas “mentalmente”, mas também “corporalmente”. O “ato de ler” é também com o “corpo” do leitor, e não apenas com a sua “mente”, pois é dele que “derivam as cadências dos sentidos e a orientação dos processos interacionais em que se assenta toda a apreensão conjunta (compreensão) de aspectos do real e da vida. A partir dele, e com ele, se aliam as dimensões sensível e cognitiva” (CAETANO, 2011, p. 17).

Assim, na própria produção das revistas impressas há a busca de fazer com que a leitura seja uma experiência estética, a partir da alternação entre os efeitos (de sentido e de presença), e também com o reconhecimento da importância da “produção de presença”

Em outras palavras, falar de “produção de presença” implica que o efeito de tangibilidade (espacial) surgido com os meios de comunicação está sujeito, no espaço, a movimentos de maior ou menor proximidade e de maior ou menor intensidade. Pode ser

mais ou menos banal observar que qualquer forma de comunicação implica tal produção de presença; que qualquer forma de comunicação, com seus elementos materiais, “tocará” os corpos das pessoas que estão em comunicação de modos específicos e variados (GUMBRECHT, 2010, p. 38-39, grifo nosso).

O “toque”, ou a mútua afetação por meio da materialidade, pressupõe que o leitor e a revista impressa são, assim, “mais próximos” (do que era até então entendido) no “ato de ler”. Não podem mais ser vistos como independentes entre si, mas sim mutualmente “motivados”, de maneira unitária e em ininterrupta “retroalimentação”. Um exemplo, que descreve este processo, é que no final do século XIX há

[...] também no Brasil a proliferação de uma série de instrumentos que transformaram modos de comunicação e participaram da criação gradual do público e do espectador. Se inicialmente litografias, fotografias, cosmoramas, diagramas, estereotipias e finalmente cinematógrafos iam construindo um público capaz de observar o mundo enquanto se percebia dentro ou fora dele, outros aparatos tecnológicos mudavam a forma de ver este mundo e se relacionar com ele (BARBOSA, 2013, p. 191).

Seria a superação do “paradigma sujeito/objeto”, com o entendimento de que a relação entre eles se dá de maneira imanente, através da corporeidade e dos sentidos. Tal é o processo da “contaminação mútua”

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(LANDOWISKI, 2004, p. 137 apud CAETANO,

2011, p. 17), muito relacionado com os “efeitos de presença” dentro da experiência estética. Estes podem ser de três tipos: 1º como “interrupção do cotidiano [ou] 2º surgindo da adaptação máxima de objetos à sua função [ou ainda] 3º resultando da mudança do quadro situacional” (GUMBRECHT, 2006, p. 52).

Isto é, através da 1º ruptura, da 2º progressão, ou da 3º “mudança pré-consciente de plano” que faz algo passar a ser “estético” (processo também entendido como “despadronização”). O primeiro tipo é uma espécie de estranhamento, que se dá de maneira repentina e surpreendente, e que é consequência de um tipo de “imposição” no hábito. Noutras palavras, é uma

[...] quebra da rotina, na sua ruptura. Ela deve ser balizada, podendo manifestar-se seja sob a forma de uma implosão, como uma fratura estética, independente da vontade do sujeito, embora submetida obviamente a uma certa competência para o sensível (CAETANO, 2011, p. 18).

Na leitura de uma revista impressa, poderia ser o estranhamento de algumas de suas características, por exemplo, o seu peso, ou a textura de suas folhas, ou mesmo o seu cheiro. Seria tudo aquilo em sua materialidade que, ao ser tocada, se impusesse ao

leitor e o fizesse ter uma experiência estética. Isto é, que ele fosse afetado com a sua “produção de presença”.

Quando a “experiência estética é uma interrupção inesperada no fluxo do cotidiano [...] um objeto que durante muito tempo nos foi familiar, de repente e sem qualquer motivo visível, ganha uma aparência estranha ou causa um sentimento de estranheza [e] esses momentos de estranhamento se impõem no fluxo de minha experiência e das minhas atividades cotidianas; nunca são bem-vindos ou mesmo desejados, mas também chegam a um fim em total independência das minhas reações ou da minha vontade (GUMBRECHT, 2006, p. 55-56).

O segundo tipo, em oposição ao primeiro, se dá sempre que há um nível particularmente alto de adaptação de um objeto à aquilo que ele se propõe, ou em sua relação com o sujeito. Ainda no exemplo da leitura de uma revista impressa, seria o aumento gradual da familiaridade no uso dela, em que há um manuseio mais fluído e o “ato de ler” se torna cada vez mais fácil e prazeroso. É algo previsto, e até mesmo esperado (desde a sua produção, aliás).

A ênfase aqui está no “cada vez mais”, em oposição à “repentinidade” [pois] a experiência estética consiste no processo gradual de emergência, em vez da interrupção imposta ou da epifania [...] transformando, dessa forma, o conforto numa experiência estética” (GUMBRECHT, 2006, p. 58).

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O terceiro e último tipo é o processo de “despadronização”, em que algo passa a ser “estético”. Como o “ato de ler” uma revista impressa, que antes não era, e então passa a ser uma experiência estética. A produção de presença, aqui, se “trata-se da mudança pré-consciente entre planos situacionais diferentes que, nesses casos, produzem contiguidade – sempre excepcional – entre a experiência estética e o cotidiano (GUMBRECHT, 2006, p. 59).

Vale a pena ressaltar que em qualquer um dos casos, o foco está na própria experiência (ou no “ato de ler” enquanto um fenômeno). Tal abordagem é prerrogativa, principalmente, da fenomenologia. A fenomenologia, ou a “ciência dos fenômenos”, é uma das principais linhas da filosofia contemporânea, que tem como referências importantes Husserl, Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty.

Sua origem se deu no livro “Investigações Lógicas”, publicado em 1900 pelo primeiro autor citado. A noção de “fenômeno” se aproxima, especialmente, da de “experiência”, sendo que estas se tornam equivalentes ao definirmos o “foco” da fenomenologia (de modo geral) como sendo “prestar atenção à experiência em vez de àquilo que é experienciado [...] nos concentrarmos em nossa experiência, em sobre como as coisas ‘aparecem’ para nós” (CERBONE, 2012, p. 13-14).

Conclusão

As pesquisas na área da comunicação devem considerar que algumas das principais características dos processos comunicativos são a dinamicidade e o forte vínculo com uma dada conjuntura sociocultural histórico-política. A partir do exemplo de mídia usado, a revista impressa, se reconhece importante considerar que esta deve ser pensada enquanto um “padrão de interação” e objeto com potencialidade de fazer o leitor ter uma experiência estética.

Esta está relacionada, por sua vez, aos tipos de efeitos de presença, a partir dos quais se entende que as revistas impressas podem ser lidas na “quebra da rotina”, ao “parar tudo” para o “ato de ler” em si mesmo; no “processo gradual de emergência” do conforto da leitura, muitas vezes feita de maneira descompromissada; ou a partir de uma “mudança pré-consciente” do processo de leitura, que pode ser consequência, até mesmo, do horário e/ou do local em que ela se dará. Isto é, ajuda a entender que há de se pensar que a revista impressa é produzida a partir do pressuposto de que a sua leitura se dará de maneira diferenciada. Deve analisar, por exemplo, onde e quando será lida, qual o nível de atenção que será dado à sua redação e edição de imagens,

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como será guardada, etc. Isto é, o seu potencial enquanto veículo (neste caso, não necessariamente “de massa”) pode ser “plenamente usado”, para diferentes leitores e intenções. De qualquer maneira, a pesquisa deve ir além de uma “natureza presentista”,

relativamente comum na área.

De qualquer maneira, o próprio “ato de ler” uma revista impressa pode ser uma vivência que, muitas

vezes, exemplifica/incita – através da expressão (recriação da própria vivência), ou de descrições (das vivências dos outros) – à busca por outras. É importante, assim, buscar entender o processo dentro do qual se dá. Isto é, dentro do qual o sujeito e o objeto, ou o leitor e a revista impressa, “entram estesicamente em contato dinâmico [pois] é sua co-presença interativa que será reconhecida.

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Referências

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em: <http://www.matrizes.usp.br/matrizes/article/view/253>.

BRAGA. Constituição do Campo da Comunicação. Verso e Reverso (UNISINOS, online). V. 25, p. 62-77, 2011. Disponível em:

<http://www.unisinos.br/revistas/index.php/versoereverso/article/view/94>.

CAETANO. Presenças do sensível nos processos interacionais. In.: Revista Galáxia. São Paulo: PUCSP, 2011.

CERBONE. Fenomenologia. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.

GUMBRECHT. Pequenas crises: experiência estética nos mundos cotidianos. In.: GUIMARÃES; LEAL; MENDONÇA (org.) Comunicação e experiência estética. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

______. Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.

LANDOWISKI. Aquém ou além das estratégias de presença contagiosa. São Paulo: Edições CPS, 2005.

TAVARES, Frederico de M. B. Ser revista e viver bem: um estudo de jornalismo a partir de Vida Simples. Tese (doutorado)

– Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, 2011. Orientação: Prof.ª Dr.ª Christa Liselote Berger Ramos Kunscick. São Leopoldo, RS: 2011.

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