AN ´
ALISE COMPLEXA E EQUAC
¸ ˜
OES DIFERENCIAIS,
aulas te´oricas
PARTE II: EQUAC
¸ ˜
OES DIFERENCIAIS (Breve introdu¸c˜ao
`as equa¸c˜oes com derivadas parciais)
Faculdade de Ciˆ
encias da Universidade de Lisboa, 2009
As equa¸c˜oes com derivadas parciais constituem modelos de importˆancia fundamental na ciˆencia e na t´ecnica. A teoria correspondente tem tamb´em um lugar central na Matem´atica e ´e objecto de investiga¸c˜ao muito activa. Por limita¸c˜ao de tempo, n˜ao poderemos neste curso dar sen˜ao uma introdu¸c˜ao ao estudo de algumas equa¸c˜oes de tipos bastante simples.
As derivadas parciais de uma fun¸c˜ao u ser˜ao representadas no que segue com nota¸c˜ao do tipo ux, ut, etc.
1
Equa¸
c˜
oes lineares de primeira ordem
Consideremos a equa¸c˜ao
aux+ buy = 0 (1)
onde ~v = (a, b) 6= (0, 0) ´e um vector constante. Se recordarmos o conceito de derivada de uma fun¸c˜ao real segundo um vector, vemos que (1) ´e o mesmo que
D~vu = 0 (2)
significando que u ´e constante em cada recta com a direc¸c˜ao de ~v:
u(x, y) (de classe C1) satisfaz (1) se e s´o se, para cada constante k, u toma um valor fixo em
todos os pontos tais que bx − ay = k.
O mesmo ´e dizer:
u(x, y) (de classe C1) satisfaz (1) se e s´o se, existe f ∈ C1(R) tal que u(x, y) = f(bx − ay).
Podemos chegar `a mesma conclus˜ao usando uma mudan¸ca de vari´aveis independentes:
ξ = bx − ay, η = x (3) Aqui estamos a supˆor, para fixar ideias, que a 6= 0, a segunda equa¸c˜ao (3) ´e de alguma forma arbitr´aria e apenas nos interessa que a mudan¸ca seja invert´ıvel; o objectivo ´e provar que a fun¸c˜ao composta U (ξ, η) = u(x, y) n˜ao depende de η. Como
ux= Uξb + Uη, uy= −Uξa,
confirmamos a partir de (1):
o que conduz a U (ξ, η) = f (ξ) ou, regressando `as vari´aveis iniciais, `a conclus˜ao j´a enunciada u(x, y) = f (bx − ay).
Consideremos seguidamente uma equa¸c˜ao linear com um termo na fun¸c˜ao inc´ognita
aux+ buy+ cu = 0 (4)
e, usando o caso anterior como motiva¸c˜ao, consideremos a mudan¸ca de vari´aveis independentes:
ξ = bx − ay, η = ax + by (4) Obtemos ent˜ao, para a fun¸c˜ao composta U ,
(a2+ b2)U
η+ cU = 0
que, para cada ξ fixo ´e uma equa¸c˜ao diferencial ordin´aria, cuja solu¸c˜ao tem a forma
U = f (ξ)e− c a2 +b2η e concluimos u = f (bx − ay)e− c a2 +b2(ax+by).
Passemos `a equa¸c˜ao linear de primeira ordem geral, com coeficientes vari´aveis
a(x, y)ux+ b(x, y)uy+ c(x, y)u = f (x, y) (5)
e procuremos uma mudan¸ca de vari´aveis conveniente
ξ = φ(x, y), η = ψ(x, y). (6)
Feitos os c´alculos, vemos que a fun¸c˜ao composta U satisfaz
(φxa + φyb)Uξ+ (ψxa + ψyb)Uη+ cU = F (7)
onde omitimos as vari´aveis para al´ıvio da escrita. A mudan¸ca “conveniente”´e a que satisfaz ψxa + ψyb = 0 (8)
visto que transforma a equa¸c˜ao original nesta mais simples:
(φxa + φyb)Uξ+ cU = F (9)
Ora, para determinar ψ observamos o seguinte:
Se ψ(x, y) ´e constante nas traject´orias do sistema
x0
= a(x, y), y0
= b(x, y) ou se ψ(x, y) = const constitui uma fam´ılia de solu¸c˜oes de
dy dx =
b(x, y) a(x, y)
(supondo, para fixar ideias, a 6= 0) ent˜ao verifica-se (8).
Ora, encontrado um tal ψ(x, y), e supondo para fixar ideias ψy6= 0, para completar a mudan¸ca
de vari´aveis basta fazˆe-lo da maneira mais simples, pondo φ(x, y) = x.
A nova equa¸c˜ao ´e ent˜ao (A, C, F s˜ao as fun¸c˜oes compostas de a, c, f respectivamente com a mudan¸ca de vari´avel escolhida: s˜ao fun¸c˜oes de ξ e η)
Uξ+
C AU =
F A que tem como solu¸c˜ao geral
U (ξ, η) = e−P(ξ,η)[d(η) + R(ξ, η)]
onde
P ´e, como fun¸c˜ao de ξ, primitiva de C A e
R ´e, como fun¸c˜ao de ξ, primitiva de ePF
A. Voltando `as vari´aveis iniciais obtemos a solu¸c˜ao do problema proposto.
As curvas ψ(x, y) =const chamam-se caracter´ısticas da equa¸c˜ao dada.
2
Equa¸
c˜
ao das ondas unidimensional
Vamos fazer referˆencia a m´etodos elementares para trabalhar com dois tipos de equa¸c˜oes com derivadas parciais lineares de segunda ordem. Come¸camos pela equa¸c˜ao das ondas
utt= c2uxx (1)
onde c ´e uma constante positiva. Por serem constantes os coeficientes das derivadas, imediatamente se reconhece que (1) ´e equivalente ao sistema em u e v
vt− cvx= 0, ut+ cux= v. (2)
De acordo com a t´ecnica das caracter´ısticas, estudada anteriormente, a primeira equa¸c˜ao tem a solu¸c˜ao geral
v(x, t) = h(x + ct)
onde h ´e uma fun¸c˜ao C1 em R. Quanto `a segunda, o segundo membro sugere que procuremos
solu¸c˜oes da forma f (x+ct): de facto, substituindo, conclui-se que basta tomar para f uma primitiva de 1
2ch.
Para obtermos qualquer outra solu¸c˜ao C2basta adicionar as solu¸c˜oes (de classe C2) da equa¸c˜ao
homog´enea ut+ cux = 0 que s˜ao, como tamb´em sabemos, da forma g(x − ct). Concluimos que
qualquer solu¸c˜ao de (1) pode ser representada na forma
u(x, t) = f (x + ct) + g(x − ct) (2) onde f e g s˜ao fun¸c˜oes arbitr´arias (de classe C2!). Inversamente, ´e trivial verificar que (2) representa
Se considerarmos o problema de valor inicial utt= c2uxx, u(x, 0) = φ0(x), ut(x, 0) = φ1(x)
obtemos, atendendo a (2), um φ0(x) = f (x) + g(x), φ1(x) = cf0(x) − cg0(x) e daqui um sistema
linear em f0 e g0 que conduz a 2cf0 (x) = cφ0 0(x) + φ1(x), −2cg 0 (x) = −cφ0 0(x) + φ1(x), de onde f (x) =1 2φ0(x) + 1 2c Z x 0 φ1(s) ds, g(x) = 1 2φ0(x) − 1 2c Z x 0 φ1(s) ds.
A solu¸c˜ao do problema de valor inicial ´e ent˜ao (f´ormula de d’Alembert)
u(x, t) = 1 2[φ0(x + ct) + φ0(x − ct) + 1 2c Z x+ct x−ct φ1(s) ds. (3)
Reciprocamente, esta express˜ao define uma solu¸c˜ao do problema de valor inicial desde que φ0∈ C2
e φ1∈ C1.
Por vezes admite-se que φ0 e φ1 possam ter menos regularidade (por exemplo, que n˜ao sejam
diferenci´aveis em certos pontos isolados) e falamos ent˜ao de solu¸c˜ao generalizada do problema (mas n˜ao damos aqui defini¸c˜ao formal deste conceito). Estas solu¸c˜oes verificam a equa¸c˜ao diferencial excepto numa fam´ılia numer´avel de rectas da forma x ± ct = k.
A f´ormula de d’Alembert determina uma solu¸c˜ao do problema de valor inicial definida para todo o x e todo o t. Mas h´a interesse tamb´em em resolver problemas em dom´ınios limitados no espa¸co, como ´e o caso do seguinte problema misto no intervalo [0, L] onde h´a condi¸c˜oes iniciais e de fronteira: utt= c2uxx, u(x, 0) = φ0(x), ut(x, 0) = φ1(x), 0 < x < L u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ∈ R. (4)
Trata-se do problema da corda vibrante com os extremos fixos.
Observemos que para que o problema admita solu¸c˜oes regulares tˆem de se verificar as condi¸c˜oes de compatibilidade φ0(0) = 0, φ0(L) = 0, φ1(0) = 0, φ1(L) = 0, φ 00 0(0) = 0, φ 00 0(L) = 0
(as duas ´ultimas resultam das condi¸c˜oes de fronteira e da pr´opria equa¸c˜ao). ´
E f´acil ent˜ao verificar o seguinte: Se considerarmos as extens˜oes ´ımpares e 2L-peri´odicas de φ0,
φ1 e continuarmos a represent´a-las por estas letras, a f´ormula de d’Alembert (3) d´a uma solu¸c˜ao
do problema (4).
Efectivamente, (3) define uma fun¸c˜ao C2 que verifica as condi¸c˜oes iniciais e de fronteira
(exerc´ıcio simples).
Com menos exigˆencia de regularidade sobre os dados poderemos utilizar ainda a express˜ao (3) como solu¸c˜ao generalizada do problema da corda vibrante.
3
Equa¸
c˜
ao do calor: separa¸
c˜
ao de vari´
aveis e m´
etodo de
Fourier
Vamos considerar nesta sec¸c˜ao a equa¸c˜ao linear de segunda ordem
ut= duxx (1)
onde d ´e uma constante positiva e, concretamente, procuraremos solu¸c˜oes u(x, t) de (1) em [0, L] × [0, ∞) que satisfa¸cam as condi¸c˜oes inicial e de fronteira seguintes:
u(x, 0) = f (x), 0 < x < L u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t > 0. (2)
Ilustramos com este problema o m´etodo de separa¸c˜ao de vari´aveis. Procuremos em primeiro lugar solu¸c˜oes (n˜ao triviais) da forma
X(x)T (t)
que satisfa¸cam as condi¸c˜oes de fronteira: teremos ent˜ao X(0) = X(L) = 0 e
X(x)T0
(t) = dX00
(x)T (t)
e portanto, para todo o x e todo o t T0 (t) dT (t)= X00 (x) X(x).
Como as vari´aveis x e t s˜ao independentes, esta igualdade s´o pode dar-se se ambos os membros s˜ao uma constante −λ:
X00
+ λX = 0, X(0) = X(L) = 0.
Este problema foi estudado anteriormente e vimos que tem as solu¸c˜oes n˜ao triviais (a menos de uma constante multiplicativa)
Xn(x) = sin
nπx
L , correspondentes a λn = n2π2
L2 .
Para cada n temos ent˜ao T0
(t) + dλnT (t) = 0 e portanto (tamb´em a menos de uma constante
multiplicativa)
T (t) = e−dn2 π2 t
L2 .
Ent˜ao, ´e f´acil verificar que qualquer fun¸c˜ao da forma
N X n=1 Ane −dn2 π2 t L2 sinnπx L (3)
com os An constantes, satisfaz (1) e as condi¸c˜oes de fronteira em (2); para que tamb´em satisfa¸ca
a condi¸c˜ao inicial em (2) ´e necess´ario e suficiente que
f (x) = N X n=1 Ansin nπx L . (3)
Podemos concluir que, no caso particular em que o dado f (x) ´e combina¸c˜ao linear finita de senos como em (3), encontr´amos uma solu¸c˜ao para o problema. Mas, procurando maior generalidade, suponhamos que f (x) = ∞ X n=1 Ansin nπx L . (4)
´e o desenvolvimento de f em s´erie de senos. Mais precisamente, para fixar ideias, suponhamos
(H) f cont´ınua em [0, L], f (0) = f (L) = 0 e f seccionalmente C1.
Sabemos da teoria das s´eries de Fourier que, sob a condi¸c˜ao (H), a s´erie no segundo membro de (4) n˜ao s´o converge uniformemente para f mas tamb´em existe uma constante M > 0 tal que
|An| ≤
M
n2. (5)
Podemos ent˜ao concluir que sob a condi¸c˜ao (H),
u(x, t) = ∞ X n=1 Ane −dn2 tπ2 t L2 sinnπx L (6)
constitui uma solu¸c˜ao do problema (1)-(2) que ´e cont´ınua em [0, L] × [0, ∞) e diferenci´avel em [0, L] × (0, ∞), verificando aqui a equa¸c˜ao diferencial (1).
Efectivamente: devido a (6) e ao crit´erio de Weierstrass para a convergˆencia uniforme de s´eries, a s´erie em (6) converge uniformemente, e por isso representa uma fun¸c˜ao cont´ınua, em [0, L]×[0, ∞); em cada dom´ınio [0, L] × [t0, ∞) com t0> 0, a mesma s´erie ´e deriv´avel termo a termo (um n´umero
arbitr´ario de vezes!) porque cada deriva¸c˜ao faz surgir uma nova s´erie com termos majorados em valor absoluto por
|An|nke
−dn2 π2 t0
L2
o que implica que a s´erie obtida por deriva¸c˜ao termo a termo ´e tamb´em uniformemente convergente. Como cada termo verifica a equa¸c˜ao (1), a soma da s´erie verifica a equa¸c˜ao (1) em [0, L] × [t0, ∞).
Como t0> 0 ´e arbitr´ario, u verifica a equa¸c˜ao (1) em [0, L] × (0, ∞).
Finalmente, ´e imediato concluir que u satisfaz todas as condi¸c˜oes (inicial e de fronteira) (2).
4
Duas quest˜
oes de unicidade
Nesta sec¸c˜ao vamos abordar a quest˜ao de unicidade de solu¸c˜ao do problema da corda vibrante e do problema que estud´amos para a equa¸c˜ao do calor.
Consideremos duas solu¸c˜oes u1 e u2 do problema da corda vibrante
utt= c2uxx, u(x, 0) = φ0(x), ut(x, 0) = φ1(x), 0 < x < L u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t ∈ R. (1)
Ent˜ao a diferen¸ca w = u1− u2´e uma fun¸c˜ao C2 que satisfaz wtt= c2wxx, w(x, 0) = 0, wt(x, 0) = 0, 0 < x < L w(0, t) = 0, w(L, t) = 0, t ∈ R. (2)
Consideremos a fun¸c˜ao (“energia”’)
E(t) = 1 2[ Z L 0 wt(s, t)2ds + c2 Z L 0 wx(s, t)2ds].
Pelas regras de deriva¸c˜ao de integrais param´etricos, temos
E0 (t) = [ Z L 0 wt(s, t)2wtt(s, t) ds + c2 Z L 0 wx(s, t)wxt(s, t) ds]. Ora, wtt(s, t) = c2wxx(s, t) e portanto E0 (t) = c2 Z L 0 [wt(s, t)2wxx(s, t) + wx(s, t)wxt(s, t) ds] = c2 Z L 0 ∂ ∂x[wx(s, t)wt(s, t)] ds. Atendendo `as condi¸c˜oes de fronteira em (2), vem
E0
(t) = c2[wx(L, t)wt(L, t) − wx(0, t)wt(0, t)] = 0.
Por conseguinte, E(t) ´e constante, e ent˜ao E ≡ E(0) = 0 (j´a que, pelas condi¸c˜oes de (2), wt(s, 0) =
0 = wx(s, 0)). Logo, wt= wx= 0 para todo o t e todo o x, e concluimos w = 0.
Este argumento prova a unicidade de solu¸c˜ao de (1).
Do mesmo modo, se forem u1e u2solu¸c˜oes do problema (onde β > 0)
ut= βuxx u(x, 0) = f (x), 0 < x < L u(0, t) = 0, u(L, t) = 0, t > 0. (3)
a diferen¸ca w = u1 − u2 ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua em [0, L] × [0, ∞) e diferenci´avel um n´umero
qualquer de vezes em [0, L] × (0, ∞), que satisfaz
wt= βwxx w(x, 0) = 0, 0 < x < L w(0, t) = 0, w(L, t) = 0, t > 0. (4)
Para demonstrar a unicidade em (3) basta ver que w = 0 em (4). Isso resulta do seguinte lema, muitas vezes referido como princ´ıpio do m´aximo.
Lemma 4.1 Seja w(x, t) cont´ınua em D = [0, L] × [0, ∞) e satisfazendo em [0, L] × (0, ∞) a inequa¸c˜ao diferencial
wt− βwxx≥ 0.
Se w ≥ 0 na fronteira de D, ent˜ao w ≥ 0 em D.
Demonstra¸c˜ao. Com vista a uma contradi¸c˜ao, suponhamos que existe (x0, t0) ∈ D tal que
u(x0, t0) = −N < 0. Escolhamos T > t0 e consideremos o rectˆangulo R == [0, L] × [0, T ]. A
fun¸c˜ao
v(x, t) = w(x, t) − ²(x − x0)2
onde 0 < ² < N/(2L2) atinge em R um m´ınimo absoluto (teorema de Weierstrass) necessariamente
menor ou igual a v(x0, t0) = −N. A fronteira de R ´e composta pelos segmentos
t = 0, 0 ≤ x ≤ L,
x = 0, 0 ≤ t ≤ T, x = L, 0 ≤ t ≤ T, e
t = T, 0 ≤ x ≤ L.
Nos trˆes primeiros, pela hip´otese, tem-se v ≥ −²(x − x0)2 ≥ −²L2 ≥ −N/2. Logo, o m´ınimo
absoluto de v ´e certamente atingido num ponto (x1, t1) do interior de D ou do quarto segmento
da fronteira. Em qualquer dos casos, pelo facto de se tratar de um m´ınimo, temos (considerar separadamente as duas situa¸c˜oes!)
0 ≥ vt(x1, t1) − βvxx(x1, t1) = wt(x1, t1) − βwxx(x1, t1) + 2β²
e, pela desigualdade da hip´otese,
0 ≥ 2β² o que ´e contradit´orio e termina a demonstra¸c˜ao.
5
Equa¸
c˜
ao de Laplace num disco e f´
ormula de Poisson
Nesta sec¸c˜ao faremos uma breve referˆencia ao problema relativo `a equa¸c˜ao de Laplace dm dimens˜ao 2:
∂2u
∂x2 +
∂2u
∂y2 = 0. (1)
Mais precisamente, vamos apenas referir o problema de determinar a solu¸c˜ao de (1) no disco BR,
centrado em (0, 0) e raio R, e que satisfaz a condi¸c˜ao de fronteira
u|∂BR = g (2)
onde g ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua dada na fronteira ∂BR daquele disco.
Comecemos por observar que uma fun¸c˜ao de classe C2 que satisfa¸ca (1) num disco (isto ´e,
uma fun¸c˜ao harm´onica nesse disco) ´e parte real de uma fun¸c˜ao holomorfa f no mesmo disco. Para simplificar a discuss˜ao, suponhamos que u ´e harm´onica num disco “ligeiramente”maior que o dado,
isto ´e, com raio R0
> R. Ent˜ao u ´e parte real de uma fun¸c˜ao holomorfa f definida num disco que cont´em ¯BR. Ora, para uma tal fun¸c˜ao tem-se1
f (a) = 1 2πi Z γ R2− a¯a (z − a)(R2− z¯a)f (z) dz, a ∈ BR. (3)
onde γ ´e ∂BR percorrida uma vez no sentido directo. De facto, verifica-se facilmente que
R2− a¯a
(R2− z¯a)f (z)
´e holomorfa em ¯BR com o valor f (a) em z = a: por isso o res´ıduo da integranda em (3) ´e
precisamente f (a), o que prova (3).
Escrevendo a = reiθe exprimindo o integral em (3) atrav´es da parametriza¸c˜ao de ∂B
Robtemos (para r < R) f (reiθ) = 1 2π Z 2π 0 R2− r2 R2− 2Rr cos(θ − t) + r2f (Re it) dt.
A parte real de f ´e, pois:
u(reiθ) = 1 2π Z 2π 0 R2− r2 R2− 2Rr cos(θ − t) + r2u(Re it) dt. (4)
Ora, t 7→ u(Reit) ´e a representa¸c˜ao do valor de u em ∂B
R: ´e a fun¸c˜ao g a que se alude em (2) (que
pode ser pensada como uma fun¸c˜ao peri´odia de per´ıodo 2π). Podemos dizer ent˜ao que a solu¸c˜ao de (1)-(2) ´e u(reiθ) = 1 2π Z 2π 0 R2− r2 R2− 2Rr cos(θ − t) + r2g(Re it) dt (4)
pelo menos no caso em que u ´e harm´onica num disco ligeiramente maior. Na verdade este resultado ´e v´alido em condi¸c˜oes mais gerais:
Se g ´e cont´ınua em ∂BR, o segundo membro de (4) define uma fun¸c˜ao cont´ınua em ¯BR,
harm´onica em BR e que ´e solu¸c˜ao de (1)-(2).
(4) ´e conhecida como f´ormula de Poisson.
Nota: que nos leva a escrever a equa¸c˜ao (3)? Sabemos, utilizando o teorema dos res´ıduos, que para a ∈ BRtem-se
f (a) = 1 2πi Z γ ϕ(z)f (z) z − a dz
onde ϕ ´e uma qualquer fun¸c˜ao holomorfa em ¯BRcom ϕ(a) = 1. O que pretendemos ´e escolher ϕ de
modo a facilitar-nos a separa¸c˜ao da parte real no integral j´a escrito em termos de parametriza¸c˜ao:
f (a) = 1 2π
Z 2π
0
ϕ(Reit)Reitf (Reit)
Reit− a dt.
Este segundo membro ´e igual a 1
2π Z 2π
0
ϕ(Reit)Reit(Re−it
− ¯a)f (Reit) (Reit− a)(Re−it− ¯a) dt = 1 2π Z 2π 0
ϕ(Reit)(R2− Reit¯a)f (Reit)
R2− 2Rr cos(θ − t) + r2 dt
onde a = reiθ. O objectivo ´e que o coeficiente de f (Reit) seja real, pois isso permite-nos separar a
parte real de f (a) do modo mais simples poss´ıvel. Ent˜ao basta que ϕ(Reit)(R2− Reit¯a)
seja uma constante real, e para que ϕ(a) = 1 facilmente concluimos que podemos tomar
ϕ(z) =R
2− a¯a
R2− z¯a.