Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro
Gestão de Parques Naturais
Intervenção Médico Veterinária
Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária
Miguel Jorge Camacho Horta Oliveira
Orientador:
Professor Doutor José Manuel Almeida
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro
Gestão de Parques Naturais
Intervenção Médico Veterinária
Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária
Miguel Jorge Camacho Horta Oliveira
Orientador:
Professor Doutor José Manuel Almeida
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Declaração
Nome: Miguel Jorge Camacho Horta Oliveira C.C.:13366118
Telemóvel:(+351) 926468369
Correio electrónico: miguelarievilo@gmail.com
Designação do mestrado: Mestrado Integrado em Medicina Veterinária Título da dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária:
Gestão de Parques Naturais – Intervenção Médico Veterinária Orientador: Professor Doutor José Manuel Almeida
Ano de conclusão: 2013
Declaro que esta dissertação de mestrado é resultado da minha pesquisa e trabalho pessoal sob orientação do meu supervisor. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto e na bibliografia final. Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para obtenção de qualquer grau académico.
Vila Real, 21 de Janeiro de 2014.
Agradecimentos
Quem desde tenra idade tem um contacto íntimo com a natureza que o rodeia, cedo
começa a desenvolver por esta uma espécie de amor incondicional, um sentimento maior,
respeitoso e terno que inevitavelmente se prolonga e expande à medida que vai
amadurecendo. Essa ligação transcendente que criei com a mãe natureza foi o sustentáculo
daquilo que progessivamente se desenvolveu em torno da formação da minha personalidade e
me proporcionou todo o caminho percorrido até ao final de mais um ciclo de concretização
pessoal, marcado pela elaboração deste relatório.
Agradeço acima de tudo à minha família, por quem nutro um carinho muito especial,
que sempre me acompanhou e apoiou da forma mais afectuosa em tudo aquilo a que me
propús empreender. Mesmo não estando presente em todas as minhas vivências por esse
mundo fora, sempre me alentou em todos os caminhos que tenho vindo a calcorrear. Devo um
especial agradecimento ao meu Orientador, o Doutor José Manuel Almeida, pela 'paternidade
científica' que me providenciou de forma empenhada e zelosa ao longo de todo o processo de
realização deste trabalho que, à semelhança da ambiciosa expansão quinhentista, lançou mais
um lusitano pelos solos de África. Agradeço ao meu tutor sul africano, Cornell Vermaak, que
pela convivência me fez adquirir uma ideia muito mais clara abrangente sobre o
conservacionismo em África e me proporcionou um estágio profissional numa das áreas
com quem convivi que me marcaram ao longo da minha existência em várias, e de várias,
Resumo
O presente relatório cujo tema é “Gestão de parques de fauna selvagem – Intervenção
médico veterinária” é um sumário de algumas das actividades efectuadas numa área de
conservação da natureza durante o período de estágio profissional no Endip Wildlife
Laboratory (EWL), na República da África do Sul, com o objectivo ganhar experiência na
gestão e na execução de tarefas em parques de fauna selvagem em África, que possa servir de
suporte a futuras actividades profissionais desenvolvidas no mesmo âmbito.
Existe uma preocupação crescente em empreender esforços direccionados para a
preservação do meio ambiente a nível mundial. Incluídos neste esforço têm sido
desenvolvidas diversas estratégias para preservação de habitats e espécies, nas quais se
incluem os parques de fauna selvagem. Cedo se percebeu que a eficácia destes projectos
depende da cooperação dos vários ramos da ciência em prol do conhecimento e gestão dos
ecossitemas naturais. Foi neste contexto geral que desenvolvi o meu trabalho e elaborei este
relatório, que é um sumário de algumas das actividades efectuadas numa reserva de vida
selvagem, enquadrando o papel de um médico veterinário no âmbito da conservação da
natureza. Neste trabalho, foi feita uma revisão geral sobre o tema “conservação da natureza”
e em particular o contexto histórico em que surgiram e evoluíram os Parques Nacionais de
conservação da natureza. Esta visão histórica permite perceber melhor o contexto actual dos
parques, com as suas componentes positivas mas também com os seus constrangimentos.
num ambiente de actividades multidisciplinares que desenvolvi diversas tarefas algumas das
quais abordei de forma mais aprofundada, descrevendo-as e discutindo-as, nomeadamente:
imobilização química de rinocerontes, necrópsias a animais selvagens da reserva, participação
no programa de monitorização de fauna bravia à distância (sistema VHF) e vigilância de
doenças. Foi feita uma descrição e uma contextualização de cada um dos casos e desenvolvo
os diferentes temas, baseando-me bibliográficamente para fazer algumas observações no
sentido de maximizar o sucesso de um médico veterinário em acções conservacionistas. Todo
o processo que levou à concretização deste trabalho fez-me evoluir enquanto pessoa e adequar
as várias perspectivas de futuro profissional, criando uma opinião própria que verti nas
consideraçõesfinais.
Palavras-chave: Parques Naturais, Kruger Park, Intervenção Médico Veterinária, Imobilização
Abstract
This report, subjected “Wildlife Parks Management – Veterinary Medicine
Intervention”, is a summary of some of the activities in wich I took part, in a conservation
area during the internship in Endip Wildlife Laboratory (EWL), South Africa. The objective is
to get experience on wildlife parks management in Africa, that could eventually support
professional activities in the same scope.
There is a growing concern worldwide on taking efforts towards environmental
preservation. Included in this effort, There have been developed multiple strategies in order to
preserve habitats and species, in which are included wildlife parks. Soon was realized that the
success of this actions sets upon the cooperation between different science fields in order to
understand and manage the natural ecosystems. It was on this professional framework in
which I developed my work and wrote this report, that summarizes some of the activities in
which I took part in the wildlife conservation area, taking in account the veterinary's medicine
role towards nature conservation. On this report I have made an historical review on the
subject “nature conservation”, particularly the historical context related to wildlife parks
beginnings and subsequent evolution focusing some of its pluses and minuses.
It is in this scenario marked by history, economical and conservationist pressures and in
a multidisciplinary environment that I get involved on several activities in the wildlife
conservation area. I develop in a greater extent some of them namely: chemical restraint in
the going-on program of wildlife remote monitoring (via the conventional VHF system). It
was made a detailed report and a discussion on the different cases, this late one based on
bibliography to support some of the remarks, aiming to maximize the success of a veterinary
degree towards conservation deeds. All the process that lead to the achievement of this work
made me evolve as a person and embrace of future professional perspectives, generating a
particular opinion that I express on the final considerations.
Key-words: National Parks, Kruger Park, Veterinary Medicine Intervention, Chemical Immobilization, Necropsy, Wildlife, Telemetry.
Lista de abreviaturas
EWL- Endip Wildlife Laboratory
GKNP- Greater Kruger National Park
GPRS - General Packet Radio Service
GPS- Global Positioning System
GSM- Global System for Mobile Communications
KNP- Krüger National Park (Parque Nacional do Kruger)
SMS - Short Message Service
UHF- Ultra High Frequence
Índice Geral
Declaração...iii Dedicatória...v Agradecimentos...vii Resumo...ix Abstract...xi Lista de abreviaturas...xiii Índice...xv 1- Introdução...12- Descrição e discussão de actividades desenvolvidas na reserva...21
2.1 - Imobilização química...21
2.1.1 – Imobilização química de rinoceronte branco (Ceratotherium simum spp. simum)...37
2.1.2 – Imobilização química de rinoceronte preto (Diceros bicornis spp. bicornis)...41
2.2 – Necrópsias efectuadas a animais da reserva...47
2.2.1 - Necrópsia de rinoceronte branco (Ceratotherium simum simum)...47
2.2.2 - Necrópsia de girafa (Giraffa camelopardalis giraffa)...52
2.2.3 - Necrópsia de cobo untuoso (Kobus ellipsiprymnus)...55
2.3 - Monitorização de fauna bravia à distância...57
2.4 – Vigilância de doenças...67
Bibliografia
1- Introdução
O tema deste estágio, “Gestão de parques de fauna selvagem – Intervenção médico
veterinária” foi desenvolvido no âmbito do “Regulamento de Ciclo de Estudos Conducente ao
Grau de Mestre da Universidade de Tras-os-Montes e Alto Douro”, artigo 1º, ponto 2
enquadrado na tipologia “estagio-profissional” e teve como objectivo ganhar experiência na
gestão de parques de fauna selvagem em África, para servir de suporte a futuras actividades
profissionais.
O tema foi inicialmente programado para ser desenvolvido no “Parque Nacional da
Gorongosa” em Moçambique. Nesse sentido, começaram a ser desenvolvidos esforços no
final de 2011, tendo ficado tudo acordado no primeiro trimestre de 2012. O facto de ser um
parque que está neste momento a recuperar de uma situação grave após a guerra civil,
permitia antever a possibilidade de contactar com uma realidade em evolução, rica e com
elevadas e constantes necessidades de intervenção humana, nomeadamente médico
veterinária. À data, o “Parque Nacional da Gorongosa” estava a receber e aclimatar uma série
de espécies que no passado tinha desaparecido da zona. No final do primeiro semestre de
2012, fomos confrontados com alterações na organização do Parque e a impossibilidade de
nos receberem. A isto não foi alheia a relativa instabilidade que se vivia e ainda se vive na
zona, nomeadamente pelas diversas pressões económicas.
Esta volatilidade das situações em África, um pouco contrastante com a realidade
Europeia, foi o primeiro ponto que me iniciou na aprendizagem de novas realidades e que
ajudou a contribuir para uma visão nova que tenho sobre o mundo, em geral, e sobre este
Face a esta situação e sob a pressão do curto tempo que restava para o início do período
de estágio, tentou-se arranjar uma solução que fosse possível, mesmo que não fosse ideal, o
que acabou por acontecer. Este constrangimento acabou por condicionar o presente relatório
de estágio, cuja matéria-prima de base não é a ideal, mas sim a possível. Uma das
consequências positivas foi o contacto e participação em acções que incluíram não só aquelas
tipicamente associadas à intervenção médico veterinária, mas também toda uma série de
acções mais gerais ligadas à gestão de parques de fauna selvagem. Talvez um ponto menos
bom terá sido a reduzida casuística de cada tipo de situações em intervenções do foro médico
veterinário o que não permitiu detectar pontos comuns e diferenças entre o mesmo tipo de
situações.
Provavelmente desde tempos pré-históricos o homem interferiu com o ambiente que o
rodeia e pode mesmo ser o responsável pela extinção de inúmeras espécies animais e vegetais.
Embora ainda seja alvo de grande controvérsia, há vários autores que relacionam a expansão
do homem para novos continentes com a extinção de diversa megafauna, apontando este
como sendo o principal factor precipitador da extinção (Bulte, Horan, e Shogren 2006;
Doughty C.E, Wolf A, e Field C.B 2010; Lyons, Smith, e Brown 2004). Esta capacidade de
interferência ou modificação do meio envolvente parece ser inerente à natureza humana desde
os primórdios da sua génese, o que pode sugerir que o homem primitivo terá sido tão
destrutivo quanto o moderno, possuindo no entanto meios menos desenvolvidos para o fazer.
Contudo, esta capacidade de alteração dos ecossistemas não é exclusiva do Homo sapiens,
existindo muitos exemplos com origem noutras espécies. Há situações de modificações em
grande escala, como é o caso da alteração brutal da composição da atmosfera da terra
modificações em pequena escala, como é o caso muito conhecido da construção de diques
pelos castores com impacto no ecossistema local (Hood 2012; J. M. Smith e Mather 2013) ou
ainda como é possivelmente o caso da alteração da distribuição de gramíneas em zonas
desérticas da Namíbia pela térmita Psammotermes alluocerus (Juergens N 2013). No entanto
isto não branqueia o facto de o homem ter vindo a desempenhar um papel crescente na
alteração da biosfera. Segundo Takacs-Santa (2004), o impacto do homem na biosfera tem
sido crescente ao longo da história e pode ser divido em seis períodos distintos:
1- Uso do fogo - desde há pelo menos 250 000 anos;
2- Linguagem - desde há pelo menos 40 000 anos;
3- Agricultura - desde há pelo menos 10 500 anos;
4- Grandes civilizações - desde há 5 500 anos;
5- Expansão europeia - séc. XV ;
6- Revolução tecnológica e uso de combustíveis fósseis em grandes quantidades - séc.
XVIII.
É exactamente no início deste último período, durante o século XIX, que surgem as
primeiras áreas destinadas para a preservação da natureza. Ainda que a atitude
conservacionista actual possa ser entendida, num sentido lato, como o sentimento altruista que
promove a utilização racional dos recursos de modo a minimizar, anular, ou inverter o
impacto negativo derivado das nossas acções, uma breve análise histórica dos primeiros
'protector' não estava implícito na sua génese. A ideia de concessionar uma área para
preservação dos seus caracteres naturais, parece ter sido influenciada pelo movimento
iluminista que, na europa do século XVIII, promovia o uso da razão com o objectivo de
melhorar a condição humana. Pensadores iluministas como John Locke ou Jean Jacques
Rousseau, que consideraram o 'homem social' como uma degeneração do seu estado
primitivo, indagaram sobre qual teria sido a hipotética condição de homem no seu 'estado
natural'. Estes foram os precussores do conceito que viria dar origem ao dualismo
humanidade-natureza, que encarava a primeira como a causa todos os males existentes, e a
segunda como o ideal pristino e intocado sendo como uma fonte de vitalidade e
rejuvenescimento, que desequacionava o papel do ser humano na natureza. O primeiro
sentimento de preservação da natureza, foi materializado nos Estados Unidos da América,
atribuindo pela primeira vez o estatuto ao Parque Nacional do Yellowstone, por acto do
congresso do ano de 1872. A empresa Northern Pacific Railroad tinha interesse em
rentabilizar a recente linha ferroviária que passava próximo de Yellowstone (Spence 2000) e
financiaria a primeira expedição a este local que já tinha sido visitado por outras expediçoes
algumas décadas antes. O governo, pressionado pela companhia ferroviária, concluiu que
seria mais rentável se a área estivesse sob administração pública, tendo sido concessionada
para fins de preservação da paisagem, de modo a que estas pudessem ser desfrutadas por
visitantes, implicando que tivessem de se deslocar até lá, utilizando portanto, transportes. Está
então implícito o lobby político-económico que deu origem a um dos primeiros destinos na
expansão rumo a Oeste. A área começou a ser administrada com uma gestão de 'fachada', isto
é, a manutenção das características naturais existentes, uma vez que a compreensão e
conhecimento do funcionamento dos ecossistemas estavam ainda num estado muito imaturo
furtivismo e foram expulsas as tribos indígenas cujos territórios abrangiam a área desde há
milhares de anos, de modo a apresentar aos visitantes o que era entendido como a natureza no
seu estado selvagem, sem interferência de qualquer actividade humana. Paradoxalmente,
nascia então a ideia que levaria ao conceito actual de ecoturismo, tendo como objectivo a
manutenção do panorama natural ainda que provocasse alterações significativas na paisagem
através da construção de infraestruturas e vias de acesso utilizadas pelos visitantes. Das
primeiras políticas instituidas foi a melhoria de condições para que os 'animais bons'
(principalmente os herbívoros e os ursos pardos, que eram os mais apreciados pelos turistas)
proliferassem, enquanto os carnívoros, considerados 'animais maus' foram abatidos em massa,
levando até à extinção do lobo (Canis lupus occidentalis) na área do parque. Esta interferência
do homem provocou um desequilibrio naquele ecossitema, que na ausência de predadores de
topo culminaria numa sobrepopulação de herbívoros, tais como o veado (Cervus elaphus spp.)
que devastava completamente o coberto vegetal da zona. Foram precisas algumas décadas
para que o homem se apercebesse que deveria interferir o mínimo possível na natureza, onde
todos os factores que a compõem são indispensáveis à sua manutenção («BBC Four -
Unnatural Histories, Yellowstone» 2013; Sellars 1997; Spence 1999).
A gestão e o planeamento das acções empreendidas nesta primeira área de preservação,
viriam a servir de modelo a practicamente todos os parques que foram criados posteriormente.
A consciencialização em relação à riqueza natural que deveria ser conhecida, valorizada e
perpetuada, cujos alicerces tinham sido fundados, por naturalistas como Carolus Linnaeus e
Charles Darwin, só surgiria cerca de meio século após a criação do Parque Nacional do
Yellowstone, por trabalhos efectuados a cabo por George M. Wright, Ben Tompson e Joseph
abióticos nas décadas de 1920/30, em algumas das áreas protegidas no continente
norte-americano (Shafer 2001).
Outro parque com um protagonismo bastante considerável em termos de ecoturismo a
nível mundial, tendo sido umas das primeiras reservas de vida selvagem a ser implementada
no continente africano é o Parque Nacional do Kruger (Kruger National Park-KNP). A reserva
de vida selvagem de Sabi, que daria origem ao parque, foi estabelecida no ano de 1898, pelo
então presidente da recém formada República, Paul Krüger. Esta vasta área de conservação
localiza-se ao longo da fronteira nordeste da África do Sul, extendendo-se pelas regiões
Limpopo e Mpumalanga e a sua área é de cerca de 19 624 km2, com um comprimento de
cerca de 352 Km e uma largura média de cerca de 60 Km (Dennis e Brett 2000; Carruthers
2008).
Durante o século XIX houve uma grande dispersão de indivíduos de ascendência
europeia pelo território que hoje compreende a República da África do Sul a partir da zona do
Cabo da Boa Esperança, para exploração dos recursos naturais existentes. Data do ano de
1871 a descoberta de ouro e outros minérios no território onde foi estabelecida posteriormente
a reserva de Sabi. Esta descoberta levou a que muitos aí se estabelecessem principalmente
para exploração mineira, acabando por exercer uma enorme pressão cinegética na fauna
bravia, que levaria a que esta fosse practicamente dizimada em pouco mais de uma década
(Dennis e Brett 2000). Este facto, evidente por todo o território englobado pela república sul
africana, levou a uma preocupação por parte do governo, que aplicou medidas no sentido de
restringir algumas das áreas à livre exploração dos recursos.
corresponde actualmente à parte sul KNP, com o objectivo de promover o aumento do numero
de espécies cinegéticas, para que posteriormente pudessem ser caçados de forma 'sustentável'
(Dennis e Brett 2000; Dennis e Scholes 1995; Mavhunga 2009). Após várias anexações de
terreno a esta reserva, viria a adquirir, no ano de 1926, o estatuto de Parque Nacional do
Kruger, em honra ao presidente fundador (Carruthers 1995; Dennis e Brett 2000). Desde o
inicio da concessão como reserva, foi destacado um guarda de vida selvagem,
Stevenson-Hamilton, que se revelou um dos mais importantes intervenientes na preservação da vida
selvagem da área (Dennis e Scholes 1995; Dennis e Brett 2000). Dado o seu amplo
conhecimento sobre a natureza e a protecção instituída contra acções furtivas, em
relativamente pouco tempo os números de animais existentes foram significativamente
aumentados. Poucos anos após a sua criação, o parque começaria a ser visitado por turistas, o
que se revelou uma fonte de rendimento mais lucrativa do que a exploração com fins
venatórios, tendo sido adequado o seu planeamento àquele que foi sempre considerado como
ícone nesta área, o Parque Nacional do Yellowstone (Carruthers 1995; Dennis e Scholes
1995). Uma das primeiras medidas implementadas foi a construção de inúmeros pontos de
água artificiais, com o objectivo de melhorar as condições adequadas à proliferação de
herbívoros (Dennis e Brett 2000; Carruthers 1995). Esta alteração levaria a que algumas
espécies, tais como zebras e gnus, aumentassem os seus efectivos e se dispersassem por
territórios onde a escassez de água anteriormente não permitia a sua implementação,
exercendo uma competição directa por habitat que levaria à redução abismal de algumas
espécies de antílope, dentre elas as várias palancas (Dennis e Brett 2000). À semelhança do
parque americano, também foi efectuado um controlo de predadores intensivo, sem que no
entanto estes fossem abatidos na sua totalidade (Dennis e Brett 2000). Estas acções causaram
conclusão que todos os animais têm um papel fundamental no ecossistema em que estão
integrados e que a natureza se encarrega de estabelecer um equilíbrio entre os diferentes
componentes de um ecossistema (Dennis e Scholes 1995; Dennis e Brett 2000; Carruthers
1995). Esse equilíbrio, no entanto, nem sempre é entendido pelo homem como sendo óptimo,
na medida em que auspiciamos ver algumas classes de animais em permanente abundância,
em detrimento de outras, sem muitas vezes analisarmos de forma holística e aparcial o
funcionamento do habitat em questão.
A gestão efectuada no KNP actualmente é considerada adaptativa, focando-se na
manutenção de alguns factores, nomeadamente: rios, incêndios, espécies invasivas, antílopes
raros e impacto de elefantes (van Wilgen e Biggs 2011). Estes critérios, servem como uma base genérica que avalia a integridade do ecossistema, de modo a que possam ser instituídas
algumas medidas caso haja alterações no ecossistema que assim o justifiquem. É de referir
que uma das políticas do parque é não interferir directamente na vida selvagem, para que esta
se encontre no seu estado mais natural e intocado possível, sendo que grande parte dos
esforços empregues são canalizados para a vigilância e protecção das espécies aí existentes,
assim como a ‘acessibilidade’ aos visitantes do parque tais como alojamentos e vias de acesso
(Dennis e Brett 2000; Dennis e Scholes 1995).
Actualmente, a República da África do Sul é considerada um exemplo de sucesso no
contexto de áreas destinadas à conservação da natureza. O ecoturismo direccionado para a
vida selvagem, que tem sido um sector em franco desenvolvimento em todo o mundo, traz ao
país milhões de visitantes anualmente. De forma a adequar-se o mercado à emergente procura,
surgiu um grupo de espécies icónicas, os carismáticos “Cinco Grandes” (Big Five) composto
búfalo africano (Syncerus caffer) e ambas as espécies de rinoceronte africanas (Ceratotherium
simum spp. e Diceros bicornis spp.), que acaba por funcionar como 'espécies-sentinela', no
sentido em que a sua consevação implica a preservação do habitat que beneficia muitas outras
espécies (“KrugerPark.com - About Big Five” 2013; Di Minin E et al. 2013). Deste modo,
visitantes de todo o mundo podem desfrutar de um vislumbre da “savana africana” sendo-lhes
possível o contacto (senão outro, pelo menos visual), com muitas das espécies africanas
consideradas “cliché” no seu estado entendido como selvagem - o que, para além de tudo,
frequentemente gera boas captações fotográficas.
A reserva onde decorreu o meu estágio está inserida num conjunto de reservas com fins
turísticos/conservacionistas de administração privada, localizadas contíguamente ao KNP,
numa área designada como a área do Grande KNP (Greater Kruger National Park-GKNP). A
área do GKNP engloba a área do KNP e as restantes reservas de vida selvagem localizadas na
períferia. Até à década de 70/80 do precedente século, os espaços compreendidos por este
conjunto de reservas eram essencialmente utilizados como explorações agro-pecuárias, onde
grande parte da vida selvagem foi dizimada em larga escala, desde as populações de
herbívoros, que transmitiam doenças, parasitas e competiam por pasto com os animais
domésticos; até aos grandes predadores responsáveis também por baixas dos efectivos
pecuários assim como ataques a seres humanos aí instalados (Carruthers 2008). A partir dessa
altura, a exploração destas áreas para os fins acima indicados deixou de ser tão rentável como
anteriormente e progressivamente estas foram sendo reestruturadas para serem utilizadas
segundo um conceito recém-criado que se mostrava bem mais rentável em termos económicos
- o ecoturismo (Carruthers 2008). As principais alterações instituídas comuns a todas estas
dentro dos respectivos perímetros, assim como a construção de infraestruturas que
possibilitassem a estadia de visitantes (Carruthers 2008).
A reserva de Parsons é um dos muitos exemplos deste tipo de reservas de vida
selvagem. Esta compreende uma área de aproximadamente 3000 hectares, divididos em 97
parcelas de cerca de 21 hectares (a cada uma das 97 parcelas corresponde um proprietário
diferente) e uma parcela de cerca de 500 hectares de um outro proprietário, sendo que cerca
de 40% das propriedades estão a ser exploradas com fins turisticos. A administração da
reserva Parsons é da responsabilidade de um comité representativo de proprietários das
parcelas que se reúne mensalmente para debater as acções levadas a cabo e possíveis
alterações ao plano de gestão. A gestão desta é muito semelhante àquela instituída no KNP, na
qual não se interfere directamente com a vida selvagem, focando essencialmente a vigilância
e a protecção da vida selvagem dentro do perímetro da reserva, na tentativa de minimizar a
acção furtiva e de averiguar a manutenção dos números de animais existentes. As tarefas de
segurança e vigilância são efectuadas por uma brigada anti-furtivismo, constituída por cerca
de uma dezena de guardas que, para além de controlarem a entrada e a saída de moradores,
visitantes e trabalhadores, efectuam patrulhas pedestres diariamente, tendo especial atenção à
manutenção da vedação circundante.
O Endip Wildlife Laboratory (EWL), localizado numa das parcelas de Parsons, é a
entidade responsável pela vigilância de doenças e levantamento de dados das populações de
animais selvagens na reserva, assim como todas as outras ocorrências relacionadas com a vida
selvagem. O seu administrador, o meu tutor sul africano, obteve um grau universitário em
'ecologia de doenças' e complementou a sua formação com vários outros cursos de curta
áreas da parasitologia, microbiologia e toxicologia. Adicionalmente, pela sua formação militar
e gosto pela protecção da natureza de forma activa, integrou a unidade anti-furtivismo
durantes vários anos como guarda de campo num sector do KNP. Em Parsons foi-lhe
atribuído o cargo de guarda chefe de vida selvagem, sendo o responsável pela chefia da
brigada anti-furtivismo, que juntamente ao facto de estar encarregue da vertente laboratorial
virada para a ecologia, leva a que seja considerado uma peça chave em termos de preservação
dos preceitos naturais ali existentes, sendo que todas as ocorrências na reserva lhe são
reportadas em primeira mão. Com base neste estatuto adquirido, o administrador do EWL
desenvolveu um programa de estágio de modo a que estudantes, principalmente estrangeiros,
possam receber alguma formação no âmbito da conservação da natureza na savana africana,
sendo que este é financiado pelos mesmos. Este tipo de estágios decorre durante um período
de cerca de um mês no qual os estudantes participam em 3 a 4 actividades principais por
semana relacionadas com o contacto com a vida selvagem ou com a ecologia ambiental.
A minha função ao serviço do EWL foi um ajustamento do modelo do estágio
disponibilizado pelo laboratório. Como estava disposto a permanecer por um período superior
ao convencional, acordei com o meu tutor sul africano que ficaria isento do respectivo
pagamento, assim como despesas de alojamento e alimentação. Em contrapartida, fiquei
encarregue de participar em todo o tipo de tarefas sobre as quais ele era responsável, o que
considero vantajoso uma vez que me pôs à prova inúmeras vezes para desempenhar dos mais
variados trabalhos tendo para isso de aprender, ou melhorar, algumas das minhas capacidades
polivalentes. No presente relatório optei por desenvolver algumas das actividades nas quais
participei, nomeadamente: acções de imobilização química em rinocerontes; avaliações
sistema convencional de VHF e tentativa de monitorização utilizando uma câmara
incorporada num aerodino comandado remotamente; participação no programa 'vigilância de
doenças' disponibilizado pelo EWL, efectuando tanto o trabalho de campo (recolha de
amostras e avaliações do ecossistema) como o trabalho laboratorial (análise das amostras
recolhidas). Para além dessas actividades, efectuei necrópsias a outros animais como o gato
selvagem africano (Felis silvestris lybica) (fig. 1 do anexo), bufo-malhado (Bubo africanus),
fraca cristata (Guttera pucherani); fui incluído na unidade anti-furtivismo da reserva (integrei
os grupos de patrulha pedestre, com os guardas de campo, motorizada, com o guarda chefe da
reserva e cooperei na implementação de um sistema de câmaras ocultas em pontos
estratégicos de actividade humana); ajudei na remoção de animais selvagens nas estradas que
trespassam a vedação; efectuei trabalhos para a reserva (desmatação, monda de ervas
daninhas, limpeza de estragos deixados por manadas de elefantes, terraplanagem de estradas,
reparação da vedação e oclusão de buracos escavados sob a mesma por facocheros ou grandes
carnívoros); desempenhei tarefas de mecânica (na transformação de um jipe em carro de
patrulha e reparação de bombas de água) e construção civil (na remodelação das
infraestruturas da propriedade onde estive (fig. 2 do anexo); ajudei na criação de animais
selvagens orfãos (uma vez que o EWL também funcionava como um orfanato); participei em
iniciativas relacionadas com o reaproveitamento de águas residuais de uso doméstico na
produção de alimentos ou outras formas vegetais (fig. 3 do anexo) e nas últimas semanas ao
serviço do EWL fui colocado numa outra reserva de vida selvagem para que pudesse pôr em
prática a formação de guarda de vida selvagem e serviço ambiental recebida durante o estágio,
assim como desenhar um projecto de transformação de resíduos domésticos (tanto sólidos,
como líquidos) produzidos no respectivo empreendimento turístico. Actividades efectuadas
-inspeccionar toda a vedação circundante e consertar os locais onde esta estava danificada;
-Ocluir os buracos escavados por facocheros (Phacochoerus sp.) e hiena-malhada (Crocuta
crocuta) a fim de transpor estas barreiras (fig. 4 do anexo);
-recolher evidências de actividade furtiva na reserva e tentar especular eventuais padrões de
acção específicos daquela área (fig. 5 do anexo);
-instituir o programa 'vigilância de doenças' na reserva. Recolha de fezes e recolha de
amostras de água de pontos de abeberamento artificiais;
-census de micro-mamíferos - 2 noites, 7 capturas (fig. 6 do anexo);
-Cooperar nas tarefas efectuadas pelos trabalhadores do empreendimento turístico e
organização alguns dos respectivos turnos de trabalho;
-começar um projecto de tranformação de resíduos domésticos sólidos provenientes daquele
empreendimento turístico: separação do lixo reciclável (metais e vidro) e incineradora para os
outros resíduos, de forma a aproveitar os recursos obtidos (cinzas e energia térmica).
-Desenho de uma “wetland” (unidade de reaproveitamente de água de usos domésticos) para
reutilização dos resíduos líquidos com particulas sólidas em suspensão.
Na África do Sul têm vindo a ser empreendidos ínúmeras acções com o objectivo de
maximizar a eficácia dos esforços de preservação da natureza. Neste sentido, há algumas
espécies que adquirem estatutos diferentes em relação ao valor que acrescentam ao ambiente
circundante, pelo que os esforços são tendencialmente direccionados para a protecção dessas
sua totalidade, esta perspectiva promove a protecção geral do habitat em que essas espécies se
inserem, beneficiando indirectamente outros componentes da comunidade biota. Actualmente,
as espécies mais visadas em termos conservacionistas são os rinocerontes africanos, pelo
delicado panorama que enfrentam. No decorrer do meu período como estagiário do EWL,
parte das acções em que participei visaram ambas as espécies de rinoceronte existentes no
continente africano, pelo que considero útil fazer uma breve apresentação sobre este tema nas
páginas que se seguem.
Classificação e distribuição geográfica das espécies-vivas de rinoceronte.
O termo rinoceronte refere-se a qualquer membro da Ordem Perisodáctila, Família
Rhinocerotidae. Estes animais são caracterizados pelo seu aspecto primitivo de grandes
dimensões, membros curtos e fortes, cabeça com um ou dois cornos nasais no plano médio do
chanfro, olhos pequenos e membros com três dedos, sendo que o eixo dos membros coincide
com o dedo médio (Colin P Groves e Grubb 2011).Actualmente, existem cinco espécies-vivas
referentes a esta Família, duas das quais existentes em África e três na Ásia. As espécies
existentes no continente africano, particularmente na África sub-sahariana são: o Rinoceronte
branco (Ceratotherium simum) e o Rinoceronte preto (Diceros bicornis); por sua vez, as
espécies existentes no continente Asiático são: o Rinoceronte Indiano (Rhinoceros unicornis),
o Rinoceronte de Java (Rhinoceros sondaicus) e o Rinoceronte de Sumatra (Dicerorhinus
sumatrensis) (Tougard et al. 2001; Willerslev et al. 2009).
As espécies que existem em África dividem-se em várias subespécies, sendo que cerca
Relativamente ao rinoceronte branco existem duas subespécies: Rinoceronte branco do norte
(Ceratotherium simum cottoni) - que actualmente se encontra practicamente extinto (sendo
que existem apenas 5 individuos mantidos em cativeiro) e o Rinoceronte branco do sul
(Ceratotherium simum simum) (Colin P Groves 1972; Colin P Groves, Fernando, e Robovský
2010)do qual existem cerca de 20 000 exemplares localizados na República da África do Sul,
Botswana,Namíbia, Quénia, Suazilândia, Tanzania, Uganda e Zimbabué, com pequenos focos
populacionais na Zâmbia e Malawi («WhiteRhinoSpecies.pdf» 2013).
O Rinoceronte preto (Diceros Bicornis), por sua vez, compreende 4 sub-espécies: D. b.
bicornis, D. b. minor, D. b. michaeli e D. b. longipes (esta subespécie já foi dada como
extinta) (O’Ryan, Flamand, e Harley 1994; K. Rookmaaker 2005; C.P Groves 1967). Os
indivíduos destas 3 subespécies excedem os quatro milhares e encontram-se na África do Sul,
Namíbia, Quénia, Tanzânia e Zimbabwe; com algumas populações com poucos indivíduos no
Malawi, Suazilândia e Zambia («BlackRhinoSpecies.pdf» 2013).
O estatuto das sub-espécies africanas segundo a lista vermelha da IUCN (International
Union for Conservation of Nature/União Internacional para a Conservação da Natureza) é o
seguinte:
Ceratotherium simum ssp. cottoni - criticamente em perigo. Ceratotherium simum ssp. simum - quase ameaçada. Diceros bicornis ssp. bicornis – vulnerável.
Diceros bicornis ssp. michaeli - criticamente em perigo. Diceros bicornis ssp. minor - criticamente em perigo.
(«The IUCN Red List of Threatened Species» 2013)
Características morfológicas e comportamentais comparativas dos rinocerontes
brancos e rinocerontes pretos.
Ainda que os traços gerais se assemelhem, as espécies de rinoceronte existentes no
continente africano diferem fenotipicamente em algumas características, assim como diferem
as suas preferências por habitat e os seus hábitos sociais. Para não tornar esta secção
demasiado extensa, optei por descrever apenas algumas das características mais evidentes:
cor, tamanho, forma dos lábios, tamanho dos cornos e hábitos sociais. A cor do rinoceronte
branco é cinzento claro, enquanto a coloração do rinoceronte preto é cinzento acastanhado
escuro, podendo haver variações de tonalidade em ambas as espécies, sendo que este não é
um factor fiável para a sua distinção. Os nomes foram utilizados pela primeira vez no início
do século XIX , contudo a origem de ambos ainda carece de explicação comumente aceite (L.
C. Rookmaaker 2003).
O rinoceronte branco é marcadamente maior que o preto, pesando 3200 a 3600Kg
(Colin P Groves 1972), enquanto o rinoceronte preto pesa cerca de duas toneladas. Em ambas
as espécies existe dimorfismo sexual, sendo a fêmea relativamente mais pequena do que o
macho. Uma das principais diferenças entre as duas espécies é a conformação dos lábios: os
estreitos e pontiagudos, assemelhando-se a sua conformação a um gancho. Esta diferença é
justificada pelos diferentes hábitos de alimentação de ambas as espécies: o rinoceronte branco
alimenta-se de pasto em planícies pouco arborizadas, tendo uma vantagem em ter os lábios
mais largos para possibilitar a preensão de grandes quantidades de erva (Colin P Groves 1972;
Pienaar 1994); por sua vez, o rinoceronte preto prefere habitats com um coberto vegetal
arbóreo e arbustivo denso, onde se alimenta de folhas, galhos e rebentos de várias plantas
arbustivas e árvores, e daí a conformação dos lábios mais adequada ser em forma de gancho
para lhe permitir escolher as partes vegetais preferidas (Buk 2010; Malan et al. 2012). Em
relação aos cornos, também existem algumas diferenças evidentes. O Rinoceronte branco
apresenta o corno cranial marcadamente maior em relação ao caudal; enquanto no rinoceronte
preto ambos os cornos apresentam um tamanho semelhante. O rinoceronte branco está
descrito como sendo um animal sociável e pacífico que normalmente vive rodeado de mais
alguns membros da mesma espécie, formando grupos que podem exceder uma dezena de
indivíduos (Pienaar 1994). O rinoceronte preto é um animal solitário e tendencialmente
agressivo, sendo que, das únicas vezes que são avistados em grupo, normalmente estes são
constituidos pela mãe com a respectiva cria ou um macho e uma fêmea (quando em estro)
(Adcock 1994).
Factores como a destruição de habitat e conflitos políticos entre os países africanos têm
tido um papel importante no declíneo de muitas espécies, contudo, no caso do rinoceronte, a
principal causa que está a levar à extinção é o seu abate furtivo (Beech e Perry 2011; Maggs e
Greeff 1994; Lockwood 2010). Para além do homem, este animal não tem predadores naturais
no seu estado adulto, ainda que exista a ameaça de ser depredado, enquanto cria, por leões ou
acções furtivas para que lhes sejam retirados os cornos. Ao contrário dos cornos de outros
mamíferos, os de rinoceronte são estruturas constituídas por filamentos de queratina
compactados que se destacam da epiderme do animal. Estes não possuem uma projecção
óssea no seu interior (West, Heard, e Caulkett 2007) e o seu valor no mercado ilegal
ultrapassa o valor do ouro. O corno de rinoceronte é utilizado de duas formas distintas: no
Médio-Oriente, onde possui um valor cultural quando incrustado em cabos de adagas; e na
Ásia, nomeadamente na China e no Vietname, pelas inúmeras propriedades medicinais que
lhe são atribuídas, cujos primeiros registos datam de há cerca de dois milénios atrás em
compêndios de medicina asiática. Já foram feitos estudos que comprovam o efeito
anti-pirético como sendo uma das propriedades do corno de rinoceronte, ainda que quando
administrado em grandes quantidades (But, Lung, e Tam 1990), sendo que as outras
propriedade medicinais atribuídas ainda não foram confirmadas.
Têm vindo a ser desenvolvidas estratégias no sentido de maximizar a eficácia dos
esforços empregues no combate ao furtivismo, no sentido de prestar uma vigilância
particularmente especial aos indivíduos destas espécies, reforçando o patrulhamento das áreas
onde ainda existem (Ferreira et al. 2012; Patton 2013). Todos os recursos despendidos nesta
causa levaram a uma especialização das unidades anti-furtivismo no sentido de reforçar as
estratégias de segurança aplicadas às áreas de conservação, contudo toda a logística associada
às acções furtivas também tem evoluído consideravelmente. Hoje em dia a rede furtiva está
completamente dispersa pela sociedade envolvente abrangendo desde as camadas mais
desfavorecidas da população local (trabalhadores dos empreendimentos turísticos), indivíduos
especializados nas acções de conservação da natureza (tais como veterinários, ecologistas,
e Greeff 1994). As redes furtivas de tráfico de corno de rinoceronte cada vez mais recorrem à
alta tecnologia tais como o uso de helicópteros, aparelhos de visão nocturna, armas de grande calibre e mesmo sistemas de contenção química, o que leva ao aumento da sua eficácia e consequentemente ao aumento do número de animais abatidos (Montesh 2012).
O número de rinocerontes abatidos furtivamente nos últimos anos foi: 333 em 2010,
448 em 2011, 668 em 2012. Até ao dia 5 de Setembro de 2013 foram reportados 618
rinocerontes abatidos furtivamente («Minister Molewa commends law enforcement agencies
for work well done in the fight against rhino poaching | Department of Environmental
Affairs» 2013).
Apesar de nos últimos anos o abate furtivo ter sido crescente, colocando ambas as
espécies sob uma pressão antropogénica constante, a população de rinocerontes africanos no
estado selvagem evidenciou um aumento. Uma das últimas estatísticas, efectuada em
Dezembro de 2012, indica que o número de rinocerontes brancos do sul (Ceratotherium
simum simum) passou de 17475 (em 2007) para 20165 indivíduos; enquanto a população de
rinocerontes preto (Diceros bicornis spp.) aumentou de 4230 (em 2007) para 4880 indivíduos
(R. Emslie 1999; R. H. Emslie, Milliken, e Talukdar 2012).
Para além do aumento dos serviços de vigilância e segurança, também têm sido
aplicadas outras medidas nos esforços de preservação da espécie, tais como:
-remoção cirúrgica dos cornos por especialistas (Milner-Gulland 1999);
-injecção do corno com substâncias tóxicas (para que o consumidor seja afectado
PINK to keep poachers away in revolutionary scheme in South Africa» 2013);
-tentativas de legalizar o comércio do corno sob normas pré-definidas (de modo a ter
mais controlo sobre o mercado) (Loon 1997; Biggs D 2013; Ferreira S.M e Okita-Ouma B
2012);
-campanhas de sensibilização em comunidades locais e estabelecimentos de ensino
(«STOP RHINO POACHING NOW!» 2013).
As acções furtivas têm-se tornado cada vez mais frequentes, sendo practicamente
imprevisível a sua evolução nos próximos anos. Têm vindo a ser empregues medidas com o
objectivo de atenuar o impacto furtivo, contudo o panorama geral não se mostra promissor
quanto ao futuro de ambas as espécies de rinoceronte africanas, ainda que as respectivas
populações tenham evidenciado um ligeiro aumento nas últimas décadas. Não parece haver
indícios de que haja uma preferência pelos consumidores quanto à espécie, sendo que os
cornos de ambas atingem um elevado valor no mercado negro. Para além disso, já foi
reportado que até os rinocerontes aos quais o corno foi removido cirurgicamente podem ser
abatidos furtivamente para que lhes seja retirada a base do corno (deixada para que seja
possível o crescimento deste), sendo que ainda não foi encontrado o conjunto de medidas
mais adequadas à protecção desta espécie (R. Emslie 1999; Beech e Perry 2011;
2 – Descrição e discussão de actividades desenvolvidas na reserva
2.1- Imobilização química
O termo imobilização química, que também pode ser designado por contenção química,
refere-se à indução com recurso a fármacos de um estado de sedação, anestesia e/ou
relaxamento muscular que permita manusear um animal reduzindo os riscos para o mesmo
associados aos procedimentos de captura efectuados (West, Heard, e Caulkett 2007). Todo o
processo de imobilização química em animais selvagens, desde o planeamento inicial até à
libertação do animal, deve ser da responsabilidade de um médico veterinário com formação
específica nestes procedimentos, uma vez que requer um grande conhecimento da biologia
das espécies abordadas e principalmente um conhecimento aprofundado dos fármacos
utilizados e as respectivas técnicas de administração (Portas TJ 2004; Tribe e Spielman 1996).
Uma vez que muitos dos efeitos dos fármacos não estão completamente compreendidos em
relação à fauna bravia, o profissional deve sempre proceder a uma extensa revisão
bibliográfica (direccionada para os estudos relacionados), de modo a decidir qual é o melhor
protocolo a utilizar em cada caso específico ou que adaptações aos mesmos poderão ser
efectuadas (Tribe e Spielman 1996; West, Heard, e Caulkett 2007).
Este método de captura começou a ser desenvolvido no decorrer de acções com fins conservacionistas direccionados para algumas espécies que apresentavam um declínio acentuado e cujo estatuto passou a ser considerado preocupante, entre outros, assumem especial destaque os rinocerontes africanos (McCulloch e Achard 1969; West, Heard, e
Caulkett 2007). Neste capítulo foco especialmente a imobilização de indivíduos de ambas as
durante o estágio.
A título de curiosidade, destaco que as primeiras capturas de indivíduos destas espécies foram efectuadas sem recurso a fármacos, empregando um sistema no qual se perseguia o animal a bordo dum veículo e se enlaçava com uma corda, a fim de o conter. Ainda que algumas equipas se tenham tornado especialistas neste método de captura, este revelou-se bastante stressante para o animal e com grandes riscos associados para o operador (McCulloch e Achard 1969).
Data da década de 60 o emprego de substâncias químicas utilizadas na imobilização química destes animais. As primeiras substâncias utilizadas para este fim foram a feniciclidina, um agente anestésico dissociativo, em conjunto com a galamina, um relaxante
muscular curariforme, numa acção de translocação de indivíduos de rinoceronte preto de uma
área onde iriam ser vitimados pela subida das águas do lago Kariba, localizado na zona fronteiriça entre a Zâmbia e o Zimbabwe (Harthoorn e Lock 1960; Child e Fothergill 1962).
Na mesma década, na Republica da África do Sul, foram levadas a cabo acções de repovoamento de rinoceronte branco provenientes da provincia de KwaZulu-Natal (onde
então existiam cerca de 50 indivíduos), para áreas protegidas onde já não existia nenhum
exemplar desta espécie, nomeadamente no perímetro do KNP (R. Emslie 1999).
Actualmente a captura química de rinocerontes no estado selvagem, normalmente tem
como objectivo a implementação de algumas medidas de protecção da espécie, tais como:
remoção cirúrgica do corno, marcação dos animais, aplicação de sistemas de monitorização
electrónica ou translocações de animais (West, Heard, e Caulkett 2007).
imobilização química têm riscos associados para o animal, assim como para o operador, pelo
que toda e qualquer acção desta natureza deve ser rigorosamente planeada a fim de maximizar
a sua eficácia (West, Heard, e Caulkett 2007; Rogers 1993a; Tribe e Spielman 1990).
Antes de mais, deve ter-se um conhecimento aprofundado em relação à espécie a
capturar, nomeadamente a sua etologia, reacção ao stress (“lutar ou fugir”), assim como as
técnicas relacionadas com a imobilização química e a acção dos fármacos a utilizar. Para além
disso, deve ser ponderado o motivo pelo qual o animal deve ser imobilizado quimicamente,
sendo que esta imobilização só deve ser empreendida caso não exista uma forma menos
intrusiva de alcançar o objectivo em questão. Todos os procedimentos, assim como eventuais
complicações, devem ser previstos para que se proceda a uma preparação rigorosa de todo o
material que se possa verificar necessário em qualquer acção de imobilização. A decisão da
altura do dia a que deve ser efectuada a captura também é de extrema importância, sendo
preferível os períodos em que a temperatura ambiente é menor nomeadamente de manhã cedo
ou no final da tarde, para contornar eventuais problemas relacionados com a hipertermia, que
frequentemente se verifica em rinocerontes imobilizados por via de fármacos opióides(Portas
TJ 2004; Tribe e Spielman 1996).
Quando se trata da administração de fármacos em animais no estado selvagem, há que ter em conta que os animais não estão habituados ao contacto com seres humanos, tornando-se por isso demasiado esquivos e/ou agressivos para tornando-serem capturados e manutornando-seados. Assim sendo, foram desenvolvidos alguns métodos para a administração de fármacos à distância em fauna bravia, levando a taxas maiores de sucesso das acções empreendidas, assim como a uma diminuição acentuada dos riscos para os operadores (Rogers 1993a; West, Heard, e Caulkett 2007).
Os dispositivos usados na imobilização química consistem genericamente em duas partes: um dardo, no qual é colocado o fármaco, ou a combinação de fármacos a administrar;
e um projector que impele o dardo a percorrer a distância, pelo ar, até perfurar a pele do animal (West, Heard, e Caulkett 2007). Existem três formas, mais amplamente utilizadas, de
viabilizar a propulsão do dardo: com uma zarabatana em que o propelente é o ar expirado pelo
operador; com armas (pistolas ou carabinas) que usam como propelente ar previamente
comprimido; armas cujo propelente é pólvora colocada num cartucho especialmente
desenhado para esta finalidade (Tribe e Spielman 1996; West, Heard, e Caulkett 2007). Para
além destes, têm vindo a ser adaptados outros métodos alternativos como por exemplo o uso
de arcos e bestas em que o dardo é montado numa seta (West, Heard, e Caulkett 2007; Stander
et al. 1996).
A zarabatana é um tubo no qual é colocado o dardo e é operada à semelhança daquelas
utilizadas para fins venatórios pelos índios sul americanos. Este método requer muita práctica
por parte do operador e o alcance é relativamente reduzido, comparativamente aos outros
métodos, sendo preferencialmente empregue a curtas distâncias, entre os 10 e 15 m e em
animais cuja cobertura tegumentar não é muito espessa (Tribe e Spielman 1996; West, Heard,
e Caulkett 2007).
O sistema com recurso a ar comprimido é aquele mais utilizado actualmente em acções
de imobilização química de rinocerontes em estado selvagem podendo ser utilizada uma
pistola ou uma carabina para o efeito. Neste método, recorre-se a uma fonte externa de ar
comprimido, que pode ser obtida por uma bomba pneumática ou por uma garrafa contendo
dióxido de carbono sob compressão, dependendo das características do mecanismo em
premido, dá-se a abertura de uma válvula que liberta uma determinada quantidade de gás, cuja
expansão ao longo cano leva à propulsão do dardo. Neste método a quantidade de gás
necessária pode ser ajustada em função da distância a que o disparo é efectuado, assim como
das características anatómicas (nomeadamente o porte e a espessura da pele) do animal a
imobilizar. Este sistema tem-se revelado relativamente preciso, nomeadamente quando
empregue com uma carabina, tendo um alcance satisfatório até 50m (quando utilizada uma
pistola, o alcance é de cerca de 20m), à qual, inclusivé, se pode incorporar uma mira
telescópica, sendo assim justificável a sua preferência pelos profissionais da área, em relação
aos outros sistemas indicados (Tribe e Spielman 1996; West, Heard, e Caulkett 2007).
O sistema que recorre ao uso de pólvora num cartucho é empregue numa arma de fogo
de calibre .22, adaptada para que a força expansiva dos gases provenientes da explosão da
pólvora (é de referir que o cartucho não contém projéctil) possibilite a propulsão do dardo
colocado no cano da arma. Este sistema não deve ser empregue a curtas distâncias (pelo risco
de traumas que pode infligir ao animal), uma vez que possui uma grande potência, que lhe
possibilita um grande alcance. A precisão deste método também é bastante satisfatória (West,
Heard, e Caulkett 2007).
O uso de arcos ou bestas pode ser preciso quando utilizado por arqueiros experientes,
com alcances úteis que podem ir até aos 30 metros. Esta técnica necessita de um longo
período de aprendizagem, pelo que será apenas útil quando já haja arqueiros experimentados
disponíveis. Mas mesmo para o arqueiro experiente há um problema novo que é a capacidade
de dosear com precisão a força com que o dardo atinge o animal (Stander et al. 1996; West,
Em relação aos dardos utilizados também existem vários tipos, sendo que todos possuem quatro componentes comuns na sua constituição: uma agulha-que possibilita a injecção do(s) fármaco(s); uma câmara na qual é colocada a substância a administrar; um mecanismo que accione a injecção do(s) fármaco(s) presentes na câmara referida para o efeito; e um estabilizador de voo, para que este percorra a distância pretendida efectuando um trajecto o mais rectilíneo possível. Segundo West, Heard, e Caulkett (2007), os vários tipos de dardos existentes são:
-dardos de duas câmaras com ar comprimido- a câmara anterior possui a(s)
substância(s) a administrar; e a câmara posterior contém ar sob pressão. As duas câmaras estão separadas por um êmbolo de borracha (que é movido consoante os gradientes de pressão em ambas as câmaras). A agulha empregue nestes dardos possui um ou dois orifícios, por onde se dá a saída do fármaco, localizados lateralmente na ponta da agulha que estão tapados por uma bainha de silicone. A primeira fase da preparação destes dardos é a colocação do fármaco na câmara anterior, com auxílio de uma seringa. Após este procedimento, é colocada a agulha (contendo a respectiva bainha); depois é injectado ar, também recorrendo a uma seringa, na câmara posterior do dardo, a qual possui uma válvula unidireccional com o objectivo de impedir a saída do gás. O último passo é a colocação do estabilizador de voo e o dardo fica pronto a utilizar. Quando a agulha perfura a pele do animal, a bainha de silicone desliza caudalmente ao longo da agulha, expondo os orifícios e fazendo com que a que a pressão exercida pelo gás desloque o êmbolo frontalmente, o que leva à expulsão das substâncias presentes na câmara anterior. Estes dardos são fabricados em plástico ou alumínio, o que faz com que apresentem um baixo peso e consequentemente sejam relativamente atraumáticos para o animal, podendo ser utilizados numa grande variedade de
espécies. No entanto, derivado do seu baixo peso, não atingem um grande alcance nem apresentam uma taxa de sucesso satisfatória em condições climatéricas adversas (por ex. vento ou chuva);
-dardos cuja propulsão advém de um mecanismo explosivo- na câmara posterior deste
tipo de dardos encontra-se um percutor metálico, separado do detonador por uma mola. Quando a agulha penetra na pele do animal, o movimento do corpo do dardo interrompido e a energia cinética gerada faz com que o percutor oscile frontalmente (sobrepondo-se à força da mola) detonando a carga explosiva. Deste modo a expansão dos gases resultante propulsiona o êmbolo e a substância presente na câmara anterior é impelida a sair pelo orifício da agulha. Dada a elevada velocidade a que o fármaco é expelido, este método revela-se relativamente traumático para os tecidos, para além de que a força proveniente da explosão também impele o dardo a abandonar o corpo do animal, motivo pelo qual as agulhas utilizadas devem possuir uma barbela, para promover uma melhor fixação.
- dardos cuja propulsão advém de uma reacção química- a câmara posterior destes dardos contém duas substâncias químicas separadas fisicamente, de modo a que, aquando do impacto estas se misturem desencadeando uma reacção ácido-base, o que leva a que a efervescência produzida promova um aumento de pressão nesta câmara e assim a substância contida na câmara anterior seja impelida a sair do dardo, pela agulha.
–dardos com um mecanismo de mola- este mecanismo é muito semelhante ao verificado nos dardos cuja câmara contém ar sob pressão, sendo que neste é a mola existente na câmara posterior que gera pressão no êmbolo que separa as duas câmaras. Neste sistema também é colocado uma bainha de silicone ocluindo o orifício da agulha. As principais
desvantagens deste tipo de dardos são a dificuldade de preparação e a perigosidade decorrente da activação do mecanismo quando aquando da preparação pelo operador, como ocorria frequentemente, motivo pelo qual caiu em desuso.
Existem vários fabricantes deste tipo de aparelhos de propulsão: Dan Inject, Telinject,
Teledart; Pneu-Dart, Palmer Cap-Chur, Maxi-ject, Dist-Inject; no entanto nem todos se
revelam eficientes uma vez que estes devem projectar dardos com eficácia a uma distância superior a 20 metros, requisito que nem todos os modelos disponíveis evidenciam (Tribe e Spielman 1996; West, Heard, e Caulkett 2007). A escolha do material varia consoante as
finalidades visadas (espécies, alcance, qualidade de fabrico, etc.) e da afinidade pessoal pelos modelos comerciais disponíveis (Tribe e Spielman 1996; West, Heard, e Caulkett 2007). Nas
acções de imobilização química que presenciei o veterinário utilizou uma carabina de ar
comprimido DAN-inject (modelo JM Standard) e dardos de duas câmaras com ar comprimido
de nylon, fornecidos pelo mesmo fabricante.
Muito do conhecimento actual em relação ao comportamento das diferentes moléculas
deve-se às inúmeras experiências de imobilização química do rinoceronte branco. Dentre os
diferentes princípios activos empregues, assume especial relevância ao hidrocloridrato de
etorfina [6,14 endoeteno-7 alfa-(2hidroxi-2pentil)-tetrahidrooripavine hidrocloróide] (M99®),
um composto opióide que tem sido frequentemente utilizado em acções desta natureza nas
últimas décadas (Fowler e Miller 2008; West, Heard, e Caulkett 2007) e que foi o fármaco que
me indicaram ter sido empregue nas actividades de imobilização química que presenciei.
importância o rápido acesso ao animal imobilizado e a vigilância dos parâmetros fisiológicos,
particularmente monitorização cardio-respiratória. Foram referidos fenómenos de hipoxia,
hipoventilação, hipercapnia, hipertensão, taquicardia e acidose respiratória em acções de imobilização química de rinocerontes tanto no estado selvagem, como em cativeiro (Hattingh e Knox 1994; Bush et al. 2004; Portas TJ 2004). É de referir que o rinoceronte preto apresenta
uma resposta menos evidente ao efeito narcótico dos fármacos opiáceos que o seu aparentado
rinoceronte branco, assim sendo nem sempre se justifica administrar fármacos antagonistas
para reverter o efeito da etorfina, uma vez que a rápida recuperação do animal (dada a maior
tolerância à etorfina) pode ser perigosa para os intervenientes na captura devido à reversão
quase imediata do efeito dos fármacos indutores (Rogers 1993a; Kock e du Toit 1990a).
Os agentes opióides têm como efeitos indesejáveis uma marcada depressão
cardio-respiratória. Na tentativa de atenuar estes efeitos, têm sido experimentados vários protocolos
de indução química, que podem incluir o uso de agonistas ou antagonistas parciais, tais como
a nalorfina (para reverter a depressão respiratória); estimulantes respiratórios como o
doxapram; ou ainda suprimento artificial de oxigénio. Com o objectivo de diminuir as doses
de agentes opióides utilizadas, estes têm sido utilizados em associações com outras moléculas
para que a acção sinérgica entre elas viabilize o estado de depressão pretendido, reduzindo os
efeitos secundários a nível cardio-respiratório (Citino e Bush 2007; Kock e du Toit 1990a;
Kock e Morkel 1995).
De seguida, descrevo de forma sucinta alguns dos fármacos que podem ser empregues na indução:
tebaína, com uma potência 1000 a 3000 vezes maior do que a morfina. O seu efeito evidencia-se nos 2 a 12 minutos subevidencia-sequentes à administração. Em rinocerontes, frequentemente leva a uma depressão respiratória que é directamente proporcional à dose administrada. Devido à sua natureza lipofílica, esta molécula acumula-se nos tecidos gordos e pode ser redistribuída ou participar no ciclo entero-hepático, levando a que esta entre novamente na circulação sistémica- fenómeno de renarcotização. A acção deste fármaco pode ser revertida com naltrexona ou diprenorfina (West, Heard, e Caulkett 2007; Portas TJ 2004; Tribe e Spielman 1996).
Citrato de carfentanil- este é um composto opióide sintético 10 000 vezes mais potente do que a morfina. O seu efeito no organismo é semelhante ao da etorfina, apresentando tempos de indução mais curtos, um período de acção mais prolongado e com uma depressão respiratória menos marcada. Este fármaco foi empregue em várias espécies de rinoceronte, ainda que já tenha caído em desuso (Portas TJ 2004; West, Heard, e Caulkett 2007).
Tartarato de butorfanol- este é um composto agonista-antagonista sintético opióide, com 3 a 5 vezes a potência da morfina. A depressão cardio-respiratória, aquando da utilização deste fármaco, é muito menos evidente comparativamente à verificada quando é utilizada etorfina. Este composto pode ser utilizado, em acções de imobilização, isoladamente como sedativo, ou combinado com outros fármacos, nomeadamente azaperona ou detomidina (Kock e Morkel 1995; Portas TJ 2004; West, Heard, e Caulkett 2007).
Principais fármacos empregues na reversão:
Hidrocloreto de diprenorfina- este composto tem propriedades a agonistas e antagonistas dos agentes opióides, sendo o fármaco de eleição utilizado para a reversão do
efeito da etorfina. Contudo, dada a sua semi-vida relativamente curta, este fármaco pode predispor o animal a fenómenos de renarcotização, particularmente no caso do rinoceronte branco, sendo que nesta espécie deve ser ponderada a sua utilização em detrimento do uso de outros fármacos. Nas acções de imobilização do rinoceronte branco, após a reversão o animal deve ser vigiado durante algumas horas para que se possa intervir caso estes efeitos ponham em risco a saúde do animal. Os efeitos de renarcotização poderão ser evidentes até 8 horas após a administração deste fármaco (West, Heard, e Caulkett 2007; Portas TJ 2004; Kock e Morkel 1995).
Hidrocloreto de naltrexona- este composto é um antagonista opióide puro, com uma semi-vida relativamente longa, sendo utilizado na reversão de potentes compostos opióides, tais como a etorfina ou carfentanil, por minimizar os efeitos de renarcotização (West, Heard, e Caulkett 2007; Portas TJ 2004).
Hidrocloreto de naloxona- este composto é um antagonista opióide, com uma semi-vida relativamente curta, sendo que está desaconselhada a sua administração para reverter a acção da etorfina ou do carfentanil, pela elevada predisposição a fenómenos de renarcotização. Este fármaco pode ser empregue para reverter a acção do butorfanol, quando utilizado como sedativo (West, Heard, e Caulkett 2007; Portas TJ 2004).
Outros fármacos que podem ser co-administrados juntamente com os fármacos indutores:
Hidrocloreto de Xilazina- Este composto é um agonista dos receptores alfa-2 adrenérgicos com uma acção de duração curta, comparativamente a outros fármacos. Esta substância melhora os fenómenos de sedação, analgesia e relaxamento muscular, sendo