• Nenhum resultado encontrado

A legitimidade extraordinária das associações de municípios à luz do sistema processual coletivo

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "A legitimidade extraordinária das associações de municípios à luz do sistema processual coletivo"

Copied!
50
0
0

Texto

(1)

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

PAULO DINARTE DITTMAR NONATO

A legitimidade extraordinária das associações de municípios à luz do sistema processual coletivo

Rio de Janeiro 2019

(2)

PAULO DINARTE DITTMAR NONATO

A legitimidade extraordinária das associações de municípios à luz do sistema processual coletivo

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas como requisito para a obtenção de grau de bacharel em Direito.

Orientador: Carlos Roberto Jatahy

Rio de Janeiro 2019

(3)

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA DE DIREITO DO RIO DE JANEIRO

A legitimidade extraordinária das associações de municípios à luz do sistema processual coletivo

Elaborado por Paulo Dinarte Dittmar Nonato

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas como requisito para a obtenção de grau de bacharel em Direito.

Comissão examinadora:

- Carlos Roberto Jatahy (orientador) - Diogo Assumpção Rezende de Almeida - Felipe de Melo Fontes

____________________________ ____________________________

____________________________

Nota final: ______

(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, à minha mãe e à minha irmã: acima de tudo, agradeço a vocês por cada gesto de amor e carinho. Por essa verdadeira relação de parceria, confiança e amizade que construímos para além dos laços de sangue que já nos une desde sempre e para sempre.

À Cleinha: agradeço por todas infindáveis e lúcidas lições de vida, pelas histórias sempre cheias de ensinamentos, pela profunda dedicação a mim e à minha irmã e pelo mais sincero interesse em nosso bem-estar e sucesso profissional.

Aos Dittmars, em especial na figura da Vovó e do Vovô: obrigado por todos os momentos de descontração, todas as polêmicas e, enfim, todos os momentos compartilhando os momentos mais sinceros de alegria. Tenho verdadeiro orgulho de fazer parte dessa família única e muito unida.

À Giovanna: obrigado, de verdade, por todo o companheirismo, todo o carinho, dedicação e amor que compartilhamos neste último ano. Tudo tem muito mais graça ao seu lado.

Aos professores, funcionários e, acima de tudo, amigos da FGV Direito Rio: vocês fazem dessa instituição, que há 5 anos me tirou completamente da zona de conforto, tudo o que ela é: um centro de excelência, de comprometimento e, sobretudo, uma casa para muitos, em razão do companheirismo que existe entre professores, alunos e funcionários. Me enche de orgulho ter sido (uma pequena) parte disso e ter conhecido tanta gente brilhante e verdadeiramente dedicada, não só à profissão, mas à própria vida.

(6)

RESUMO

No Brasil, as associações formadas por municípios desempenham um importante papel para o desenvolvimento regional e fortalecimento da autonomia política, administrativa e financeira dos governos municipais. Por vezes, os municípios precisam acionar o Poder Judiciário para garantir com que as receitas arrecadadas por outros entes federados ou fundos especiais sejam devidamente repartidas nos termos do ordenamento jurídico. As associações de municípios assumiram também o papel de substituir os municípios associados nesse mister. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que as associações de municípios não têm legitimidade processual para representar os municípios em juízo, em razão dos seguintes fundamentos: (i) os Municípios devem ser representados, em juízo, exclusivamente por seus respectivos Prefeitos ou Procuradores, nos termos da legislação processual e (ii) as associações de municípios, enquanto pessoas jurídicas de direito privado, não têm legitimidade para, em nome próprio, defender os direitos de pessoas jurídicas de direito público, já que essas contam com as prerrogativas processuais e materiais inderrogáveis da Fazenda Pública. Por outro lado, o entendimento do STJ não parece ser a resposta que mais se coaduna com o atual sistema normativo que rege o direito processual coletivo, considerando a instrumentalidade do processo, a natureza complexa do ordenamento jurídico, o papel essencial das associações de municípios na defesa dos interesses municipais e a natureza indivisível desses interesses. Em especial, houve uma imprecisão por parte do STJ na aplicação e interpretação dos institutos da representação e da substituição processual e das prerrogativas processuais e materiais da Fazenda Pública, que, a rigor, não são incompatíveis com a tutela coletiva dos interesses dos municípios. A ação coletiva é instrumento essencial também para os municípios e serve para garantir inúmeras vantagens, como o acesso à justiça, a duração razoável do processo e o direito a decisões coerentes e previsíveis, promovendo uma verdadeira autonomia municipal e cooperação entre os entes municipais na solução de seus problemas, além de fomentar o uso mais racional da máquina judiciária, garantir uma acentuada economia processual e promover a segurança jurídica.

Palavras-chave: Tutela coletiva de direitos. Legitimidade extraordinária. Substituição

processual. Representação processual. Instrumentalidade do processo. Associação. Indivisibilidade dos direitos coletivos em sentido estrito. Autonomia municipal. Pessoa jurídica de direito público. Prerrogativas processuais. Complexidade do ordenamento jurídico. Superior Tribunal de Justiça.

(7)

ABSTRACT

In Brazil, municipal associations play an important role in regional development and in strengthening the political, administrative and financial autonomy of municipal governments. At times, municipalities need to engage the court system to ensure that revenues collected by other federated entities or special funds are properly distributed in accordance with the legal system. The municipal associations also assumed the role of replacing the associated municipalities in this area. However, the Superior Court of Justice (“STJ”) has ruled that municipal associations do not have procedural standing to represent municipalities in court, on the following grounds: (i) municipalities should be represented in court exclusively by their respective Mayors or Prosecutors. (ii) associations of municipalities, as legal entities governed by private law, have no standing to defend the rights of legal entities governed by public law in their own right, as they have the procedural and material prerogatives non-derogable from the Public Treasury. On the other hand, the understanding of the STJ does not seem to be the answer that best fits with the current normative system governing collective procedural law, considering the instrumentality of the process, the complex nature of the legal system, the essential role of municipal associations in the defense of municipal interests and the indivisible nature of those interests. In particular, there was an imprecision on the part of the STJ in the application and interpretation of the institutes of procedural representation and substitution and the procedural and material prerogatives of the Public Treasury, which, strictly speaking, are not incompatible with the collective protection of the interests of the municipalities. Collective action is also an essential instrument for municipalities and serves to guarantee numerous advantages such as access to justice, reasonable length of proceedings and the right to coherent and predictable decisions, promoting true municipal autonomy and cooperation between municipal authorities in the solution of its problems, in addition to fostering the more rational use of the judiciary, ensuring a marked procedural economy and promoting legal certainty.

Keywords: Collective rights relief. Ad causam standing. Procedural substitution. Procedural

representation. Procedural instrumentality. Association. Collective rights indivisibility in narrow sense. Municipal autonomy. Legal entity governed by public law. Procedural prerogatives. Complexity of the legal system. Superior Court of Justice.

(8)

SUMÁRIO

I. Introdução ... 9

II. A jurisprudência do STJ acerca da legitimidade das associações de municípios ... 17 III. Associações em juízo: hipótese de representação ou substituição processual? ... 24 IV. Prerrogativas processuais e materiais da Fazenda Pública no sistema processual coletivo ... Erro! Indicador não definido. IV. O tratamento unitário obrigatório dos direitos coletivos indivisíveis ... 40 V. Conclusão ... 45

(9)

INTRODUÇÃO

Em 2010, um estudo sobre o associativismo territorial brasileiro constatou a existência de 262 associações de municípios e 1.906 consórcios intermunicipais no Brasil1. A nível nacional, destacam-se a Associação Brasileira de Municípios (ABM), criada em 19462; a

Confederação Nacional de Municípios (CNM), fundada em 19813; e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), constituída em 19894. Há também as chamadas associações setoriais, formadas

por secretários municipais de pastas específicas, destacando-se, neste segmento, a atuação da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime); do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems); e da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf)5. Por fim, constatou-se que “a maior parte destas associações municipalistas está no plano estadual, muitas delas representando regiões dentro dos estados”6.

Esse fenômeno de associativismo intermunicipal não é exclusividade do Brasil, tratando-se de uma prática disseminada em diversos países, “com os objetivos de promover o fortalecimento dos municípios como nível de governo e de facilitar a prestação de certos serviços públicos, mediante a criação de escalas populacional, financeira, econômica e técnica, sem as quais seria inviável a prestação desses serviços em padrões adequados, no caso de pequenos municípios”7.

Em determinados países, há casos de associações municipalistas criadas ainda no século XIX. No Japão, por exemplo, a antiga Associação dos Municípios da Região de Kansai foi

1 ABRUCIO, F.; SANO, H.; SYDOW, C. T. Radiografia do associativismo territorial brasileiro: tendências,

desafios e impactos sobre as regiões metropolitanas. In: KLINK, J. (Org.). Governança das metrópoles: conceitos, experiências e perspectivas. São Paulo: Annablume, 2010. p. 21-48

2 ABM, Associação Brasileira de Municípios. História. Disponível em: https://abm.org.br/a-abm-municipios-fortes-pais-desenvolvido/. Acesso em: 3 jun. 2019.

3 CNM, Confederação Nacional dos Municípios. Quem somos. Disponível em:

https://www.cnm.org.br/institucional/conhecaacnm. Acesso em: 3 jun. 2019.

4 FNP, Frente Nacional de Prefeitos. Histórico e Visão. Disponível em: https://www.fnp.org.br/fnp/historico.

Acesso em: 3 jun. 2019.

5 ABRUCIO, F.; SANO, H.; SYDOW, C. T. Radiografia do associativismo territorial brasileiro: tendências,

desafios e impactos sobre as regiões metropolitanas. In: KLINK, J. (Org.). Governança das metrópoles: conceitos, experiências e perspectivas. São Paulo: Annablume, 2010. p. 25

6 ABRUCIO, F.; SANO, H.; SYDOW, C. T. Radiografia do associativismo territorial brasileiro: tendências,

desafios e impactos sobre as regiões metropolitanas. In: KLINK, J. (Org.). Governança das metrópoles: conceitos, experiências e perspectivas. São Paulo: Annablume, 2010. p. 25

7 MELLO, Diogo Lordello de. Associativismo como instrumento de desenvolvimento dos governos locais: a

(10)

criada em 18 de maio de 1898 e se tornou, em 1906, uma associação de nível nacional, a chamada Japan Association of City Mayors8.

A nível internacional, por sua vez, foi criada, no ano de 2004, a United Cities and Local Governments (UCLG), uma associação que se autodenomina “herdeira do centenário Movimento Municipal Internacional” e tem como missão ser a “voz unificada e defensora global de governos locais e regionais, promovendo os valores, objetivos e interesses de governos locais, democráticos e autônomos, por meio da cooperação entre os governos locais e regionais e, de maneira mais ampla, entre estes e a comunidade internacional”9.

No Brasil, em especial, as associações de municípios desempenham uma função de destaque, sendo instrumento essencial para o desenvolvimento regional e o fortalecimento da autonomia política, administrativa e financeira dos governos municipais10. Para cumprir com o papel de destaque que lhes foi atribuído pela Constituição Federal de 198811, os municípios passaram a cooperar, criando novas formas de parceria para a prestação de serviços e construção de soluções12, especialmente para lidar com os problemas que afetam, de igual maneira, diversos municípios de uma mesma região. Ações que seriam impossíveis para apenas uma prefeitura realizar, por dependerem de equipamentos e serviços de custos elevados, passaram a ser implementadas em conjunto pelos municípios, por meio das associações municipais, tornando o uso dos recursos públicos mais eficiente e ampliando o atendimento aos cidadãos e o alcance das políticas públicas13.

8 Sítio eletrônico da Japan Association of City Mayors. Disponível em: http://www.mayors.or.jp/english.php#contents_02. Acesso em: 31 mai. 2019. O autodeclarado papel da Japan

Association of City Mayors consiste no seguinte: “to promote liaison and coordination between cities across Japan, and to contribute to promotion and advancement of local autonomy by ensuring smooth operation and progress of the municipal administration. In order to improve the welfare of citizens and promote better urban development, the Association not only promotes decentralization of government, but also conducts research studies and collects opinions on countermeasures against issues and problems common to all cities and matters that a city alone can hardly solve”.

9 UCLG, United Cities and Local Governments, About Us: Who Are We? Tradução livre. Disponível em: https://www.uclg.org/sites/default/files/uclg_who_we_are_0.pdf. Acesso em: 3 jun. 2019.

10 MELLO, Diogo Lordello de. Associativismo como instrumento de desenvolvimento dos governos locais: a

experiência brasileira e de outros países.

11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007; SILVA,

José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, 2002.

12 CRUZ, Maria do Carmo; LEITE, Carlos Corrêa; ARAÚJO, Fátima Fernandes de; SILVA, Isabete Gabriel da;

SILVA, Vera Martins da. Consórcios intermunicipais de desenvolvimento: mudando para sobreviver. In: Congresso Nacional de Administração Pública, 2., 2009, Brasília. Brasília: Repositório Digital Saberes em Gestão Pública, 2009. p. 3. Disponível em: http://www.cepam.sp.gov.br/arquivos/artigos/5_Consorcio_site.pdf Acesso em: 1 jun. 2019.

13 ROCHA, Carlos Vasconcelos; FARIA, Carlos Aurelio Pimdenta de. Cooperação intermunicipal,

reterritorialização da gestão pública e provisão de bens e serviços sociais no Brasil contemporâneo: a experiência dos Consórcios de Saúde em Minas Gerais. Cadernos Metrópole (PUCSP), 2004, v. 11, p. 73-106; e MARTINHO,

(11)

Há, inclusive, quem defenda que as associações de municípios ostentam natureza de direito público interno, por serem constituídas somente por pessoas jurídicas de direito público, “a partir de patrimônio de origem pública, voltada para finalidades públicas, e dependente de lei (sem a qual não é possível contribuir para a associação e confirmar a condição de associado)” 14. Tal posicionamento enseja controvérsias que fogem ao escopo do presente

trabalho, cabendo ressaltar apenas que, independentemente da natureza jurídica ostentada por essas associações, é preciso reconhecer que o associativismo municipal é um instrumento importante para a promoção do interesse dos governos locais e, em última instância, do próprio interesse público.

Nesta linha, para a concretização do novo papel de destaque atribuído pelo ordenamento jurídico constitucional aos municípios, também foi preciso conferir, a estes, verdadeira autonomia financeira. De um lado, a Constituição lhes garantiu uma ampla competência tributária para instituir e cobrar diversos impostos, como o IPTU, o ITBI e o ISS, além das taxas e contribuições comuns a todos os entes federados15. Lado outro, a Constituição lhes garantiu também a participação obrigatória na receita de diversos tributos arrecadados pela União e pelos Estados, principalmente por meio do Fundo de Participação dos Municípios16 e da repartição do produto do ITR, do IPVA e do ICMS17. Há também, fundos específicos criados para o

Jobson; FILIPPIM, Eliane. Ação Consorciada De Governos Locais: O Caso Das Associações De Municípios Em Santa Catarina (Brasil). Informe Gepec, Toledo, v. 16, nº 1, p. 76-92, 2012.

14 AZEVEDO, Damião Alves de. A natureza jurídica das associações de municípios e dos consórcios

intermunicipais. Rio de Janeiro: Revista de Direito Administrativo, out/dez. de 2004. p. 375-384.

15 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I - propriedade predial e territorial urbana;

II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

16 Art. 159. A União entregará:

I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, 49% (quarenta e nove por cento), na seguinte forma: (...)

b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios; (...)

d) um por cento ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano;

e) 1% (um por cento) ao Fundo de Participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano;

17 Art. 158. Pertencem aos Município:

II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III;

(12)

financiamento de determinados programas e setores, como, por exemplo, o antigo FUNDEF18 e atual FUNDEB19, financiados por receitas advindas dos três níveis de governo - Municípios, Estados e União.

Sendo assim, as associações de municípios também passaram a despenhar um importante papel para garantir com que a repartição das receitas tributárias a favor dos municípios associados ocorresse conforme as regras da Constituição e das respectivas leis especiais. O próprio legislador federal reconheceu esse fenômeno, conferindo às associações de municípios o direito de impugnar os cálculos apresentados pelos Estados em relação à parcela da receita do ICMS a ser repassada aos municípios - o chamado Valor Adicionado Fiscal (VAF) 20 -, na forma art. 3º da Lei Complementar nº 63/9021.

No ano de 2007, por exemplo, a Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará (APRECE) ajuizou uma ação22 contra a União, para obrigá-la a complementar os

III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;

IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:

I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;

II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.

18 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, à época

regido pela Lei nº 9.424, de 24.12.1996.

19 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação,

instituído pela Lei nº 11.494, de 20.06.2007.

20 “Valor Adicionado Fiscal (VAF) é um indicador econômico-contábil utilizado pelo Estado para calcular o índice

de participação municipal no repasse de receita do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) aos municípios mineiros. É apurado pela Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais (SEF-MG), com base em declarações anuais apresentadas pelas empresas estabelecidas nos respectivos municípios.” (Definição dada pela Secretaria de Estado de Fazendo de Minas Gerais. Disponível em: http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/declaracoes_demonstrativos/vaf/. Acesso em: 31 mai. 2019.

21 Art. 3º. (...)

§ 5º Os Prefeitos Municipais, as associações de Municípios e seus representantes terão livre acesso às informações e documentos utilizados pelos Estados no cálculo do valor adicionado, sendo vedado, a estes, omitir quaisquer dados ou critérios, ou dificultar ou impedir aqueles no acompanhamento dos cálculos.

§ 7º Os Prefeitos Municipais e as associações de Municípios, ou seus representantes, poderão impugnar, no prazo de 30 (trinta) dias corridos contados da sua publicação, os dados e os índices de que trata o parágrafo anterior, sem prejuízo das ações cíveis e criminais cabíveis.

22 Ação Ordinária nº 0020620-60.2007.4.05.8100, distribuída à 3a Vara Federal da Justiça Federal/CE em

(13)

repasses destinados ao FUNDEF, tendo em vista que diversos municípios daquele Estado não haviam recebido o montante mínimo previsto pela legislação vigente à época.

Em 2009, por sua vez, a Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba (AMVAP) impetrou mandado de segurança coletivo23 para impedir com que o Estado de Minas Gerais, em cumprimento a uma decisão do juízo da 7ª Vara de Fazenda Pública daquela Comarca, complementasse o valor a ser repassado ao Município de Ipatinga/MG, a título de Valor Adicionado Fiscal (VAF). Eis que o valor a ser repassado a maior ao município mineiro (de Ipatinga) resultaria necessariamente numa retenção de parte das parcelas devidas aos municípios sul-mato-grossenses (representados pela AMVAP), prejudicando-os financeiramente.

A princípio, ambos os casos retratam simplesmente a atuação de duas associações na busca pela tutela jurisdicional dos interesses de seus associados, diante de uma mesma e potencial lesão aos seus direitos. Trata-se de direito expressamente garantido às associações por meio do art. 5º, inciso XXI, da Constituição24, configurando hipótese de tutela coletiva de direitos, dada a transindividualidade dos interesses e a legitimidade especial que é conferida a terceiro não titular dos direitos objeto de tutela. Nessa esteira, a ação coletiva é um direito “apto a ser legítima e autonomamente exercido por pessoas naturais, jurídicas ou formais, conforme previsão legal, de modo extraordinário, a fim de exigir a prestação jurisdicional, com objetivo de tutelar interesses coletivos, assim entendidos os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos”25.

No entanto, em ambos os casos, sem apreciar o mérito das lides, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, como vem decidindo, que as associações de municípios não têm legitimidade processual para representar os municípios em juízo26, basicamente em razão dos seguintes fundamentos: (i) os Municípios devem ser representados, em juízo, exclusivamente por seus respectivos Prefeitos ou Procuradores, nos termos da legislação processual (art. 12, II,

23 Mandado de Segurança Coletivo nº 5065827-21.2009.8.13.0000, distribuído à 2a Câmara Cível do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais em 23.09.2009.

24 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

25 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 3. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 30.

26 STJ, 1ª Turma, DJe 07 mai 2012, AgRg no AREsp nº 104.238/CE, Rel. Min. Francisco Falcão; e STJ, 1ª Turma,

(14)

do CPC/73 e art. 75, III, do CPC/15); e (ii) as associações de municípios, enquanto pessoas jurídicas de direito privado, não têm legitimidade para, em nome próprio, defender os direitos de pessoas jurídicas de direito público, já que essas contam com garantias processuais e materiais inderrogáveis, típicas da Fazenda Pública. Com isso, o STJ afastou a incidência do permissivo constitucional previsto no art. 5º, inciso XXI, para os casos em que os associados são municípios ou, de maneira geral, pessoas jurídicas de direito público.

Neste ponto, é preciso lembrar que há outros fundamentos utilizados frequentemente pelo STJ para negar legitimidade processual às associações de municípios, tal como a ausência de autorização específica dos associados para que a associação ingresse em juízo na defesa de seus interesses. Mas esses outros fundamentos servem para negar legitimidade a toda e qualquer associação, não se referindo especificamente ao fato de a entidade ter como associados pessoas jurídicas de direito público. Logo, para que se possa compreender o que levou o STJ a entender pela absoluta ilegitimidade das associações de municípios - conferindo a essas um tratamento discriminatório se comparadas às demais associações, e, assim, excluindo-as do campo de incidência do art. 5º, XXI, da CF/88 - e a partir disso construir uma visão crítica desse entendimento, é preciso limitar a análise aos dois fundamentos abordados no parágrafo anterior.

Não obstante, importa ressaltar que, no próprio STJ, há vozes dissonantes do referido entendimento, tendo o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho divergido da maioria no âmbito do Recurso Especial (REsp) nº 1.503.007/CE, julgado pela 1ª Seção. Em seu voto vencido, quanto à possibilidade de as associações de municípios ingressarem, em juízo, na defesa dos direitos de seus associados, o Ministro Napoleão destacou que “o que favorece a adoção dessa técnica é o barateamento de custos, a pulverização de riscos, o sentimento associativo e o prestigiamento das ações coletivas”27.

Ademais, para regulamentar a criação e atuação das associações de municípios, o Senador Antonio Anastasia apresentou, em 2007, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 48628. O relator do referido PLS na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, Senador Lasier Martins, apresentou um substitutivo ainda pendente de deliberação pelos demais parlamentares daquela Comissão. O referido PLS nº 486, tanto na sua versão original, quanto na emenda substitutiva, prevê a possibilidade de as associações de municípios representarem os seus associados perante instâncias judiciais.

27 STJ, 1ª Seção, DJe 06 set. 2017, REsp nº 1.503.007/CE, Rel. Min. Herman Benjamin. Voto Vencido do Ministro

Napoleão Nunes Maia Filho.

28 Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131855. Acesso em: 05 jun.

(15)

A justificação do referido PLS elaborada pelo Senador Antonio Anastasia é expressa ao reconhecer que “o arcabouço legislativo para essas importantes organizações associativas ainda é frágil e vem dificultando a sua operacionalização. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, nega a possibilidade de essas associações de Municípios representarem os seus filiados. E o motivo desse entendimento, no final das contas, é a falta de previsão legal”29.

Também o parecer do Senador Lasier Martins, que apresenta a emenda substitutiva ao projeto, ressalta que “Um dos principais entraves hoje existente para o funcionamento seguro das associações de municípios é a falta de previsão legal expressa sobre suas características jurídicas. Destacam-se julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, não obstante reconheçam a possibilidade da existência dessas entidades, apontam para limitações de seus poderes, como a representação judicial e extrajudicial dos municípios”30.

De toda forma, a despeito da ponderação do Ministro Napoleão Nunes e do esforço legislativo que está sendo realizado, o entendimento que tem prevalecido hoje no STJ é o que impede com que as associações de municípios busquem tutelar, em juízo, os direitos de seus associados.

Questiona-se se o referido entendimento do STJ sobre a matéria é realmente o que mais se coaduna com o atual sistema normativo que rege o nosso direito processual coletivo, sobretudo se considerando o caráter essencialmente instrumental do processo civil, a natureza complexa do nosso ordenamento jurídico e o papel essencial das associações de municípios na defesa da autonomia municipal e a natureza indivisível dos interesses dos municípios defendidos pelas associações em juízo. Eis, então, o objetivo do presente trabalho: oferecer uma resposta a esse questionamento.

Sendo assim, o segundo capítulo deste trabalho examinará as premissas jurídicas que foram adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça e que o levaram a concluir pela ilegitimidade processual das associações de municípios, bem como a forma com que a jurisprudência do STJ foi, aos poucos, evoluindo sem o devido rigor técnico no que diz respeito à aplicação e à interpretação dos institutos jurídicos próprios do sistema processual coletivo.

O terceiro capítulo e o quarto capítulo analisarão a legitimidade das associações de municípios sob a sistemática própria do direito processual coletivo, sobretudo à luz da noção de instrumentalidade do processo civil e da complexidade do ordenamento jurídico

29 Disponível em:

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7326067&ts=1559276441937&disposition=inline. Acesso em: 05 jun. 2019.

30 Disponível em:

(16)

constitucional. Por meio dessa análise, será aprofundado o exame crítico dos fundamentos jurídicos utilizados pelo STJ para apreciar a matéria, em especial no que se refere (i) à imprecisão no manejo dos institutos da representação e da substituição processual, o que será abordado no terceiro capítulo e (ii) à inexistente incompatibilidade das prerrogativas processuais e materiais da Fazenda Pública com a tutela coletiva dos direitos dos municípios por meio de uma associação privada, o que será abordado no quarto capítulo. Quanto a este segundo ponto, será demonstrado que o processo coletivo é instrumento da maior relevância para a tutela dos interesses dos municípios brasileiros, e que, longe de prejudicá-los, a ação coletiva serve para garantir a eles inúmeras vantagens, como o acesso à justiça, a duração razoável do processo e o direito a decisões coerentes e previsíveis. Tudo isso caminha lado a lado com a finalidade de se garantir uma verdadeira autonomia municipal e cooperação entre os entes municipais na solução de seus problemas. Ademais, há vantagens também para o próprio sistema de justiça, tal como o uso mais racional da máquina judiciária, a garantia de uma acentuada economia processual e a promoção da segurança jurídica.

O quinto capítulo, por sua vez, analisará o chamado tratamento unitário obrigatório dos direitos coletivos em sentido estrito. Será demonstrado que, por se enquadrarem nessa espécie de direitos coletivos, cuja indivisibilidade é inerente, torna-se inevitável que seja conferido ao interesses dos municípios associados um “tratamento transindividual, na medida em que a indivisibilidade produz efeitos reflexos, de maneira inexorável, não apenas para os que figuraram como parte no processo, mas para todas as pessoas interessadas.”31.

Por fim, será apresentada a conclusão do presente trabalho, no sentido de que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a legitimidade processual das associações de municípios não é o que melhor se coaduna com o ordenamento jurídico constitucional, considerando a sua unidade, complexidade e sistematicidade, em especial no que se refere à sistemática normativa aplicável especialmente ao processo coletivo e a ideia de instrumentalidade do processo civil, além do caráter indivisível dos direitos coletivos dos municípios, e, por fim, por impedir com que os municípios se beneficiem desse importante instrumento para a tutela de seus direitos e para a garantia de sua autonomia financeira, política e administrativa.

31 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

(17)

AJURISPRUDÊNCIA DO STJ ACERCA DA LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES DE MUNICÍPIOS

O julgamento da 1ª Turma do STJ, no Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 34.270/MG, tornou-se paradigma do entendimento da Corte no que diz respeito à ilegitimidade processual das associações de municípios para representarem, em juízo, os interesses dos municípios associados. Todos os demais julgados proferidos, desde então, pelo STJ, de certa maneira se baseiam no entendimento adotado naquela oportunidade. Logo, para melhor compreender como o STJ vem tratando a matéria, o exame desse julgado é ponto de partida fundamental. Eis a ementa do referido acórdão:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS. ILEGITIMIDADE ATIVA PARA, EM NOME PRÓPRIO, TUTELAR DIREITOS E INTERESSES DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO.

1. A legitimação conferida a entidades associativas em geral para tutelar, em juízo, em nome próprio, direitos de seus associados (CF, art. 5º, XXI), inclusive por mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º, LXX, b e Lei 10.016/09, art. 21), não se aplica quando os substituídos processuais são pessoas jurídicas de direito público. A tutela em juízo dos direitos e interesses das pessoas de direito público tem regime próprio, revestido de garantias e privilégios de direito material e de direito processual, insuscetível de renúncia ou de delegação a pessoa de direito privado, sob forma de substituição processual.

2. A incompatibilidade do regime de substituição processual de pessoa de direito público por entidade privada se mostra particularmente evidente no atual regime do mandado de segurança coletivo, previsto nos artigos 21 e 22 da Lei 12.016/90, que prevê um sistema automático de vinculação tácita dos substituídos processuais ao processo coletivo, podendo sujeitá-los inclusive aos efeitos de coisa julgada material em caso de denegação da ordem.

3. No caso, a Associação impetrante não tem - nem poderia ter – entre os seus objetivos institucionais a tutela judicial dos interesses e direitos dos Municípios associados.

4. Recurso ordinário desprovido32.

É bom destacar que a questão da legitimidade da associação, no caso concreto, sequer havia sido objeto de controvérsia nas instâncias de origem, tendo o Ministro Teori Zavascki decidido apreciá-la por ter considerado se tratar de uma matéria de ordem pública, trazendo à baila o chamado efeito translativo do recurso, que permite o conhecimento de ofício de tais questões33.

32 STJ, 1ª Turma, DJe 28 out. 2011, RMS 34.270/MG, Rel. Min. Teori Zavascki

33 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.

(18)

Em seu voto condutor, o Ministro Teori Zavascki reconhece expressamente que as associações são, em regra, legitimadas para representarem judicialmente os interesses de seus associados, em especial por meio da impetração de mandado de segurança coletivo, conclusão que se extrai de maneira inequívoca do art. 5º, XXI, e LXX, b, da Constituição Federal34 e do art. 21 da Lei nº 12.016/0935.

No entanto, para o então Ministro do STJ, “o cenário imaginado pelo legislador ao editar as normas de legitimação” (ou seja, ao editar o art. 5ª, XXI e LXX, b, da Constituição Federal e o art. 21 da Lei nº 12.016/09) envolveria “entidades associativas (...) pessoas jurídicas de direito privado, cujos associados naturais são também pessoas físicas ou jurídicas de direito privado”, já que, nesta linha de argumentação, “a tutela em juízo dos direitos e interesses das pessoas de direito público tem regime próprio revestido de garantias e privilégios de direito material (vg.: inviabilidade de confissão, de renúncia, ou de transação) e de direito processual (vg.: prazos especiais, reexame necessário, intimações pessoais), em face, justamente, da relevante circunstância de se tratar da tutela do patrimônio público”.

O STJ realizou, por conseguinte, uma interpretação teleológica e restritiva do texto constitucional. Isto é, buscou-se na ratio legis o alcance do referido comando constitucional36, restringindo a sua aplicação apenas às associações formadas por pessoas jurídicas de direito privado, que não contam com as prerrogativas materiais e processuais da Fazenda Pública, que seriam inderrogáveis.

Ademais, naquele caso, por se tratar de um mandado de segurança coletivo, a 1ª Turma do STJ, na linha do voto condutor, considerou que a impossibilidade de os municípios se fazerem representar por uma associação de direito privado seria ainda mais evidente, em razão do sistema de vinculação tácita e automática dos substituídos processuais ao processo coletivo,

34 Art. 5º. (...)

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; (...)

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: (...)

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

35 Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no

Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

(19)

“viabilizando efeitos de coisa julgada material inclusive em caso de denegação de ordem”, na forma do art. 22 da Lei nº 12.016/0937. Ademais, o STJ considerou, na hipótese, que a associação de municípios não teria interesse jurídico próprio para ajuizar a demanda, tendo em vista que inexistiria “relação de pertinência” e “compatibilidade entre a razão de ser (=finalidade institucional) da entidade impetrante e conteúdo do direito ameaçado ou violado”, requisito exigido pelo art. 21 da Lei nº 12.016/09.

Com base nesses fundamentos, o STJ, em suma, considerou inviável que uma pessoa jurídica de direito privado, sob forma de substituição processual, defendesse em juízo os interesses dos municípios associados, sobretudo em sede de mandado de segurança coletivo.

Por sua vez, ao julgar o REsp nº 1.446.813/CE, sob relatoria do Ministro Mauro Campbell, a 2ª Turma do STJ, ainda sob vigência do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, trouxe um novo fundamento para rejeitar a legitimidade das associações de municípios para, em nome próprio, buscarem a tutela jurisdicional dos direitos de seus associados, no sentido de que, “nos moldes do art. 12, II, do CPC38, a representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida por seu Prefeito ou Procurador”39.

No aludido acórdão, além de se referir RMS 34.270/MG, a 2ª Turma se baseou em outro precedente, julgado pela 1ª Turma sob a relatoria do Ministro Francisco Falcão40, no qual se entendeu, em suma, que um Agravo em Recurso Especial não poderia ser conhecido pois o recorrente não haveria impugnado uma omissão relevante do acórdão recorrido, não tendo se desincumbido do ônus da impugnação específica, para que houvesse o prequestionamento da matéria ventilada no recurso. A matéria que não havia sido prequestionada se referia justamente ao disposto no art. 6º do antigo CPC de 197341, que alegadamente havia sido violado, a contrario sensu, pelo tribunal de origem.

Na ocasião, a referência ao art. 12, II, do CPC de 1973, se deu apenas para relatar que o acórdão recorrido havia se ancorado especificamente nesse dispositivo para solucionar a contenda, não tratando da suposta violação ao art. 6º do CPC de 1937.

37 Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo

ou categoria substituídos pelo impetrante.

38 Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (...)

II - o Município, por seu Prefeito ou procurador;

39 STJ, 2ª Turma, DJe 20 nov. 2014, REsp nº 1.446.813/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques. 40 STJ, 1ª Turma, DJe 07 mai 2012, AgRg no AREsp nº 104.238/CE, Rel. Min. Francisco Falcão 41 Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

(20)

A bem da verdade, o art. 12º, II, do CPC de 1973, consoante se demonstrará mais detidamente adiante, trata de regular a (re)presentação dos municípios nas ações individuais e não nas ações coletivas. Fundamental, portanto, que fosse debatido se a referida regra, prevista para a representação individual, guardaria relevância no âmbito das ações coletivas. A par disso, é de se questionar se a atuação das associações de municípios se encerra em mera representação, instituto regulado pelo referido dispositivo processual, ou se se trata de fenômeno jurídico diverso.

Já sob vigência do novo Código de Processo Civil, a 1ª Seção do STJ, ao julgar o REsp nº 1.503.007/CE, sob relatoria do Ministro Herman Benjamin, apoiou-se justamente no art. 75, III, do CPC de 201542, que veio a repetir, ipsis litteris, o disposto no antigo art. 12, II, do CPC/1973. Neste julgado, houve um maior aprofundamento em relação à aplicabilidade da referida norma processual. Em seu voto condutor, o Ministro Herman Benjamin afirma - apesar de reconhecer que a autora estaria buscando defender, em nome próprio, direito alheio - que o art. 5º, XXI, da Constituição, trataria, não de substituição processual, mas de instituto diverso, “qual seja o da representação processual”. Nesta esteira, o ministro relator expõe o seu entendimento no sentido de que:

“conforme a literalidade do texto constitucional, ao contrário dos sindicatos, que têm legitimidade para atuar como substitutos processuais de seus associados, na via do Mandado de Segurança Coletivo ou nas vias ordinárias, as associações só têm legitimidade para atuar como substitutas processuais em Mandado de Segurança Coletivo (art. 5º, LXX, “b”, da Constituição), ocorrendo sua atuação nas demais ações por meio de representação, consoante o art. 5º, XXI, da Constituição”43.

Consoante o próprio Ministro Herman Benjamin expôs em seu voto condutor, o entendimento adotado por ele decorre de conclusão adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em regime de repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 573.232, cuja ementa é a seguinte:

REPRESENTAÇÃO – ASSOCIADOS – ARTIGO 5º, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALCANCE. O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados.

TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ASSOCIAÇÃO – BENEFICIÁRIOS. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida

42 Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:

III - o Município, por seu prefeito ou procurador;

(21)

pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial.44

Na ocasião, o STF travou um intenso debate acerca da necessidade de os associados autorizarem específica e individualmente as associações para que estas pudessem defender os seus interesses em juízo. É que a regra constitucional do art. 5º, XXI, como vimos, fala em autorização expressa, mas não necessariamente específica. Mesmo assim, o STF, por considerar que a norma trata do instituto da representação processual, entendeu que a referida autorização deveria ser específica e individualmente concedida por cada um dos associados, para que eventual julgado de ação ajuizada por associação produzisse efeitos em relação a estes.

Ao julgar o REsp nº 1.503.007/CE, o STJ adotou a mesma premissa do STF, ou seja que o art. 5ª, XXI, da Constituição, trata de representação processual e não de substituição, para concluir que seria impossível que a representação dos municípios se fizesse por associação de municípios, já que a regra elencada no art. 75, III, do CPC/2015, aplicável à representação processual, estabelece expressamente que a “representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida por seu Prefeito ou Procurador”.

Assim sendo, a 1ª Seção do STJ concluiu, de forma incisiva, que “em qualquer tipo de ação, permitir que os Municípios sejam representados por associações equivaleria a autorizar que eles dispusessem dos privilégios materiais e processuais estabelecidos pela lei em seu favor, o que não é possível diante do princípio da indisponibilidade do interesse público”.

Recentemente, a AMIG45 pediu para ingressar como assistente simples em algumas

demandas movidas pelo Município de Mangaratiba contra a mineradora Vale S/A, valendo-se, em especial, da autorização que lhe é conferida pelo art. 3º da Lei Complementar nº 63/9046. Entretanto, mais uma vez, a despeito do permissivo legal expresso indicado pela AMIG, a 2ª

44 STF, DJe 05 jun. 2008, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, RE nº 573.232/SC. 45 Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais.

46 Art. 3º. (...)

§ 5º Os Prefeitos Municipais, as associações de Municípios e seus representantes terão livre acesso às informações e documentos utilizados pelos Estados no cálculo do valor adicionado, sendo vedado, a estes, omitir quaisquer dados ou critérios, ou dificultar ou impedir aqueles no acompanhamento dos cálculos.

§ 7º Os Prefeitos Municipais e as associações de Municípios, ou seus representantes, poderão impugnar, no prazo de 30 (trinta) dias corridos contados da sua publicação, os dados e os índices de que trata o parágrafo anterior, sem prejuízo das ações cíveis e criminais cabíveis.

(22)

Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Mauro Campbell, entendeu que a associação não teria legitimidade para ingressar em juízo47.

Na hipótese, o tribunal rejeitou a intervenção da associação de município, “ante a ausência de pressupostos processuais de validade da relação processual” e, em especial, sob a seguinte linha de raciocínio, cuja leitura se faz imprescindível para compreender a premissa adotada e o entendimento que atualmente se consolidou no STJ:

“Penso com convicção que esta configuração processual apresentada não encontra guarida no Código de Processo Civil, havendo flagrante vício de validade no exercício da capacidade processual dos municípios, pois, repita-se, estes, não podem ser representados por pessoa jurídica de direito privado, sendo somente admitido pelo Código de Processo Civil, a (re)presentação pelo prefeito ou pelo procurador constituído, seja ele integrante de uma carreira própria, seja por intermédio de licitação ou por outro instrumento público de contratação.

Logo, o que há aqui é um vício insuperável nos pressupostos para a constituição regular da relação processual, os quais, definitivamente não foram observados. Estes pressupostos processuais são imprescindíveis para a formação e o desenvolvimento válido e regular do processo judicial, cujo descumprimento enseja o desfazimento da relação, e, por conseguinte inibe o conhecimento da pretensão formulada em juízo, seja ela qual for, inclusive um pedido para ingressar na relação na condição de assistente simples.

Assim, não podemos confundir este vício processual apresentado, com quaisquer hipóteses das condições da ação (interesse ou legitimidade), pois, a rigor, existem três momentos de cognição de qualquer pedido em juízo: o exame dos pressupostos processuais, por seguinte, a verificação das condição de ação, e, por fim, o exame do mérito (lide, causa, pedido).

Não sendo ultrapassado o exame dos pressupostos processuais para o desenvolvimento regular da relação processual, nem se pode cogitar no exame da alegação do agravante ao asseverar que satisfaz as condições da ação, por possuir interesse jurídico ou legitimidade processual para intervir como assistente simples na demanda, conquanto, antes, sequer constituiu validamente uma relação jurídica processual.

Neste sentido, pautado nessas definições, penso não prosperar o ingresso da Associação dos Municípios Mineradores do Estado de Minas Gerais na condição de assistente simples, por ausência do pressuposto na constituição válida da relação processual que possibilite exercitar a capacidade processual para atuar em juízo. (...)

Portanto, a representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida por seu Prefeito ou Procurador, nos moldes estabelecidos no art. 75, III, do CPC, não podendo ser exercida por associação de direito privado, já que as regras envolvidas são de direito público, insuscetível de renúncia ou de delegação a pessoa jurídica de direito privado, sob forma de substituição processual.

Neste tocante, não há guarida normativa para para se cogitar a atuação judicial dessas associações de direito privado no âmbito das disposições do artigo 3º, §§ 5º e 7º da Lei complementar 63/1990, uma vez que, não obstante haja previsão legislativa que permita a participação de Associações Municipais, tal intervenção, diga-se, deverá guardar consonância com as disposições do Código de Processo Civil, de modo a

47 STJ, 2ª Turma, DJe 15 mar. 2019, AgInt no AgInt na PET no AREsp nº 991.209/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell

(23)

preservar a representação judicial das municipalidades, não podendo as Associações de direito privado realizar este mister processual, tendo a sua capacidade de atuação circunscrita à esfera administrativa perante o ente federado responsável pela repartição fiscal, não se prosperando uma interpretação extensiva que albergue a elas, o poder para representar judicialmente, ativa ou passivamente, as municipalidades interessadas em questionar em juízo, os critérios para a repartição do produto arrecadado a título de ICMS perante os Estados federados, sob pena de se violar flagrantemente as disposições do Código de Processo Civil.

Dito isto, se convalidarmos essa prática processual, que ora se discute, poderemos esvaziar esforços constitucionais e legais para a criação de procuradorias municipais ou, concomitantemente, desestimularemos que as municipalidades cumpram o ordenamento licitatório, o qual, dentre outras providências, propugnam que as contratações de corpo jurídico deverão ser realizadas através de certame público e isonômico, e não por intermédio de Associação privada como ora se levanta.”

Consoante já exposto, a partir da análise dos referidos julgados, é possível concluir que o entendimento do STJ, no sentido de que as associações de municípios não possuem legitimidade para representar os municípios em juízo, se baseia essencialmente em duas razões:

(i) a representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida

exclusivamente por meio do Prefeito ou Procurador, nos termos do art. 75, III, do CPC/15; e

(ii) a tutela, em juízo, dos direitos das pessoas de direito público tem regime próprio, revestido

de garantias e privilégios de direito material e de direito processual, insuscetível de renúncia ou de delegação a pessoa de direito privado.

Contudo, é preciso observar que o primeiro fundamento se refere à regra que rege a representação dos municípios nos processos individuais e o segundo fundamento se refere a prerrogativas processuais conferidas à Fazenda Pública também nos processos individuais, além das prerrogativas materiais que são inderrogáveis, mesmo em caso de representação judicial por terceiros. Cabe verificar os referidos fundamentos também se sustentam à luz do sistema normativo que rege especificamente a tutela coletiva de direitos, pois, conforme se demonstrará, a tutela coletiva de direitos é submetida a peculiaridades que podem demandar a mitigação ou o afastamento de algumas das regras gerais aplicáveis às demandas meramente individuais, atraindo um regramento próprio mais condizente com a instrumentalidade do processo civil. É preciso sempre verificar se a ratio que justifica determinadas regras no processo individual se encontra igualmente presente nas hipóteses de tutela coletiva de direitos, antes de realizada a transposição das regras do sistema processual individual para o coletivo.

(24)

ASSOCIAÇÕES EM JUÍZO: HIPÓTESE DE REPRESENTAÇÃO OU SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL?

Como se viu, ao julgar o REsp nº 1.503.007/CE, a 1ª Seção do STJ, em linha com a premissa adotada pelo STF no RE nº 573.232, considerou que o art. 5º, XXI, da Constituição, trata de hipótese de representação e não de substituição processual, devendo, por isso, ser aplicada a regra do art. art. 75, III, do CPC/15, que determina que a representação dos municípios em juízo seja feita exclusivamente por meio de seu Prefeito ou Procurador.

Fez-se, com isso, uma distinção entre a legitimidade conferida, pelo art. 5º, LXX, “b”, às associações, para impetrarem mandado de segurança coletivo na qualidade de substitutas processuais dos seus associados, e a legitimidade conferida pelo art. 5º, XXI, que trataria, supostamente, de mera representação processual. Os institutos da representação e da substituição processual, no entanto, parecem ter sido confundidos, tanto pelo STF, quanto pelo STJ.

Quanto ao tema, Fredie Didier Jr. ensina que a distinção entre os institutos jurídicos da substituição e da representação consiste no fato de que, na primeira hipótese, o substituto é parte e age em nome próprio defendendo interesse alheio, enquanto na segunda hipótese, o representante não é parte e atua em juízo com o intuito suprir a incapacidade processual da parte48.

No próprio julgamento do RE nº 573.232/SC49, houve um intenso debate acerca da confusão entre os institutos da substituição e representação processuais, tendo o Ministro Joaquim Barbosa trazido, em seu voto, a seguinte lição de Cândido Rangel Dinamarco sobre o tema, que caminha no mesmo sentido do entendimento defendido por Fredie Didier Jr.:

“Representante não é parte. Regras de direito material e processual impõem que, em diversas situações, os interesses de uma pessoa sejam geridos ou defendidos por outra. Assim são todas as pessoas jurídicas porque, consistindo numa abstração, não têm existência física e sempre atuam pela mão do agente que a lei ou o estatuto indicar (CPC, art. 12); assim também, os incapazes em geral, que, por serem impedidos de administrar sua pessoa e bens, ou somente os bens, são necessariamente representados pelos pais, tutor ou curador (em caso de incapacidade relativa os pais os assistem e não representam, mas da mesma forma não são partes – CC, arts. 3 e 4º; CPC, art. 8º). [...]

Substituto processual é parte. Em algumas situações, tidas por extraordinárias no sistema, a lei permite que uma pessoa particularmente ligada a certos interesses de outra venha a juízo em nome próprio para a defesa desses interesses (e o juízo dessa proximidade jurídica compete ao legislados, não ao juiz). Ordinariamente a legitimidade ativa para a causa (legitimidade ordinária) pertence apenas ao sujeito que

48 DIDIER, Fredie Jr. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 18ª ed. Salvador: Jus Poivm, 2016. p. 358. 49 STF, DJe 05 jun. 2008, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, RE nº 573.232/SC.

(25)

seja titular da pretensão deduzida (CPC, art. 6º), mas o Código de Processo Civil abre caminho para essas legitimações extraordinárias, em hipóteses específicas. O sujeito legitimado extraordinariamente para defender em juízo interesse alheio em nome próprio é substituto processual. Tanto quanto o representante, ele defende direito de outrem – mas a diferença está em que ele o faz em nome próprio, figurando demanda como parte (autor) e não em nome de outrem [...]. Para alguns efeitos a doutrina atribuiu aos substituídos a qualidade de partes em sentido substancial, não passando de mera parte formal do processo.”50

A bem da verdade, conforme observado por Fredie Didier Jr., ao fazer referência à lição de Pontes de Miranda, a hipótese do art. 75 do novo Código de Processo Civil não se trata nem mesmo de uma representação processual, mas de verdadeira “presentação”, no seguinte sentido:

Observe-se que, na comparência da parte por um órgão, não se trata de representação, mas de presentação. O órgão presenta a pessoa jurídica: os atos processuais do órgão são atos dela, e não de representante. (...) De modo que há a presentação (de direito material) e a representação processual, necessariamente sem atuação em causa própria: o órgão presenta, materialmente; e, processualmente, também presenta. As pessoas jurídicas... precisam ter órgãos, tanto quanto as pessoas físicas precisam ter boca, ou, se não podem falar, mãos, ou outro órgão, pelo qual exprimam o pensamento ou o sentimento. O órgão da pessoa física – a boca, por exemplo – fá-la presenta a uma reunião, na praça pública, no teatro, no tabelionato, ou no juízo. A presença pode bem ser com a simples assinatura, se a pessoa física não pode ou não quer falar... Os diretores das pessoas jurídicas que assinam a declaração unilateral de vontade, ou a declaração bilateral ou multilateral de vontade, não estão a praticar ato seu, pelo qual representem a pessoa jurídica. Estão a presentá-las, a fazê-las presentes51.

Por fim, sobre o tema, provavelmente nada mais esclarecedor do que a lição de José Carlos Barbosa Moreira, no sentido de que o texto constitucional, apesar de vacilar, incidindo em imprecisão terminológica, se refere mesmo ao instituto da substituição processual, tanto na hipótese do inciso LXX, “b”, quanto na hipótese do inciso XXI, ambos do art. 5º:

O que é particularmente interessante é a possibilidade que se abre às entidades associativas de agir em juízo, em nome próprio, embora na defesa de direitos e de interesses que não pertençam a elas, às próprias entidades, e sim aos seus filiados. Ao dizer isso, estou tomando posição sobre a natureza dessa figura jurídica: a mim parece que não se trata de uma hipótese de representação, ao contrário do que sugere o teor literal do dispositivo, logo adiante, quando usa o verbo ‘representar’. Penso que aqui houve um cochilo técnico; o legislador constituinte não é especialista em direito

50 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II. 16. ed. São Paulo. Malheiros,

2009, p. 119-120

51 DIDIER JR., Fredie Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 18ª ed. Salvador: Jus Poivm, 2016. p. 320. Em

referência a: MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. 1, p. 219-220.

(26)

processual, de sorte que não é de espantar que, aqui e acolá, nos defrontemos com alguma imperfeição, com alguma impropriedade desse ponto de vista. Mas o meu pensamento é o de que se trata, na verdade, de legitimação extraordinária, que poderá dar lugar, isto sim, a um fenômeno de substituição processual, e não a um fenômeno de representação; porque, se se tratasse de um fenômeno de representação, quem estaria, na verdade, agindo em juízo seriam os filiados individualmente considerados, embora por meio de representante, e o fenômeno nada teria de curioso, ou de merecedor de maior atenção52.

Não há que se falar, portanto, na incidência da regra dos arts. 75, III, do CPC de 2015, ou 12, II, do CPC de 1973, à hipótese de atuação em juízo das associações de municípios, porquanto o art. 5º, XXI, da Constituição se refere também à substituição processual, exemplo de legitimidade extraordinária, na medida em que a pretensão deduzida está “vinculada a uma coletividade, categoria, classe ou grupo, bem como a indivíduos, não pertencendo ao substituto, com exclusividade, o bem tutelado”53.

A verdade é que o texto constitucional, ao tratar da legitimidade extraordinária das associações (art. 5º, XXI), utiliza-se de maneira pouco rigorosa da expressão representação, que têm um sentido próprio no direito processual, querendo se referir na verdade à substituição processual, o que acabou resultando na confusão terminológica e nos entendimentos equivocados adotados pelo STF e pelo STJ.

Como se viu, o legitimado extraordinário não é propriamente um representante dos associados, apesar do termo utilizado pelo texto constitucional, mas figura como parte do processo, defendendo, em nome próprio, direito alheio54. Sendo assim, não faz sentido defender que a representação dos municípios em juízo deva ocorrer por meio de seu Prefeito ou Procurador. A regra do art. 75, III, do CPC, somente se aplica às hipóteses em que o próprio município é parte no processo, não aos casos em figura como substituído processual em uma ação coletiva.

Ademais, se a própria Constituição não cria uma limitação à legitimidade processual das associações de municípios, a utilização do art. 75, III, do CPC, para limitar a eficácia da garantia constitucional prevista art. 5º, XXI, da Constituição, vai na contramão da boa

52 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações coletivas na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo. vol.

61, p. 190, Jan/1991.

53 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas e meios de resolução coletiva de conflitos no direito

comparado e nacional. 2ª ed. São Paulo: RT, 2010. p. 21

(27)

hermenêutica, dado que "as leis é que se devem interpretar conforme a Constituição e não, o contrário"55.

Tal regra de interpretação deve ser observada inclusive pelo STJ, dado que, "Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita”56.

Logo, ao menos um dos fundamentos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para negar legitimidade às associações de municípios, que se baseia nos arts. 75, III, do CPC de 2015, ou 12, II, do CPC de 1973, parece ser completamente inaplicável à hipótese de tutela coletiva de direitos sobre a forma de substituição processual.

55 STF, DJ 13 mar. 1992, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pet 423 AgR.

(28)

PRERROGATIVAS PROCESSUAIS E MATERIAIS DA FAZENDA PÚBLICA NO SISTEMA

PROCESSUAL COLETIVO

O outro fundamento utilizado pelo STJ para julgar que as associações de municípios não têm legitimidade para representar os seus associados em juízo, como visto, se refere ao fato de que os municípios contam com prerrogativas processuais e materiais irrenunciáveis e incompatíveis com a tutela coletiva de seus direitos por meio de uma pessoa jurídica de direito privado.

Primeiramente, quanto às garantias materiais do substituído processual, é preciso ter em mente que o substituto processual tem poderes de mera gestão processual, mas não pode, em regra e salvo convenção em contrário, dispor do direito material discutido57, mesmo nas hipóteses em que o substituído processual tem efetivamente poderes para dispor de seus próprios direitos. Nos casos em que o substituído não tem o direito de dispor sobre tais prerrogativas, por serem indisponíveis, como é o caso da Fazenda Pública, evidentemente que não poderá o substituto processual dispor de tais direitos. Naturalmente, os poderes do substituto processual em relação aos direitos materiais alheios sendo defendidos jamais poderão ser mais amplos do que os poderes do próprio titular desses direitos.

Ademais, quanto às prerrogativas processuais da Fazenda Pública (os prazos diferenciados, a intimação pessoal etc.), é preciso analisar mais detidamente se estas guardam o mesmo sentido em sede tutela coletiva de direitos dos municípios, ou se pertencem meramente ao âmbito das ações individuais, nas quais figuram como parte os próprios entes públicos.

Por um lado, conforme defendido por Márcio Flávio Mafra Leal58, seria um erro grave, sob o pretexto de acesso à justiça, “permitir um pseudoafastamento da aplicação do devido processo e simplesmente ignorar o indivíduo” e “permitir que regras processuais aniquilem direito e garantias individuais – como o contraditório e devido processo – sob esse pretexto. Tais garantias devem sofrer adaptações e leituras adequadas nos processos coletivos, mas não podem ser suprimidas” 59 .

O problema é que a forma como a legislação do sistema processual brasileiro é organizada torna a divisão - entre os sistemas individual e coletivo de tutela de direitos -

57 ASSIS, Araken de. Substituição Processual. Revista Dialética de Direito Processual. nº 09. São Paulo: Dialética,

2003.

58 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.. 59 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

Referências

Documentos relacionados

Um dos grandes momentos do Fórum IEP de Sustentabilidade, foi a entrega da COMENDA TRANSFORMANDO VIDAS, que tem como objetivo homenagear anualmente personalidades

Contudo, a despeito da inexistência de pontos de corte nacionais para CC, RCQ, índice C e RCEST específicos para mulheres jovens (20-34 anos), verificamos que a RCEST

Para isso, será feita uma pesquisa em linguística aplicada (CAVALCANTE, 1986), com o uso da pesquisa-ação (THIOLENT, 1988) em que a pesquisadora/professora e

Estudou-se a duração e a viabilidade das fases imaturas de Chrysoperla externa (Hagen) (Neuroptera, Chrysopidae) alimentadas com o pulgão do algodoeiro, Aphis gossypii

O objetivo desta pesquisa foi avaliar a produtividade de colmos e a eficiência de uso da água de variedades de cana-de-açúcar (cana planta) em resposta a diferentes regimes

O Brasil destaca-se nas produções, mais especificadamente, no início do Século XXI, considerando a ampla divulgação, crescimento e o empenho da enfermagem brasileira para o sucesso

Essas áreas são formadas pela ausência de cobertura vegetal ou falta de áreas verdes como praças, parques urbanos, ciclovias, pequenos espaços verdes, canteiros ajardinados e

Municípios da Justiça do Trabalho... Municípios da Justiça