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O medo comunista e a formação do pensamento político autoritário brasileiro: por uma nova identidade militar no Exército (1930 – 1945)

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Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Ano 2 Número 3 Agosto - Dezembro de 2012.

RECÔNCAVO

ISSN 2238 - 2127

O medo comunista e a formação do pensamento político autoritário

brasileiro: por uma nova identidade militar no Exército (1930 – 1945)

Fernando da Silva Rodrigues1

Resumo

Este artigo sobre política e cultura no universo militar aponta como, na História das Instituições de Ensino Superior Militar, a reforma de seus regulamentos e normas internas visou a construção de um projeto de modernização profissional do Exército Brasileiro, moldando atores políticos, a fim de consolidar a Instituição e o regime republicano através da reorganização constante do modelo de ensino empregado nas suas Escolas de Formação de Oficiais. As constantes mudanças no sistema de educação estavam contextualizadas pelos momentos históricos e políticos que o Estado brasileiro atravessava durante a primeira metade do século XX, e, principalmente, pelo medo do movimento comunista, que interferiu na construção do Estado autoritário de Getúlio Vargas, ao longo dos anos 1930.

Palavras-Chave: Exército brasileiro; Estado Novo; Getúlio Vargas; ensino militar.

Abstract

This paper about politics and culture in the military realms addresses how, in the History of Military Institutions of Higher Education, the reform of its internal rules and regulations aimed at building a professional project of modernization of the Brazilian Army, shaping political actors, in order to consolidate the Institution and the republican system, by means of constant reorganization of the teaching model employed in their Training Schools for Officers. The constant changes in the education system were contextualized by historical and political moments the Brazilian State endured during the first half of the twentieth century, and particularly, by fear of the communist movement, which interfered with the elaboration of the authoritarian State of Getúlio Vargas, throughout the 1930s.

Keywords: Brazilian Army; New State; Getúlio Vargas; military education.

1 Doutor em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Severino Sombra, Professor do curso de Graduação da UNIABEU Centro Universitário e Pesquisador do PROAPE/UNIABEU.

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Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Ano 2 Número 3 Agosto - Dezembro de 2012.

O “Grande Medo” dos anos 1930

Iniciaremos a pesquisa analisando como o medo do movimento comunista nacional e internacional interferiu na construção do Estado autoritário e estabeleceu alguns padrões de discriminação na Escola de Formação de Oficiais estendidos posteriormente por todo Exército Brasileiro.

Articulando apoio para conduzir seu projeto político de fortalecimento do Estado que se estava construindo, o Presidente Getúlio Vargas alinhou-se aos interesses do Exército. O interesse do Ministro Góes Monteiro de se fazer a política do Exército e não a política no Exército passou a confluir com os interesses do Presidente eleito pela Constituição de 1934. Essa política implicava reprimir os frequentes movimentos de rebeldia e indisciplina ocorridos na Instituição, provocados pelos grupos de baixa hierarquia (capitães, tenentes e sargentos) e que levavam a instabilidade para dentro do Exército.

Com a eleição indireta de 14 de outubro de 1934, disputada entre Getúlio Vargas e Augusto Borges de Medeiros, tivemos o retorno da ordem legal e o estímulo à participação política que fortaleceu os movimentos sociais. Diversas greves eclodiram naquele momento, e o processo político radicalizava de tal forma que o medo ia tomando conta da sociedade e era aproveitado pelas instituições que controlavam essa mesma sociedade e os indivíduos, como poderemos verificar mais à frente com a discussão de alguns casos registrados nessa pesquisa. Tanto à direita como à esquerda, surgiram organizações políticas não partidárias com abrangência nacional e que se tornaram bastante expressivas.

Essa radicalização da política brasileira nos anos 1930 tem, de um lado, a Ação Integralista Brasileira (AIB), criada no Estado de São Paulo, em 1932, e dirigida por Plínio Salgado. Inspirada no fascismo italiano estabeleceu uma estrutura organizacional paramilitar. Sua base era pautada no nacionalismo exacerbado e no moralismo, o que atraiu muitos adeptos entre os militares.

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Os devastadores efeitos da crise de 1929 não se resumiram à esfera da economia. O desemprego em massa e a incapacidade dos governos de apresentarem soluções rápidas e eficazes determinaram um enorme descrédito da filosofia liberal. Os mecanismos liberal-democráticos de regulação social passaram a ser vistos como antiquados e inadequados aos novos tempos. Os governos necessitavam da formulação de alternativas viáveis. Entre as apresentadas, despontava o fascismo, defendendo os princípios do Estado forte e intervencionista, o nacionalismo e o anticomunismo. Seus protótipos eram a Itália, governada por Mussolini desde 1922, e, depois de 1933, a Alemanha, onde Hitler alcançara o poder liderando o Partido Nazista. No Brasil, organizou-se um movimento de extração social da camada média urbana, que chegou a atrair destacados intelectuais como Miguel Reale, San Tiago Dantas, Augusto Frederico Schmidt, Hélio Viana, Gustavo Barroso, Américo Jacobina Lacombe e o prelado Helder Câmara.

Do outro lado, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Inspirou-se no modelo das frentes populares surgidas na Europa, reunindo comunistas, socialistas, líderes trabalhistas e sindicais e uma parcela de militares que participaram do tenentismo para impedir o avanço nazifascista. Foi criada em 12 de março de 1935 no Rio de Janeiro e fechada em julho do mesmo ano.

O Partido Comunista do Brasil (PCB), fundado em Niterói a 25 de março de 1922, foi base para a formação da Aliança Nacional Libertadora. O PCB implementou a orientação traçada pelo Comintern de Moscou, em outubro de 1934, na reunião preparatória para o VII Congresso Internacional Comunista, o qual veio a se realizar em julho de 1935. Nessa reunião, os comunistas anteciparam a conclusão apresentada por Giorgi Dimitrov, em julho, segundo a qual o fascismo não era um mero fenômeno passageiro do capitalismo em crise final, tal como haviam analisado no VI Congresso, em 1928. Daí a necessidade de alterar a linha política seguida pelos Partidos Comunistas. Verificava-se que seria suicídio político conservar a linha de classe contra classe, acreditando que esta conduziria ao umbral da revolução proletária. Dado o fascismo ter-se revelado capaz de revitalizar a economia capitalista e de calar todos os oponentes, fazia-se necessário e urgente, então, unir todas as forças políticas

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dispostas a endossar um programa democrático antifascista. A palavra de ordem passava a ser formação de frentes populares.

Nesse sentido, a ANL representava a tradução brasileira da frente popular antifascista, cujo objetivo era conter o avanço do movimento integralista. Sua existência legal, no entanto, foi de curta duração. Em julho de 1935, em virtude do Manifesto de Prestes conclamando à formação de um governo popular nacional revolucionário, a ANL foi fechada pelo governo e colocada na ilegalidade com base na Lei de Segurança Nacional2, que funcionou como um instrumento de repressão aprovado pelo Congresso, em abril de 1935, por conta das várias greves que vinham ocorrendo no país.

Na clandestinidade, em agosto de 1935, a ANL intensificou os preparativos para a deflagração de um movimento armado com o objetivo de derrubar Getúlio Vargas do poder e instalar um governo popular, o qual seria chefiado por Luís Carlos Prestes. O levante militar seria iniciado em diversas regiões e contaria com o apoio do movimento operário, que desencadearia greves em todo território nacional. O Movimento iniciou-se no Rio Grande do Norte, em 23 de novembro. Conseguida a vitória sobre a polícia, os militares do 21º Batalhão de Caçadores formaram o Conselho de Operários e Soldados, que dominou Natal por quatro dias. No dia 25, foi o 29º Batalhão de Caçadores de Recife que se levantou contra o governo.

No dia seguinte, após alguns combates contra tropas locais e de outros Estados, a insurreição na cidade é vencida. No entanto, foi na cidade do Rio de Janeiro que o movimento teve maior amplitude. Começou no dia 27, na Escola de Aviação, mas foi derrotado no mesmo dia pelas tropas da Guarnição da Vila Militar, em Deodoro. Enquanto isso, o Capitão Agildo Barata e outros lideravam a insurreição do 3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha. Apesar de maior resistência, foram vencidos pela tropa legal comandada pelo general Eurico Gaspar Dutra.

2 Projeto de Lei de Segurança Nacional, em 30 de março de 1935. Convertida na Lei nº. 38, de 4 de abril de 1935, que definia os crimes contra a ordem política e social, o texto dava ao Governo Federal poderes especiais para reprimir atividades políticas ditas subversivas.

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A repressão do governo veio de forma enérgica. Em 03 de dezembro o Decreto Nº 465, do Presidente Getúlio Vargas, dissolveu o 21º BC, o 29º BC, e o 3º RI, considerando ser um ato de justiça, a fim de que perdurasse nos anais militares estigmatizando o crime de rebeldia que cometeram. Foram criados, em substituição, os 30º e 31º Batalhão de Caçadores, e o 14º Regimento de Infantaria, que deveriam ser imediatamente organizados para conservar sem alteração o efetivo consignado na Organização do Exército.

Além disso, o Presidente já havia declarado, no dia 26 de novembro, o Estado de Sítio3 em todo o território nacional. E, em 18 de dezembro, obtém do Congresso a aprovação das Emendas Constitucionais 1, 2 e 3. A primeira dava ao Presidente da República o poder de declarar estado de guerra. As outras duas tiravam dos militares e funcionários civis a estabilidade nas funções (perda de posto e de patente). Além disso, poderiam ser demitidos, quando envolvidos em atos subversivos. Milhares de pessoas foram presas em todo o país, incluindo deputados, senadores e o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, um dos articuladores da Revolução de 1930. Centenas de oficiais, sargentos, cabos e soldados foram expulsos do Exército. O ano de 1935 significou mais um momento de depuração da elite civil e militar que saiu vitoriosa em 1930. Apesar do fracasso, o Levante Militar serviria de pretexto para o fechamento do regime em 1937.

No contexto dos acontecimentos ocorridos em novembro de 1935, o ano de 1936, dentro e fora do Exército, significou também o movimento de radicalização anticomunista. Os Grandes Comandos do Exército reagiram de maneira a se aproveitarem do “Grande Medo” que se instalava na sociedade e nas organizações militares para conseguir benefícios e mudanças importantes com o novo panorama político nacional.

3

Pelo Art 175, da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, o Poder Legislativo, na iminência de agressão estrangeira, ou na emergência de insurreição armada, poderia autorizar o Presidente da República a declarar em estado de sítio qualquer parte do território nacional, o qual não seria decretado por mais de noventa dias, podendo ser prorrogado, no máximo, por igual prazo, de cada vez, admitindo-se as seguintes medidas de exceção: a) desterro para outros pontos do território nacional, ou determinação de permanência em certa localidade; b) detenção em edifício ou local não destinado a réus de crimes comuns; c) censura de correspondência de qualquer natureza, e das publicações em geral; d) suspensão da liberdade de reunião e de tribuna; e) busca e apreensão em domicílio.

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Com base nos acontecimentos de Novembro de 1935, no ofício reservado 120, do Comandante da 1ª Região Militar/1ª Divisão de Infantaria, do Rio de Janeiro, ao Ministro da Guerra, de 26 de março de 1936, era solicitada a criação de um depósito de munição próprio na zona urbana, nas proximidades de sua sede, com o objetivo de assegurar aos Corpos de Tropa que se achavam aquartelados fora da Vila Militar o seu remuniciamento.

O documento registra que, se não fosse a existência de uma quantidade apreciável de munição armazenada eventualmente no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, o remuniciamento das tropas que atacaram o extinto 3º RI, não poderia ter sido feita com a presteza que a situação exigiu, e isto porque as dificuldades de transporte, agravadas pela distância até a Estação de Trem de Deodoro, não permitiriam, ainda que a estrada estivesse livre de interferência dos rebeldes. O pedido foi atendido em parte com o fornecimento de munição suplementar4.

Outro caso que podemos analisar nessa discussão é o pedido do Comandante da 9ª Região Militar, do Mato Grosso, feito através do Ofício 34 B (Secreto) ao Ministro da Guerra, de 27 de abril de 1936, que solicita cinquenta contos de réis para atender ao Serviço de Vigilância.

O Comandante do Destacamento do Oeste (9ª RM) alegava que a anormalidade do momento exigia, por toda a parte, uma vigilância severa, vigilância essa que teria de ser exercida, quer sobre as linhas de penetração dos países estrangeiros, quer sobre aquelas que ligavam interiormente os Estados. O Comandante da Região registrou no documento o perigo da fronteira com o Paraguai, país considerado minado pelo comunismo e que circundava grande parte do território centro-oeste brasileiro. Registra ainda, o fato de que são consideradas linha de acesso fácil às estradas que ligam as cidades de Ponta Porã, Bela Vista, Porto Murtinho a Campo Grande, via Margarida, Nioaque e Aquidauana e as estradas que ligam diretamente a fronteira Sul aos portos sobre o rio Paraná.

4 Arquivo Histórico do Exército (doravante AHEx.) Acervo do Ministério da Guerra. Documentação do Gabinete do Ministro da Guerra. Ofício Reservado Nº. 132 (SMB), do Comandante da 1ª RM/1ª DI, ao Ministro da Guerra, sobre o fornecimento de munição suplementar.

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Além disso, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil oferecia fácil escoamento, quer para os elementos que quisessem penetrar no país pelo rio Paraguai, quer para os que viessem do interior do Estado do Mato Grosso e de São Paulo.

Por fim, registrava a necessidade de se vigiarem dentro da cidade as ligações de elementos de fora com o pessoal militar da Região. Em última análise, tratava-se de preservar a tropa da propaganda comunista e evitar qualquer atuação surpresa.

O pedido foi atendido pelo Diretor de Fundos do Exército, através da abertura de crédito extraordinário, que foi estendido a todo o Exército5.

Em consequência, o EME baixaria instruções reservadas sobre o Serviço de Vigilância Regional,6 que coordenaria os serviços de repressão ao extremismo e à espionagem, e determinaria a confecção de relatórios relativos a essas atividades consideradas subversivas.

Outra instrução baixada pelo EME dizia respeito à confecção de um relatório trimestral feito pelos Comandantes das unidades militares do Exército sobre Educação Moral e Cívica, o qual deveria esclarecer tudo sobre o assunto e o que se havia feito na unidade para se assegurar o bom desempenho das ações contra as operações ditas subversivas, esclarecer o estado disciplinar e as medidas que, a critério do Comandante, deveriam ser tomadas para melhorar o nível moral da tropa.

O “Grande Medo” trouxera benefícios também para alguns Estados da federação. O Governador do Maranhão solicitara a verba de 724:717$000 ao Ministro da Guerra, como forma de auxílio federal para indenização das despesas feitas por aquele Estado com a repressão ao comunismo7 para segurança e estabilidade do regime, conforme o quadro de demonstração abaixo:

5

AHEx. Acervo do Ministério da Guerra. Informação nº. 40 – G – do Diretor de Fundos do Exército, de 15 de maio de 1936, ao Ministro da Guerra.

6

AHEx. Acervo do Ministério da Guerra. Ofício Reservado nº. 83 (2ª Seção/SEM), do Comandante da 2ª Região Militar/2ª Divisão de Infantaria, em São Paulo, de 11 de maio de 1936, ao Comandante da 4ª Brigada de Infantaria.

7

AHEx. Acervo do Ministério da Guerra. Ofício nº. 174, do Dr. Achilles de Faria Lisboa, Governador do Maranhão, de 12 de maio de 1936, ao Ministro da Guerra.

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Despesas efetuadas pelo governo do Estado do Maranhão com o serviço de prevenção e repressão ao surto de caráter comunista, no período decorrido de agosto de 1935 a março de 1936, conforme discriminação abaixo:

1 Delegado Auxiliar 2:800$000

1 Comissário de Polícia 3:600$000

10 Investigadores 20:000$000

100 Agentes Policiais (Serviço Secreto). 80:000$000

Diligências policiais na Capital e no interior. 101:300$000

Transportes de força para vários pontos do interior deste Estado e do Estado do Piauí.

41:614$000

Transporte de presos 9:428$600

1 Comandante do Serviço de Segurança 2:700$000

2 Inspetores 5:400$000

2 Guardas de 1ª Classe 4:500$000

44 Guardas de 3ª Classe 79:200$000

Telegramas 7:328$000

Alimentação, medicamentos e lavagem de roupas de presos comunistas. 52:004$000 Despesas extraordinárias com a Guarda Civil, inclusive rancho, durante o

período de prontidão.

24:816$000

Rancho para 60 praças no interior do Estado. 21:600$000

Diárias e transporte com oficiais da Polícia Militar do Estado, no interior. 25:626$000

Aquisição de um veículo para transportes. 24:000$000

Diárias dos funcionários da Polícia Civil por serviços extraordinários prestados em noites consecutivas.

61:300$000

Rancho para as praças da Polícia Militar do Estado, durante 121 dias de prontidão.

157:500$000

TOTAL DAS DESPESAS 724:717$000

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Como podemos perceber com a documentação acima analisada, o medo do comunismo foi se consolidando nas principais Instituições do país. No entanto, o Exército Brasileiro parece ser a Instituição que mais fácil absorveu a ideia do “Grande Medo”, talvez com o objetivo de articular os interesses políticos internos à política de Estado que vinha se estabelecendo. Não é por menos que, em 29 de Junho de 1937, o Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, baixa uma Circular Reservada, a qual deveria alcançar todos os comandantes de Corpos e Chefes de repartições militares, para que fosse dado conhecimento a todos os oficiais, conforme o texto abaixo transcrito:

No momento de appreensões e surpresas que o Brasil atravessa, decorrente da transição brusca do estado de guerra para o mais amplo regimen constitucional, phenomeno político que se opera em plena campanha em prol da sucessão presidencial; quando as paixões políticas se desencadeiam e inflammam o interesse público sob os mais variados aspectos; no instante preciso em que se confunde liberdade com licença, justiça com tolerância; neste momento em que o nevoeiro envolve os que retém maior ou menor parcella de autoridade – impõe-se ao Exército adoptar uma posição serena, mas articulado e vigilante, em condições de se não deixar surpreender e vencer.

Detentor de responsabilidades que se avolumam à medida que elle sobe no conceito nacional, com essas responsabilidades crescem-lhe as obrigações e deveres, assim como se multiplicam as forças que contra elle se levantam, porque nelle percebem o anteparo ao surto de ambições e ideologias incompatíveis com a organização social de que é o mais sólido sustentáculo.

De todos os perigos que ameaçam as forças armadas, e com ellas envolvem a Nação, é, sem a menor dúvida, o communismo o mais temível por ser organizado e pertinaz, o mais nefasto porque é a subversão de tudo quanto se tem construído em séculos de civilização, o mais digno de repulsa porque attinge os sagrados e invulneráveis dogmas da moral em que erigimos nossos santuários domésticos.

Os processos de que elle se serve, revelados pelo que nos chega do exterior, evidenciados nossos olhos perplexos na trágica jornada de novembro de 1935, não devem por nós ser esquecidos nem descurados.

É preciso relembrar o vandalismo desencadeado naquelle dia, a attitude affrontosa com que saiam das ruínas do 3º Regimento de Infantaria os autores daquelle crime, a maneira ostensiva com que alardeavam os processos traiçoeiros e infames com que abateram os compnheiros que conseguiram dominar pelo terror.

Não fosse a attitude enérgica, disciplinada e decisiva das forças que lhe foram oppostas, e a Capital Federal, assim como

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outras regiões do paiz, teriam soffrido as conseqüências trágicas daquelle vandalismo sem moral e sem escrúpulos. Certo a malfadada intentona soffreria a repulsa da maioria da Nação e seria esmagada pelo próprio povo que ella procurava ludibriar; mas até lá quantos males irreparáveis teriam ocorrido!..

Relembrar estes factos é certamente doloroso. Mas é preciso relembrar, porque a maior virtude do brasileiro é o esquecimento e essa maior virtude é quase sempre o seu maior defeito.

Perdoar é a nossa tendência em face dos factos consumados. As nossas crises políticas segue-se systematicamente a annistia ampla. Mas é preciso não confundir as agitações políticas, mais ou menos intensas, que vêm assignalando a evolução do regimen democrático que adoptamos, com a subversão desse regimen por ideologias que não encontram guarida em nossa organização social, em nossos costumes, nas religiões em que fomos educados, no edifício moral que herdamos de nossos antepassados remotos e em cujas muralhas encerramos as virtudes domesticas de que nos orgulhamos.

Perdoar é a nossa tendência em face dos factos consumados. Perdoar erros será uma virtude; mas perdoar crimes não é justiça. A verdadeira justiça deve ser inflexível ás lamurias e fingidas lagrimas do criminoso.

É preciso não esquecer. Aquelles que um dia trahiram a confiança de seus chefes e companheiros, voltarão amanhã a feril-o pelas costas, com maior perfídia e mais requintada indignidade.

Abertas as portas das prisões, em conseqüência de processos judiciários defeituosos e falhos, ou por um sentimentalismo ingênuo e incauto, vão elles arrogantemente passeiando a impunidade que lhes foi concedida, affrontando com gestos ostensivos a mesma sociedade que elles tentaram ha bem pouco enxovalhar com a pratica de suas ambições condemnaveis.

Ás autoridades que os retiveram elles procuram cobrir de ridículo e de escarneo, sem respeito a postos e funções honestamente desempenhadas.

A outras mostram-se submissos, insinuam-se como victimas, argúem perseguições e injustiças, despem a camisola dos galés para vestirem a túnica dos martyres. E, procuram explorar o sentimentalismo tão nosso, para alçar sob os nossos próprios olhos e talvez sob nossa protecção a tenda de suas actividades solertes e traiçoeiras.

Percebendo os perigos que nos ameaçam, sob fórmas ostensivas aqui, tendenciosas além, enganadoras mais longe e muitas vezes sob a falsa apparencia de aspirações respeitáveis – percebendo esse perigo imminente, cumpre ao Exercito não se deixar colher de surpresa. E cumpre aos chefes – que serão as primeiras victimas da própria incúria – intensificar os meios de defesa que estão a seu alcance.

Impõe-se a vigilância constante sobre os elementos suspeitos; a caracterização precisa de suas actividades; repressão immediata e impiedosa de qualquer acção de propaganda ou

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conquista; a denuncia desassombrada ás autoridades e o afastamento dos que assim tenham se manifestado. E quanto aos que tentarem perturbar a disciplina e demolir o prestigio da autoridade, cumpre fazer sentir que á força só se oppõe a força, immediata, inexorável.

É, porém, necessário não dar guarida a accusações, cumpre proceder energicamente contra o criminoso; mas, verificada falsidade ou improcedência da informação, impõe-se responsabilizar o denunciante ou pérfido. Do sereno e imparcial critério do chefe virá o acto de justiça que lhe consolidará a autoridade e o cercará de acatamento e respeito.

Por outro lado impõe-se aos chefes, em todos os gráos da hierarchia, exercerem a nobre e nobilitante missão de educadores. Trabalho, instrucção, disciplina, justiça, abnegação, desvelo pelos commandados, conselhos aos incautos, prédicas opportunas e sinceras, lições de civismo, de educação e de moral, e – acima de tudo e sempre, como o melhor e o mais convincente ensinamento – o exemplo de commandantes a commandados.

Nessa constante e ininterrupta tarefa é preciso fazer sentir aos que se deixam fanatizar por ideologias que se dizem avançadas, que ellas não são mais do que novos surtos de velhas doutrinas que a civilização tem repellido por se mostrarem nefastas e incompatíveis com organização social em constante aperfeiçoamento. É preciso fazer sentir que, si o communista civil é condennado pelas leis que nos regem, o communismo, sob qualquer aspecto ou modlidade, é incompatível com a condição do militar, e aquelle que o pratica ou delle se mostra adepto, official ou soldado, enxovalha a farda que veste, é indigno de ostentar o uniforme e conduzir as armas que a Nação lhe confiou para defesa das instituições que aquella ideologia se propõe demolir.

Taes são os avisos e conselhos que me considero no indeclinável dever de transmitir aos altos chefes que me secundam na laboriosa missão que me foi confiada, certo de que elles saberão interpretar, desdobrar e multiplicar, em acertadas medidas e sábios ensinamentos, o que eu apenas relembro como observador attento dos acontecimentos que nos envolvem sob as mais variadas modalidades.

Da nossa união e solidariedade virá energia e a pujança do organismo que dirigimos; da nossa sinceridade e da nossa justiça surgirá confiança dos nossos commandados; da nossa discreção e firmeza de acção nascerá a estima e o acatamento da sociedade que observa e acompanha os nossos menores gestos; dos nossos propósitos e das nossas acções virá tranqüilidade dos poderes publicos: em tudo isso, em summa, repousará a ordem interna e a segurança externa por que somos os primeiros e maiores responsáveis.

Rio de Janeiro, 29 de junho de 1937. (Ass.) General Eurico G. Dutra, Ministro da Guerra

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Fato também observado diz respeito ao primeiro boletim interno da recém-criada Inspetoria Geral de Ensino do Exército (IGEE), de cinco de novembro de 1937, subordinada diretamente ao Ministro da Guerra, que tem como tema principal instruções aos comandantes e diretores dos estabelecimentos de ensino e unidades subordinadas, relativas a medidas que deveriam ser tomadas em vista da repressão ao comunismo.

Nos registros, o General Inspetor Pedro de Alcântara Cavalcante de Albuquerque diz que, tendo em vista manter as tradições nacionais e para assegurar a existência das instituições liberais8 no Brasil contra a invasão traiçoeira das ideologias que ameaçavam o mundo, tentando lançar as nações na desordem e na anarquia e cuja investida já tinha o Brasil, em outro momento experimentado, os Diretores e Comandantes deveriam tomar as medidas acauteladoras que se seguem:

1º) Medidas de caráter educativo9:

a) Desenvolver e estimular o sentimento de civismo dos seus comandados; b) Esclarecer os seus espíritos sobre os perigos das ideologias exóticas. Para consecução dessas finalidades, deveriam ser realizadas:

1. Pequenas palestras de caráter cívico – pelos professores e instrutores, ao iniciarem seus trabalhos ou ao terminá-los;

2. Conferências especiais, também de caráter moral e cívico, pelos oficiais, professores, instrutores ou elementos do Corpo Administrativo, em datas previamente marcadas;

3. Artigos especiais publicados em seus Boletins diários, pelos Diretores e Comandantes, aproveitando todas as oportunidades10.

8

Com relação ao discurso em referência às instituições liberais do documento, acreditamos que no momento inicial, após o estabelecimento do Estado Novo, o discurso contra o liberalismo era apresentado de maneira um pouco mais branda, sofrendo, posteriormente ao ano de 1938, uma virada para a ênfase nos discursos autoritários de combate ao modelo político liberal.

9

Para o desenvolvimento das medidas de caráter educativo, a IGEE aconselhava o uso do livro de autoria do Major Nilo Guerreiro Lima, Cathecismo cívico e moral do soldado.

10

As palestras diárias, as conferências e os artigos dos Boletins, deveriam versar sobre os seguintes assuntos: amor à pátria; devoção à Bandeira; respeito sagrado ao hino nacional; sentimento do dever

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4. Além do que acima ficou previsto, deveria ainda ser, semanalmente, por ocasião da revista do recolher11, cantada conjuntamente por todos os alunos e praças em voz alta, a oração do soldado, conforme letra abaixo:

Deante do altar da minha querida Pátria, eu soldado Brasileiro, ajoelho-me contricto, cheio de fé nos destinos do Brasil e orgulhoso da grandesa da minha terra e da minha gente. Minha alma, também genuflexa, implora a Deus que me guie pelo caminho do bem – que fortaleça o caráter – e me evite a estrada do mal que abastarda a conscienncia.

Eu, me penitencio das más acções que desdoiram e envergonham e prometto perseverar na pratica dos gestos nobres que dignificam e elevam.

Desejo com todas as forças do meu coração tornar-me digno da minha farda, cultivando com civismo e carinho as virtudes militares e prometto contribuir, com sacrifício de todos os meus interesses, para a gloria do meu Exercito e para a honra do meu Brasil.

2º ) Medidas de caráter preventivo: Tais medidas visariam:

a) rigorosa vigilância sobre as tendências dos seus comandados; b) fiscalização rigorosa:

b.1) da forma como professores e instrutores cumpriam suas respectivas tarefas;

(disciplina); culto aos antepassados; necessidade de fé nos destinos do Brasil; democracia; regime republicano federativo; poder público e voto; respeito às autoridades; o Exército nacional como elemento de unidade e coesão no organismo nacional; deveres morais e cívicos do cidadão (soldado); problema social do Brasil; contraste existente entre as tradições e aspirações dos brasileiros e as ideologias exóticas; e a mistificação comunista e o perigo que ela representa para a existência do regime que livremente foi escolhido e, ainda, para a integridade da pátria.

11 A revista do recolher é uma rotina realizada todos os dias no pessoal de serviço e nos internos dos estabelecimentos de ensino, às vinte e uma horas, para verificar se todos os militares que deveriam lá estar, não se ausentaram da unidade ou estabelecimento.

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b.2) da bibliografia existente no Estabelecimento, quer na Biblioteca, quer de propriedade particular dos alunos e praças, de modo a impedir o envenenamento e a subversão dos espíritos;

b.3) da procedência de livros ou publicações inconvenientes ou tendenciosas acaso encontradas no Estabelecimento, ou Unidade, de modo a auxiliar as autoridades competentes na sua apreensão;

b.4) das ligações acaso existentes entre seus comandados e elementos suspeitos, dentro ou fora do Estabelecimento, de modo a preservar da corrupção os espírito e, ao mesmo tempo, dar, para os devidos fins, conhecimento de tais ligações às autoridades competentes.

3º ) Medidas de caráter repressivo12: Teriam por finalidade:

a) expurgar o estabelecimento ou unidade dos elementos orientados no sentido do comunismo;

b) limpar a bibliografia existente no estabelecimento de ensino pela apreensão de todos os livros tendenciosos ou inconvenientes.

Em consequência, o “Grande Medo” revelou na sociedade brasileira uma característica, inerente a esses momentos e criada em Instituições públicas ou privadas por civis ou militares: a cultura do denuncismo. De acordo com a documentação que analisamos a seguir, podemos observar como foi se instalando tal cultura nos anos 1940.

O primeiro caso que analisamos foi a denúncia do civil Sr. Ercílio Ferreira Pinto relatada ao auxiliar do Oficial de Dia, da EMR, no dia 22 de março de 1942. A

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As medidas, sobretudo repressivas tomadas pelos Diretores ou Comandantes dos Estabelecimentos de ensinos e Unidades deveriam ser comunicadas com maior brevidade ao General da IGEE.

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comunicação gerou um documento reservado,13 que fora no dia seguinte remetido ao Sub-Comandante da Escola para que fossem apurados os fatos mencionados.

O comunicante civil declarara que o Sr. Manoel Antônio da Silva lhe havia dito que alguns filhos de italianos, funcionários da Fábrica de Realengo, um sargento reformado da Armada, integralista, e o chefe de cozinha do 2º RI, lhe disseram, entre outras coisas, serem os brasileiros burros e idiotas, tanto assim que a Fábrica de Realengo deixaria de funcionar no dia em que assim entendesse o alemão, técnico da Fábrica, em cujas mãos se encontrava, praticamente, o funcionamento do estabelecimento.

No dia seguinte, cópia da documentação com a denúncia foi remetida ao Diretor da Fábrica do Realengo pelo Comandante da Escola Militar, Coronel Alcio Souto, para que fossem apurados os fatos constantes da parte especial e o Comandante da Escola informado dos resultados, com a devida urgência14.

Na primeira resposta15, o Diretor da Fábrica, Coronel Carlos Germack Possollo, depois de apurado o caso em apreço, lamentou ter que concordar em parte com o conceito emitido por “alguns filhos de italiano, um Sargento reformado integralista e o chefe de cozinha do 2º R. I.”, quanto à “burrice e idiotice”, não de todos os brasileiros, mas apenas destes dois civis, Ercílio Ferreira Pinto e Manoel Antônio da Silva, indivíduos que ele considerava de idoneidade moral desconhecida e que na falta do que fazer viviam inventando casos sem fundamento, visando menos servir ao país, que espalharem a desconfiança entre aqueles que trabalhavam e serviam de fato ao Exército. Declara ainda que, naquele estabelecimento não existiam estrangeiros, todos eram brasileiros natos ou naturalizados, sendo que estes últimos tinham mais de vinte e cinco anos de permanência no país, alguns serviam no Exército ativo, outros eram

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AHEx. Acervo das Escolas Militares. Documentação da Escola Militar do Realengo (Documentos de 1942). Parte Especial Reservada, de 23 de março de 1942, do 1º Tenente Francisco de Assis Araújo Bezerra, Oficial de Dia, ao Sub-Comandante da Escola Militar.

14 AHEx. Acervo das Escolas Militares. Documentação da Escola Militar do Realengo (Documentos de 1942). Ofício Reservado (Urgente) C9-G, de 24 de março de 1942, do Comandante da Escola Militar, ao Diretor da Fábrica do Realengo.

15 AHEx. Acervo das Escolas Militares. Documentação da Escola Militar do Realengo (Documentos de 1942). Ofício Reservado Nº. 86-Sec/135, de 24 de março de 1942, do Diretor da Fábrica de Realengo, ao Comandante da Escola Militar do Realengo.

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reservistas de primeira categoria. Quanto ao fato de que a Fábrica deixaria de funcionar no dia em que o entendesse um dito alemão, técnico do estabelecimento, a simples admissão desta hipótese seria um insulto aos Oficiais Técnicos, aos quais estavam confiados todos os assuntos desta natureza e que de modo algum permitiriam que tal fato acontecesse.

Na segunda resposta16, o Diretor da Fábrica informa que, em aditamento ao documento anterior enviado ao Comandante da Escola, chegou à conclusão precisa de que se tratava de uma vingança da parte do Sr. Manoel Antônio da Silva, quitandeiro, domiciliado na Rua Princesa Imperial 191, contra o funcionário da Fábrica, o Senhor Domingos Vicente Tucci e contra um indivíduo de nome Caetano, ex-marinheiro e sem profissão. O primeiro, por causa de uma briga antiga e o segundo, por causa de umas pimentas que o mesmo não pagara.

O fato, conforme deduziu o Diretor da Fábrica pelas declarações dos implicados que vieram à sua presença, se deu após uma conversa de um grupo, no qual se encontravam o funcionário Vicente e o tal Sr. Mendonça sobre a Grande Guerra. O Sr. Manoel Antônio da Silva intrometeu-se na palestra para declarar que, se fosse autoridade do Brasil, mandava degolar todos os filhos de italianos, alemães e japoneses que existissem nesta terra.

Isto foi dito com o intuito de provocar o funcionário Vicente, que protestara dizendo-lhe que, pelo fato de ser filho de italiano, não deixava de ser brasileiro nato, reservista de primeira categoria e funcionário do Estado há mais de sete anos. Como foi secundado pelos demais presentes, o Sr. Manoel Antônio acovardou-se se retratando, mas resolvido a tomar uma atitude que o desafrontasse. Receoso, porém, das consequências, pedira a um de seus fregueses, devedor da quitanda, que fosse levar a denúncia mentirosa.

16 AHEx. Acervo das Escolas Militares. Documentação da Escola Militar do Realengo (Documentos de 1942). Ofício Reservado Nº. 94-Sec/135, de 27 de março de 1942, do Diretor da Fábrica de Realengo, ao Comandante da Escola Militar do Realengo.

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O segundo caso analisado foi o relacionado à sindicância instalada na EMR que deveria apurar a veracidade da acusação feita ao Ministro da Guerra sobre a filiação e data de nascimento do Cadete Alésio Silva Lima.

No relatório da sindicância procedida pelo Capitão Argemiro Souto, e enviado ao Ministro da Guerra,17 consta que o Cadete em questão era, de fato, filho legítimo de Artur Gonçalves Amarante e Deusedina Gonçalves Amarante, nascido em 22 de janeiro de 1919, em São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro. Em 25 de fevereiro de 1934, fora novamente registrado por seu padrasto, como sendo filho legítimo do segundo casamento de sua mãe, chamada então de Deusedina Pereira Lima e dele declarante, o Sub-Oficial da Armada Egídio da Silva Lima, como nascido em 5 de abril de 1922, no Distrito Federal.

No mesmo ano de 1934, fora matriculado no Colégio Militar, apresentando a nova certidão de registro que, segundo o sindicante, fora feita com o objetivo especial não só de satisfazer a idade exigida naquele estabelecimento, como também de encontrar amparo na matrícula por ser filho de um Sub-Oficial da Armada.

Em virtude do seu primeiro registro, fora sorteado, convocado e declarado, pela 2ª Circunscrição de Recrutamento, insubmisso da classe de 1919. O sindicante julga em seu relatório que ao Cadete Alésio nenhuma responsabilidade poderia ser imputada, de vez que a nova declaração de seu nascimento fora feita quando ainda era menor de idade e na qual não tomou parte ativa, além do que, o Cadete, que cursava em 1942 o terceiro ano da Escola Militar, ter tido sempre bom aproveitamento nos seus estudos, conduta exemplar e reveladas qualidades morais à altura do Corpo de Cadetes a que pertencia.

Segundo o sindicante, a denúncia levada ao conhecimento do Ministro da Guerra, apesar de verdadeira, tinha por objetivo prejudicar o jovem, pois, por um simples exame da oportunidade e da forma como fora feito, já se via que se tratava de

17 AHEx. Acervo das Escolas Militares. Documentação da Escola Militar do Realengo, Ofício Reservado C17.G., de 19 de maio de 1942, do Comandante da Escola Militar, ao Chefe do Gabinete do Ministro da Guerra.

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uma vingança que o denunciante, covarde e calculadamente, procurou executar quando sua vítima atingia quase o fim do curso militar.

Quanto ao crime de insubmissão (deixar de apresentar-se o convocado à incorporação designada), é lógico que, tomando o fato consumado e vivendo a situação que lhe havia sido criada, e, já tendo o mesmo assentado Praça na Escola Preparatória de Cadetes18, se desinteressasse pela situação militar, fato do qual, aliás, demonstrara inteiro desconhecimento durante a apuração feita.

Analisando o segundo caso, podemos perceber que, apesar de toda tentativa dos Altos Escalões Militares quanto à formação de um tipo militar superior, distante dos estigmas raciais e ideológicos, com a moral e o civismo acima do padrão exigido para outras categorias da sociedade, fora realizado neste processo judicial, uma flexibilização da situação, com um julgamento favorável ao Cadete. Podemos estabelecer algumas razões para o ocorrido. Primeiro por já se encontrar no terceiro ano da Escola Militar, e haver construído uma relação de amizade com outros alunos, instrutores e demais integrantes da Escola; segundo, por ser um bom Cadete, inserido na estrutura de formação de oficiais, e que na falta de bons candidatos, pela radicalização do processo seletivo e pelo contexto mundial da Segunda Grande Guerra, levara o sindicante a um julgamento favorável ao acusado. Não podemos esquecer que esse clima de denuncismo não era bem aceito por alguns militares, como podemos perceber no primeiro caso, os quais normalmente destacaram-se como casos de vingança pessoal que se estabeleciam nos momentos de grande tensão política.

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A origem da Escola Preparatória de Cadetes do Exército remonta ao ano de 1939, com a transformação do Colégio Militar de Porto Alegre em "Escola de Formação de Cadetes", através do Decreto-Lei Nº 1.123, de 27 de fevereiro. Pelo Decreto-Lei nº 2584, de 17 de setembro de 1940, surgiu a Escola Preparatória de Cadetes de São Paulo. A Escola deveria preparar os alunos para ingressarem na Escola Militar do Realengo.

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Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Ano 2 Número 3 Agosto - Dezembro de 2012.

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Referências

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