PODER JUDICIÁRIO
SÃO PAULO
SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 629.052-0/1 – SÃO PAULO Agravante: Maria Helena Ribeiro de Marins
Agravada: Unibanco Leasing S.A. Arrendamento Mercantil
ARRENDAMENTO MERCANTIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LITISPENDÊNCIA. Não há nenhuma dúvida de que a ação distribuída em 24/1/2000 para a 1ª Vara Cível do Foro Regional de Itaquera é idêntica àquela ajuizada em 28/1/1999 em trâmite perante a 4ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital. Nos termos do artigo 267, inciso V e § 3º, do Código de Processo Civil, a segunda ação deve ser extinta pela indevida repetição.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Caracterização. Age com desapreço à Justiça e ao seu adversário a parte que reproduz ação em curso com evidente propósito de obter vantagem indevida, burlando o dever de lealdade que o Código de Processo Civil impõe aos litigantes em geral.
Voto nº 4.156 Visto.
MARIA HELENA RIBEIRO DE MARINS interpôs
Recurso de Agravo de Instrumento contra despacho do MM.
JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL DE ITAQUERA - COMARCA DA CAPITAL, que concedeu a medida liminar na Ação de Reintegração de Posse que lhe move UNIBANCO LEASING S. A. ARRENDAMENTO MERCANTIL, qualificação e caracteres das partes nos autos.
Os efeitos da decisão agravada foram parcialmente suspensos e a Agravante cumpriu o disposto no artigo 526 do Código de Processo Civil. A Agravada, intimada, respondeu ao recurso.
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É o relatório.
UNIBANCO LEASING S. A. ARRENDAMENTO MERCANTIL ingressou com Ação de Reintegração de Posse contra MARIA HELENA RIBEIRO MARINS, objetivando o restabelecimento na posse do veículo com os característicos descritos na inicial. Requereu e obteve medida liminar de reintegração de posse. Contra o despacho concessivo do restabelecimento a Requerida (Agravante) interpôs Recurso de Agravo de Instrumento:
“... O agravado, em 28/01/1999, portanto posterior a distribuição da ação ordinária revisional, ajuizou ação de reintegração de posse na 4ª Vara Cível do foro Central, estando a mesma ainda em curso naquele juízo. Ocorre que em 24/1/2000, a agravada de modo temerário, ajuizou nova ação de reintegração de posse distribuída à 1ª Vara Cível do foro Regional de Itaquera, instruindo a inicial com o mesmo contrato de arrendamento mercantil posto em discussão, o de nº 302.163, repetindo a ação com o dolo intencional de omitir fatos, para lograr êxito na demanda, imputando a agravante suposta mora da dívida, a qual encontra-se sob a tutela da Justiça na ação ordinária revisional e possessória acima mencionadas ...”.
“... a atitude do autor caracterizou litigância de má-fé, vez que omitiu fatos essenciais que levou o douto
juízo a conceder a liminar nos presentes autos ...” (folha 6 –
Destaques do original).
A Agravada defendeu-se das acusações dizendo que “... não possui o menor interesse de ludibriar a justiça
...” (folha 212). Afirmou, mas não comprovou, que desistiu da
ação em curso perante a 4ª Vara Cível do Foro Central e que “... o fato de existir duas ações da mesma natureza foi simplesmente, fruto de um equívoco, o que já foi sanado pelo pedido de desistência
...” (folha 217). Não foi trazida à colação cópia de qualquer
decisão homologando eventual desistência formulada.
A litispendência caracteriza-se pela identidade1 jurídica e, desde que, idênticos os pedidos, tenham por objetivo o mesmo efeito jurídico. Ocorre quando se repete ação que se encontra em curso.
“Dá-se a litispendência quando se repete ação
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idêntica a uma que se encontra em curso, isto é, quando a ação proposta tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir (próxima e remota) e o mesmo pedido (mediato e imediato). A segunda ação tem de ser extinta sem
conhecimento do mérito 2”.
Trata-se (litispendência) de matéria apreciável a qualquer tempo antes da decisão de mérito e, que, uma vez reconhecida, remata a atividade jurisdicional, ainda que não haja provocação das partes. Representa questão de ordem pública que de ofício deve ser fiscalizada e evitada pelo Magistrado.
“Em se tratando de matérias apreciáveis de ofício pelo juiz (condições da ação, pressupostos processuais, perempção, litispendência e coisa julgada — arts. 267, § 3º e 301, §4º, do Código de Processo Civil), mesmo que a parte não tenha provocado sua discussão na petição inicial ou na contestação, conforme se trate de autor ou de réu,
podem elas ser apreciadas na segunda instância 3”.
Não há nenhuma dúvida de que a Ação de Reintegração de Posse distribuída em 24/1/2000 para a 1ª
Vara Cível do Foro Regional de Itaquera4 (folhas 24/26) é
idêntica àquela ajuizada em 28/1/1999, e em trâmite perante a 4ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da
Capital5 (folhas 28/32). A segunda ação proposta deve ser
extinta pela indevida repetição.
Nos termos do artigo 267, inciso V e § 3º, do Código de Processo Civil, fica extinto o processo sem julgamento do mérito, pela existência de litispendência, arcando a Autora (Agravada) UNIBANCO LEASING S.A. ARRENDAMENTO MERCANTIL com o pagamento das custas, despesas e honorários de Advogado fixados em R$1.000,oo (mil reais) na forma do artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil, e declara-se sem efeito a medida de reintegração liminar concedida.
2 - NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY, "Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor", Ed. RT, 3ª ed., 1997, pg. 531, nota 8 ao artigo 267.
3 - REsp. 131.371 - MG - STJ – 4ªT. - Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA - J. em 23.09.98 - UNÂNIME - DJU de 18.12.98, pág. 362.
4 - Processo nº 1.593/00. 5 - Processo nº 7.081/99.
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As partes e seus procuradores devem proceder
com lealdade e boa-fé6. A Agravada omitiu fatos
importantes que, pela relevância, deveriam ter sido trazidos no início ao conhecimento do r. Juízo. Incidiu, com seu
modus agendi em conduta temerária ao propor ação idêntica
àquela que já estava em curso, onde já havia obtido a medida para a reintegração liminar na posse do veículo. Só veio a prestar esclarecimentos alegando “equívoco” após ter os desígnios ocultos revelados pela Agravante e, o pior, sem nenhum comprovante.
Ainda que não houvesse atuação dolosa, mas só negligência, está evidente a irreflexão e a inadvertência na sua conduta. O caso é de litigância de má-fé e enseja a aplicação de pena para coarctar repetição de semelhante procedimento faltoso, que ultrapassa os limites do razoável.
Não se está a “... dar proteção a quem não honra
seus compromissos ...” nem se encorajando “... maus pagadores a
agirem da mesma forma sem temerem punições ...” (folha 216), mas,
simplesmente, desestimulando a tão odiosa exibição de força do poder econômico.
“... dessume-se dos autos a incontendível demonstração de que ele deduziu pretensão consciente da existência de idêntica ação em comarca diversa.
Agisse de boa-fé, tão logo verificada a identidade de causas, teria comunicado a existência de litispendência, demonstrando, com isso, a ausência de intenção de conseguir proveito ilícito.
O que tipifica a litigância de má-fé é a consciência de estar agindo maliciosamente para obter resultado indevido.
Ter outorgado duas procurações, com o mesmo fim, para advogados diversos e em datas tão próximas (fls. 05 e 204), caracteriza a conduta dolosa do apelante.
Inequívoca, pois, a afronta à literalidade do artigo
17 do Código de Processo Civil ...7”.
Em face ao exposto, dá-se provimento ao recurso, reconhece-se a litispendência, extingue-se o
6 - Código de Processo Civil, artigo 14, inciso II.
7 - 2º TACivSP - Ap. s/ Rev. 498.799 - 6ª Câm. - Rel. Juiz CARLOS STROPPA - J. 3.12.97
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processo sem julgamento do mérito na forma ut supra,
ficando revogada a liminar e condena-se a Agravada, além das verbas de sucumbência retro imposta, aos pagamentos de 1% do valor causa atualizado a título de multa e, de 20%
sobre o mesmo valor (da causa) como indenização para a
Agravante pela litigância de má-fé8.
Providencie-se a extração de cópia destes autos e a juntada dela no Processo nº 624.777-0/5.
IRINEU PEDROTTI Relator