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José Pedro de Sant'Anna Gomes e a atividade das bandas de música na Campinas do século XIX

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

José Pedro de Sant’Anna Gomes e a atividade das bandas de

música na Campinas do século XIX

Alexandre José de Abreu

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Alexandre José de Abreu

José Pedro de Sant’Anna Gomes e a atividade das bandas de

música na Campinas do século XIX

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Música do Instituto de Artes da UNICAMP como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Música. Área de concentração: Fundamentos Teóricos. Orientador: Prof. Dr. Edmundo Pacheco Hora

Campinas 21 de julho de 2010

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP

Título em inglês: “Jose Pedro de Sant'Anna Gomes and the music bands at Campinas during the nineteenth century.”

Palavras-chave em inglês (Keywords): Sant‟Anna Gomes, José Pedro ; Mello, Azarias de ; Music bands ; Musicology ; Music - Campinas(SP) – XIX Century.

Titulação: Mestre em Música. Banca examinadora:

Prof. Dr. Edmundo Pacheco Hora. Prof Dr. Ricardo David Goldenberg.

Prof. Dr. Marcos da Cunha Lopes Virmond. Profª. Drª. Lenita Waldige Mendes Nogueira. Prof. Dr. Marcos Fernandes Pupo Nogueira. Data da Defesa: 21-07-2010

Programa de Pós-Graduação: Música.

Abreu, Alexandre José de.

Ab86j José Pedro de Sant'Anna Gomes e a atividade das bandas de música na Campinas do século XIX. / Alexandre José de Abreu. – Campinas, SP: [s.n.], 2010.

Orientador: Prof. Dr. Edmundo Pacheco Hora.

Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

1. Sant‟Anna Gomes, José Pedro. 2. Mello, Azarias de. 3. Banda(Música) 4. Musicologia histórica. 5. Música –

Campinas(SP) – Séc. XIX I. Hora, Edmundo Pacheco. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

(em/ia)

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Dedico este trabalho a minha família.

Ao meu pai, Samuel Napoleão de Abreu, pelo estímulo e apoio de sempre.

A minha irmã Marília de Abreu por ter me ensinado o amor aos livros.

A minha esposa Anita Naif Caluri, pelo amor, apoio e paciência durante o processo.

Faço ainda uma dedicatória in memorian à parte da minha família que não pode me ver desenvolvendo a pesquisa, mas que com certeza divide os méritos da mesma: minha mãe Marília de Abreu, e meus irmãos Heitor José de Abreu e Ricardo José de Abreu.

Por último, uma dedicação especial ao meu bisavô, o engenheiro Benjamin Napoleão de Abreu, que apoiando a formação da Banda de Munhuaçu (MG), inscreveu nossa família, ainda que discretamente, na história das bandas de música do país no século XIX.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aqueles que colaboraram direta ou indiretamente para a confecção deste trabalho, entre eles:

Ao museu Carlos Gomes de Campinas, representado na pessoa de Juraci Beretta, incansável „guardiã‟ do acervo dos Gomes, cujos préstimos foram indispensáveis para o trabalho. O museu concentra a totalidade das obras do maestro, além do acervo de manuscritos musicais herdados por este de seu pai, Manuel José Gomes, e representa uma importante fonte de partituras e documentos.

À Banda Carlos Gomes, corpo musical estável que testemunha a atividade das bandas em Campinas desde o período aqui tratado, segunda metade do século XIX, até os dias de hoje e, a Waldir Poiane por seu trabalho junto à mesma.

Acrescento um especial agradecimento ao professor Edmundo Pacheco Hora pela sugestão do tema abordado no presente trabalho.

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Resumo

A presente dissertação estuda a trajetória do maestro José Pedro de Sant‟Anna Gomes (1834-1908), sua atividade como musico e regente na cidade de Campinas durante a segunda metade do século XIX, e sua importância para a atuação das bandas de música que se estabeleceram na cidade no mesmo período. A dissertação apresenta a inter-relação estabelecida entre o trabalho do maestro e a atividade das bandas, destacada pela larga esfera de atribuições do primeiro e a complexa extensão social da segunda. Fontes diversas foram utilizadas: relatos de cronistas, o repertório de Sant‟Anna Gomes para a formação de bandas de música, além de dados referentes à atividade musical exercida na cidade de Campinas durante o século XIX. Primeiramente, o trabalho apresenta uma breve biografia do compositor e maestro Sant‟Anna Gomes destacando aspectos representativos de sua atuação. Em seguida, o trabalho aborda assuntos relacionados à atividade das bandas na cidade, fazendo uma extensa análise de suas atribuições. Neste sentido, incluímos aspectos urbanísticos e sociais interpretados como mudanças que alteraram o caráter da cidade, assim como, destacamos os diversos segmentos sociais que contaram com a atividade das bandas. Por meio deste enfoque, sugerimos a importância do estabelecimento de um „gosto‟ comum, norteando o repertório das bandas e contribuindo para uma maior „permeabilidade‟ em meio a segmentos tão distintos. Finalmente, o trabalho apresenta as quatro obras originais de Sant‟Anna Gomes para a formação de bandas: Valsa Club Campineiro, Quadrilha Club Semanal, Polka Sem Fim e Polka Filuta e estabelece sua importância dentro do momento histórico-cultural no qual se inserem. Como anexo, o trabalho inclui, igualmente, a edição das quatro obras apresentadas.

Palavras-chave: Sant‟Anna Gomes, bandas de música, musicologia histórica, Campinas, Azarias de Mello, século XIX.

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Abstract

This dissertation aims at looking at the paths taken by conductor José Pedro de Sant‟Anna Gomes (1834 – 1908); his activity as musician and conductor in the city of Campinas during the late nineteenth century, and at presenting the relevance of his work for the activity of music groups that were formed in the city during the same period. The investigation shows the inter-relationship established between the conductor‟s work and the activities of the groups, highlighted by the wide scope of the former‟s work, and the latter‟s complex social environment. Several sources have been used: chronicles by travelling reporters, Sant‟Anna Gomes‟s repertoire for the formation of bands, besides data referring to the music activity in Campinas during the nineteenth century. In terms of organization, the paper first presents a brief biography of Sant‟Anna Gomes underlining important aspects of his works. Secondly, this work focuses topics pertaining to band activities in the city, extensively analyzing several aspects. Here, we have included social and urban aspects that have been interpreted as relevant to the changes that the city underwent, as well as the several social sectors that had music bands. By following this line of thought, we suggest the importance of a common taste, directing the music band‟s repertoire and contributing to greater „permeability‟ despite such different sectors. Lastly, this dissertation presents the four original pieces for band instrumentation by Sant‟Anna Gomes: Valsa Club Campineiro, Quadrilha Club Semanal, Polka Sem Fim e Polka Filuta, and establishes their importance within the cultural-historical period in which they are set. As part of the appendix, the paper also includes the four pieces here studied.

Key-words: Sant‟Anna Gomes, music bands, historical musicology, Campinas, Azarias de Mello, Eighteenth Century.

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LISTA DE FIGURAS

Figuras Página

Figura 1. Sant‟Anna Gomes na maturidade. 8

Figura 2. Sant‟Anna Gomes em seu último retrato. 12

Figura 3. Túmulo do maestro, no cemitério da Saudade, Campinas. 22 Figura 4. Au Monde Elegant, loja em Campinas fundada em 1876. 28

Figura 5. Teatro São Carlos em 1900. 29

Figura 6. Evento político realizado no interior do teatro São Carlos, em 5 de janeiro de 1882.

31

Figura 7. Teatro São Carlos foto de 1889. 32

Figura 8. Jardim Público em foto de 1903. 34

Figura 9. Estréia da Companhia Arruda, no agora Cine Rink em 1920. 40 Figura 10. Banda de Munhuaçu (MG), representativa da generalização das

bandas no Brasil do século XIX.

46 Figura 11. Grupo de imigrantes italianos festejam em uma fazenda de

Campinas o aniversário do rei da Itália, Vitório Emanuel III.

58

Figura 12. Cartaz de propaganda do projeto de emigração. 59

Figura 13. Banda Ítalo-Brasileira em 1910. No centro o maestro Diogo I. Bratsfich aparece rodeado pelos músicos Vivareli, Suriani e os Tullios.

62 Figura 14. Banda Ítalo-Brasileira por ocasião do centenário da Independência,

1922.

65

Figura 15. Sede da Banda Carlos Gomes, Campinas. 66

Figura 16. Foto do acervo pessoal de Vera di Bella, trineta de Sant‟Anna Gomes.

75

Figura 17. Fazenda Santa Cruz (RJ), em gravura de 1816. 80

Figura 18. Capa da edição de “O filho da Lavandeira” de Sant‟Anna Gomes. 86 Figura 19. D. Pedro II por ocasião de sua vista à Campinas, 1875. 100 Figura 20. Banda Philorphênica, Sant‟Anna Gomes é o quarto da esquerda

para direita.

109 Figura 21. A melodia principal do primeiro número (linha superior) possui

relação motívica com a melodia principal do segundo número (linha debaixo).

114 Figura 22. Linha do bombardino traz uma movimentação maior à peça. 114 Figura 23. Indicação de ritornello no manuscrito original. 115 Figura 24. Melodia principal do terceiro número, linha da requinta. 116

Figura 25. Linha dos segundos clarinetes e eufônios. 116

Figura 26. Motivo do número anterior reaparece na linha da requinta. 117

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Figuras Página Figura 29. A linha de resposta da requinta no número anterior agora é

explorada pelos clarinetes no sexto número.

118 Figura 30. Detalhe do manuscrito autógrafo original da Valsa Club

Campineiro.

119

Figura 31. Foto da 1ª sede do Club Semanal de Campinas. 121

Figura 32. Manuscrito da partitura original de flautim da Quadrilha Club Semanal.

124 Figura 33. Dois períodos contrastantes que se alternam na quadrilha. 124 Figura 34. Motivo sincopado de semicolcheia e colcheia permeia a peça. 125 Figura 35. Manuscrito da parte da requinta da Polka Sem Fim. 127 Figura 36. Capa do manuscrito da polka Filuta e o dano apresentado. 129 Figura 37. Última página do manuscrito original da polka Filuta e o dano

apresentado.

130 Figura 38. Motivo com o uso de appoggiatura na voz do ottavino. 131

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LISTA DE QUADROS

Quadros Página

Quadro 1. Relação de bandas em Campinas, durante o século XIX. 51 Quadro 2. Relação dos músicos integrantes da Orquestra da Sociedade Carlos

Gomes.

77 Quadro 3. Relação dos músicos da banda de Erdmann Neuparth. 106

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SUMÁRIO

1. Introdução... 01

2. José Pedro de Sant’Anna Gomes – Breve biografia...05

3. Campinas retratada em bandas - Criação de novos espaços...23

4. Bandas e mais bandas...43

4.1A grande imigração: bandas de imigrantes portugueses, alemães e italianos – Circolo Italiani Uniti e a epidemia de febre amarela...53

4.2Bandas de comerciantes, fábricas e operários...67

4.3 Bandas de Colégios...71

4.4 Bandas de escravos...78

5.O repertório das bandas de música, gosto e representação...89

6. Quatro peças do maestro originais para Banda: Valsa Club Campineiro, Quadrilha Club Semanal, Polka Sem Fim e Polka Filuta...109

7. Considerações Finais...135

8. Referências Bibliográficas...139

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Introdução

A cidade de Campinas, durante a segunda metade do século XIX, foi palco de um grandioso fenômeno cultural. As riquezas oriundas do café, que estabeleceram a região como rota econômica estratégica, conjuminadas à agitação dos diversos segmentos sociais e a implementação de novas tecnologias (entre elas a mais importante a expansão ferroviária), foram fatores que alicerçaram as bases para o desenvolvimento de uma sociedade aristocrata, que ainda com grandes traços de provincianismo procurava sua identidade nos espelhos oferecidos pelos grandes centros europeus.

Em contrapartida, a tradição musical iniciada por Manoel José Gomes (1792-1868), mestre de capela e de seus filhos compositores, completava o panorama da cidade com a criação de sociedades, teatros e espaços culturais. Esta mesma tradição havia se solidificado à luz dos sucessos de seu filho mais ilustre: Antonio Carlos Gomes (1836 – 1896), que com a entrada no Conservatório do Rio de Janeiro (1859), a estréia de suas óperas e, principalmente a estréia de Il Guarany no Scala de Milão (1870), trazia notoriedade para a cidade.

Herdeiro da tradição do pai e principal arauto dos feitos do irmão (Carlos Gomes), José Pedro de Sant‟Anna Gomes (1834 – 1908)1

- objeto de estudo do presente trabalho - foi maestro, compositor, copista e instrumentista, e trabalhou ainda sob uma larga gama de atribuições que extrapolavam os limites restritos da atividade musical pura e simples. Entre estas atividades, Sant‟Anna Gomes foi, igualmente, vereador, juiz de paz, presidente da junta militar, comerciante e empresário (NOGUEIRA, 2001).

Desta forma, levando-se em conta que Sant‟Anna Gomes exercia uma gama tão extensa de atividades e estava inserido em um contexto tão complexo, qualquer análise que se

1 Ainda que a utilização corrente para o nome do autor apareça sempre como “Santana”, optamos por manter, ao longo do trabalho, a grafia “Sant‟Anna”, respeitando a caligrafia original do próprio autor, verificada em seus manuscritos musicais.

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pretenda encetar, à luz de fontes históricas documentais, haveria de incluir alguma espécie de limite; limite este que teria a dupla função de mapear o trabalho, assim como, estabelecer o seu grau de profundidade.

Assim, optamos por um recorte em suas obras que abrangesse o repertório de obras para a banda de música do maestro e sua relação com esta formação. Esta escolha, improvável em um primeiro momento (uma vez que aborda uma parcela pequena de sua produção - apenas quatro obras conhecidas), traz Sant‟Anna Gomes exercendo uma atividade que fora a de seu pai e o relaciona, de certa forma, a esta tradição, muito embora ambos tenham vivido momentos históricos profundamente diferentes.

Manoel José Gomes, músico ligado à igreja, não viu o nascimento de uma realidade nova que Sant‟Anna iria conhecer: uma cidade que abria espaço para eventos e celebrações que não se restringiam mais à igreja, levando consigo, neste processo, as atividades do músico.

A atividade de Sant‟Anna Gomes como maestro de banda não somente demonstra sua herança paterna como nos apresenta a sua complexa dinâmica de atuação, relacionando os diversos fenômenos culturais que envolveram a cidade de Campinas no século XIX.

Em suma, temos um trabalho que procura apresentar Sant‟Anna Gomes como maestro de bandas, assim como contrapor o rico panorama de bandas da cidade à atividade do maestro, estabelecendo eixos de comunicação possíveis para uma análise integral.

Neste ínterim, se apresenta não apenas um, mas dois objetos de estudo principais que se aproximam em alguns momentos e se afastam em tantos outros, enriquecendo a trajetória da pesquisa em diversidade.

A atividade das bandas de música na Campinas do século XIX foi um fenômeno grandioso, tendo-se em vista os padrões vigentes de sua época. Fruto de uma convergência de fatores das mais diversas ordens estabeleceu pilares para uma tradição de bandas que em épocas posteriores se disseminariam pela região. Embarcou, qual uma „Arca de Noé‟, cada segmento da cidade para compor com estes um quadro fidedigno, um relato original de seu perfil. Neste sentido, com dois objetos de tamanha complexidade: as diversas atribuições do maestro e as atividades das bandas na cidade, o presente trabalho não poderia se distanciar de uma análise que não fosse inclusiva, que não estabelecesse eixos de diálogo com os diversos fatores que compunham o momento.

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Em vista disto, procuramos uma sistematização que, embora mantivesse esses dois pilares centrais da pesquisa (Sant‟Anna Gomes e bandas, estabelecendo um limite salutar ao trabalho), nos conduzisse, igualmente, a relacioná-los com fatores contextuais de suma importância; fossem, por vezes, sociológicos, musicais, econômicos e históricos.

Ajudando a compor um quadro que se distanciasse de uma análise restritiva que poderia, apartando-se do todo, cortar liames significativos. Poderíamos, desta forma, na gana de isolá-los – os dois pilares centrais supracitados - para melhor estudá-los, perder o sentido que só possuem inseridos no contexto.

Para ajudar a compor este quadro de elementos e garantir alguma ordenação ao raciocínio, dividimos o trabalho em cinco capítulos que se sucedem compondo, um a sua vez, o tecido de argumentos de cada um dos fatores.

O primeiro capítulo abrange um pequeno resumo biográfico de Sant‟Anna Gomes englobando sua atuação nas mais diversas áreas, assim como, suas realizações na cidade. Seu objetivo é o de dar um panorama geral da atividade do maestro, relacionando suas múltiplas atribuições, sua própria história de vida e sua atividade frente às bandas; certamente beneficiada pelo consórcio de todas as demais.

O segundo capítulo, por sua vez, se volta para uma contextualização histórica, procurando relacionar a figura de Sant‟Anna Gomes e a atividade das bandas com o momento histórico que vivia a cidade de Campinas, destacando fatores importantes como sua urbanização e a criação de espaços de sociabilidade, interpretados como elementos constitutivos de uma análise estética.

No terceiro capítulo, retornamos ao nosso objeto de estudo e apresentamos o complexo panorama de bandas que se compôs na cidade. Desenvolvemos uma análise etimológica da formação de bandas, já desde um primeiro momento relacionada a um ideal representativo de poder e constitutivo de sua estética. Abordamos o complexo panorama de bandas composto por questões sociais e humanas que caracterizaram o pleno exercício destas, delineando entrecruzamentos de segmentos sociais, por vezes antagônicos, na cidade de Campinas. Dentro deste panorama, fazemos uma análise de cada segmento representado por bandas: as bandas de imigrantes, comerciantes, fábricas, colégios e escravos.

No quarto capítulo fazemos uma análise contextual apresentando as questões do „gosto‟ que estabeleciam paradigmas estéticos a serem observados. Incluímos, igualmente, a

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análise do objetivo de representação acalentado pela aristocracia através da prática musical. A síntese entre estes gostos e normas de conduta e o ideal de representação do poder monárquico, resulta em uma abordagem sistemática do material cultural apresentado.

O quinto capítulo encerra o trabalho apresentando um perfil da atividade de Sant‟Anna Gomes enquanto maestro de bandas e o estudo analítico das quatro peças originais para esta formação, que chegaram até nós; a saber: Valsa Club Campineiro, Quadrilha Club Semanal, Polka Filuta e Polka Sem Fim.

Em suma, o trabalho está estruturado sobre o consciente objetivo de alternar um capítulo que aborde um dos objetos de estudo e outro mais contextual. Com o claro propósito de proporcionar uma leitura intertextual dos objetos envolvidos e entremear o processo de pesquisa a sua contextualização, fazendo com que sua mútua relação seja pressentida naturalmente através da leitura.

Por fim, o anexo traz a edição, elaborada nesta pesquisa, das quatro peças de Sant‟Anna Gomes para bandas de música, procurando servir como embasamento para uma leitura histórico-crítica e contribuindo para divulgação e dispersão das obras do maestro.

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José Pedro de Sant’Anna Gomes

Breve biografia

Filho de Manoel José Gomes, então mestre de capela da vila de São Carlos (atual Campinas), e Fabiana Maria Jaguary Cardoso (1816/18-1844), José de Pedro de Sant‟Anna Gomes foi, ao lado de seu irmão, Carlos Gomes, figura central na vida musical da vila, então com 7.680 habitantes.

Sua atuação incluiu o trabalho de regente, compositor, instrumentista, copista, vereador, juiz de paz, presidente da junta militar, comerciante e empresário, e foi, sobretudo, o principal vetor cultural da cidade agindo sobre praticamente todas as esferas que circundavam seu trabalho de músico e administrando sua complexa rede de funcionamento

.

Nascido em Campinas a onze de agosto de 1834, Sant‟Anna Gomes, teve sua infância marcada pela formação adquirida do pai e pelo relacionamento com seus irmãos, em especial com Carlos Gomes.

A casa alugada, localizada na rua da Matriz Nova (hoje Regente Feijó) parecia gozar de um ambiente tranqüilo; a pesquisadora Lenita Nogueira aponta que seu pai, ainda que não fosse rico tinha um ganho relativamente estável oriundo de sua atividade como mestre de capela na Matriz Velha, função a qual só iria abandonar pouco antes de sua morte.

Manoel Gomes fora um músico herdeiro da tradição de mestre de capela e sua formação circunscreve-se nesta tradição. Nascera na vila do Parnaíba e teve sua formação incentivada por José Pedroso de Moraes Lara (1746-1775) padre e mestre de capela local. Após a morte deste, e com o possível intermédio do vigário da Vila de São Carlos, Joaquim José Gomes (1765-1831), Manoel Gomes chega a Campinas em 1815 sendo seu primeiro mestre de capela e ganhando a alcunha de „Maneco músico‟.

Sua atividade, ligada à igreja, tinha por atribuições a regência coral, de banda, cópia de partes musicais, organização de um arquivo e aulas de música pelas quais, é descrito como professor severo. Soma-se a essas atividades, a de organista, que deve ter representado problemas haja vista que o órgão da matriz velha estava sempre carecendo de reformas.

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Sant‟Anna Gomes é o quinto filho de Manoel Gomes, este teve ainda quatro outros (Marciana Maria Do Rozário, Maria do Carmo, Manoel José Gomes Júnior e Joaquim José Gomes de Santana) em seu segundo casamento, com Anna Thereza de Jesus Garcia, uma vez que o primeiro casamento, com Maria Inocência do Céu, não gerara descendência.

Desta forma, Sant‟Anna Gomes aparece como o primeiro filho do terceiro casamento de seu pai, com Fabiana Maria Jaguary Cardoso (que será também a mãe de Carlos Gomes), e após a morte desta (1844), teria ainda mais três irmãos em um quarto casamento (Joaquina Amália, Thomaz de Aquino Gomes e Anna Luiza). Nogueira fala então, de um total de nove filhos, diferente do que apontam outros autores que falam em vinte e seis filhos do maestro.

Sant‟Anna Gomes foi batizado em data bem posterior a de seu nascimento, pelo reverendo coadjutor Martin Afonso Barreto e teve por padrinho José Custódio. Tanto ele como seu irmão, Carlos Gomes, foram batizados sem o nome do pai, pois este ainda não havia legalizado sua união com Fabiana Jaguary.

Com o nascimento de Carlos Gomes a família fica então composta de seis filhos, e haja vista que Marciana já havia casado, o núcleo familiar de Sant‟Anna Gomes seria formado pelo seu pai, mãe e quatro irmãos. Dentre os quatro foi com Carlos Gomes, que Sant‟Anna mais se aproximaria. É nas palavras deste, citadas por Nogueira em carta dirigida a José Emydio que podemos ter uma idéia da forte impressão que teve este período da infância para ambos:

Em outra carta a José Emygdio, enviada de Milão em 1894, Carlos Gomes fala: “Com o pensamento eu, daqui (Milão), vejo ainda as ruas de Campinas do tempo da nossa pândega e primeira idade ...Quantas vêzes tenho sonhado com a antiga romaria do famoso bambuizal das Campinas Velhas... o que eu não daria para voltar àquelle tempo...” (NOGUEIRA, 1997, p.66).

Nogueira (1997), comenta que dado o ambiente musical dominante da casa, os filhos de Fabiana logo se profissionalizariam como músicos. Carlos Gomes “dava seus primeiros vôos tentando fazer violas com os elásticos das botinas do pai, tirando delas toscos acordes” e os dois jovens cresceriam sob a orientação musical severa de seu pai, o que, contudo, não impossibilitava momentos de divertimento, típicos da idade. Carlos Gomes, conhecido então por Tonico, tinha uma vida feliz e despreocupada, fazia papagaios que vendia aos seus colegas a um

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tostão cada, participava das procissões vestido de anjo e corria pelos Brejos da Bica Grande e Jorumbeval, sempre junto de seu irmão com o qual compartilhava este período idílico da infância (NOGUEIRA, 1997, p.45).

A proximidade dos dois irmãos é uma constante na vida de ambos, desde os primeiros ensaios na banda do pai, passando pela prática de música de câmara na juventude e chegando ao apoio que Sant‟Anna daria ao irmão em todos os momentos decisivos da vida deste. Ao decidir viajar para estudar no Rio de Janeiro (1860), Carlos Gomes é apoiado pelo irmão, mesmo sabendo que a decisão contrariava a vontade paterna. Uma vez na Itália Carlos Gomes, tem em seu irmão um arauto de seus feitos no Brasil, fato que ajudaria a consolidar a imagem do compositor por aqui e finalmente, com o fim da monarquia Carlos Gomes perde, a bolsa que permitia sua estada na Itália e, é de Sant‟Anna que vem o suporte financeiro para ele.

Quanto à vida escolar Nogueira aponta que os filhos mais velhos de Manoel, Manoel e Joaquim, estudaram em um primeiro momento na escola do professor Luis Antonio de Castro e depois latim e francês com o professor público Quirino do Amaral Santos. Isto valia apenas para os meninos, pois as mulheres, seguindo prática comum na época não estudavam fora de casa. Quanto a Carlos Gomes estudou na Escola Régia até aos 11 anos e chegou até mesmo a pagar o seu estudo com o dinheiro que recebia de suas aulas de música, sendo que o caso de Sant‟Anna Gomes não deveria ter sido diferente disto.

Ainda sobre sua formação é fato que Manoel José Gomes queria que além da educação musical seus filhos aprendessem outros ofícios e nesse sentido Carlos Gomes aprendeu alfaiataria e Sant‟Anna Gomes fora aprendiz de marceneiro. Já quanto à formação musical propriamente dita tanto Sant‟Anna quanto Carlos Gomes participaram das aulas e do ensaio da banda de seu pai. No que tange a estas aulas Odécio Camargo, cronista da época, afirma que era de conhecimento de todos a severidade com a qual o pai as ministrava, inclusive aos próprios filhos. O cronista fala que Manoel: “(...) ficava de pé num ângulo da sala com a fisionomia austera, olhar instigador e irrequieto a distribuir, primeiras explicações e depois repetidas pancadas de arco de rabeca na cabeça de alunos recalcitrantes, vadios ou de curta compreensão” (NOGUEIRA, 1997, p.45).

Na banda marcial do pai, Sant‟Anna Gomes tocava clarinete e Carlos Gomes triângulo; este período deixou uma forte impressão nos dois, em especial para Sant‟Anna, a quem caberia o papel do pai à frente da mesma banda. A verdade é que a atividade da banda deve ter

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ocupado uma parte importante do cotidiano da família e é interessante ver como ela se apresenta celebrando fatos históricos importantes e eventos políticos, dos quais podemos destacar para o que provavelmente foi um dos mais significativo deles: a visita do Imperador D. Pedro II, a 26 de Março de 1846, onde Manoel Gomes aparece designado para o desempenho da música pelo presidente da câmara de Campinas.

Figura 1: Sant‟Anna Gomes na maturidade.

Fonte: Museu Carlos Gomes.

Nogueira aponta que após “Missa cantada e executada por Maneco e seus músicos” ouve “as cavalhadas” festas comemorativas nas quais a banda marcial participou

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efetivamente deixando forte impressão sobre o Imperador, especialmente quanto à participação dos jovens Gomes, Sant‟Anna Gomes (apelidado de Juca) na terceira clarineta e Carlos Gomes (apelidado de Tonico) aos ditos “ferrinhos” (triângulo).

A visita de D. Pedro II serve para atestar o destaque que Campinas recebia então, graças ao cultivo do café, surgindo assim como importante pólo regional e rivalizando, inclusive, com a metrópole (Rio de Janeiro) e São Paulo. Isto representava um ponto estratégico para a coroa, que então lidava com uma complexa rede de ambigüidades ligadas ao escravagismo que sedimentava a cultura do café.

Desta época, e expressando a forte ligação entre os dois irmãos, temos o depoimento de Carlos Gomes que em carta datada de 1894, recordava Sant‟Anna Gomes falando que o “mano Juca tocando 4ª clarineta e vestido de „sordado‟, com barretina de papelão, de espada que metia medo na gente” (NOGUEIRA, 2001, p.337).

Dois anos após a visita de D. Pedro II, uma tragédia viria a abalar a família e justamente em um cenário de doces lembranças para os dois irmãos Este episódio seria o do assassinato de sua mãe cujo corpo foi encontrado no Brejo Jorumbeval que dava para o fundo da casa dos Gomes, justamente onde as crianças brincavam.

Existem algumas versões sobre o assassinato; em uma delas Odécio Camargo relata que Fabiana era muito bonita, gostava de passear e que isto poderia ter despertado os ciúmes de Manoel Gomes, porém, o mesmo autor afirma que parece ser certo de que ela fora assassinada por ciúmes de um possível amante que a teria encontrado nos fundos da casa e depois desaparecido de Campinas.

Outro autor, elencado por Benedito Otávio, defende Manoel Gomes, mas coloca que muitos acreditavam ser ciúmes a motivação do crime e que haveria o relato de uma pessoa que vira na manhã do crime Manoel José Gomes entrar em sua casa e lavar as suas mãos sujas de sangue. A filha de Carlos Gomes colabora com outra versão dizendo que uma possível desavença entre músicos e Manoel José Gomes poderia ter fomentado uma tentativa de assalto que teria levado ao assassinato.

De qualquer forma, o crime permaneceu sem solução e ficou com uma marca negativa na vida de Sant‟Anna e Carlos Gomes, o que fica claro em carta enviada a Álvaro de Camargo por Carlos Gomes: “(...) não podes sentir o aperto da saudade, não podes ainda sentir a dor esse espinho agudíssimo, mais do que o do jurumbeva...” (NOGUEIRA, 1997, p.51).

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Muito embora quando criança Sant‟Anna Gomes apareça tocando clarinete é ao violino e também à viola d‟amore que ele desenvolve sua carreira. O seu aprendizado deve ter se iniciado com o pai e, já em 1859 aparece em um programa como concertista ao lado irmão Carlos Gomes e Henrique Luiz Levy (1829-1848) que era vendedor ambulante e clarinetista, pai de Luiz e Alexandre Levy que seriam grandes nomes da música brasileira.

Outro ponto de destaque na vida do maestro se refere a sua atividade como compositor; atividade esta que ele desenvolve já na maturidade. Sant‟Anna Gomes compôs música em uma extensa palheta de gêneros e formações e o acervo de suas obras se encontra em perfeito estado no Museu Carlos Gomes, em Campinas. Em seu catálogo de obras, organizado por Nogueira, constam obras instrumentais (predominantemente quartetos e quintetos de cordas), orquestrais, vocais, duas óperas (Alda e Semira esta última inacabada), e obras para banda.

Merece um destaque especial a obra Pastoral, auto natalino composto em conjunto com outros quatro compositores de sua época: Henrique Oswald (1852-1931), Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Francisco Braga (1868-1945), contando ainda com texto de Coelho Neto. A obra estreou em Campinas em vinte cinco de dezembro de 1903, sob a regência de Olegário Ribeiro (embora se saiba que Alberto Nepomuceno tenha regido o movimento de sua autoria), e teve ainda mais duas récitas dado o seu grande sucesso.

A cidade contava então, com o convívio do escritor Henrique Maximiliano Coelho Neto (1864-1934), responsável pelo texto da obra e residente a Campinas desde 1901, este já se firmara como contista de sucesso tendo obras muito conhecidas da sociedade da época, como é o caso do “Rajá de Pendjab” (1898), principal obra do autor, e desempenhava a função de professor no colégio Culto à Ciência. A presença de Coelho Neto serve não apenas para destacar a relevância do evento como, igualmente, para demonstrar o momento de efervescência cultural pelo qual a cidade passava.

Com tudo isto posto, podemos vislumbrar a variedade de gêneros abordados por Sant‟Anna Gomes e avaliar não somente a espontaneidade com a qual o maestro circulava por estes, como os diferentes âmbitos de atuação aos quais estava familiarizado, sendo, desta forma, mais uma diferença em relação à atividade de seu pai, Manoel Gomes, cuja atividade era circunscrita à Igreja.

Desta forma, se não temos a essência de um artista romântico, familiarizado com as diversas correntes estéticas e estilos do século XIX, podemos constatar, contudo, que

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Sant‟Anna Gomes não estava alheio aos estilos musicais que se apresentavam, acompanhando as mudanças pelas quais a própria sociedade passava.

Dentre estes vários gêneros abordados por Sant‟Anna Gomes, é forçoso destacar a sua produção para formações camerísticas de cordas (quartetos e quintetos, que por vezes incluem instrumentos de sopro ou piano), que certamente se avaliza em sua própria atividade como camerista, além de se mostrar mais adequada à execução em salões e pequenas salas de concerto, como as que faziam parte da vida musical campineira nas sociedades musicais e clubes. O surgimento destas sociedades musicais na cidade é um importante testemunho das mudanças pelas quais esta passava; inserida dentro de uma larga gama de mudanças de gostos e hábitos, as sociedades musicais do século XIX, a exemplo das literárias, ajudaram na difusão de um modo de vida, e na apreciação de gostos comuns; uma experiência que garantia um certo status e posição às elites da cidade.

Além de sua pertinência dentro das sociedades musicais, outra característica desta produção de quartetos e quintetos para cordas é o forte teor didático de muitas destas peças (tais como o Canon baseado nas notas da escala musical, com o texto: “Dó, ré, mi, fá, sol, cansado estou de solfejar” NOGUEIRA, 2001, p.314), o que atesta a atividade de Sant‟Anna Gomes como professor, tendo participado da formação de vários músicos na cidade. Um outro indício de sua atividade didática, que Nogueira apresenta é uma tabela deixada por Sant‟Anna Gomes, feita de punho próprio relacionando os instrumentos transpositores, com suas escritas e sons reais.

Sant‟Anna Gomes esteve, igualmente, à frente da orquestra do teatro São Carlos, que era composta por músicos da cidade e acompanhava as companhias líricas estrangeiras que visitavam a cidade, grandes solistas e realizava apresentações dos mais variados gêneros, o que indica uma intensa dinâmica de atuação. Nogueira aponta que, em 1870, a Orquestra Campineira aparece em um anúncio de jornal oferecendo seus serviços para festas religiosas e profanas, e que dispunha de um acervo de duas mil obras; fatos estes que demonstram a estrutura que a orquestra já apresentava.

Outra atividade do maestro que não deve ser menosprezada é a de empresário tendo estado à frente da loja Harpeolina, mais importante loja de instrumentos musicais e partituras da cidade, a loja representava um avanço e era especializada em instrumentos de sopro provavelmente atendendo a demanda das várias bandas existentes.

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O comércio de partituras e instrumentos musicais em Campinas era extremamente limitado e a chegada da Harpeolina na cidade, inaugurada em 1873, representa um avanço para os músicos que de outra forma tinham de se reportar à lojas especializadas em São Paulo.

Figura 2:Sant‟Anna Gomes em seu último retrato.

Fonte: JUNIOR, 1970.

Em 11 de fevereiro de 1878 falece o pai de Sant‟Anna deixando na herança para este o arquivo que norteou seu trabalho em vida. A importância deste arquivo é significativa, pois se trata de um período onde a imprensa engatinha e devido a isto o custo das partituras é

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impraticável; tornando inestimável o valor de um arquivo de manuscritos coletados por toda uma vida.

Mais que o arquivo do pai, Sant‟Anna Gomes herda, igualmente, o ambito de atuações deste, pois se por um lado ao irmão cumulariam as glórias de ter sido o mais importante compositor nacional do período, o único a realizar sua música em teatros europeus com sucesso, a Sant‟Anna caberia junto com o arquivo do pai, o papel que este desempenhou na cidade. Reforçando este sentido, muito embora falando em um sentido geral, Michelle Perrot fala que: “o legado familiar (no século XIX) não se reduz a bens materiais. A herança é igualmente uma agenda de relações, um capital simbólico de reputação, uma posição, um estatuto, „uma hereditariedade das obrigações e das virtudes‟” (ARIES, DUBY, 2006, p.114).

Entretanto, é fundamental que se comente, como pensa Nogueira, que Sant‟Anna era um músico diferente de seu pai em um aspecto fundamental: o momento histórico que este vivia era completamente outro, e o maestro não negava seu tempo; se Manoel Gomes foi, sobretudo, um artista ligado a Igreja e pautava suas atividades através desta relação, já seu filho veria o crescimento de uma sociedade que mais e mais se laicizava criando outros rumos para a música que seu pai não conhecera2. Como nos fala Ivo Supic: “A música foi progressivamente afastando-se de uma função social pública e ornamental para exercer, de preferência, uma função estetizante e culturalmente autônoma” (MASSIN, 1997, p.667).

Por outro lado, e essencialmente diverso, o fazer musical na época de Manoel Gomes era circunscrito à atividade religiosa no que acrescenta Monteiro visava a manutenção das relações de poder colonial; sendo assim, sustentou funcionalidades sociais e religiosas, não pretendendo ser a culminância de um estilo, mas uma contribuição à liturgia. A prática religiosa se manifestaria em um sentido sublinear, de dominação conceitual:

2 Monteiro nos apresenta a atuação da Igreja nos tempos de Manoel Gomes, assim como, o papel do músico em sua

práxis, dizendo que: “A condição social do músico durante o século XVIII representou um momento da fase artesanal na qual prevalecia o gosto do seu mecenas. A imaginação individual era canalizada estritamente de acordo com o gosto dos patronos. As cortes européias através da religião, de práticas e costumes de seus reis e príncipes ou de seus representantes mais ilustres, ditavam o gosto. Era isso: uma propriedade sobre o músico e uma ditadura do gosto. Nessa situação, era preciso que o compositor tivesse como princípio a funcionalidade de sua obra e a devida correspondência com os aspectos morais e espirituais permitidos, ou em uso, no seu espaço social.. Até esse momento, e no caso do Brasil até a instalação da corte, a arte foi „arte utilitária‟, antes de se tornar realmente arte, na concepção moderna do termo” (MONTEIRO, 2001, p.169). É interessante notar que o autor não somente estabelece a funcionalidade da música no Brasil do século XVIII, como apresenta o corte representado pela vinda da Corte ao país (1808), estabelecendo a mudança de vetor ocorrida.

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As relações de conquista e de manutenção coloniais são as mesmas. Criam mecanismos que pretendem assegurar o controle sobre a vida social dos colonos e que forjam uma verdade metafísica, uma vida mítica que controle também a alma. Regras e sanções a serem cumpridas e estabelecidas são tão necessárias quanto um estímulo religioso, quanto uma divulgação pública de uma realidade única na vida espiritual. Os homens da colônia teriam que ser vassalos do rei, aceitar e respeitar a hierarquia colonial e deveriam ir às missas, às festas religiosas de suas irmandades e àquelas previstas no calendário civil; nelas, ouviam suas músicas e se sociabilizavam compartilhando o mesmo universo. Não participar dessas atividades significava marginalizar-se socialmente e, no plano das sensibilidades, conviver com a exclusão moral e religiosa. A música foi parte de um processo maior, um dispositivo a mais nas relações de colonização (MONTEIRO, 2001, p.18).

Contudo, a partir da segunda metade do século XIX o panorama se transforma e a presença de músicos de origem européia, as mudanças no gosto e repertório e o amadurecimento das relações profissionais estabelecidas nas confrarias e irmandades, iriam tornar o fazer musical se não independente, ao menos relacionado a outros interesses. (MONTEIRO, 2001, p.21).

Enquanto que, em um dado momento a música religiosa era feita em função da liturgia, dispensando o reconhecimento, uma vez que o objeto adorado era outro; a música, agora profana, recebe um sentido de valor, de mérito, uma vez que é fruto de um gosto geral, apreciado por todos e, acima de tudo, esperado. É esta expectativa que gera o reconhecimento, pois estabelece os padrões que devem ser atendidos; a música antes mesmo de ser ouvida é „esperada‟. Com a morte do pai um outro aspecto, agora de ordem pratica, entrava na vida do maestro, ele assumiria a tutela de seus irmãos mais novos, Joaquina, Tomás e Ana Gomes, esta tarefa lhe renderia alguns problemas de finanças já que o pai deixava dívidas e contas a receber, requerendo algumas manobras para a normalização. Ana Gomes ficava com 602$929 reis e, as dívidas do pai totalizavam 206$547 reis.

Sant‟Anna Gomes nesta época já vivia com sua primeira esposa, Luzitana com quem teria cinco filhos: Paulino, Alfredo, Alice, Alzira e Arlindo. Seguindo a tradição que

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começara com o pai, Sant‟Anna orienta seus filhos como músicos no que alguns chegaram a ter destacada atuação.

Paulino Gomes - Campinas, 1865; Milão, 1883 - não foi um deles, tendo ido a Maggianico e depois a Milão para estudar música e engenharia o rapaz, sofrendo com o tempo úmido e frio, é acometido de tuberculose vindo a falecer no Natal de 1883, sem rever o pai, que embora chamado às pressas, não encontra o filho com vida. Nogueira elenca uma declaração do cônsul brasileiro em Milão, Lessa Paranhos, que serve para demonstrar o clima de consternação:

Paulino Gomes, o filho das vastas regiões em que tremula o glorioso pavilhão e em cujo céu sereno refulge com sua eterna luz o Cruzeiro do Sul, abandonou com 15 anos apenas a família amorosa, o pai adorado, as risonhas planícies de sua Campinas natal, e correu à Itália![...] porque esta é a terra de todas as ciências e de todas as artes [...] De caráter doce e de sentimentos elevadíssimos, Paulino pensava, e com razão, que melhor do que nos campos cruentos e sanguinolentos de Laguna e Humaitá, ele poderia cooperar para o engrandecimento do Brasil, construindo vias férreas, abrindo canais e lançando audaciosas pontes sobre seus rios impetuosos [...] Infeliz! Nascido entre as tépidas e embalsamadas brisas da ridente Campinas, não pode resistir aos rígidos aquilões dos invernos europeus [...] quando mal tinha entreaberto a porta do templo da ciência e inscrito seu nome entre os neófitos do saber, como a monstruosa serpente de nossas florestas, colhe em suas possantes voltas e esmaga o veado veloz, assim cruel afecção bronquial o colheu, o comprimiu e em poucos dias o lançaram exânime no túmulo [...] Pobre pai! Só o túmulo mudo e impassível acolherá as suas lágrimas e os seus soluços! Possa ele como tu, achar na alma cristã a resignação às vontades do Criador; possa servir-lhe de conforto em tanto sofrimento saber o quanto eras amado e o quanto merecias de o ser [...] Ó Paulino, alma cândida e gentil, com o coração oprimido de mortal angustia, também em nome da pátria distante eu te envio o extremo adeus! (NOGUEIRA, 2001, p.341).

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Este depoimento cheio do calor e emoção do momento, revela um pouco do espírito de uma época, e é interessante notar que o cônsul apresenta Paulino como tendo preterido a guerra, do Paraguai (1864-1870) – quando fala dos campos cruentos e sanguinolentos de Laguna e Humaitá - para construir estradas de ferro e pontes, numa clara demonstração da importância que a expansão ferroviária tinha, a ponto de nortear uma vida e, talvez reflexo de um otimismo com relação ao crescimento do país que o próprio Sant‟Anna partilhasse.

De qualquer forma a morte de Paulino seria um duro golpe para Sant‟Anna que ademais se preocupava com problemas financeiros de seu irmão, dado a bolsa do governo brasileiro que não viria mais e a problemas com sua esposa Adelina Peri Gomes.

Em 1879, Sant‟Anna, então com quarenta e cinco anos, cria a Companhia das Zarzuelas, em consórcio com o tenor Miguel Diez. As Zarzuelas eram um gênero muito em voga na Campinas do século XIX, por se tratarem de peças leves e de caráter cômico e, também por serem uma alternativa à hegemonia da ópera italiana. O maestro, sensível a este gosto geral, investe uma grande soma de capital no projeto, porém, em 1880, vê frustrados os seus objetivos, com a falência da Companhia. De qualquer forma, o exemplo vale para ilustrar o perfil empreendedor de Sant‟Anna Gomes que no mesmo período, dirigia a Harpeolina Campineira, já citada loja de instrumentos musicais, partituras e consertos, que possuía um grande depósito dos mesmos; fatos estes que demonstram não só mais um aspecto de seu, já citado, empreendedorismo como ainda, o largo âmbito de sua atuação.

Ivo Supicic (MASSIN, 1983), no seu capítulo chamado de “Situação Sócio-Histórica da Música no Século XIX”, fala do papel que tiveram gêneros musicais mais leves do que a chamada ópera séria no século XIX, nos quais as zarzuelas se encontram inseridas:

[...] mais ou menos pelos anos 1830, começaram a manifestar-se certas distinções no interior da vida musical que refletiam diferenças de gosto, estética e, as vezes, também de cultura e de condição social: de uma parte, surgiu uma tendência mais popular, mais acessível, voltada quer para uma arte agradável, humorística mesmo, como a ópera cômica, quer para uma arte bastante superficial (...) para aquilo, enfim, que se poderia entender como uma mercadoria musical mais ou menos “funcional” ou utilitária, que não tinha outra ambição senão distrair; de outra parte, delineou-se a corrente de uma arte mais exigente, profunda

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e de alta cultura, que geralmente se reportava ao passado e era apreciada por um público restrito. (MASSIN, 1983, p.663).

Este apelo a gêneros mais despojados possuía características independentes da „música séria‟ e sua música era avidamente „consumida‟, dando provas de uma lógica que somente anos mais tarde seria relacionada à cultura de massa. O autor fala que: “No âmago mesmo da democratização generalizada da música, que se manifestou no século XIX tanto pela expressão do número de ouvintes como pelas modalidades da vida musical - primeiros indícios de uma cultura de massa, modestos, mas reais, em que a exploração comercial da música foi ganhando um papel cada vez mais importante -, esboçou-se uma diferenciação que haveria de revelar-se determinante para o futuro da música” (MASSIN, 1983, p.663).

Os temas musicais depois de ouvidos no palco eram repetidos pelos realejos nas esquinas, em transcrições para órgão nas igrejas e nos saraus e clubes sociais, reflexos de sua acessibilidade e alcance.

Toda a música de salão, de dança, operetas e canções parecem estar neste contexto. Peças ligeiras que visavam corresponder às expectativas de um gosto geral, assim como, a demanda que editores e negociantes procuravam satisfazer.

Seguindo esta idéia uma música mais leve e despojada, as zarzuelas, muito embora não fossem uma criação romântica (tendo uma origem mais antiga que remete ao período Barroco) se definiram enquanto gênero, após a crise que se seguiu na Espanha (depois da Revolução de 1868). A partir deste momento, o público passa a buscar uma opção mais econômica frente às grandes produções e, da mesma forma, uma opção nacional frente ao domínio da ópera italiana.

Por definição a zarzuela é basicamente um gênero lírico-dramático espanhol que alterna cenas cantadas e faladas podendo incluir canções e dança, apresentada como zarzuela grande de três a quatro atos, e chica de menor duração.

O gênero chega ao Brasil, em especial a Campinas, preenchendo o espaço de opção mais leve de entretenimento, que logo seria compartilhado por eventos esportivos, curiosidades, o teatro de revistas e operetas. Completando um cenário cultural mais despojado o que aponta Nogueira como sendo uma importante diferença da cidade com relação a São Paulo, onde a opera séria não perderia espaço.

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Não somente o uso de partes faladas tornava a apresentação mais leve como a própria narrativa se redefinia, agora ao invés de heróis mitológicos e personagens épicos, pessoas comuns em situações coloquiais e, por vezes, cômicas, desenvolvem a trama com toques de humor e alguma licenciosidade, sempre criticada pela sociedade campineira da época. Nogueira acrescenta que:

Os protagonistas das Zarzuelas eram, ao contrário, pessoas comuns das ruas que se envolviam em qüiproquós, por vezes picarescos. E isso interessava ao público daquele fim de século, em especial as classes médias em ascensão, que se identificavam com as personagens e situações que ocorriam no palco. (NOGUEIRA, 2001, p.96).

Em Campinas, o gênero chega em 1870, através da Companhia de Zarzuelas Espanhola e, devido ao seu sucesso, nove anos mais tarde Sant‟Anna Gomes, como já apontamos, associado ao tenor cômico Miguel Diez, monta uma companhia na cidade, embora já participasse como regente, desde o primeiro momento. Além de seu programa oficial, a Companhia participa de diversos eventos paralelos, tais como os festejos em comemoração do natalício da princesa Isabel, em apoio a Sociedade Artística Beneficente e na inauguração da iluminação a gás da rua do teatro São Carlos.

A atividade da Companhia, contudo, apresentaria alguns percalços como em 1876, quando um concerto realizado em benefício do diretor da companhia, não obteve o público almejado; neste ponto Nogueira sugere a ausência de público poderia refletir um possível julgamento de valor do público para os espetáculos e, até mesmo, um certo pudor social em relação ao gênero, sempre criticado por ter uma certa licenciosidade.

Pode-se somar a este malogro a provável concorrência de eventos e espaços de outra natureza que surgiam pela cidade, tais como a patinação, ventríloquos e variedades que tomavam conta do Rink de patinação e, o próprio teatro de revista que, mesmo se tratando de entretenimento igualmente leve e despojado, alcançava sucesso na cidade, tirando a primazia das zarzuelas.

Longe da chamada ópera séria, as zarzuelas eram consideradas manifestações artísticas menores, Nogueira comenta que o próprio tratamento dado as triples das zarzuelas (solistas do gênero), distava muito do dispensado às divas da ópera e, o despojamento do gênero,

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que aceitava cantoras com mais habilidades dramáticas que vocais, ajudava a reforçar esta idéia. Em uma sociedade que se pretendia moderna e civilizada, desajeitada em meio a modas estrangeiras e novidades, este aspecto coloquial das zarzuelas podia não “ser de bom tom” e rechaçá-lo seria uma opção mais segura. A respeito das „triples‟ Nogueira coloca que

Se as cantoras de ópera eram ovacionadas e tratadas como divas, o que dizer das triples de zarzuelas. Teriam elas o mesmo tratamento? Provavelmente não, uma vez que ao interpretarem personagens populares, quebravam aquela distância que havia entre o cantor e o público, eram vistas como pessoas comuns que tinham boa voz. Não eram as etéreas sofredoras, não sofriam de males incuráveis, nem se suicidavam com venenos previamente preparados. A rigor, seus males eram os mesmos das heroínas das óperas sérias: traições, mal-entendidos, desencontros e amores não correspondidos. Mas o tema era tratado de maneira leve, com frases e ações dúbias que conduziam geralmente a um desfecho feliz. O fato de a protagonista não derramar lágrimas, mas sim provocar riso, certamente quebrava a aura da diva, cuja vida real também deveria ter momentos de sofrimentos (NOGUEIRA, 2001, p.116).

Este tratamento dispensado as triples das zarzuelas certamente destoa muito do conferido às prima donas da ópera séria; para estas era comum que recebessem coroas de flores, ornadas com penas de pássaros raros, quando não eram, ao cabo do espetáculo, escoltadas à suas residências ao som de bandas, em marche aux flambeaux, com estouro de foguetes e gritos pelas ruas da cidade.

Além disto, surgiram outras implicações inerentes ao caráter destes gêneros mais despojados, pois para o cantor da zarzuela não bastaria ter uma voz; um certo carisma, a malícia no olhar, a fisionomia e até mesmo a beleza física seriam parte integrante destes espetáculos, além do que uma boa capacidade de improvisação dado o caráter humorístico de certas peças.

É provável que a apreciação negativa dada as zarzuelas e a revista, em um dado momento, pudesse ser indicativo de um certo decoro, reflexos de uma cidade que crescia sob uma civilidade mal digerida e ainda resguardando um certo provincianismo.

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Em vista disto, as criticas surgem com relação às montagens da Companhia de Zarzuelas de Sant‟Anna Gomes, fato, entretanto, que não impediu uma vida de cerca de dez anos a companhia, quando por fim, em 1887 a epidemia de febre amarela, que assolou a cidade, afugentando aqueles que não vitimava, encerrou o período das zarzuelas em Campinas, que já havia sido arrefecido pelo crescente gosto pelo teatro de revista.

Por quase vinte anos Sant‟Anna Gomes se viu envolvido com as companhias do gênero espanhol e, conquanto todo o processo possa ter malogrado ao cabo deste período o maestro desenvolveu um preciso trato em montagens que lhe incitou a querer vôos mais altos.

Finalmente, podemos apontar ainda para o perfil político de Sant‟Anna Gomes dado à influência que teve tanto na criação de sociedades quanto nas posições que ocupou de vereador (1872, Partido Liberal), juiz da Paz e presidente da Junta Militar (1881), e ainda, em seu apoio aos ideais Abolicionistas.

Sant‟Anna Gomes faleceu em dezenove de abril de 1908, vitimado de pneumonia dupla, seu corpo foi sepultado no cemitério da Saudade, e em seu túmulo, esculpido pelo artista Marcelino Vélez foram gravados trechos da melodia Saudade! obra que escrevera à Carlos Gomes.

Como parte de todo o momento histórico pelo qual passou Campinas no século XIX, a memória do maestro esta inserida e se desenvolve sob a trama de algumas lembranças e muitos esquecimentos, sua importância ainda aparece como que eclipsada pela imagem de seu irmão, imagem esta da qual o próprio maestro foi o principal propagador. Contudo, seu papel junto à cidade não apenas como músico, mas, e principalmente, como articulador cultural da mesma, estabeleceu as pilastras para sua atividade musical.

Seu papel foi de capital importância para a atividade das inúmeras bandas que atuaram em Campinas, muitas regidas por ele, no que soube honrar a memória de seu pai na tradição frente às bandas. Sant‟Anna Gomes foi, desta forma, um dos responsáveis pela proliferação das bandas de música na cidade, que com o tempo contagiou toda a região estabelecendo junto com o coreto e o passeio público uma marca quase iconográfica dos últimos anos do século XIX no país, sinais de uma sociedade que se modificava e crescia ao som das bandas de música. Conquanto não se dedicasse exclusivamente as bandas sua atuação frente à elas ajudou a estruturar o momento que se descortinava e abriu espaço para a consolidação da formação enquanto estilo.

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O maestro recebeu inúmeras homenagens em vida, destacamos aqui uma das poucas homenagens póstumas feitas por ocasião de sua morte, o texto é de Benedito Octávio:

Saiam da cidade, que a noite abre e os lampiões iluminam. Tomem a larga estrada do cemitério distante, aos claros do luar e os „sons dos pios do canto funéreo‟. [...] Sobre a cova em que repousa Santana Gomes, o Juca Músico, o nosso estimado mestre e o nosso ilustre consórcio, - maior monumento que os de pórfiro e mármore do que os mausoléus ricos e lavrados, veremos de luto, silente e merencória, pobre mulher de joelhos, sobre a terra fria, acurvada sobre o peso de uma dor imensa, e deixando cair dos olhos pingentes cristalinas das lágrimas. É a Arte que chora nesta tumba do artista desaparecido (NOGUEIRA, 2001, p.346).

Apesar de seu destacado papel na cidade, o falecimento do maestro trouxe pouca comoção a Campinas. Nogueira comenta a pouca atenção dada por ocasião de sua morte, uma certa discrição para com suas últimas homenagens que não faz justiça à sua atuação e importância para cidade.

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Figura 3:Túmulo do maestro, no cemitério da Saudade, Campinas.

Fonte: <http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com/2006_11_01_archive.html >

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Campinas retratada em bandas

Criação de novos espaços

Corroborando para o entendimento da atividade de Sant‟Anna Gomes e das bandas na cidade de Campinas no século XIX, um dos elementos que se destaca é o estudo do momento histórico pelo qual passavam a cidade e o país. Diferente de uma análise restritiva, que conquanto pudesse ter de rigorosa o teria igualmente de unilateral, optamos por uma linha que contemplasse os diversos discursos possíveis, para o melhor entendimento do todo.

Neste sentido, muito embora se tratando de um métier exclusivamente musical é forçoso incluir análises de outras ordens (histórica, social), colaborando para reforçar ou, até mesmo, contrariar uma análise tão somente musical, porém sempre conferindo um olhar reflexivo sob os vários tópicos abordados. De acordo com esta abordagem Maurício Monteiro nos fala, explicitamente, da importância desta pluralidade de discursos e abordagens, ressaltando o valor de fatores sociais tais como o ouvinte e os espaços onde esta audição se dá, na análise musical:

Toda essa preocupação em inter-relacionar a música com os vários outros fatos e eventos da vida social não é gratuita. Muito embora seja área pouco explorada por historiadores, a história social da música deveria relacionar todas as relações sociais que envolvem o fazer musical. Não é prudente ignorar nem o intérprete e o compositor, nem o ouvinte e o espaço de audiências, nem o patrocinador das atividades e as ocasiões em que elas aconteciam. É preciso compreender a atividade musical como um dos eventos da cultura de uma determinada sociedade e trabalhar a partitura como fonte histórica (MONTEIRO, 2001, p.9).

Seguindo esta perspectiva, e dentre os inúmeros fatores sociais que poderíamos incluir em nossa análise, a urbanização da cidade é um dos mais importantes, aparecendo como reflexo de um contexto de crescimento e progresso.

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Fruto em grande parte do desenvolvimento da cultura cafeeira, a reformulação urbana implementada na cidade de Campinas, em finais do século XIX, era um processo que ocorria paralelamente em todos os grandes centros do país e representava os interesses da coroa no sentido de relacioná-la aos avanços e progressos das grandes nações modernas européias.

Lilia Schwarcz nos dá uma idéia de como este projeto de urbanização se dava na capital do império (Rio de Janeiro), cujos resultados iriam, logicamente, nortear os projetos nos outros centros, assim como, demonstrar as contradições inerentes ao modelo. A autora fala que a cidade vivia uma revolução, e o modelo espelhado na Paris burguesa e neoclássica, enchia a cidade de verdadeiros palácios, edifícios grandiosos e largas avenidas, „escondendo‟ com dificuldade as ruas de comércio do tráfico negreiro (SCHWARCZ, 2007, p.106).

Desta forma, seguindo o modelo apresentado pela metrópole, Campinas viveu o que Marialice Pedroso chamou como sendo uma “Belle èpoque tropical”, mesmo largamente relacionada ao comércio escravagista (a esta altura já condenado e com o qual estava visceralmente ligada) a cidade gozava, embasada pela riqueza oriunda do café (o outro lado do comércio escravagista), da efervescência cultural e social espelhada nos modelos europeus. Pedroso acrescenta um panorama de todo este ambiente:

A região do Oeste Paulista solicitava e já desfrutava de uma certa qualidade de vida decorrente da riqueza que a exportação do café permitira. Buscava-se um ambiente cultural sinalizador do prestígio e da cultura burguesa local (...) As moradias urbanas passavam por uma “repaginação” em resposta a um modelo novo de arruamento, de técnicas construtivas e condições sanitárias que pudessem atender aos padrões de bem-estar, de salubridade e também, de decoro. Saneamento era sinônimo de embelezamento e um tratamento visual vai acontecendo, sobretudo nas moradias rurais (PEDROSO, 2003, p.72).

Sendo assim, o cultivo do café agiu como força motriz, reunindo em um processo dinâmico sua produção e comercialização e convergindo o capital, que seria empregado em melhorias na infra-estrutura urbana. Todo este esforço é concentrado principalmente a partir de 1870, quando a cidade, de casas simples e ruas esburacadas ainda essencialmente simplória,

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recebe uma série de implementos, que serviriam para mudar não só sua paisagem física como cultural.

Dentre os vários implementos que confeccionavam este panorama podemos elencar: o teatro São Carlos (1849), principal sala de eventos musicais e culturais, a linha férrea ligando Campinas à Jundiaí (1872), que serviu também para aproximar a cidade com São Paulo trazendo um intercâmbio de costumes e tradições, a Companhia Campineira de Iluminação a Gás (1875), e a Companhia Campineira de Carris de Ferro (1879), que auxiliava no trânsito dos munícipes. Com tudo isto posto, podemos ver que cada um destes implementos tem um valor pontual para a cidade e são múltiplos aspectos de uma realidade única: a riqueza do café e os valores culturais que esta trazia consigo.

Um desses aspectos que representou um avanço significativo para a cidade foi o projeto de instalação da iluminação a gás na cidade. O projeto foi de grande importância neste panorama, e representava um projeto cuidadosamente acalentado pelo próprio Sant‟Anna Gomes; fazia parte das ambições de uma cidade que inaugurava novos hábitos e reclamava por condições que permitissem o livre exercício dos mesmos. Castro Mendes anuncia:

Podemos dizer que agora começa verdadeiramente a vida de cidade para Campinas, visto por mais opulenta que seja uma povoação, estando elas às escuras não passa de uma grande aldeia, pelo menos de noite.(Apud PÀTEO, 1997, p.28).

A ausência da luz na cidade trazia a necessidade do uso de velas e lanternas ao que em dias de festa somavam-se fogueiras que apesar de dar um colorido especial à cidade, pouco ajudavam. No caminho para o teatro, principal evento noturno da cidade, a iluminação era feita por lampiões à base de querosene e o trajeto demandava um zelo maior pela segurança, já que a escuridão dava oportunidade a assaltantes. Neste sentido uma ida ao teatro, implicava em um esforço que poderia incluir três a quatro escravos com lanternas e armas para a dupla função de iluminar o caminho e proteger a família. Somava-se a este panorama, ruas com traçado irregular e sem calçamento que em dias de chuva tornavam o caminho, com buracos e lama, ainda mais desconfortável.

É preciso lembrar que estes momentos têm uma conotação diferente dos dias de hoje. Jurandir Malerba apresenta um exemplo significativo que, embora de uma época anterior,

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certamente ainda guardava um pouco de seu significado. Comentando sob a rotina doméstica no Brasil colonial, ele aponta para o hábito da reclusão das mulheres, que remete a costumes mouriscos oriundos de Portugal e visavam à conservação da candura e meiguice da consorte3.

Às mulheres (e filhos provavelmente) era proibitiva a saída da casa e, sob esta ótica, é possível imaginar que o mundo externo a casa fosse algo estranho para grande parte da família, fazendo com que eventos especiais, tais como ir ao teatro, constituíssem assim uma oportunidade rara, e provavelmente muito celebrada, de convívio social; um momento para „ver e ser visto‟, que além do mais, dispensava um dia todo de preparos, que incluíam desde cuidados com os filhos menores, transporte de alimentos e água para o consumo no teatro, como até levar as cadeiras para a família. Como os concertos eram divididos em partes, com intervalos normalmente preenchidos por apresentações das bandas a experiência da época seria como uma grande festa que preenchia um dia inteiro.

Neste sentido um detalhe simples como a iluminação pública ganha uma grande importância e, em meados de 1870 chega à Campinas o empresário J. Marty trazendo o lampião a querosene como proposta para resolver o problema. O próprio maestro Sant‟Anna Gomes salta como um dos principais entusiastas do projeto sendo um dos primeiros a instalar os lampiões em casa, em 1871, e organizando um grupo de comerciantes (onde figuravam o padre Souza e Oliveira, Carlos Bressane, Bento Quirino e Francisco Glicério) que iriam às suas custas instalar seis combustores a querosene em postes do centro da cidade, a saber, na Rua das Campinas Velhas, futura Avenida Moraes Sales e no Largo da Matriz de Santa Cruz.

O maestro mais uma vez cioso da complexa rede de fatores que compunham sua atividade entendia que este pequeno “detalhe” era fundamental para a vida do teatro, e representaria um investimento direto, ainda que com o natural benefício para a cidade, em seus projetos que incluíam, também, a Companhia de Zarzuelas. Desta forma, ao invés de esperar pela iniciativa pública, que provavelmente não viria, toma a dianteira de um projeto, fora de suas atribuições como músico, exercendo pressão no sentido da solução do problema.

A já citada inauguração da Companhia Campineira de Iluminação a Gás aconteceu em vinte e nove de junho de 1875, realizada ao som de bandas de música e foguetórios e contando com a apresentação da Companhia de Zarzuelas; representou o fim de uma longa luta e

3 MALERBA, 1997, página 109.

Referências

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