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Vidas secas ou secas vidas? O cotidiano familiar e educacional em meio à pobreza

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Academic year: 2018

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ONMLKJIHGFEDCBA

V ID A S S E C A S O U S E C A S V ID A S ?

O C O TID IA N O

FA M ILIA R E E D U C A C IO N A L

E M M E IO

À

P O B R E ZA

JIHGFEDCBA

F e u s t o n

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

N e g r e i r o s

Psicólogo, Mestrando em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará - UFC; Bolsista CAPES.

J o s é A r i m a t e a B a r r o s B e z e r r a

Doutor em Educação Brasileira; Professor do Programa da Pós-graduação em Educação Brasileira - UFC.

R esu m o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

p r e s e n t e e s t u d o d i s c u t e oc o m p o r t a m e n t o e d u c a c i o n a l f a m i l i a r - s o b af o r m a d e v i v ê n c i a a c e r c a d a s i t u a ç ã o d e f o m e , m i s é r i a ep o b r e z a - a p r e s e n t a d o n a c l á s s i c a o b r a V i d a s S e c a s d e C r a c i l i a n o R a m o s . A m e t a m a i o r éf o m e n t a r a r t i c u l a ç õ e s e

r e f l e x õ e s a c e r c a d a d i n â m i c a d a f a m í l i a m a r g i n a l i z a d a p r e s e n t e em V i d a s S e c a s , s o b r e t u d o p o r e s t a r a m p l a m e n t e p e r m e a d a p o r q u e s t õ e s e d u c a t i v a s . E s t u d a r a

r e f e r i d a o b r a i m p l i c a em i n v e s t i g a r u m a v i v ê n c i a h i s t ó r i c a ( T h o t n p s o n , 1 9 9 2 ;

e H a l b w a c h s , 2 0 0 4 ) e t i p i c a m e n t e c a r a c t e r í s t i c a d a s F a m í l i a s n o r d e s t i n a s , o u s e j a , a m a r g i n a l i z a ç ã o f r e n t e à s i n s t i t u i ç õ e s s o c i a i s t e m s e p e r p e t u a d o p o r v á r i a s

g e r a ç õ e s . O s a s p e c t o s d a a f e t i v i d a d e e n t r e o s m e m b r o s d a f a m í l i a , o d i á l o g o r e l a c i o n a m e n t o s s o c i a i s d a f a m í l i a c o m o u t r a s p e s s o a s n a m e s m a c o n d i ç ã o , a s

c r e n ç a s e ap e r s p e c t i v a d e m o d i f i c a ç ã o d e s e u c o n t e x t o s ó c i o - e c o n ô m i c o e s t ã o

l i g a d o s à t e m á t i c a d a E d u c a ç ã o d e f o r m a g e r a l .

Palavras-Chave:Literatura;Pobreza;Cotidiano familiar; Educaçãobrasileira.

Abstract

T h e c u r r e n t s t u d y d i s c u s s e s c o m m o n e d u c a t i o n a l b e h a v i o r - i n t h e w a y o f l i f e s i t u a t i o n s a r o u n d h u n g e r , m i s e r y a n d p o v e r t y - a s f o u n d i n t h e c l a s s i c w o r k " V i d a s

S e c a s " f r o m C r a c i l i a n o R a m o s . T h e m a i n o b j e c t i v e i s t o e s t a b l i s h d i s c u s s i o n a n d r e f l e c t i o n a b o u t t h e d y n a m i c o f t h e m a r g i n a l i z e d f a m i l y p r e s e n t e d t o u s i n t h e

b o o k " V i d a s S e c a s " , e s p e c i a l / y f o r b e i n g h i g h l y s u f f u s e d w i t h E d u c a t i o n a l i s s u e s .

T o s t u d y t h e b o o k i s a l s o t o i n v e s t i g a t eah i s t o r i c a l c o e x i s t e n c e w i t h m a r g i n a l i z a t i o n ( T h o m p s o n , 7992; eH a l b w a c h s , 2 0 0 4 ) , t y p i c a l / y f a c e d b y N o r t h - E a s t e r n f a m i l i e s , i n f l i c t e d b y t h e s o c i a l i n s t i t u t i o n s a n d p e r p e t u a t e d f o r g e n e r a t i o n s . T h e e m o t i v e a s p e c t s b e t w e e n t h e f a m i l y m e m b e r s , d i a l o g s a n d r e l a t i o n s h i p s i n t h e f a m i l y a n d

w i t h o t h e r s i n t h e s a m e e c o n o m i c s i t u a t i o n , t h e i r b e l i e i s a n d t h e p o s s i b i l i t i e s o f c h a n g i n g t h e i r s o c i a l e n v i r o n m e n t a r e r e l a t e d w i t h g e n e r a l E d u c a t i o n a l t h e m e s .

ey-W ords: Literature; Poverty; Familiar daily life; Brazilian education.

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Vidas Secas ou Secas Vidas? O Cotidiano Familiar e Educacional em Meio

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àPobrezaONMLKJIHGFEDCBA

In tro d u ção

A

estrutura familiar de

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V i d a s S e c a s é apresentada numa dinâmica de sofrimento marcada pelos castigos da seca nordestina e possui pecu-liaridades que abordam, sobretudo, a forma como a interação de seus participantes norteia as condutas de funcionamento, consideradas como marginais. Essa interação, por sua vez, é permeada pelas condições sócio-econômicas vigentes, que repercutem nas questões que se referem ao nível de instrução educacional da família retratada e na maneira como esta orienta as próprias relações interpessoais.

A motivação para abordar as questões educacionais como um processo que interfere de forma significativa nas relações familiares veio da preocupação manifestada pelos próprios personagens - na verdade, é uma preocupação do autor que se manifesta na construção dos perso-nagens -, Fabiano e Sinhá Vitória, com o futuro dos filhos e da relação que os pais estabelecem entre as condições miseráveis vivenciadas e a falta de instrução.

A obra de Graciliano Ramos nos dá subsídios para questionar qual o

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p a p e l r e a l da E d u c a ç ã o ea t é q u e p o n t o esta, da maneira como é

estrutura-da hoje no Brasil, contribui para uma mudança das relações interpessoais de forma macro e micro. Assim, a sociedade - e, como parte dela, a refe-rida família - acredita na crença de que a estrutura educacional vigente conseguirá interferir de

JIHGFEDCBA

m a n e ir a e fe tiv a na modificação da configuração social já existente. Portanto, no contexto familiar de V i d a s S e c a s , a única

possibilidade de conseguir libertar sua família da miséria, pelo menos a longo prazo, seria a educação dos filhos, segundo Fabiano e Sinhá Vitória. É importante considerar o ponto de vista dos pais dessa obra, já que as condições de vida dos mesmos justifica esse pensamento.

Partindo dessa perspectiva, este ensaio tem como objetivo discutir como a Educação interfere na dinâmica familiar, visto que, se as mudanças proporcionadas por esse processo educativo desencadeiam transforma-ções no desenvolvimento da dinâmica social, isso também será refletido na constituição familiar.

O presente trabalho está dividido, por motivos didáticos, de acordo com temas relevantes que se relacionam com a estrutura marginalizada da família que nos propormos a analisar na criação de Graciliano Ramos, mas que se configura de forma representativa de uma parcela significativa

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Fauston Negreiros· José Arimatea Borros Bezerra

da população brasileira. Para isso, serão abordados os eixos: afetivida-de, relações sócio-culturais e educação. Esta última caracteriza-se aqui como um processo relacionado aos dois primeiros eixos. Busca-se, assim atingir uma interface que tenta contemplar a maneira como esses eixos se relacionam.

ONMLKJIHGFEDCBA

A fetivid ad e

M arg in al

em V id as S ecas

As relações interpessoais vivenciadas em

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V i d a s S e c a s são

caracte-rizadas por uma expressão de afeto deficitária, conseqüência da elabo-ração insuficiente desses conteúdos para estabelecer uma comunicação satisfatória. Assim, a linguagem tosca e rasteira que o autor utiliza para caracterizar ,os personagens promove uma comunicação afetiva velada, mas existente. Ao observar, de forma superficial e acrítica, pode-se inad-vertidamente afirmar que a família de V i d a s S e c a s é desprovida de afeto; porém, segundo Kaloustian (1998), essa é uma das Representações Sociais sobre as famílias pobres, em que há o equívoco em atribuir aos pais uma desqualificação enquanto cuidadores, já que a justificativa para tal fenô-meno é que se trata de pais que não amam e são incapazes de estabelecer vínculos com suas crianças, desconsiderando as condições de miséria que fomentam essa situação e que se expressam na linguagem.

Os pais, apesar de amarem os filhos e prezarem pelo seu bem-estar, não possibilitam ou estimulam uma aproximação afetiva dos mes-mos, promovendo, dessa forma, uma relação de apego ambivalente. Ao mesmo tempo em que demonstram preocupação com a sobrevivência dos filhos, tentando protegê-Ios - o que se configura como uma relação afetiva - é justamente essa busca por sobrevivência e as concepções culturais norteadoras do relacionamento entre pais e filhos que justificam o "tratamento ríspido" para com as crianças. Dessa maneira, eles não se tornariam vulneráveis ao contexto de seca e fome.

o

ser humano é complexo e contraditório, arnbivalente em seus

sentimentos e condutas, capaz de construir e de destruir. Em

con-dições sociais de escassez, de privação e de falta de perspectivas, as possibilidades de amar, de construir e de respeitar o outro ficam

bastante arneaçadas. Na medida em que a vida àqual está

subme-tido não o trata enquanto homem, suas respostas tendem à rudeza

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Vidas Secas ou Seres Vidas? O Cotidiano Famili.Q!.e Educacional em Meio à PobrezaONMLKJIHGFEDCBA

tjC H -P E R IO D IC O S

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da sua mera defesa da sobrevivência. As milhares de famílias sem terra, sem casa, sem trabalho, sem alimento, enfrentam situações diárias que ameaçam não só seus corpos - território último do des-possuído - mas, simultaneamente, seus vínculos e subjetividades. (KALOUSTIAN, 1998, p. 55).

Essa característica pode ser ilustrada através da passagem em que o pai, ao ver o filho desfalecido de cansaço, profere palavras de grosse-ria, irritado com a atitude da criança e, na mesma cena, se enternece e carrega o filho nos ombros, durante o restante da caminhada. Aí, vê-se primeiramente a manifestação de um comportamento em que a expres-são de força se dá pela capacidade de suportar o sofrimento, conduta de um "cabra macho" - como diz autor - , enquanto que num segundo momento, percebe-se o cuidado do pai ao oferecer auxílio ao filho na caminhada difícil.

Há também uma passagem em que fica clara a preocupação da mãe em defender os filhos do trauma de ver a cachorra Baleia ser

sacrificada, sendo, portanto o cuidado materno percebido nessa cena,

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ainda que de uma maneira sinuosa. O choro de Sinhá Vitória pela

ca-chorra também pode ser compreendido como um sinal de afetividade. A cachorra Baleia, nessa obra literária, tem a função de redirecionar essas questões afetivas.

No que se refere à relação conjugal, pode-se perceber que o casal tem grande afinidade entre si e uma relação de cumplicidade bem esta-belecida, apesar das circunstâncias adversas. Ainda que não houvesse o

estabelecimento de uma comunicação bem estruturada, havia discussões

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e n t r e e l e s que eram d e s e n c a d e a d a s p e j a i n s a t i s f a ç ã o de S i n h á V i t ó r i a

com a vida miserável que o marido podia lhe oferecer. Essa situação proporcionava sofrimento vivenciado tanto por ele, que não podia prover uma vida mais digna, como sofrimento vivenciado por ela, por não ter o desejo material satisfeito.

Fazendo ainda um paralelo entre a afetividade e as características da família nordestina, observa-se, na sua dinâmica de funcionamento, uma repercussão dos valores machistas, típicos do modelo familiar em discussão. Dessa maneira, a demonstração de afeto seria reconhecida, nesse âmbito, como uma fragilidade e como algo que negasse a virilidade do homem sertanejo, pautando-se na grosseria e brutalidade.

JIHGFEDCBA

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Fouston Negreiros· José Arimoteo Borros Bezerro

Observa-se, também, que não há uma ligação afetiva clara entre os irmãos, ou pelo menos, não fica perceptível, na relação entre eles, uma cumplicidade ou aproximação. Cada membro da família vive em seu mundo particular, sem estabelecer comunicação clara ou expressão evi-dente de sentimentos, trazendo, conseqüentemente, uma relação afetiva nebulosa, delineada por uma exposição vaga de relações conflituosas. Em nenhum trecho do livro é retratada uma cena em que haja diálogo entre os irmãos, reprodução de algo aprendido no convívio familiar. Não há compartilhamento de idéias, planos ou questionamentos. Como já foi dito, existe um reforço

à

introspecção muito marcante. Mussen assinala

que o vínculo entre irmãos geralmente é marcado:

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Afreqüência de respostas sociais positivas entre irmãos mais novos e mais velhos aumenta com a idade, e os irmãos mais novos con-tinuam a imitar os mais velhos, principalmente aqueles do mesmo sexo, mais do que os mais velhos imitam os mais novos. (MUSSEN,

2001,

p.

449).

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Aqui, confirma-se a falta de uma interação clara entre os irmãos, já

que, em nenhum momento, a obra apresenta cenas de comportamento imitativo em relação a eles.

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R elaçõ es S ó cio -C u ltu rais

e M arg in alid ad e

em V id as S ecas

As relações interpessoais em

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V i d a s S e c a s são marcadas pela forma como o contexto sócio-cultural as orienta. As condições de miséria e a falta de recursos lingüísticos suficientes para manter uma comunicação satisfatória mediam alguns conflitos enfrentados por essa família sofredora, cujas vidas são vazias de sentido e cujos membros lutam, antes de tudo, para sobreviver, mais do que para viver. Dessa maneira, esse sentido só será produzido através da linguagem bem estabelecida e estruturada, fator deficitário nessa família. Nesse contexto, Bock afirma que:

A linguagem é uma ferramenta necessária e imprescindível para a troca e comunicação com o mundo e, também, para a relação consigo mesma. Através da linguagem, a criança nomeia seus afetos

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Vidas Secas au Secas Vidas? O Cotidiano Familiar e Educacional em Meio à Pobreza

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e desejos, troca-os com o outro e os compreende, dando sentido ao que ocorre dentro de si. (BOCK, 2002, p. 253).

Além da seca, outras manifestações culturais nordestinas são anali-sadas neste tópico, bem como a maneira como as relações são construídas e reproduzidas e como elas orientam as condutas de acordo com essa reprodução de valores.

Pode-se perceber, portanto, que se trata de uma família forjada no bojo das relações autoritárias, desprovidas de diálogo. Os pais impõem-se pela hierarquização previamente estabelecida nas famílias tradicionais e os filhos subjugam-se sem posicionamento crítico. Essa falta de critici-dade também é mediada pelas condições sócio-econômicas da família em questão.

A forma de lidar com os conflitos pode variar de modelos au-toritários e intolerantes, nos quais predomina o relacionamento adultocêntrico, de opressão e silenciarnento-dos mais fracos, em

geral, as crianças. O modo de lidar com os problemas pode ser

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também democrático e de respeito pelas diferenças, e mesmo de

valorização da crise, quando o modo preferencial de lidar com as dificuldades é pelo entendimento, pela linguagem, pela conversa. (KALOUSTIAN, 1998, p. 54).

Durante várias passagens do livro, podem-se observar essas manifes-tações de poder dos pais sobre os filhos, fundamentada em uma relação de medo, entendida por eles como respeito. Évisível o receio das crianças em questionar, tirar qualquer dúvida que Ihes afligisse, fazer qualquer comentário ou opinar sobre determinado assunto, sob pena de punição dos pais. A repreensão aos filhos é interpretada aqui como uma maneira de defesa contra a própria ignorância, já que era nesses questionamentos, não respondidos por falta de recursos necessários para elaboração, que a falta de conhecimento de Fabiano e Sinhá Vitória ficava mais exposta. Assim, a comunicação dessa família restringia-se muitas vezes

à

emissão de sons, gestos e exclamações monossilábicas.

Ao longo do livro, foi verificada uma forte presença do pensamento feudal no personagem de Fabiano, no qual se percebe a adoção da fé e dos dogmas religiosos que eram transmitidos aos homens como formas

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Fouslon Negreiros· José Arimoleo Borros Bezerro

de pensamentos já construídas e valores a serem utilizados irrefletida-mente. Tais idéias configuram-se como maneiras de explicar a situação sócio-econômica inerte em que se encontravam, justificando também, as circunstâncias miseráveis e de exploração a que estavam submetidos na relação com pessoas consideradas superiores. Essa hierarquização entre os indivíduos constitui-se também como uma característica do período histórico do feudalismo, o qual era permeado pelas idéias de estabilida-de e imobilidaestabilida-de existentes no mundo. De acordo com Bock, Furtado &

Teixeira (2002), no mundo feudal:

A hierarquia no universo se refletia na hierarquia entre os homens.

Um mundo paralisado, no qual cada uma já nascia no lugar em que deveria ficar. [... 1 um mundo de fé e dogmas rei igiosos que oferecia aos homens idéias prontas e valores a serem adotados. Um mundo que desconheceu individualidades, impedindo que os sujeitos se constituíssem como tais. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA,

2002, p. 18).

Em contrapartida, essas idéias coexistem com a ideologia do modelo capitalista no qual a família está inserida. Essa contradição pode advir de duas questões distintas. A primeira reside no fato de que o próprio sistema capitalista traz em sua-configuração contradições no que se refere ao liberalismo e às possibilidades de movimentação do indivíduo entre as classes. Assim, ao mesmo tempo em que se prega a livre mobilidade desse indivíduo não se fornecem recursos necessários para que esse pro-cesso dinâmico aconteça. A segunda refere-se aos resquícios culturais remanescentes da época feudal, quando se estabelece um sentimento de conformismo pela circunstância de sofrimento, fato bastante funcional para as classes dominantes.

Isso acontece porque os mais pobres não conseguem vislumbrar uma possibilidade de mudança de maneira estruturada e elaborada, sen-do que ao surgir um questionamento permeado pela indignação a uma vida miserável, o componente crítico e dialético que poderia haver no aprofundamento desses pensamentos se evanesce e perde-se no discurso conformista por falta de recursos de mediação necessários para que isso ocorra; dessa maneira, esses sujeitos sentem-se tolhidos nos seus direitos e na sua perspectiva de mudança de vida.

Outro ponto interessante dessa contradição é percebido na esperan-ça que os pais depositam nos filhos em relação à ascensão social através

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Vidas Seres au Selas Vidas? O Cotidiano Familiar e

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Edurcdonolem Meio à Pobreza

modelo educativo, prerrogativa capitalista corroborada no pensamento Sock, citado a seguir:

Por assumir papel fundamental na sociedade - é chamada de célula mater da sociedade - a família éforte transmissora ele valores ide-ológicos. A função social atribuída àfamília é transmitir os valores

que constituem a cultura, as idéias dominantes em determinado momento

rústonco,

isto

é,

eDucaT as

n()\)d~

%~r?tç.~~~~'e%~\\~'\)})o.-drões dominantes e hegemônicos de valores e de condutas. (BOCK,

JIHGFEDCBA

2 0 0 2 , p . 2 4 9 ) .

Essas formas de relacionamento submisso configuram-se como condições reforçadoras na formulação do autoconceito das pessoas subjugadas, que se vêem como bichos, verificando-se aqui, também, a construção de uma auto-estima comprometida pela falta de reconhe-cimento dos outros à existência dessas pessoas e às suas necessidades.

im, essas perdem sua identidade, sua condição de sujeito, seu direito e erem cidadãos e de conviver em sociedade.

A exclusão vai além das questões sócio-econômicas, repercutindo mbém na construção de suas subjetividades. São considerados estranhos, ichos, indignos de compartilharem dos prazeres humanos e na repro-ução desse discurso, eles acabam se identificando com esta ideologia e conformando-se com o fato de não existirem enquanto sujeitos. Pode-se ob ervar tal problemática a partir do enfoque dado ao fato das crianças ão possuírem um nome e estarem, portanto, destituídas do papel de

soas ativas no mundo.

Kaloustian (1998) vem contribuir com essa discussão, afirmando que as condições em que os direitos são privados constituem uma ameaça a todos, na medida em que, com isso, provocam desumanização

gene-alizada. Continuando nessa linha de raciocínio, afirma-se, ainda, que o ínculo é introduzido em uma dimensão política a partir do momento em que se chama a atenção para o papel que o Estado tem quando a

iamília

e a comunidade não dão conta de garantir a vida sob condições mínimas de dignidade. Dessa maneira, é preciso formular, a partir da comunidade, da família e da sociedade como um todo, soluções alter-nativas, que possibilitem a esse sujeito (membro da família) um papel ativo na mudança das próprias condições de existência, de forma a poder arcar com suas funções .

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Fauston Negreiros· José Arimatea Borros Bezerra

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Considerada intolerável pelo conjunto da sociedade, a pobreza reveste-se de um status social desvalorizado e estigmatizado. Con-sequentemente, os pobres são obrigados a viver numa situação de isolamento, procurando dissimular a inferioridade de seu status no meio em que vivem e mantendo relações distantes com todos os que se encontram na mesma situação. A humilhação os impede de aprofundar qualquer sentimento de pertinência a uma classe social: a categoria àqual pertencem éheterogênea, o que aumenta signifi-cativamente o risco de isolamento entre seus membros. (PAUGAM, In: SAW AIA, 2002, p. 67).

Em

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V i d a s S e c a s , os trechos que ilustram essa discussão são refe-rentes ao próprio discurso de Fabiano, que se percebe como bicho e se conforma com essa situação. Os questionamentos sobre sua condição até surgem, mas não são aprofundados, nem elaborados de uma maneira que se chegue a uma resolução. Outra cena importante de se destacar diz respeito à festa na cidade, quando toda a família tenta enquadrar-se no perfil de "gente civilizada", mas não se sente

à

vontade em meio às pessoas, sente-se estranhas, como se não pertencessem ao mesmo mun-do (FREIRE, 2005). Esse trecho pode ser ainda ilustrado pela citação de Paugam, em que há evidências da influência das questões econômicas, nesse caso, a própria situação de pobreza, nas interações sociais.

Portanto, não é de se estranhar que haja, nessa família, uma sen-sação de estranhamento que se reflete também nas relações sociais que se sucedem fora dela, e é importante chamar a atenção para o fato de que essa dificuldade de interação começa a existir dentro do próprio seio familiar. Assim, Paugam continua:

Como a desclassificação social é uma experiência humilhante, ela desestabiliza as relações com o outro, levando o individuo a fechar-se sobre si mesmo. Mesmo as relações no seio da comuni-dade familiar podem ser afetadas, pois édifícil para alguns admitir que não estejam àaltura das pessoas que o cercam. (PAUGAM In: SAW AIA, 2002, p. 74).

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A E d u cação M arg in al em V id as S ecas

Neste tópico, serão discutidas as questões referentes à estrutura educacional abordada em V i d a s S e c a s e como a educação formal se

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Vidas Secas ou Secas Vidas? O Catidiano Familiar e Educacional em Meio à Pobreza

qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

titui enquanto preocupação dos pais na perspectiva de ambicionarem um futuro melhor para os filhos. Serão abordadas, ainda, questões que dizem

respeito

à

responsabilidade social, enfocando a falta de elaboração de políticas públicas eficientes, o que reforça um modelo social excludente e que contribui para tornar a miserabilidade da vida dos mais pobres mais contundente e imutável.

Fazendo-se uma análise do livro a partir desse viés, nota-se que existe desejo de mudança da situação de miséria, almejam-se condições de vida ou, nesse caso, sobrevida mais satisfatória e na qual pudessem ser oferecidas aos filhos oportunidades que garantissem uma educação formal, possibilitando, assim, uma quebra do ciclo de pobreza em que viviam e que era reproduzido geração pós geração. Entenda-se pobreza não apenas como uma falta de recursos materiais, mas, sobretudo, como carência de senso crítico a respeito da realidade circundante. Essesenso crítiço, uma vez desenvolvido, disponibilizaria subsídios para uma me-lhor apreensão dessa realidade e conseqüente atuação sobre ela. "Nesse sentido, a pobreza não pode ser definida a partir de critérios quantitativos, mas a partir de reações sociais provocadas por circunstâncias específicas."

(SIMMEL apud PAUGAM, 2002, p.69).

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Esse desejo da família de

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V id a s S e c a s de "salvação" através da educação formal (escola) é observado de forma semelhante na família contemporânea, que também deposita na escola toda sua esperança de melhorar suas condições de vida. Essarepresentação social da educação é tão abrangente que se faz presente nas mais diversas formas de mani-festações culturais:

As idéias liberais partem da noção de que somos dotados de facul-dades naturais que serão desenvolvidas conforme se faça esforço para desenvolvê-Ias e se aproveite as oportunidades oferecidas pelo meio. A escola surge então como salvadora, pois apresenta as oportunidades das quais se necessita para o d e s e n v o lv im e n t o das potencialidades. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2002, p.134).

Nesse aspecto, o questionamento aqui levantado direciona-se

à

re-flexão sobre a quem é atribuída a responsabilidade por essascircunstâncias fomentadoras e reforçadoras do pensamento a respeito da Educação. É conveniente, para o Estado, manter a escola distante de seu papel político, já que, assim, pode-se manter o enaltecimento da Educação da atualidade

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Fouston Negreiros· José Arimoteo Borras Bezerro

Em

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V i d a s S e c a s , os trechos que ilustram essa discussão são refe-rentes ao próprio discurso de Fabiano, que se percebe como bicho e se conforma com essa situação. Os questionamentos sobre sua condição até surgem, mas não são aprofundados, nem elaborados de uma maneira que se chegue a uma resolução. Outra cena importante de se destacar diz respeito à festa na cidade, quando toda a famíl ia tenta enquadrar-se no perfil de "gente civilizada", mas não se sente à vontade em meio às pessoas, sente-se estranhas, como se não pertencessem ao mesmo mun-do (FREIRE, 2005). Esse trecho pode ser ainda ilustrado pela citação de Paugam, em que há evidências da influência das questões econômicas,

nesse caso, a própria situação de pobreza, nas interações sociais.

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Considerada intolerável pelo conjunto da sociedade, a pobreza reveste-se de um status social desvalorizado e estigmatizado. Con-sequentemente, os pobres são obrigados a viver numa situação de isolamento, procurando dissimular a inferioridade de seu status no meio em que vivem e mantendo relações distantes com todos os que se encontram na mesma situação. A humilhação os impede de aprofundar qualquer sentimento de pertinência a uma classe social: a categoria à qual pertencem éheterogênea, o que aumenta signifi-cativamente o risco de isolamento entre seus membros. (PAUGAM, In: SAW AIA, 2002, p. 67).

Portanto, não é de se estranhar que haja, nessa família, uma sen-sação de estranhamento que se reflete também nas relações sociais que se sucedem fora dela, e é importante chamar a atenção para o fato de que essa dificuldade de interação começa a existir dentro do próprio seio familiar. Assim, Paugam continua:

Como a desclassificação social é uma experiência humilhante, ela desestabiliza as relações com o outro, levando o individuo a fechar-se sobre si mesmo. Mesmo as relações no seio da comuni-dade familiar podem ser afetadas, poisédifícil para alguns admitir que não estejam à altura das pessoas que o cercam. (PAUGAM In: SAW AIA, 2002, p. 74).

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A E d u cação M arg in al

em V id as S ecas

Neste tópico, serão discutidas as questões referentes à estrutura educacional abordada em V i d a s S e c a s e como a educação formal se

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Vidas Secos ou Secas Vidas? O Cotidiano Familiar e Educacional em Meio à Pobreza

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titui enquanto preocupação dos pais na perspectiva de ambicionarem um futuro melhor para os filhos. Serão abordadas, ainda, questões que dizem respeito

à

responsabilidade social, enfocando a falta de elaboração de políticas públicas eficientes, o que reforça um modelo social excludente e que contribui para tornar a miserabilidade da vida dos mais pobres mais contundente e imutável.

Fazendo-se uma análise do livro a partir desse viés, nota-se que existe desejo de mudança da

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s i t u a ç ã o de m i s é r i a , almejam-se c o n d i ç õ e s

de vida ou, nesse caso, sobrevida mais

satisfatória

e na qual pudessem ser oferecidas aos filhos oportunidades que garantissem uma educação formal, possibilitando, assim, uma quebra do ciclo de pobreza em que viviam e que era reproduzido geração pós geração. Entenda-se pobreza não apenas como uma falta de recursos materiais, mas, sobretudo, como carência de senso crítico a respeito da realidade c i r c u n d a n t e . E s s esenso

crítiço, uma vez desenvolvido, disponibilizaria subsídios para uma

me-lhor apreensão dessa realidade e conseqüente atuação sobre ela." esse

JIHGFEDCBA

s e n tid o , a p o b r e z a n ã o p o d e s e r d e fin id a a p a r tir d e c r ité r io s q u a n tita tiv o s ,

mas a partir de reações sociais provocadas por circunstâncias específicas."

(SIMMEL apud PAUGAM, 2002, p.69).

129

Esse desejo da família de V id a s S e c a s de "salvação" através da educação formal (escola) é observado de forma semelhante na família contemporânéa, que também deposita na escola toda sua esperança de melhorar suas condições de vida. Essarepresentação social da educação

é

t ã o abrangente que se faz presente nas mais diversas formas de

mani-festações culturais:

As idéias liberais partem da noção de que somos dotados de facul-dades naturais que serão d e s e n v o lv id a s conforme se faça esforço para d e s e n v o lv ê - Ia s e se aproveite as oportunidades oferecidas pelo meio. A escola surge então como salvadora, pois apresenta as oportunidades das quais se necessita para o desenvolvimento das potencialidades. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2002, p.134).

Nesse aspecto, o questionamento aqui levantado direciona-se

à

re-flexão sobre a quem

é

atribuída a responsabilidade por essascircunstâncias fomentadoras e reforçadoras do pensamento a respeito da Educação. É conveniente, para o Estado, manter a escola distante de seu papel político, já que, assim, pode-se manter o enaltecimento da Educação da atualidade

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Fouston Negreiros • José Arimoteo Barros Bezerro

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pelos vários grupos sociais, como um mero repassador de informações descontextualizadas. Dessa maneira:

A relação da escola com o Estado é, muitas

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v e z e s , ignorada ou desconhecida. O Estado

é

pensado como responsável pelas regras e registros; o órgão burocrático que cuida de aspectos de funcio-namento da escola. Mas não se pode pensar assim. A escola é uma instituição social e como tal s e r v e ao Estado. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2002, p.137).

A.

forma como a sociedade contemporânea está estruturada baseia-se numa ideologia pautada na desigualdade mascarada pelo discurso enganoso de liberdade e igualdade entre os homens. Nesse aspecto Guareschi destaca que:

130

[... ] as razões apresentadas no final do século XVIII, e inícios do século XIX, pelo liberalismo, tanto filosófico como principalmente econômico, para legitimar as relações de dominação e exploração, podiam muito bem ser qualificadas de razões cínicas. Isso era prin-cipalmente v e r d a d e quando a fir m a v a m que o modo de produção capitalista se constituía no grande avanço em direção à"liberdade", proclamando que as pessoas, nessen o v o modo de produção, pas-s a v a m a ser livres [... ] (GUARESCHI In SAW AIA 2002, p.145).

De maneira semelhante Bock, Furtado & Teixeira comentam:

Diante das enormes desigualdades sociais do mundo moderno, o liberalismo produziu sua própria defesa, construindo a noção de diferenças i ndividuais decorrentes do aproveitamento diferenciado que cada um faz das condições que a sociedade "igualitariamente" que lhe oferece. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2002, p.20).

Tanto a família quanto a escola são instituições a serviço de uma mesma configuração social, portanto, seguem os padrões que garantam a manutenção dessa estrutura de forma a beneficiar a quem

é

conveniente. A família, juntamente com a escola, forma lima estrutura reprodutora de um modelo hegemônico mantenedor das relações de

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Vidos Secos ou Secas Vidos? O Cotidiono Fomilior e Educacionol em Meio à Pobrezo

poder que trazem beneficio para uma minoria apenas. Dessa forma, não é conveniente para nenhuma dessas estruturas sociais contribuírem para um modelo de ensino que forme sujeitos críticos, já que serão esses sujeitos que, após terem acesso ao conhecimento, poderão trans-formar o modelo existente. A família, portanto, é cúmplice do papel alienador e excludente da escola, embora isso seja feito também de maneira alienada. A cumplicidade refere-se à forma como a família dá o aval para que a instituição escolar funcione de maneira tão restrita, conformando-se com o ensino que é fornecido.

A instituição Escola, cumprindo sua função social, repassa essa ideologia para que não haja modificação desse contexto. Assim, cabe

à

educação da atualidade manter os sujeitos alienados para que não recla-mem por seus direitos No entanto, para que a população perceba essa manipulação, é necessário que tenha o mínimo de instrução e capacidade crítica para questionar essa forma de domínio.

No caso da família de

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V i d a s S e c a s , se as crianças tivessem acesso

à

educação formal seria por meio do ensino público e esse encontra-se num estado de sucateamento, que se refere tanto

à

função pedagógica

como à função política, constituindo, assim, uma problemática bastante

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131

preocupante, uma vez que pode ser interpretado como uma estratégia de impedimento do acesso ao ensino, acentuando a exclusão das classes mais pobrés. Bock aborda esse assunto de maneira brilhante, quando argumenta que:

Devemos pensar que a crise da educação [... ] não é uma crise, é um projeto. As questões da educação que temos hoje não devem ser lidas como questões decorrentes de uma crise passageira que fugiu ao nosso controle. A política educacional instalada nos anos 90 en-volve um projeto educacional (bem sucedido) que valoriza a escola como propiciadora de índices de qualificação de mão de obra para disputas no mercado internacional. [... ]. Há um projeto de redução dos gastos estatais com educação, priorizando outros setores, tendo como conseqüência o sucateamento da escola pública. Há uma política, para responder às exigências de redução de gastos, de pri-vatização da educação, mantendo a escola pública básica (sabe-se lá com que qualidade!) e reduzindo cada vez mais os investimentos nas outras etapas da escolaridade [... 1 o que estes aspectos revelam é que, na verdade, as políticas públicas para educação são cada vez menos públicas, no sentido de que são cada vez menos responsa-bilidade do setor público, do Estado. Ao mesmo tempo, atendem à

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Fouston Negreiros· José Arimoteo Borros Bezerro

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política dominante, àpolítica neo-liberal do Estado. Mas todas essas questões que são políticas e expressam interesses de grupos sociais ficam tomadas como crise da escola. Não há crise, há um projeto em desenvolvimento. (BOCK, 2003, p.138 e 139).

Diante dessas problemáticas, torna-se necessário buscar a função ideal que a escola deveria desempenhar para propiciar ao sujeito uma gama de conhecimentos através do qual consiga mudar sua realidade. Num viés sócio- histórico, Bock coloca que:

A escola é lugar de aproximação com a realidade. A realidade pode ser, ali, compreendida, possibilitando superar saberes restritos e preconceituosos. A escola é lugar de crítica da realidade, realidade essa que está também na escola. Trabalha-se na educação para o fortalecimento do indivíduo no sentido de sua intervenção trans-formadora no mundo. (BOCK, 2003, p. 147).

132

Nesse sentido, destaca-se a função primordial que os profissionais conscientes dessa situação complexa têm, no que diz respeito às interven-ções as quais propiciarão a instrumentalização do indivíduo para resolver as dificuldades apreséntadas por essa realidade:

Nosso grande desafio é compreender os significados construidos, como estes significados contribuem ou não para a construção de intervenções transformadoras na instituição. A partir disso, devere-mos então trabalhar para possibilitar a re-significação, a produção de novos sentidos sobre a gestão coletiva da vida escolar, criando novas práticas transformadoras. (BOCK, 2003, p. 157).

No contexto familiar de

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V i d a s S e c a s , uma família que bem repre-senta a população mais carente do nosso país, a situação é ainda mais preocupante, visto que os mesmos não têm direito sequer ao ensino precário que o Estado oferece. Considerando o que foi exposto, pode-se afirmar que

o fato de o indivíduo não ter acessoà escola significa um impedi-mento da apropriação do saber sistematizado, de instruimpedi-mentos de

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Vidas Secos ou Secos Vidas? O Cotidiano Familiar e Educacional em Meio à Pobreza

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atuação no meio social e de condições para a construção de novos conhecimentos. (REGO, 2005, p.58l.

Esses conhecimentos que se adquirem são fundamentais para se rtuar enquanto sujeitos, mesmo que alienados a um sistema educacional

antenedor das condições de exclusão. Por outro lado, as crianças do livro livro de Graciliano Ramos precisam primeiro adquirir habilidades para a aprendizagem do ensino elementar para depois fundamentar bases de

m posicionamento crítico. Esta deficiência de repertório verbal fica bem marcada em várias passagens da obra em que as crianças demonstravam

ão saber nomear objetos ou conceituar certas palavras.

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A lg u m as C o n sid eraçõ es

Pôde-se perceber que a dinâmica da família marginalizada presente em

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V i d a s S e c a s apresenta-se amplamente permeada por questões

educa-tivas. Os aspectos da afetividade entre os membros da família, o diálogo

133

(em algumas passagens, a sua ausência), os relacionamentos sociais da

farnfl ia com outras pessoas na mesma condição, as crenças e a perspec-tiva de modificação de seu contexto sócio-econômico estão direta ou indiretamente ligados

à

temática da Educação de forma geral.

A família retratada nesta obra de Graciliano Ramos representa cla-ramente o modelo familiar da atualidade no que se refere

à

sua maneira de pensar a Educação, vislumbrando na mesma a possibilidade mais acessível de mudanças estruturais na sociedade brasileira. No entanto, a educação formal a qual se pretende tornar disponível

à

toda população encontra-se perpassada por uma ideologia de dominação e opressão das classes menos favorecidas ao mesmo tempo em que produz um ensino insuficiente. A família e a escola atuam como cúmplices na perpetuação destes valores instituídos pela ordem hegemônica, mas o fazem de ma-neira alienada.

A escola brasileira, como se configura hoje, está pautada, além de tudo, na exclusão da maioria da população. Assim, a maior parcela social não tem condições de acesso

à

escola e a pequena amostra que escapa a essa exclusão recebe um ensino alienando e contaminado pelas idéias que mantêm a ordem social que a fomenta.

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1 3 4

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Fauston Negreiros· José Arimatea Borros Bezerra

Aqui, pode-se fazer menção a uma alternativa de modificação des-sa complexa dinâmica do saber/fazer pedagógico e político da escola. E antes de tudo é necessário esclarecer que essa dinâmica configura-se como um ciclo vicioso em que não é fácil se determinar onde se deve intervir para que haja o seu rompimento e a conseqüente modificação do sistema sócio-educacional vigente. Entretanto, corroborando com a exigência que se faz nesse ensaio de criticidade em qualquer atuação, aponta-se para uma possível direção, no intuito de interferir na modifi-cação da atual conjuntura social.

Sabe-se que a parcela dominante da sociedade ocupa uma posição de poder devido ao acesso a recursos fundamentais. Esses recursos são da ordem do conhecimento e são adquiridos através de um ensino desti-nado às classes mais abastadas. Para que essa situação de desigualdade ocorra - como no universo de

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V i d a s S e c a s , obra em que as pessoas vivem totalmente alheias ao arcabouço mínimo de conhecimento necessário, inclusive para as relações interpessoais na família - é preciso intervir diretamente no poder público através de políticas que redirecionem a estrutura social e, conseqüentemente, o acesso

à

educação formal. Assim, essa educação deve ser antes de tudo modificada no sentido de formar cidadãos críticos (executando sua função sócio-política) e não mais apenas servir como instrumento de repasse da ordem repressora de manutenção do sistema vigente. .

Em suma, é relevante ressaltar que a obra V i d a s S e c a s , de Graciliano

Ramos, é de 1938 e o paralelo que foi efetuado estabelece comparações com a Educação de hoje. Que mudanças houve? Em algumas localidades do país essa realidade não é tão freqüente, pelo contrário, para alguns edu-cadores talvez ela seja até inexistente. Muito embora, ao transportar para a realidade do Sertão Nordestino, vislumbra-se um ciclo repetitivo, estático e pouco funcional para aqueles ali envolvidos. Talvez, se tivéssemos um projeto de educação diferente desse atual, contemplando a diversidade cultural e social da população brasileira, houvesse uma diferença.

B ib lio g rafia

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Referências

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