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Contexto de trabalho e vivências de prazer-sofrimento : estudo com trabalhadores de uma fundação pública

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Academic year: 2017

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Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia

Contexto de Trabalho e Vivências de Prazer-Sofrimento:

Estudo com Trabalhadores de uma Fundação Pública

Brasília - DF

2011

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CONTEXTO DE TRABALHO E VIVÊNCIAS DE PRAZER-SOFRIMENTO: ESTUDO COM TRABALHADORES DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientadora: Profª. Drª. Lêda Gonçalves de Freitas

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Dissertação de autoria de Magda Maria Augusto, intitulada “CONTEXTO DE TRABALHO E VIVÊNCIAS DE PRAZER-SOFRIMENTO: ESTUDO COM TRABALHADORES DE UMA FUNDAÇÃO PÚBLICA”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em trinta e um de agosto de dois mil e onze, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Lêda Gonçalves de Freitas

Orientadora

(Mestrado em Psicologia – UCB)

___________________________________________________________________ Profª Drª Ana Magnólia Bezerra Mendes

(Membro externo – Universidade de Brasília)

___________________________________________________________________ Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida

(Membro – UCB)

___________________________________________________________________ Prof Drª Ondina Pena Pereira

(Suplente – UCB)

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AGRADECIMENTOS

À Lêda Gonçalves de Freitas, que, com muita paciência, dedicação e competência me orientou nesta dissertação.

Aos professores do mestrado em Psicologia da UCB, em especial às professoras Sandra Francesca Conte de Almeida e Ondina Pena Pereira, por me provocarem a desconstruir/construir novos caminhos no percurso da “verdade”.

À Mara Ezequiel, por facilitar, com muita eficiência, as questões logísticas na UCB. À CAPES, pelo apoio que viabilizou a conquista desta titulação.

Aos colegas do mestrado, por compartilharem os prazeres e sofrimentos do crescimento, em especial à Jozina Pires pelas horas e horas de estudo e discussões.

Aos colegas de trabalho e sujeitos desta pesquisa que, corajosamente, se dispuseram a colaborar neste estudo.

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RESUMO

Este estudo investiga as vivências de prazer e sofrimento no trabalho de profissionais de uma fundação pública, envolvendo a Psicodinâmica nesse ambiente. Os sujeitos desta pesquisa são servidores públicos federais de uma fundação localizada no Distrito federal. Especificamente, busca-se caracterizar o contexto de trabalho nas dimensões da organização do trabalho, condições e relações socioprofissionais; descrever as vivências de prazer e sofrimento e investigar os mecanismos utilizados pelos trabalhadores para mediar o sofrimento. Tem-se como aporte teórico e metodológico a Psicodinâmica do Trabalho, com contribuições da psicanálise e da sociologia. Foram realizadas duas entrevistas semiestruturadas coletivas com dois diferentes grupos, que foram analisadas por meio da Análise de Núcleo de Sentido. Os resultados, com base nos depoimentos colhidos nas entrevistas, apontam uma gravidade no contexto de trabalho, denotando aspectos pertinentes aos princípios do taylorismo associados às vivências de sofrimento. A organização do trabalho, em especial a rigidez dos processos, o excesso de burocracia e o conteúdo da tarefa, causa mais sofrimento para os trabalhadores pesquisados do que as relações socioprofissionais, que, por sua vez, precedem em importância as condições de trabalho propriamente ditas. As relações mostraram-se bastante desgastadas perante a hierarquia. As condições de trabalho revelaram-se precárias no que tange ao desenho dos postos de trabalho. Com relação às vivências de prazer no trabalho, constataram-se poucos indicadores deste fator, a saber, a remuneração e a estabilidade do emprego público. A precarização do trabalho parece contribuir para a destruição das relações nas organizações públicas e isso pode trazer consequências indesejáveis à qualidade dos serviços prestados à sociedade.

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ABSTRACT

This study investigates the experiences of pleasure and suffering in the work of professionals of a public foundation and the Psychodynamics involved in this environment. Specifically, we seek to characterize the work context dimensions of work organization, conditions and socio-professional relationships; to describe the experiences of pleasure and suffering and to investigate the mechanisms used by workers to mediate suffering. It has as theoretical and methodological framework The Psychodynamics of Work, with contributions of psychoanalysis and sociology.Semi-structuredcollectiveinterviews were conducted with two different groups, which were analyzed by ANS. The results, based onthe speech of workers collected during the interviews, point to a serious situation in the work context, denoting aspects that are relevant to the principles of Taylorism associated with experiences of suffering. The organization of work, especially the rigidity of procedures, excessive bureaucracy and job content, cause more suffering for workers surveyed than the social and professional relations, which, in turn, precede in importance the working conditions themselves. Relations proved to be verystrained beforehierarchy. Working conditions proved to be poor with respect to the design of jobs.With respect to experiences of pleasure at work, there have been few indicators of this factor,namely the remuneration of public employment and stability. The precariousness of labor seems to contribute to the destruction of relationships in public organizations and this may bring undesirable consequences to the quality of services provided to society.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ...10

2. REFERENCIAL TEÓRICO ...14

2.1 O trabalho ...14

2.1.1 Labor, trabalho e ação ...18

2.2 A Psicodinâmica do Trabalho ...22

2.2.1 Principais conceitos em Psicodinâmica do Trabalho ...27

2.2.2 Pesquisas em Psicodinâmica do Trabalho ...32

3. MÈTODO... ...47

3.1 Participantes ...48

3.2 Entrevista semiestruturada coletiva ...49

3.3 Procedimentos para a coleta de dados ...49

3.4 Análise dos dados ...50

4. RESULTADOS ...52

4.1 Descrição dos núcleos de sentidos...52

4.1.1 “(...) é sempre aquele trabalho rotineiro, sempre as mesmas coisas.” ...52

4.1.2 “(...) vou contar uma coisa para vocês, eu cheguei em uma mesa de colegas e uma pessoa mais antiga disse que eu era de confiança e que os colegas podiam falar, então há um grupo de um lado e um grupo do outro.” ...57

4.1.3 “A arquitetura para mim propicia isso, trabalhar com 50 pessoas, ouvir 50 pessoas lá onde eu trabalho é assim, você vê e ouve as pessoas o tempo todo (...).” ...59

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eu não me sinto satisfeito, me sinto frustrado.”...62

4.1.6 “O recurso que eu utilizo é o seguinte, eu tenho uma coisa que me move que é a esperança, e é com esta ideia fixa, com a esperança de que isso vai melhorar é que venho todo dia para trabalhar na organização.”...66

5. DISCUSSÃO ...69

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...75

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1 INTRODUÇÃO

(...) um jogo de forças, muitas vezes contraditórias, entre os diversos atores da organização, que tentam, por meio de processos constantes de negociação e formações de compromissos, garantir a produtividade e a saúde. Considerar a intensidade e a direção nas quais essas forças se movimentam é adotar uma abordagem psicodinâmica (...) (MENDES, 2004, p. 59).

A questão norteadora deste estudo é a influência do contexto de trabalho nas dimensões organização, relações socioprofissionais e contexto de trabalho nas vivências de prazer e sofrimento dos sujeitos trabalhadores de uma fundação pública. Para responder a essa questão, buscou-se como referência a abordagem da Psicodinâmica do Trabalho, que investiga a saúde no trabalho e analisa o sofrimento e as estratégias de mediação utilizadas pelos trabalhadores para ressignificar e superar o sofrimento, com vistas à transformação do contexto de trabalho em um lugar de prazer (FERREIRA e MENDES, 2003).

Percebe-se que a partir dos anos 1970, mudanças significativas começaram a ser observadas no mundo do trabalho em função do salto tecnológico que possibilitou a automação, a robótica e a microeletrônica nas grandes indústrias. Essas transformações, que tantas consequências trouxeram ao mundo do trabalho, tiveram no modelo japonês ou no toyotismo a sua maior expressão. Com a implantação desse novo modelo, a rigidez do fordismo foi substituída pela flexibilidade do toyotismo, que veio responder à crise do fordismo dos anos 1970, ao exigir um trabalhador de tipo polivalente, capaz de exercer mais de uma função no ambiente de trabalho, satisfazendo o cliente como estratégia para manter ou ampliar sua participação no mercado e aumentando a qualidade dos produtos. Tudo isso na perspectiva de que a produção fosse conduzida pela demanda.

De acordo com Jacques (2003), as últimas décadas do século XX, com suas transformações no mundo do trabalho, proporcionaram uma atenção crescente à saúde e à doença mental dos trabalhadores. Os serviços de saúde registram aumento dos distúrbios mentais e do comportamento na população trabalhadora, demandando estudos e pesquisas sobre a temática.

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alguns direitos fundamentais, como renda mínima. Além disso, são anunciados programas permanentes a partir da educação, da saúde e da criação de postos de trabalho.

Por outro lado, a sociedade civil brasileira reivindica um melhor desempenho dos organismos estatais, uma qualidade nos serviços prestados, um comportamento ético e uma ação social efetiva e responsável, seguindo os preceitos ditados pela Carta de 1988 e já consolidados em bom número de nações nas quais os brasileiros passam a se espelhar. Para atender às exigências da nova cidadania que se instaura de forma sempre mais generalizada, novos modelos de gestão com vistas à melhoria de resultados vêm sendo perseguidos.

Como funcionária há mais de 25 anos de uma empresa pública, na maior parte desse tempo atuando na área de Gestão de Pessoas, percebo o quanto a atual conjuntura socioeconômica e política tem mudado os contextos de trabalho do serviço público. Segundo Mendes & Siqueira (2009), a gestão, inclusive de pessoas, tem papel singular na modernização do Estado, a fim de garantir a implementação adequada das mais diversas políticas públicas. Estar atento às relações de trabalho nos órgãos públicos torna-se fundamental em processos de mudança cultural nos serviços prestados por servidores públicos.

Diante disso, a percepção da vivência do sofrimento alheio no contexto em que trabalho, aliada à busca por um conhecimento que transcendesse o discurso praticado naquela organização, conduziram a autora a estudar as vivências de prazer e sofrimento em uma fundação pública federal localizada no Distrito Federal.

A Psicodinâmica do Trabalho, que embasa a presente pesquisa, apresenta-se, com seus pressupostos, como relevante referencial teórico no campo da saúde mental no contexto do trabalhar. Dejours (2004, p. 94) assinala que a análise psicodinâmica é um termo proveniente da teoria psicanalítica que designa o estudo dos movimentos psicoafetivos gerados pela evolução dos conflitos inter e intra-subjetivos.

De acordo com Freud, representações que vão de encontro aos nossos desejos são recalcados, ou seja, armazenados no inconsciente. Entretanto, a energia de nossos afetos exige ser descarregada e, por isso, acaba gerando perturbações psicossomáticas.

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cooperação e da comunicação que resultam dessas defesas, enfim, as formas de descompensações específicas que aparecem quando as defesas não são eficazes.

Um fator crucial para a Psicodinâmica do Trabalho é o papel do trabalho na formação da identidade como processo que se desenvolve por toda a vida e está atrelado à noção de alteridade. É a partir do olhar do outro que vamos construindo-nos como sujeitos. São, portanto, essas relações cotidianas que permitem que o sujeito constitua sua singularidade em meio às diferenças.

Efetivamente, na construção dos ambientes gerados por um determinado contexto organizacional, está-se sempre visando à otimização das atividades e dos serviços prestados em prol do conjunto da sociedade. Para que este objetivo seja atingido, no entanto, a variável saúde, bem-estar do técnico deve merecer um destaque nem sempre observado, pois poucas são às vezes em que participa da pauta de prioridades dos gestores das políticas públicas ao elencarem as primazias institucionais.

Tamayo (2004) observa, com propriedade, essa exigência de a organização do trabalho moderna, também para o setor público, ter por objetivo, em uma das pontas, responder às demandas sociais e, na outra, afirmar em toda a sua extensão a identidade do trabalhador. A realização pessoal do trabalhador funcionário público que tem por missão contribuir com seu esforço para a satisfação das demandas da sociedade deve participar do dispositivo mesmo da organização do trabalho de modo a garantir, para além da atividade fim para a qual foi afetado, um ambiente, uma cultura, um estado de bem-estar indispensável para a saúde e a realização pessoal deste mesmo trabalhador.

Siqueira & Mendes (2009) buscaram estabelecer uma análise crítica do discurso contemporâneo em gestão de pessoas, verificando como o discurso e a prática gerencialistas se reproduzem no setor público, sem que haja a devida análise do fator ideológico que permeia a gestão pública.

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Justamente as diferentes formas de organização proporcionarão aos trabalhadores e às trabalhadoras níveis correspondentes de satisfação e insatisfação, de prazer e sofrimento que como afirmam a propósito Mendes e Tamayo (2001, p. 40) pontuam a relação subjetiva dos trabalhadores com o mundo objetivo circundante, e isso mediante o exercício de sua atividade profissional. A centralidade do trabalho, como será observada, é responsável tanto pela construção social como pela construção da psique de cada um dos construtores.

A opção metodológica deste estudo prioriza entrevistas coletivas com vistas ao estímulo à construção de um espaço público de discussão com a finalidade de proporcionar uma reflexão capaz de conduzir os sujeitos a se reapropriarem da realidade de seu trabalho. De acordo com Dejours, (2004, p. 33), é por meio da reflexão que os trabalhadores podem impulsionar a mobilização necessária para as transformações das situações dolosas do trabalho em situações saudáveis.

Contudo, o objetivo geral deste estudo é investigar as vivências de prazer e sofrimento no trabalho de profissionais de uma fundação pública. Especificamente busca-se: a) caracterizar o contexto de trabalho nas dimensões da organização do trabalho, condições e relações socioprofissionais; b) descrever as vivências de prazer e sofrimento; c) investigar os mecanismos utilizados pelos trabalhadores para mediar o sofrimento.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 O trabalho

Depois que o homem primevo descobriu que estava literalmente em suas mãos melhorar a sua sorte na Terra por meio do trabalho, não lhe pode ter sido indiferente que outro homem trabalhasse com ele ou contra ele (FREUD, 1974, p. 119).

As concepções de cunho social e histórico que a noção de trabalho traz para o conjunto das ciências merecem observação, justamente por se tratar de conceito transversal a tocar o conjunto dos campos do conhecimento. Em nota de pé de página de O mal-estar na civilização, Freud assevera que:

Nenhuma outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão firmemente à realidade quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um lugar seguro numa parte da realidade, na comunidade humana (FREUD, 1974, p. 99).

O que, hoje, pode parecer como um discernimento primário do enquadramento do homem na sociedade, não o foi no passado. Se nas sociedades modernas – sobretudo as ocidentais contemporâneas – a identidade é produzida, sobretudo, pelo papel profissional desempenhado por cada sujeito no ambiente em que vive, no passado, os vínculos familiares, os locais de nascença, o patrimônio, entre outros sinais exteriores do indivíduo, ocupavam um papel de destaque comparável – quando não mais importante – ao da ocupação profissional do sujeito. Interessa, assim, observar qual o tratamento oferecido pelos autores modernos, notadamente na Psicodinâmica do Trabalho.

Dejours (2004, p. 31) constata que o avanço tecnológico e as novas organizações do trabalho não trouxeram o anunciado fim do trabalho penoso; ao contrário, acentuaram as desigualdades e a injustiça social e trouxeram formas de sofrimento qualitativamente mais complexas e sutis, sobretudo do ponto de vista psíquico. Aproxima, assim, o idealizador da Psicodinâmica do Trabalho ao pensamento de Hannah Arendt, que julga ver a redução do trabalho, no mundo contemporâneo, a um esforço rotineiro e cansativo com o único objetivo da sobrevivência (ALBORNOZ, 2008, p. 49). Tanto para Arendt quanto para Dejours, o sofrimento é inerente ao trabalho.

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realização social pelo trabalho. Assim sendo, o sujeito encontra, no trabalho, a oportunidade de confirmar sua identidade pelo olhar do outro, quando consegue transformar, assim, o sofrimento – próprio do trabalho – em prazer. Dejours (2004) sustenta a tese de que os trabalhadores não são meros expectadores impotentes de um palco de trabalho perverso, mas sujeitos capazes de transformar essa realidade.

Ainda que a noção de trabalho empregada pela Psicodinâmica do Trabalho invista de uma generalização concedida pela própria desvalorização do que correspondia o trabalho –

Labor, poèsis, práxis – na Grécia antiga, seria relevante apresentar uma definição sobre o que vem a ser o trabalho como esteio para as análises subsequentes. Uma concepção de trabalho que se destaca nos autores contemporâneos tem origem na acepção arendtiana, uma vez que esta será notadamente empregada pelos principais autores da Psicodinâmica do Trabalho no exercício de fundação dos princípios de sua proposta epistemológica.

Assim, três são as acepções atribuídas ao trabalho em uma hierarquia de complexidade psicossocial crescente, a saber: o labor, o trabalho e a ação. Realizaremos adiante, na seção 2.1.1, um breve comentário sobre esses diferentes componentes do conceito proposto por Hannah Arendt e sua importância para as considerações da Psicodinâmica do Trabalho que orientarão este trabalho.

Em artigo escrito com Pascale Molinier, então sua colega no Conservatoire National des Arts et Métiers (Cnam), em Paris, Christophe Dejours confere o caráter humano indispensável à caracterização do trabalho:

O trabalho é a atividade coordenada de homens e mulheres para defrontar-se com o que não poderia ser realizado pela simples execução prescrita de uma tarefa de caráter utilitário com as recomendações estabelecidas pela organização do trabalho (DEJOURS & MOLINIER, 2008, p. 137).

Dejours e Molinier replicam a concepção anteriormente proposta por Philippe Davezie, a definir o trabalho como “atividade manifestada por homens e mulheres para realizar o que ainda não está prescrito pela organização do trabalho” (DAVEZIE apud

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Todo trabalho é sempre trabalho de concepção. A definição de trabalho decorrente insiste na dimensão humana de trabalho. O trabalho é, por definição, humano, uma vez que é mobilizado justamente ali onde a ordem tecnológico-maquinal é insuficiente (DEJOURS, 2008, p. 65, destaque do autor).

Freud (1974, p. 146) comunga dessa mesma perspectiva em relação ao trabalho – embora para tratar especificamente do tema da fundação do ambiente cultural do homem –, ao comparar para distinguir os homens dos outros animais:

Por que nossos parentes, os animais, não apresentam uma luta cultural desse tipo1? Não sabemos. Provavelmente, alguns deles – as abelhas, as formigas, as térmitas – batalharam durante milhares de anos antes de chegarem às instituições estatais, à distribuição das funções e às restrições ao indivíduo pelas quais hoje os admiramos. Constitui um sinal de nossa condição atual o fato de sabermos, por nossos próprios sentimentos, que não nos sentiríamos felizes em quaisquer desses estados animais ou em qualquer dos papéis neles atribuídos ao indivíduo2.

Freud – assim como Davezie, Dejours e Molinier – não acredita na economia de uma atividade eficiente, como a construção de um ninho ou a divisão do trabalho para a coleta de alimento, como condição suficiente de autoria para o trabalho. O trabalho exige mais, exige um caráter especificamente humano que vai além da atividade eficiente. Assim, a divisão sexual do trabalho, o estabelecimento de cadeias produtivas, entre outras tantas formas organizacionais, são meios mais eficientes de produção, visto apresentarem resultados substancialmente mais proveitosos e eficazes a partir do esforço despendido por quem “trabalha” de forma “solidária” e organizada, mas, nem por isso, pode ser definido como propriamente humano ou – como preferem Dejours e Molinier – não pode ser simplesmente definido como “trabalho”. O fundamento deste é justamente a condição de humanidade de seu autor, o aspecto de domínio de um ofício, do saber-fazer além do pulsional.

Tal como Freud, Dejours também contrapõe o que é dado (o inato) ao que é adquirido (o cultural). Assim, além das pulsões mobilizadas para a execução de um determinado trabalho, é necessário, para que uma atividade seja caracterizada como trabalho

1 Freud faz referência à luta de Tânatos e Eros, pulsão de vida contra pulsão de morte, motor da fundação da

civilização, um trabalho cultural de produção do próprio caráter de humanidade presente nos homens e impossível para os animais.

2 A contraposição da pulsão de vida e da pulsão de morte não permitiria a harmonia dessa organização

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efetivo, que ela também projete sua autoria, seja pela marca cultural e perícia no ofício deixada pelo autor, seja pelo indicador humano de autoria atestado pela condição de sua inteligência, de sua iniciativa, das escolhas operadas, pelo arbítrio do executor ter optado por essa e não por outra forma de execução, de ordem das tarefas que lhe foram confiadas.

Em outros termos, outro importante ponto comum entre Freud e Dejours, nesta pequena citação anterior de O mal-estar na civilização – e que está na base do adoecimento causado pelo trabalho deturpado pela organização do trabalho, constituindo-se no tema central da Psicopatologia do Trabalho – é a questão do reconhecimento3.

É justamente esta necessidade de conquistar sua identidade por meio do trabalho, mediante o reconhecimento da perícia em sua execução, seja em relação à hierarquia, seja pelos pares (colegas capazes de realizar o mesmo trabalho e que dão o veredito sobre a competência na execução das tarefas realizadas e sobre a qualidade do produto final, a beleza, e não a utilidade do desempenho), que faz com que não nos sintamos “felizes em quaisquer desses estados animais ou em qualquer dos papéis neles atribuídos ao indivíduo”, como pondera Freud em suas observações sobre abelhas, formigas e cupins.

O não reconhecimento do trabalho realizado é uma das principais causas para essa falta de felicidade que o psicanalista propõe. É fator recorrente para o adoecimento de trabalhadores e trabalhadoras4 no exercício de seu desempenho profissional.

3 Sobre o tema, pondera Dejours (2008a, p. 80): “Podemos acrescentar que o trabalho não prospera apenas no

mundo objetivo e no mundo social, mas ainda no mundo subjetivo, o do reconhecimento”. É objetivo, é social, certamente, isso é reconhecido desde a economia clássica no que tange à teoria do valor, mas cabe ainda o aspecto subjetivo, o reconhecimento. O autor conclui afirmando serem de fundamental importância para a saúde mental do trabalhador diferentes espécies de reconhecimento, nomeadamente aquele outorgado pela sociedade que julga o trabalhador pelo caráter socialmente utilitário de sua atividade, e um outro chancelado pelos pares de ofício, que julgam a perícia do trabalhador no exercício de suas funções e que é julgado pela destreza, pela habilidade do trabalhador, e que Dejours (2010, p. 39) evoca como pura arte: “O reconhecimento é um julgamento qualitativo proferido sobre o trabalho, que passa por duas provas principais: o julgamento de utilidade e o julgamento de beleza”.

4 Ainda sobre o reconhecimento, Dejours oferece-nos um exemplo claro, facilmente adaptável para a realidade

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Em relação à diferenciação estabelecida por Freud entre trabalho humano e desempenho produtivo não humano, em confluência com a definição de trabalho proposta pelos teóricos da Psicodinâmica do Trabalho, pode-se afirmar que um robô soldando laterais de funilaria de um automóvel não trabalha, assim como uma abelha recolhendo pólen para fabricação de mel tampouco trabalha. Exercem ambos, com perfeição, suas atribuições, embora não trabalhem. Qualquer robô programado digitalmente por especialistas em programação e mecatrônica para essa atividade, assim como qualquer abelha recolhedora de pólen para fabricação de mel, instintivamente “planejada”, executam igualmente as tarefas para as quais foram “planificados”, eletrônica ou geneticamente, pouco importa.

Em seu “manifesto epistemológico” – Addendum: da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho –, no qual lança as bases de novo referencial teórico-prático como campo transdisciplinar de investigação na fronteira das ciências sociais, da saúde e do comportamento, buscando uma teleologia do trabalho não mais como eventual produtor de distúrbios psicossomáticos, tal como na Psicopatologia do Trabalho, mas como ação justamente definidora da humanidade dos homens e das mulheres, Dejours (2008a) enriquece essa noção de trabalho definida por Davezie com a clássica acepção arendtiana do trabalho, justapondo os conceito de labor, trabalho e ação (ARENDT, 2005).

2.1.1 Labor, trabalho e ação

A condição elementar do trabalho5 é o labor. Trata-se da atividade necessária tão só à reprodução da vida de homens e mulheres como seres vivos, animais que, coincidentemente, são seres humanos. Algo que, de forma isolada, faz lembrar o exemplo daquele “trabalho” executado pela abelha recolhedora de pólen para fabricação de mel e produção de sua sobrevivência como indivíduo e ser social que pertence a uma colmeia específica.

serviço público brasileiro, os professores do ensino fundamental e médio compõem uma das categorias com o maior número de afastamento do trabalho por licença médica, isso nas Unidades da Federação em que os governos oferecem aos profissionais remuneração razoável, a exemplo da Secretaria de Educação de Brasília. Esse fenômeno de afastamento por licença médica não é extensivo aos professores de nível superior, visto esses gozarem ainda de elevado prestígio social.

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O trabalho propriamente dito corresponde ao artificialismo da existência humana, trata-se da atividade na qual a obra é realizada a partir de um trabalho caracterizado pelo “saber-fazer” (o que os anglófonos chamam de know-how e os francófonos, de savoir-faire) que já é próprio a homens e a mulheres socialmente humanizados: a arte e a técnica de um ofício estão impressas em um trabalho executado por quem as domina. Trata-se desse trabalhar utilitário na acepção prestada por Davezie, Dejours e Molinier. Ao se abordar o tema do reconhecimento, como foi proposto anteriormente, é justamente o trabalho que é analisado e julgado pela sociedade e pelos pares.

No alto da escala do trabalho como atividade humana, situa-se a ação: homens e mulheres no exercício de uma atividade social e comunitária realizada mediante uma troca de experiências e de saberes operada entre sujeitos em prol da construção do que se estabelece de antemão como social e coletivamente desejável, uma aspiração da coletividade, a construção do que se acredita justo, ético e exequível (ainda que às vezes utópico) em um determinado momento histórico e de vida pessoal.

Efetivamente, não há nada mais nobre do que esta ação, no ápice da pirâmide dos diferentes trabalhos. O espaço íntimo – caracterizado como instância na qual o sujeito psicológico se revela, desabrocha desde criança, espaço das realizações afetivas e amorosas – adentra o espaço público, evidenciado este como arena de expressão da palavra, das trocas, do discurso, do conhecimento e reconhecimento capazes da geração das ações que marcam o sujeito como ser produtor também da história.

A ação revela a condição humana proporcionada pelo trabalho em toda a sua plenitude, o que Freud poderia caracterizar justamente como o trabalho de construção da civilização.

Freitas (2006) consolida os três estágios arendtianos em dois pressupostos indispensáveis à sobrevivência mesma do trabalhador. Caso ambos não sejam cumpridos, pode o trabalhador ter sua saúde danificada. A autora afirma:

[O trabalho] tem como funções a busca de sobrevivência e a auto-realização. O trabalho, quando não proporciona ao trabalhador a garantia de sobrevivência e a construção de sua identidade, pode resultar no aparecimento do sofrimento. Este, se não for enfrentado adequadamente, pode levar ao adoecimento (FREITAS, 2006, p. 101).

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contudo, que essa “evolução de humanidade” laboral não torna a hierarquia entre os diferentes trabalhos – labor, trabalho e ação – excludentes entre si, ou seja, a ação não extingue o trabalho que, por seu turno, não suplanta o labor. Os estágios ocorrem concomitantemente.

O labor, a acepção que respeita a simples reposição das forças e condições necessárias à reprodução de homens e mulheres como seres vivos em sociedade, integra o trabalho de um hipotético grande pesquisador: ele também depende de alimento, de moradia, de saneamento, enfim, das condições primárias vitais para a reprodução de sua natureza de ser vivo, de animal que é, ainda que exerça uma atividade considerada de grande nobreza em sua essência. O pesquisador, ao imprimir o seu domínio técnico no campo em que atua, deixa também gravado em sua obra o trabalho, o seu saber-fazer específico, pessoal, inconfundível, a forma como domina o seu ofício de pesquisador, cuja realização é atentamente observada pelos pares, pelos avaliadores das eventuais bolsas de pesquisas a analisarem sua utilidade e eficiência acadêmico-científica. O objeto de sua contribuição como pesquisador, reconhecido pelos pares e ainda pela sociedade, este se revela na ação: uma contribuição para a construção de um mundo certamente melhor por conta desta sua contribuição ímpar.

Dejours não trata, em seu “manifesto epistemológico”, especificamente do labor – dimensão do trabalho realmente importante nos países menos favorecidos, uma vez que o trabalho e a ação são dificilmente praticados por pessoas que não conseguem obter o mínimo para sua sobrevivência, não têm qualquer qualificação profissional e dificilmente integram o mercado formal de trabalho. Vivem assim das políticas assistenciais de renda mínima, ou políticas equivalentes, que oferecem condições primárias de sobrevivência a essas parcelas menos favorecidas da população, políticas públicas que objetivam vencer limitações como o de mulheres que percorrem muitos quilômetros para a obtenção de um mínimo de água; assistem famílias da zona rural sem capacidade de produzir uma agricultura de subsistência; formam jovens dos meios urbanos analfabetos orgânicos sem qualquer qualificação e possibilidade para postular um posto, por simples que seja, no mercado formal de trabalho, entre tantas outras mazelas que acometem vastas camadas da população dos países ditos em desenvolvimento6.

6 Ao comparar, acima, o labor ao trabalho da abelha recolhedora de pólen, trata-se apenas de uma figura de

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Nos países industrializados, essa dimensão do labor, isolada de suas extensões usuais e que imprimem toda a humanidade do trabalho – trabalho e ação –, encontra-se completamente diluída nessas duas últimas perspectivas. Assim, trata Dejours da interação dos espaços público e íntimo do trabalhador no que diz respeito ao trabalho e a ação, visto o labor estar nelas contido:

Há indubitavelmente uma diferença essencial entre ação e produção. A produção – que remete, na tradição filosófica desde Aristóteles, ao termo poièsis – é fabricação de objetos em um mundo real, e pode ser apreciada, avaliada e julgada em função de seus resultados concretos, mesmo que o agente desta produção específica permaneça mudo. Em contrapartida, a ação não tem visibilidade imediata, ela conserva sempre um lado abstrato. A ação refletida e deliberada, a poièsis, só é visível quando passa por um processo de mediação. Não se pode julgar a ação sem a narrativa do agente, ou dos agentes. Desta forma, a ação está irremediavelmente ligada a atos de linguagem (DEJOURS, 2008b, p. 247).

A Psicodinâmica do Trabalho, assim, tem por objeto uma ação específica realizada pelos trabalhadores, eles mesmos, no que tange à organização de suas próprias condições de trabalho, e isso no sentido seja de preservação de sua saúde física e mental, em um primeiro momento, seja como forma de organização capaz de oferecer as condições ótimas de produção.

O tolhimento dessa ação exerce importante efeito negativo para a saúde mental e mesmo física do trabalhador, levando a diferentes níveis de adoecimento, chegando a casos de suicídio, e não permite ao trabalhador o pleno exercício de sua atividade na esfera da ação.

O trabalho, como foi observado, reveste-se hoje de uma importância tamanha na vida do sujeito histórico e da sociedade envolvente, que os profissionais da Psicodinâmica do Trabalho passaram a integrar a corrente que caracteriza o fenômeno não como mera atividade, mas como elemento fundador tanto do homem, em sua humanidade, quanto da sociedade como forma de o homem organizar-se para o domínio da natureza e a proteção contra essa natureza e os demais homens.

Esta “centralidade do trabalho”, como caracterizam os pensadores da Psicodinâmica do Trabalho, integra certamente a construção tanto do sujeito como do

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ambiente no qual vive, a exigirem um investimento do individual absolutamente articulado com o que é produzido no meio em que vive. A esse respeito, advoga Dejours:

O trabalho torna-se um operador de inteligibilidade essencial para analisar as condutas humanas em geral e os processos implicados tanto na saúde mental como na doença. É isto que visamos com a expressão centralidade do trabalho em psicologia. O trabalho não é um objeto particular entre possíveis outros como a família, o lazer, o vestir, o esporte etc. (...) O trabalho está colocado no próprio centro da psicologia, em posição de igualdade com a sexualidade (DEJOURS apud

KARAM, 2001, p. 75).

Assim, o trabalho ocupa um lugar central na construção da identidade, das formas de sociabilidade e da autoestima, bem como na determinação do sofrimento psíquico. A Psicodinâmica do Trabalho, que será apresentada no próximo capítulo, vem em busca da compreensão da dinâmica psíquica frente aos conflitos gerados quando do confronto entre o desejo do sujeito trabalhador e os modelos de gestão do trabalho.

2.2 A Psicodinâmica do Trabalho

E é precisamente essa a finalidade da Psicodinâmica do Trabalho: tratar o trabalho enquanto atividade humana da qual se busca interpretar clinicamente as causas, os fracassos e as vitórias; reconhecer o que implica para o trabalho o fato de ser um trabalho vivo (DEJOURS, 2007, p. 13-14).

Até o final do século XX, tão só os efeitos deletérios da organização, capazes de comprometer a saúde dos trabalhadores, eram observados pela Psicopatologia do Trabalho; com o advento da Psicodinâmica do Trabalho, a superação do sofrimento leva o trabalhador não apenas a vencer pelo trabalho aspectos que surgem, como o sofrimento, mas ainda a se tornar sujeito histórico e a participar da construção do mundo social.

A discussão acerca dos distúrbios psicossomáticos – com ênfase para o que os psiquiatras então chamavam de “a loucura” –, sobretudo em relação àqueles originários do trabalho, ocorreu na França, logo após a Segunda Guerra Mundial. Os programas classificados como de esquerda exerciam grande influência tanto nos sindicatos de trabalhadores como também nos meios intelectuais comprometidos com as pesquisas sociais.

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capitalistas sobre os desvalidos, uma ótica histórica então corrente do trabalhador observado como sujeito social produtor de mais-valia7, com um papel histórico ainda latente, ora como forma de ascensão meritocrática rumo ao sucesso pessoal em um propagado American way of life, ou em um Estado de bem-estar social, como preferiam os programas sociais democratas presentes em importantes países europeus; um contraponto, seja em relação ao liberalismo norte-americano, seja em relação ao socialismo soviético.

A construção teórica da Psicopatologia do Trabalho só foi possível a partir do estudo no campo da “anormalidade”, em outros termos, sobre os efeitos patogênicos que o trabalho e sua organização causam ao trabalhador. É a razão de se tratar de uma análise reservada, sobretudo a pesquisadores da área da saúde.

Em 1980, Dejours, com sua proposta de seminário entre os pares para a discussão da epistemologia de uma nova ciência a um só tempo social, da saúde e do comportamento, e sua posterior publicação como Addendum (2008a), amplia a dimensão do estudo sobre as possíveis repercussões do trabalho na psique, ao definir o conceito de “sofrimento no trabalho” como característica própria a homens e mulheres, não revestindo qualquer aspecto de anormalidade ou característica estritamente patogênica.

Anuncia o psiquiatra francês não simplesmente uma ruptura entre a Psicodinâmica do Trabalho e da Ação e a Psicopatologia do Trabalho, até então praticada e voltada exclusivamente para os aspectos patogênicos presentes em muitas das disfunções causadas sobretudo pela cultura organizacional do trabalho em um momento de grande crescimento econômico8, como foi característico no momento de reconstrução de boa parte do mundo destruído na Segunda Guerra Mundial. A Psicodinâmica do Trabalho e da Ação é mais um alargamento do campo de análise, uma proposta que assimila a experiência já consolidada da Psicopatologia do Trabalho para seguir adiante com uma nova proposta.

Dejours advoga que a Psicodinâmica não tem por objetivo apenas pôr um termo ao sofrimento, e sim transformá-lo, vislumbrando mesmo a possibilidade de se encontrar prazer no trabalho, vencido o sofrimento. É de se destacar ainda o fato de a identidade do

7 De forma caricatural, a mais-valia pode ser definida como o trabalho produzido pelo trabalhador, mas

apropriado pelo proprietário dos meios de produção – o capitalista –, que paga ao trabalhador tão só o necessário para a reposição de sua força de trabalho.

8 Sobre essa mudança de perspectiva, escreve Dejours (2008, p. 51): “Nenhum argumento até hoje foi capaz de

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sujeito histórico – aquele que é capaz de sair em busca da ação arendtiana – também se definir por conta do papel que desempenha socialmente por meio do exercício de seu ofício, forma contemporânea de trabalhadores e trabalhadoras conquistarem o seu espaço social e contribuirem para essa construção do mundo, com a consciência do alcance de seu ato.

As mudanças percebidas ao se comparar a tradicional concepção da Psicopatologia do Trabalho e a nova perspectiva aberta com a proposta da Psicodinâmica do Trabalho e da Ação são inevitáveis9. O objeto de estudo dos pesquisadores de laboratórios de Psicodinâmica do Trabalho, como já se mencionou, deixa de ser a “anormalidade” e o “patológico” de forma estrita e passa a ser a “normalidade” e a “saúde”.

Com essa nova proposta, não há mais homem bipartido entre público e privado, trabalhador e homem doméstico. A partir dos novos pressupostos, os problemas pessoais invadem o espaço do homem e da mulher trabalhadores e, no sentido oposto, os problemas profissionais invadem o mundo doméstico do pai e da mãe, do marido e da mulher, do filho e da filha.

Somos envolvidos pelo trabalho, bem além do tempo de trabalho. Temos insônia à noite, aborrecemos nosso cônjuge e nossos filhos com nossas preocupações de trabalho. Sonhamos com o trabalho. Pois bem, isso é necessário para nos tornarmos hábeis em nossas atividades, para que a atividade profissional e o domínio do ofício se instalem no “corpo e na alma” do trabalhador que, a exemplo de um motorista experiente, não precisa pensar para passar da terceira para a quarta marcha, é um gesto automático, como se o automóvel fosse uma extensão do corpo e trocar a marcha fosse dar um passo a mais durante uma caminhada, iniciativa que o cérebro parece antes obedecer aos instintos do ato de caminhar do que propriamente comandá-los. É facilmente demonstrável que o envolvimento com o trabalho, infelizmente, não se reduz a uma mera sequência no tempo, é toda a subjetividade que é arrebatada nesse movimento, até o mais íntimo do ser. E essa é justamente uma das razões pelas quais é possível o adoecimento em decorrência do trabalho, ou, no sentido oposto, o trabalhar ser transformado em júbilo e realização pessoal, estar na base mesma da identidade do trabalhador (DEJOURS, 2007, p. 17).

O sofrimento diretamente vinculado à organização do trabalho e sua necessária superação são apresentados pelo autor da seguinte forma:

O trabalho implica sempre um confronto com o real, um real que se deixa conhecer por sua resistência a se submeter aos conhecimentos e às diferentes formas de

9 Sobre a grande revolução anunciada no ato mesmo de instituição da psicodinâmica do trabalho – a

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fazer. Este confronto é gerador de sofrimento, um sofrimento que se torna patogênico – comprometendo a saúde – quando o confronto se torna intransponível e leva à repetição constante dos mesmos problemas, dos mesmos fracassos, tornando-se insuportável (DEJOURS, 2008d, p. 352).

O formulador da Psicodinâmica do Trabalho e da Ação propõe duas figuras explicativas do novo referencial teórico de sua contribuição, inspiradas em esquema anteriormente proposto por F. Sigaut sobre a dinâmica da identidade (DEJOURS, 2008, p. 75).

A primeira figura, que o autor chama de “triângulo fundamental”, é o “triângulo da dinâmica da identidade”, no qual o sujeito em situação de trabalho coloca-se diante do real – de forma ativa, uma vez que atua sobre essa realidade – e sua ação é julgada, é reconhecida pelo outro.

Com base justamente nos referenciais anteriormente propostos por Sigaut no “triângulo fundamental”, Dejours reelabora o seu conteúdo propondo-nos o “triângulo da Psicodinâmica do Trabalho”, no qual o real passa a ser a própria situação de trabalho, e:

(...) o sentido que dá acesso ao reconhecimento é o do sofrimento no trabalho, e este é proveniente e consubstanciado em toda situação laboral, pois representa, antes de tudo, encontrar-se diante do conjunto de constrangimentos sistêmicos e técnicos (DEJOURS, 2008, p. 76).

Em seguida, arremata Dejours:

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transformação em prazer pelo reconhecimento. O trabalho oferece amálgama ao conjunto “sofrimento e reconhecimento” (DEJOURS, 2008, p. 76).

A partir desse entendimento sobre o trabalho, a palavra toma um lugar central do processo de intersubjetividade das relações no trabalho nessa transformação do sofrimento pelo reconhecimento. O trabalho passa a ser também trabalho da palavra, o “mundo muscular” transformado em “mundo verbal”, os “comportamentos pragmáticos” passam a ser “comportamentos compreensivos”, segundo Paul Ricoeur (apud KARAM, 2010, p. 128).

A metamorfose desse sofrimento transforma-se em reconhecimento e prazer, mediante o emprego da palavra. Segundo a acepção de Ricoeur, significa que “falar o seu trabalho é aceder à palavra de homem político” (RICOEUR apud KARAM, 2010, p. 128), uma vez mais a praxis arendtiana integra o quadro da centralidade do trabalho no sentido de posicionar o homem como sujeito histórico, no sentido de protagonizar a transformação não apenas da organização do trabalho, mas de ser ator na construção do mundo no qual se situa mediante o seu trabalho, que o filósofo francês denomina como confluência da “civilização do trabalho e civilização da palavra”.

A política, como se pode observar, não está ausente, pelo contrário. Contudo, deixa de ser um cardápio pronto para transformar-se em construção permanente do “Eu” no trabalhar em um mundo concreto, onde o esforço é recompensado pelo reconhecimento. Não é outra a razão de Dejours insistir na denominação de trabalho vivo, um contraponto indispensável à cultura organizacional, esta absolutamente dependente da força presente no trabalho vivo. Não é outra a razão de a grande obra sobre o trabalho de Dejours ter por título

travail vivant (trabalho vivo), ainda sem tradução no Brasil. Afirma Freitas (2007, p. 127):

Para Dejours não é possível conceber uma organização do trabalho que não traga sofrimento para os trabalhadores, mas, segundo o autor, há organizações mais favoráveis à superação do sofrimento.

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A mediação da palavra é fundamental nesta construção de si e da contínua transformação dos pressupostos da cultura organizacional que define os ditames laborais. Um conjunto de ação que coincide com a construção do sujeito histórico e da civilização na qual se vive.

2.2.1 Principais conceitos em Psicodinâmica do Trabalho

Todo trabalho tem a resistência do real e a experiência do real é afetiva, pois que trabalhar é sempre fracassar, sofrer. O sujeito trabalhador tem que fazer frente ao real até descobrir ou inventar a solução, ou seja, reconhecer, assumir o sofrimento e resistir ao fracasso, acrescentando ao prescrito para realizar a tarefa – o que Dejours conceitua como “trabalho vivo”. O sofrimento é assim entendido como o modo fundamental pelo qual se dá o trabalho. Trabalhar é mais que produzir, é transformar a si mesmo.

O ideal de saúde orienta as condutas individuais e coletivas no ambiente de trabalho. A normalidade, aqui entendida como aceitabilidade, constitui um compromisso pelo qual se luta diariamente. Advoga Dejours (2004), que os homens não são passivos ante os constrangimentos organizacionais, são capazes de se protegerem dos efeitos nocivos sobre sua saúde mental. Assim, a normalidade passa a ser o objeto de estudo da Psicodinâmica do Trabalho em contraponto à Psicopatologia do Trabalho. Nesta dissertação, a saúde é entendida, de acordo com a definição proposta por Mendes e Ferreira (2003), como sendo um processo de busca permanente dos trabalhadores pela integridade física, psíquica e social nos contextos de trabalho. A possibilidade de saúde é obtida à medida que os trabalhadores conseguem dispor de estratégias de mediação individual e coletiva para dar conta das diversidades do contexto de trabalho.

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O Contexto de Trabalho apresenta-se como o cenário onde se desenvolvem as significações psíquicas e a construção de relações intersubjetivas, designadas relações socioprofissionais, possibilitadas pelas condições de trabalho e mediadas pela organização do trabalho.Esse cenário possibilita o fortalecimento da singularidade do sujeito.

O contexto de trabalho, nas suas três dimensões (organização do trabalho, condições de trabalho e relações socioprofissionais), influencia o prazer e o sofrimento, que são constitutivos da subjetividade do trabalho. São vivências que retratam o sentido dado ao trabalho como resultante da interação entre condições subjetivas (dos sujeitos), e objetivas (da realidade de trabalho). Neste contexto, o trabalhador despende energia, individual e coletivamente, na busca de dar conta da realização da atividade. Sendo assim, ele poderá vivenciar prazer e/ou sofrimento. Caso predomine o sofrimento, poderá utilizar-se de estratégias de mobilização ou defensivas ou operatórias.

O contexto de trabalho caracteriza-se pela organização, condições e relações de trabalho, conforme estudo realizado por Ferreira e Mendes (2003) com auditores-fiscais da Previdência Social Brasileira. Segundo os autores, a organização do trabalho é constituída pelos elementos prescritos (formal ou informalmente) que expressam as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho presentes no lócus de produção e balizam o seu funcionamento.

Na concepção de Dejours (1992, p. 25), a dimensão organização do trabalho carrega consigo a divisão do trabalho; o conteúdo da tarefa – na medida em que ele dela deriva –; o sistema hierárquico; as modalidades de comando; as relações de poder; as questões de responsabilidade. Freitas (2006, p. 102) acrescenta a estas a produtividade esperada – metas, qualidade, quantidade –; as regras formais – missão, normas, dispositivos jurídicos, procedimentos –; tempo – duração da jornada, pausas, turnos –; controles – supervisão, fiscalização, disciplina; ritmos – prazos e tipos de pressão.A organização do trabalho tem um impacto direto sobre o funcionamento psíquico, enquanto as condições de trabalho atuam sobre a saúde física do sujeito trabalhador.

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Matéria-prima: objetos materiais/simbólicos; Suporte organizacional: remuneração, desenvolvimento de pessoal e benefícios.

As relações socioprofissionais são constituídas pelos elementos interacionais que expressam as relações interpessoais presentes no cenário de trabalho e caracterizam sua dimensão social. Os elementos que integram essa dimensão são os seguintes: Interações hierárquicas: chefias superiores; Interações coletivas intra e intergrupos: membros da equipe de trabalho, membros de outros grupos de trabalho, e Interações externas: usuários, consumidores, representantes institucionais.

Freitas (2006, p. 104) constata que a atividade de trabalho é um processo dialético: de um lado, o sujeito trabalhador, que dá sentido ao que faz; de outro, as situações de trabalho, as quais impactam sobre as percepções desse trabalhador em relação a todo o contexto de trabalho. Diante dessa dialética, o trabalhador pode ter vivências de prazer e/ou sofrimento. As vivências de sofrimento podem se expressar pelos males causados no corpo, na mente e nas relações socioprofissionais; portanto, as suas causas advêm do contexto de trabalho.

O sofrimento pode constituir um indicador de saúde, pois, para além de ser uma vivência de afetos dolorosos, é um mobilizador para as mudanças das situações que fazem sofrer, quando é ressignificado pelo uso eficaz de estratégias de mediação oportunizadas por determinado contexto de trabalho. “Se o sofrimento não é acompanhado por uma descompensação psicológica, é porque contra ele o sujeito emprega defesas que lhe permitem controlá-lo” (DEJOURS, 2008, p. 35).

Freitas (2006, p. 104) revela que o sofrimento no trabalho é compreendido por meio de vivências simultâneas de esgotamento emocional e falta de reconhecimento. O esgotamento emocional se expressa por vivência de frustração, insegurança, inutilidade e desqualificação diante das expectativas de desempenho, gerando esgotamento, desgaste e estresse. A falta de reconhecimento se traduz pela vivência de injustiça, indignação e desvalorização pelo não reconhecimento do seu trabalho.

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transformar em criatividade, traz uma contribuição para a identidade; acaba por aumentar a resistência do sujeito ao risco de adoecimento psíquico ou somático. O trabalho, então, funciona, nesse caso, como um mediador de saúde.

O sofrimento se localiza, portanto, entre a saúde e a patologia. Isso quer dizer que a existência do sofrimento não implica patologia. Além disso, o prazer-sofrimento pode conviver nas situações de trabalho e, mesmo assim, não ser contrário à saúde.

As vivências de prazer, em contrapartida, surgem do amálgama que o trabalho traz para o corpo, a psique e as relações interpessoais. As suas causas originam-se das dimensões que estruturam o contexto de trabalho. As vivências de prazer manifestam-se por meio da gratificação, da realização, do reconhecimento, da liberdade e da valorização no trabalho. As vivências de prazer constituem-se como um dos indicadores de saúde no trabalho, por possibilitarem a estruturação psíquica, a identidade e a expressão da subjetividade no trabalho, de modo a viabilizar as negociações, a formação de compromisso e a ressonância entre o subjetivo e a realidade concreta de trabalho.

Sznelwar (2008c, p. 37) afirma que o prazer no trabalhar permite considerar que o trabalho não é uma desgraça socialmente determinada, mas pode, de fato, ser um edificador das identidades individuais e coletivas. Mais uma vez, a Psicodinâmica do Trabalho adaptou conceitos provenientes da Psicanálise na luta para valorizar o trabalho frente a um certo menosprezo deste no mundo da produção e na sociedade. A relação dialética entre prazer e sofrimento – na construção do sujeito – encontra também suas origens nas ideias de Freud.

O contexto de trabalho tem uma relação direta com o prazer e o sofrimento, que são constitutivos da subjetividade do trabalho. São vivências que retratam o sentido dado ao trabalho como resultante da interação entre condições subjetivas e objetivas. Neste contexto, o trabalhador despende energia, individual e coletivamente, na busca de dar conta da realização da atividade. Sendo assim, ele poderá vivenciar prazer e/ou sofrimento.

Dejours e seus pares do Conservatoire National des Arts et Métiers (Cnam), ao estudarem situações concretas de trabalho, geradoras de elevado nível de sofrimento psíquico, constataram que, apesar do sofrimento, a maioria não adoecia; ao contrário, desenvolvia estratégias contra o sofrimento engendrado pelos constrangimentos do trabalho e continuava trabalhando.

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contradições presentes no contexto de trabalho que podem resultar em sofrimento, buscam garantir o predomínio de vivências de prazer, bem como transformar as dificuldades do contexto de trabalho, de maneira a assegurar a integridade física, psicológica e social dos trabalhadores.

Molinier (2004) propõe que as estratégias coletivas de defesa são centradas em um universo simbólico partilhado que tira sua consistência do fato de ser organizado por crenças ou atitudes que reduzem a percepção das realidades suscetíveis de gerar sofrimento.

A busca diuturna da saúde mental não depende apenas do talento de cada pessoa, que utiliza seus mecanismos de defesa para fazer frente ao sofrimento, mas também das estratégias coletivas de defesa, que desempenham um papel fundamental nas possibilidades de cada indivíduo em fazer resistência aos efeitos deletérios do sofrimento no trabalho.

Dessa forma, as estratégias de mediação visam tornar possível a superação, a ressignificação e/ou transformação do sofrimento no trabalho, proporcionando a predominância de vivências de prazer e saúde no trabalho.

Para fazer frente aos constrangimentos oriundos da organização do trabalho, o indivíduo utiliza do recurso da mobilização subjetiva, que o impele a extravasar os recursos de sua inteligência e de sua personalidade. Este recurso viabiliza a administração coletiva da organização do trabalho, posto que afasta a possibilidade de adoecimento psíquico e minimiza a necessidade do uso de estratégias defensivas.

Dejours (2006, p. 23), entende que a mobilização tem sua principal fonte de energia não na esperança de felicidade, pois sempre duvidamos dos resultados de uma transformação política, mas na cólera contra o sofrimento e a injustiça considerados intoleráveis. Em outras palavras, a ação coletiva seria mais reação do que ação, reação contra o intolerável, mais que ação voltada para a felicidade.

Para Dejours (2004, p. 69), a mobilização subjetiva diante do desafio que constitui a organização do trabalho supõe:

• Esforços de inteligência.

• Esforços de elaboração para a construção de opiniões (a partir da experiência

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cada personalidade) sobre a melhor maneira de arbitrar as contradições e acertar as dificuldades da organização do trabalho.

• Esforços para se inteirar e participar do debate de opiniões necessárias à

deliberação que deve preceder ou acompanhar as escolhas ou as decisões em matéria de organização do trabalho – atividade de discussão às vezes institucionalizada sob forma de reunião de equipe.

A cooperação passa por uma mobilização que deve ser considerada como contribuição específica e insubstituível dos trabalhadores na concepção, nos ajustes e na gestão da organização do trabalho.

2.2.2 Pesquisas em Psicodinâmica do Trabalho

Para este estudo, foram levadas em consideração pesquisas acadêmicas desenvolvidas nos últimos três anos que tiveram como aporte teórico e metodológico a Psicodinâmica do Trabalho e que apresentaram relevância para esta pesquisa. O estado da arte das pesquisas em Psicodinâmica do Trabalho no Brasil mostra um vigoroso crescimento. Porém, seu crescimento não encerra sua importância para o estudo do trabalho, antes, faz-se cada vez mais necessária frente às mudanças na organização do trabalho. Mesmo porque sua metodologia increve-se no modelo da pesquisa-ação (DEJOURS, 2004, p. 89), pois, por sua própria dinâmica, provoca mudanças na situação pesquisada, quando comparada ao estado do objeto de pesquisa antes de iniciada a pesquisa.

Beck (2010) em sua dissertação analisa a dinâmica do prazer/sofrimento dos trabalhadores de enfermagem na Unidade de Emergência (UE) do Hospital Público Cristo Redentor de Porto Alegre (HCR). A pesquisa foi desenvolvida com a participação de trabalhadores convidados aos encontros coletivos, para expressão, análise e interpretação dos efeitos da organização, dos processos e das relações estabelecidas no trabalho em relação à vivência do prazer/sofrimento.

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participação e condução dos processos num tempo/espaço institucional em que convivem modelos contraditórios de produção da saúde, o modelo antigo e hegemônico, hospitalocêntrico, médico centrado e o modelo proposto pelas diretrizes do SUS, reforçado pela PNH. O conflito entre esse modo de organização do trabalho e a subjetividade do trabalhador é gerador de sofrimento psíquico.

Neste contexto é que, individualmente e em equipe, os trabalhadores refletem os efeitos ou ressentem os impactos sobre a sua saúde mental, provocando dor/sofrimento/doença. Ao identificar os fatores promotores de sofrimento, os trabalhadores constroem estratégias coletivas de defesa, eliminando, camuflando ou mesmo minimizando-os. Tanto enfrentam as adversidades do seu trabalho, opondo-se, quanto fazem subsistir espaços de produção de prazer/saúde. A necessidade de se discorrer sobre saúde/doença e prazer/sofrimento vem assumindo diferentes conotações, acompanhadas e/ou regidas pelas configurações sociais, políticas e econômicas que dão sentido às diversas práticas laborais, desde criativas, engenhosas, prazerosas, quanto sofridas, alienantes, estressantes e adoecedoras. Todas, por sua vez, inscrevem-se na cultura e caracterizam, de alguma forma, o mal-estar contemporâneo.

Castro (2010), cujo estudo teve como objetivo investigar as formas de reconhecimento dos guardas municipais, bem como analisar as estratégias defensivas construídas para o enfrentamento do cotidiano do trabalho, verificou que os guardas municipais percebem-se reconhecidos, mas, para que isso ocorra, investem em seu trabalho e nas formas de manutenção deste, como em uniformes e na diferenciação do grupo e de suas funções. Castro também conseguiu apreender os aspectos subjetivos e objetivos do cotidiano do trabalho dos guardas municipais e as estratégias que constroem para se manterem em uma normalidade sofrente.

Pioli (2010) estudou o trabalho analisando a constituição da identidade do diretor de escola e suas transformações nas interações com a organização do trabalho. O autor adotou os conceitos de reconhecimento e estratégias defensivas da Psicodinâmica do Trabalho, de Dejours, para compreender como esses trabalhadores constroem sua autoimagem frente aos ditames, pressões e relacionamentos estabelecidos na organização do trabalho. O autor estudou o sofrimento psíquico e a importância da psicodinâmica do reconhecimento no sentido da autorrealização.

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de São Paulo a partir da década de 1990. Como resultado, apurou que a ausência de uma dinâmica favorável nos processos de reconhecimento tem feito com que os diretores, no registro de sua identidade, absorvam uma autoimagem negativa. A convivência com a impossibilidade de canalizar a energia profissional e de encontrar um sentido de autorrealização no trabalho gera a insatisfação.

Há muita insatisfação e frustração relacionada aos elementos simbólicos do trabalho, ou seja, em relação às expectativas e aos desejos individuais de realizar um trabalho digno em condições favoráveis. O que se constatou, em certa medida, foi a dificuldade desses diretores em canalizar e viabilizar a concretização desse desejo. Os sentimentos de desesperança em relação à carreira, da melhoria das condições de trabalho, enfim, das possibilidades de transformação da organização do trabalho, levam esses trabalhadores ao adoecimento. Tais condições afetam a sua qualidade de vida e o seu trabalho.

Segnini (2010) objetivou, na sua dissertação, analisar a relação entre o trabalhador bailarino e a organização do trabalho em dança, fundamentando-se na teoria da Psicodinâmica do Trabalho. Para tanto, foi realizado um estudo de caso do Balé da Cidade de São Paulo (BCSP), companhia de dança pública, vinculada ao Theatro Municipal de São Paulo. Os procedimentos de pesquisa utilizados foram entrevistas individuais, observação do processo de trabalho e análise documental e bibliográfica. As análises realizadas em Psicodinâmica do Trabalho tiveram como objetivo compreender as implicações da relação trabalho-sujeito para a saúde mental do trabalhador. A teoria referida elaborou categorias analíticas que permitiram a análise da relação dinâmica entre sofrimento e prazer no trabalho. As categorias analíticas da Psicodinâmica do Trabalho relevantes nesta análise foram a inteligência astuciosa no trabalho, as relações de cooperação e confiança no trabalho e as estratégias coletivas de defesa.

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para si mesmo, as questões que surgiram durante o seu desenvolvimento. Certamente, apesar de toda “infidelidade” do meio, os auxiliares psiquiátricos encontram algum sentido em seu trabalho, porém a invisibilidade de suas capacidades renormativas contribui para a sobrecarga dessa categoria.

Lucena (2009), em seu estudo acerca do Programa Saúde da Família – PSF, implantado no Brasil há mais de uma década, observou que a sua implantação e desenvolvimento nos municípios brasileiros, bem como a sua compreensão por parte dos diversos atores envolvidos (gestores, profissionais e população), têm ocorrido de forma variada. A pesquisa analisou a relação entre a atividade de trabalho e a saúde das enfermeiras da ESF dos distritos sanitários I, III, IV e V, em João Pessoa – PB. O estudo teve como objetivos específicos: investigar as condições e a organização do trabalho; identificar as regulações das atividades desenvolvidas pelas enfermeiras; analisar as vivências de sofrimento e prazer e os processos de adoecimento vinculados a esse tipo de atividade de diferentes distritos sanitários, que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa. A análise dos dados produzidos foi a de conteúdo temática.

Foi percebido que, nas Unidades de Saúde da Família (USF), as enfermeiras desenvolveram múltiplas atividades no campo da assistência, da gerência e da educação/formação, o que ampliou a sua responsabilidade. Dessa forma, foram inúmeras as ações assumidas, tais como: serem capazes de identificar as necessidades sociais de saúde da população sob a sua responsabilidade; intervirem no processo saúde/doença dos indivíduos, da família e da coletividade; assumirem o papel de mediação entre os diversos membros da equipe de saúde da família, dentre outros. A atividade de trabalho da enfermeira também estabeleceu uma relação de interdependência com atividades de outros profissionais da saúde externos às USF, como as policlínicas e os hospitais. Ressaltou-se que, apesar de um conjunto de procedimentos estarem sob a responsabilidade da enfermagem, muitas vezes lhe era negada autonomia em importantes decisões.

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em fazer o que gostam, manifestaram com frequência sua impotência e frustração por estarem “na linha de frente” da prestação do serviço de atenção à saúde da comunidade, e não terem suas exigências correspondidas, por mais que se esforçassem. As atividades que realizavam traziam as suas dificuldades e pareciam sobrecarregar o cotidiano de trabalho, tornando o trabalho extremamente desgastante.

Bottega (2009) realizou um estudo intitulado: “Loucos ou heróis: um estudo sobre prazer e sofrimento no trabalho dos educadores sociais com adolescentes em situação de rua”. A metodologia utilizada para investigação do prazer e/ou sofrimento no trabalho de educadores sociais foi a Psicodinâmica do Trabalho. Foi verificado nesse estudo que esses profissionais são trabalhadores que tiveram sua formação construída em relação direta às transformações ocorridas, historicamente, nas políticas públicas para a infância e adolescência no país, sendo afetados por elas e transformando seu fazer, a partir da vivência prática no trabalho.

Nesse estudo, constatou-se que há um esvaziamento nos vínculos de confiança e cooperação entre os pares, não possibilitando a construção coletiva de superação das dificuldades encontradas. Para todos, nesse grupo estudado, é muito importante a manutenção de um espaço público de discussão, que possa qualificar o trabalho e construir relações baseadas na confiança e cooperação, como forma de transformar as situações de trabalho, criando novos modos de trabalhar e de promover saúde.

Martins (2009) buscou, em seu estudo, analisar a percepção de docentes de uma Instituição de Ensino Superior privada de Belo Horizonte sobre a vivência de prazer e sofrimento no trabalho, que envolve a Psicodinâmica nesse ambiente. O Inventário de Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA), utilizado na pesquisa, indicou que a maioria de resultados variou de críticos a graves, com base nos depoimentos colhidos nas entrevistas denotando aspectos pertinentes ao sofrimento associados a elementos de precarização no trabalho. Verificou-se que organização do trabalho causava mais sofrimento para os docentes pesquisados do que as relações socioprofissionais, que, por sua vez, precediam em importância as condições de trabalho propriamente ditas.

Referências

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