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ENTRE LAÇOS, TRAMAS E VONTADES: AS RELAÇÕES FAMILIARES DE ESCRAVOS E LIBERTOS NA PELOTAS OITOCENTISTA DO SÉCULO XIX

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ENTRE LAÇOS, TRAMAS E VONTADES: AS RELAÇÕES FAMILIARES DE ESCRAVOS E LIBERTOS NA PELOTAS OITOCENTISTA DO SÉCULO XIX

(1830/1850)

Natália Garcia Pinto

1

UNISINOS nataliag.pinto@gmail.com

Resumo: Em se tratando da cidade de Pelotas, alguns trabalhos foram feitos em torno das experiências e vivências de escravos. Porém, sobre o estabelecimento de laços familiares ainda nada fora realizado. Tal carência pode talvez ser explicada em virtude da orientação de alguns autores, que acreditavam que a dominação senhorial teria sido tão absoluta, que não foi possível aos cativos a formação e consolidação de laços familiares entre os escravos. No entanto, não trilharemos o mesmo caminho destes autores, pois nossa pesquisa visa perscrutar a formação de laços de parentesco entre os cativos, apontando os escravos como sujeitos construtores de suas malhas, até onde lhes foi possível criarem elos familiares consangüíneos ou não com os distintos estratos da sociedade estudada à revelia de seus proprietários.

Palavras-Chave: compadrio, escravos, casamentos.

Aos vinte e três do mês de julho do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1831, na freguesia de São Francisco de Paula, atual cidade de Pelotas, celebrou-se o ato religioso do batismo no oratório da charqueada de Boaventura Rodrigues Barcellos

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, situada às margens do canal São Gonçalo. Os primeiros escravos a receberem os santos óleos foram Sabino e Ivo, escravos adultos que foram identificados pelo pároco como naturais da costa. Os padrinhos de ambos os escravos do comendador Boaventura foram Cosme e sua mulher Theodora, ambos pardos e cativos do mesmo charqueador.

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Neste mesmo oratório a família dos pretos da costa Joaquim e Joaquina, batizou seu filho, o pequeno Bonifácio, crioulo nascido a pouco mais de um mês, no dia 11 de

1

Mestranda do PPGH UNISINOS. Bolsista CNPQ. Orientanda do professor Dr. Paulo Roberto Staudt Moreira.

2

Sobre os Rodrigues Barcellos, ver: MENEGAT, Carla. Domingos José de Almeida. O estadista da República Domingos RioGrandense ( o casal José de Almeida e Bernardina Rodrigues na Revolução Farroupilha). Curitiba, Instituto Memória, 2010.

3

Livro 01 de Batismo de Escravos, folha 179. Arquivo Cúria Metropolitana de Pelotas.

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junho do ano de 1831. Foram padrinhos de Bonifácio os escravos Nicolau e Thereza, escravos do irmão do comendador Boaventura, Bernardino Rodrigues Barcellos.

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E por fim, no mesmo dia vinte três de julho recebeu as bênçãos batismais Custódio pardo nascido em Janeiro do mesmo ano, filho natural de Nazária preta da costa, africana. No assento o nome do pai de Custódio não fora declarado. Os pais espirituais do pardo Custódio nada mais, nada menos, foram Heliodoro Azevedo de Souza, um homem abastado da sociedade pelotense de outrora e sua irmã Gabriela Bernardina de Azevedo.

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Por sua vez, no ano de 1835 o casal João Mina (escravo de Manuel Antonio Pereira) e Antonia Luisa de Oliveira (preta forra) foi até a Catedral de São Francisco de Paula para o batismo de sua filha legítima, a pequena Joana (crioula), neta materna de Pedro Antonio (Cabinda) e Guiomar Antonia (Cabinda). Teve como padrinhos os escravos Faustino e Joaquina.

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Durante um determinado tempo o estudo das relações familiares entre escravos fora relegado a um segundo plano, seja pelos pesquisadores considerarem impossível diferenciar o parentesco dos cativos do dos senhores (como no caso de Gilberto Freyre), seja por considerarem que os negros escravizados não conseguiram escapar da posição de vítimas. A denúncia da violência do cativeiro não era compatível com a percepção dos laços afetivos que abundaram entre a população negra (escrava e liberta). Contudo, em meados da década de 80, próximo ao centenário da abolição da escravatura, há um deslocamento de territórios e objetos na historiografia da escravidão, colocando no centro da investigação o homem comum, conforme as palavras de Hebe Mattos.

7

Nesse rol de mudanças no campo historiográfico e na revolução das fontes, se insere as novas abordagens sobre a constituição de famílias cativa. Segundo Mattos os registros de batismo, casamentos e óbitos de escravos foram explorados para de forma a ampliar não apenas os conhecimentos sobre questões clássicas da história demográfica, mas também as temáticas abordadas a partir das fontes paroquiais, como formas de parentesco ritual, práticas de nominação entre cativos e as relações entre estabilidade familiar e tamanho

4

Livro 01 de Batismo de Escravos, folha 179. Arquivo Cúria Metropolitana de Pelotas.

5

Livro 01 de Batismo de Escravos, folha 179. Arquivo da Cúria Metropolitana de Pelotas.

6

Livro 04 de Batismo de Livres, folha 95v. Arquivo da Cúria Metropolitana de Pelotas.

7

CASTRO, Hebe de Mattos. O Olhar do historiador- Territórios e deslocamentos na história social da

escravidão no Brasil. A História e seus territórios: Conferências do XXIV Simpósio Nacional de História

da ANPUH. Orgs. Flávio Heinz; Marlusa Marques Harres. São Leopoldo: Oikos, 2008. p. 51.

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das escravarias.

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Nesse sentido, verifica se relevantes avanços na historiografia atual sobre os estudos a escravidão em terra brasilis. Sob diversos ângulos muitos historiadores têm enfocado os complexos universos sociais da escravidão, como sociabilidades, práticas de cura e os arranjos familiares.

Em relação aos arranjos familiares de escravos, o compadrio tem sido um lócus privilegiado de análises entre os historiadores dedicados ao tema. Usando as descrições das cenas anteriormente relatadas sobre os batismos de escravos, lanço as seguintes questões. Como se daria a escolha dos padrinhos das crianças e dos escravos adultos?

Seriam os próprios escravos que decidiam quem seriam os pais espirituais de seus filhos ou apenas a voz do senhor teria peso sobre tal escolha? E para os africanos que aportavam em solo estranho como se dava tal apadrinhamento? Caso ainda mais instigante seria o do escravo João Mina casado com a forra Antonia Luisa de Oliveira.

A quem caberia a escolha dos padrinhos de seus rebentos? Essas questões nortearam a construção do presente artigo, com o intuito de trazer à tona algumas elucidações a respeito do tema, ou mesmo mais interrogações sobre o mesmo, pois não almejo ter uma resposta pronta e rígida em relação à temática.

Segundo Rocha, o parentesco ritual, como o casamento e o compadrio, pode revelar-nos elementos relativos às expectativas dos cativos diante da família, que não são percebidos através do parentesco consangüíneo. Isso porque aquele envolve os mecanismos de escolha que este não possui.

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Para a autora, cabia aos cativos tanto a escolha de seus conjugues quanto a de seus compadres. Também parto do pressuposto de que os escravos escolhiam com quem manteriam uma união seja ela consensual, seja ela legítima, além de decidirem quem seriam padrinhos de seus filhos. Mas sempre levando em conta que os escravos “portavam lógicas individuais, coletivas e ativas de resposta ao cativeiro. No que lhes foi possível, criaram situações que permitiram compor uma identidade social à revelia dos senhores. Ao mesmo tempo, tal composição ia até certo limite”

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, uma vez que o poder do senhor não pode ser desconsiderado.

Porém para tal, é necessário, analisar os registros de batismos. O que as fontes eclesiásticas me apontaram. Ou melhor, que indícios me levam a fazer tal afirmação?

Analisando os assentos de batismos pude constatar que os cativos teceram laços

8

CASTRO, 2008, p. 53.

9

ROCHA, Cristiany Miranda. Histórias de famílias escravas. Campinas: UNICAMP, 2004. p. 121.

10

FARIA, Sheila. A colônia em Movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 292.

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familiares com os distintos estratos sociais da cidade de Pelotas, mas principalmente entre a comunidade escrava. Observando os dados referentes aos filhos legítimos de escravos encontrados nos registros paroquiais, teve-se o seguinte panorama dos laços familiares constituídos pelos casais escravos:

TABELA A – Condição Social dos Padrinhos de filhos legítimos de escravos 1830/1850

Padrinho % Madrinha %

Escravo 47 60,3% 47 61%

Livre 19 24,4% 15 19,5%

Forro 03 3, 8% 04 5,2%

Santa -- -- 01 1,3%

Não Consta 09 11,5% 10 13,0%

Total 78 100% 77 100%

FONTE: Livros 01 e 02 de Batismos de Escravos. Cúria de Pelotas.

Nota se pelas informações da tabela que predominaram os cativos apadrinhando os filhos legítimos de escravos na sociedade pelotense, chegando a um percentual de 60

% em ambos os casos. Por sua vez, os laços tecidos entre a população livre não fora tão expressivo quanto os demonstrados na tabela em relação aos escravos, visto que os padrinhos tiveram índices de quase 25% e as madrinhas quase alcançaram a margem dos 20%.

Brügger constatou em sua pesquisa que em relação à prole legítima, os padrinhos livres sempre predominaram neste universo. A autora relata que no período de 1841 a 1850, os filhos legítimos de escravas tiveram um significativo aumento da opção por padrinhos escravos, mas mesmo assim a preferência pelos livres se fez presente e majoritária.

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Nesse âmbito, temos um cenário distinto pelo apresentado por Brügger em São João Del Rei, visto que em Pelotas predominaram os padrinhos escravos para os filhos legítimos de cativas. Julgo ainda prematuro tecer comentários definitivos, mas pode-se apontar algumas questões, que serão apontadas a seguir. Entretanto, concordo com Sherol Santos quando ela afirma: “No caso do batismo de crianças escravas acreditamos

11

BRÜGGER, Silvia. Minas Patriarcal. São Paulo: Annablume, 2007. p. 290-291.

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que havia a gerência direta dos pais, e por isso a análise das pessoas escolhidas serve- nos como janela para entender um pouco mais sobre o processo de constituição das famílias espirituais” (2008, p. 157). Analisando as informações referentes aos filhos tidos pela ilegitimidade frente aos olhos da Igreja, pode-se observar novamente certa preferência por padrinhos escravos, como mostra a tabela abaixo:

TABELA B – Condição Social dos Padrinhos e Madrinhas de filhos ilegítimos de Escravas na cidade de Pelotas 1830/1850

Padrinho % Madrinha %

Escravo 815 51,4% 909 58,5%

Livre 432 27,3% 289 18,6%

Forro 85 5,4% 109 7,0%

Santa 11 0,6% 45 2,9%

Não consta 242 15,3% 202 13,0%

Total 1585 100% 1554 100%

FONTE: Livros 01 e 02 de Batismo de Escravos da Catedral São Francisco de Paula.

Como dito anteriormente, pode se afirmar certa preferência por padrinhos escravos. Em Caminhos Cruzados, o historiador Simei Petiz, analisando a Fronteira Oeste do Rio Grande, verifica padrões diferentes de apadrinhamento da de Slenes, Gudeman e Schwartz. Ali, nos batismos de filhos de escravos observa-se que entre as possíveis combinações de condição social dos casais de padrinhos, aquelas onde ambos são escravos, ocorreriam com uma leve superioridade frente aos livres. Em que pesem as pequenas diferenças entre um período e outro, a tendência demonstrada é de que havia uma preferência dos escravos da região por estabelecer relações de compadrio com outros escravos.

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Interessante destacar que, para além de constatar que na cidade de Pelotas, entre 1830 a 1850, os pais das crianças escravas (sejam elas legítimas, sejam elas ilegítimas) escolhiam padrinhos do mesmo status, em sua grande maioria, é tentar apreender as relações sociais ou redes que esses cativos teceram com os distintos grupos sociais

12

PETIZ, Silmei. Caminhos cruzados: famílias e estratégias escravas na Fronteira Oeste do Rio Grande

de São Pedro (1750-1835). Tese de Doutorado. PPG de História UNISINOS, 2009. p. 209-210.

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daquela sociedade de outrora, visto que os laços de compadrio se estenderam aos livres e forros também.

Por exemplo, os casos apresentados no início do artigo. O casal de africanos Joaquim e Joaquina teceu laços com outros escravos, porém estes não eram do mesmo plantel de seu proprietário, e sim do irmão deste. Nota se, portanto, certa autonomia e mobilidade espacial do casal ao escolher os padrinhos de seu rebento. Por outro lado, a escrava Nazária também africana optou por outra relação de compadrio ao escolher os pais espirituais para seu filho Custodio pardo. Tal escrava fizera uma aliança social com pessoas livres e de posses significativas na localidade. O que levariam a constituição de laços sociais e familiares com grupos tão distintos, visto que ambos os cativos pertenciam a uma mesma escravaria, a do Comendador Boaventura Rodrigues Barcellos. Evidentemente, nota se que era necessário que os cativos tivessem uma noção de bando a que pertencia seu senhor, seus antagonistas e aliados, na hora de escolher eventuais padrinhos. A composição redes sócio-familiares por parte dos cativos não podia desconsiderar os limites e as tramas tecidas pelos seus senhores: a agência escrava tinha que ser praticada com esperteza e sensibilidade.

Talvez o casal de africanos Joaquim e Joaquina objetivassem afirmar laços de amizade entre os parceiros de infortúnio. Como afirma Brügger, “a escolha de padrinhos pelos cativos aparecia, assim, como fundamental a suas pretensões de alianças sociais no cativeiro” (2007, p. 291). Por sua vez, a africana Nazária pretendia ao realizar uma aliança social com o segmento livre proteção para seu filho ou para si, talvez uma futura alforria para Custódio ou mesmo que este recebe algum legado de seus padrinhos quando o momento da morte se fizesse presente. Conforme evidencia Slenes, isso acontecia devido à “necessidade, num mundo hostil, de criar laços morais com pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos filhos” (1997, p. 271).

Mas uma dúvida ainda paira no ar. E com relação aos escravos adultos africanos.

Seriam eles ou os senhores a decidirem seus padrinhos? A tabela a seguir pode dar algumas pistas a respeito das relações de compadrio desses escravos:

TABELA C – Condição Social dos Padrinhos e Madrinhas de Escravos Adultos Africanos (1830/1850)

Padrinho % Madrinha %

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Escravo 394 78,8% 356 82%

Livre 30 6% 15 3,5%

Forro 32 6,4% 27 6,2%

Santa 00 02 0,5%

Não consta 44 8,8% 34 7,8%

Total 500 100% 434 100%

FONTE: Livro 01 e 02 de Batismo de Escravos da Catedral São Francisco de Paula

Pelos resultados apresentados pela tabela acima, verifica-se uma predominância de padrinhos escravos. Por sua vez, tanto padrinho como madrinha livres tiveram pouca expressividade. Schwartz em Escravos, Roceiros e Rebeldes relata que no contexto do catolicismo, o batismo era a principal maneira de tornar qualquer indivíduo, escravo ou livre, membro de uma sociedade cristã. Além disso, cabia ao proprietário a responsabilidade do batismo de escravos.

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O autor afirma ainda “que os escravos adultos do Brasil raramente tinham padrinhos livres” (2001, p. 275).

Como demonstra a Tabela C, percebe se que diante das relações estabelecidas pelo compadrio, a população livre não teve uma participação significativa nos batistérios de escravos africanos. No entanto, deve se fazer uma ressalva, pois comumentemente a historiografia de estudos sobre a escravidão brasileira corrobora a idéia de que os padrinhos para os escravos adultos eram escolhidos por seus senhores.

Considero tal hipótese plausível, visto que o proprietário ao gerenciar o apadrinhamento dos africanos possivelmente escolheria um escravo antigo de seu plantel para ajudar o novo companheiro a se integrar na escravaria a qual acabara de chegar. Porém, mesmo que seja ínfima a parcela de padrinho e madrinha do segmento livre para esses sujeitos históricos, creio que este resultado mostre outra faceta das relações sociais estabelecidas na pia batismal em relação aos escravos adultos. Talvez esses cativos tivessem certa mobilidade espacial ou autonomia para escolher quem os apadrinhar. O levantamento de dados mostrado na tabela indica que os laços de compadrio entre africanos também foram tecidos entre os forros na sociedade de Pelotas. Deste modo, acredito que as alianças sociais realizadas na pia batismal da Catedral São Francisco de Paula para os cativos africanos, revelam algo além da simples escolha de um padrinho feito por

13

SCHWARTZ, Stuart. Escravos, Roceiros e Rebeldes. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. p. 261-262.

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intermédio de seu amo. Nesse âmbito, é necessário, considerar que a escolha partia do próprio escravo adulto.

Outrossim, tem se que inserir na análise a escolha por parte dos padrinhos e não só dos apadrinhados, principalmente quando os que recebiam os santos óleos eram adultos. Se durante a vigência do tráfico internacional a chegada de um novo indivíduo na senzala podia trazer conflitos, com a inserção na comunidade negra já estabelecida de um potencial inimigo ou adversário, o batismo podia significar um momento de apaziguamento e inserção do novo indivíduo. Pode-se conjecturar que cativos experientes da comunidade negra local, agindo enquanto líderes de seus parceiros, se ofereciam para apadrinhar recém chegados, pois com isso diminuíam os riscos de conflitos internos e, ao mesmo tempo, reforçavam suas próprias redes de alianças.

Relevante também se pensar como se dariam as escolhas entre os filhos de escravos forros. Seriam escolhas distintas das dos parceiros ainda subjugados ao cativeiro? A tabela logo a seguir pode esclarecer essas dúvidas:

TABELA D – Condição Social dos Padrinhos e Madrinhas de Pais Forros em Pelotas 1830/1850

Padrinho % Madrinha %

Escravo 23 19,9% 09 8,5%

Livre 68 58,6% 49 46,2%

Forro 05 4,3% 12 11,3%

Santa -- -- 04 3,8%

Não Consta 20 17,2% 32 30,2%

Total 116 100% 106 100%

FONTE: Livros 03, 3B, 04, 05 e 06 de Batismo de Livres da Catedral São Francisco de Paula

É notório salientar a diferença entre esta tabela e as anteriores, visto que padrinhos e madrinhas de condição social livre se sobrepunham aos de condição cativa.

Significativo salientar que, nesta Tabela D, estão os dados referentes tanto aos filhos

tidos como naturais pelas mães cativas forras quanto pelos filhos legítimos de casais

libertos, ou em que um dos conjugues pelo menos fosse forro. Isso deve pela

amostragem pequena durante os 20 anos pesquisados, pois os assentos de batismos de

crianças escravas filhas de cativas libertas estavam nos registradas nos livros da

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população livre da cidade de Pelotas, portanto, separados dos registros de batismos dos cativos.

Percebe se pelos resultados da tabela que os pais das crianças teceram laços verticais, uma vez que os padrinhos livres foram mais expressivos do que os padrinhos escravos. Além disso, é curioso salientar que entre os compadres e comadres do segmento forro também teve pouca expressividade. Possivelmente, os pais dos infantes estariam almejando alianças sócias com pessoas de condição social superior na tentativa de inserirem se nesse mundo dos livres, ficando distantes do mundo do cativeiro. Em sua análise para São João Del Rei, Brügger afirma que as madrinhas cativas foram extremamente minoritárias, reforçando a idéia de que os pais buscavam estabelecer, através de suas escolhas, alianças “para cima”.

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Fato que se pode observar também na sociedade pelotense. As alianças com os livres foram privilegiadas pelos pais forros nas suas relações de compadrio no período analisado.

Mas e em relação aos casamentos de escravos, a quem caberia a escolha do conjugue? Através dos registros de casamentos de escravos e ex-escravos se possa vislumbrar os mecanismos de escolhas realizados por esses sujeitos históricos. Com quem se casavam? Predominavam uniões endogâmicas ou mistas na cidade de Pelotas de outrora entre os cativos? O que os levariam a oficializar suas uniões perante os

“olhos da Igreja?

Maísa Cunha explana que o ato de casar é eminentemente social. A escolha de um cônjuge não se restringe a uma necessidade biológica de reproduzir-se, mas envolve imperativos sócios culturais que vão desde a cor, origem condição social (em uma sociedade escravista), nível de riqueza, a posição social dos indivíduos. O casamento, além de legitimar a prole advinha da união de um casal, pode abarcar estratégias sociais como casamentos realizados entre parentes no seio de uma elite econômica para a manutenção dos bens, e mesmo a sobrevivência entre os mais empobrecidos.

15

Nesse âmbito, tomando a argumentação da autora, o que levavam os escravos a casarem? Casavam para terem um reconhecimento social ou para galgarem espaços de barganha na sociedade? Tentando responder essas indagações pesquisei os assentos de

14

BRÜGGER, 2007, p. 301.

15

CUNHA, Maísa. Fogos e escravos da Franca do Imperador no século XIX. Dissertação de Mestrado.

Campinas: UNICAMP, 2005, p. 143.

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casamentos de escravos e negros libertos da cidadela de Pelotas, onde pude ter o seguinte quadro:

TABELA E – Condição social dos noivos, 1830/1850

Total %

Escravos 58 62,4%

Forros 24 25,8%

Escravo/Forro 04 4,3%

Escravo/Livre 01 1,0%

S/I 06 6,5%

Total 93 100%

FONTE: Livro 01 e 02 de Batismos de escravos; Livros 1 A E 2 de Casamentos de Livres, Cúria Metropolitana de Pelotas.

Significativo ressaltar que nesta Tabela E estão inseridos os dados dos registros de batismos de filhos legítimos de escravos, devido que o Livro de Casamentos de Escravos fora encontrado sem as folhas com os respectivos registros. Por outro lado, os casamentos referentes aos forros e entre estes e os cativos foram localizados nos Livros da população livre da cidade.

Observando as informações presentes na tabela, nota-se que grande parte dos casamentos, no período analisado, se deu entre um escravo e uma escrava. Cunha encontrou um quadro semelhante a respeito dos casamentos em Franca, São Paulo. Pois, dos casamentos realizados na Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Franca, a grande maioria (88%) uniu um escravo a uma escrava.

16

Interessante apontar que, destas 58 uniões, apenas um casamento se deu entre escravos de plantel diferente.

Schwartz em seu estudo sobre a Bahia no período colonial destaca um dos empecilhos para a união de escravos nos engenhos baianos era a proibição feita pelos senhores quanto a casamentos de cativos de propriedades diferentes. No entanto, essa tentativa de proibir as uniões não obteve total sucesso, visto que os escravos encontravam espaços de manobras para terem suas vontades escutadas, podendo até modificar o rumo de suas vidas, conforme a negociação feita com seu proprietário. É o que o autor evidencia em

16

CUNHA, Maísa. Demografia e família escrava. Franca, SP, Século XIX. Tese de Doutorado.

Campinas, UNICAMP, 2009. p. 85.

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seu texto ao comentar que os escravos tinham meios de tornar conhecidos seus desejos.

Bajulavam, barganhavam ou simplesmente recusavam se a cooperar, muitas vezes defrontando se com a punição severa. Os senhores às vezes achavam mais fácil ou mais prático anuir aos desejos dos escravos do que ignorá-los.

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Nota se, portanto um campo de negociações entre escravos e senhores na tentativa de conciliar seus espaços e vontades.

Percebe-se também pelos resultados da Tabela E, de que quase 25% das uniões legítimas ocorreram entre ex-escravos. Nesse sentido, qual o significado para as uniões legítimas para escravos e forros naquela sociedade de outrora?

Em relação aos cativos se pode deduzir que o casamento seria vantajoso, pois teriam um companheiro para partilhar as agruras sofridas dentro do cativeiro. Ou como afirma Robert Slenes em Na senzala uma flor relata as vantagens do matrimônio entre escravos, pois este possibilitava o desfrute de uma habitação separada e, conseqüentemente, dormir e comer com parentes, escolher com quem dividir o lar, o fogo, a fumaça – rituais simbólicos – e, a partir da própria organização do lar escravo, preservar memórias, forjar projetos e identidades.

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Deste modo, a família escrava potencializava suas relações sociais baseadas em referências culturais próprias dos cativos de origem africana, assim como colaborava para congregá-los, politicamente, em seus potencias conflitos diários com os senhores, descartando uma estabilidade política, ou melhor, “a paz das senzalas” (Florentino e Goés, 1997).

Castro menciona que ao ter acesso a uma roça própria, a uma moradia separada da senzala coletiva e a própria formação de famílias cativas, aproximavam os escravos de experiências de liberdade. Para a autora, a família e a comunidade escrava não se afirmaram como matrizes de uma identidade negra alternativa ao cativeiro, mas em paralelo com a liberdade.

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Por sua vez, para os libertos o casamento seria uma estratégia de obter respeito ou reconhecimento social perante a sociedade. Segundo Reis, “a legalização de uniões conjugais entre africanos garantia que o cônjuge figurasse como herdeiro legítimo dos bens do casal” (REIS, 2006, p. 289). Além disso, a questão de melhorar de vida, de ter

17

SCHWARTZ, 1988, p. 318.

18

SLENES, Robert. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

19

CASTRO, Hebe Mattos de. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista.

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995. p. 141.

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uma mobilidade social seduzia tanto os libertos quanto os cativos diante da possibilidade de um casamento.

Conforme evidenciou Guedes em seu trabalho atenta para a questão da mobilidade social entre os escravos e libertos em Porto Feliz, São Paulo, pois segundo ele a vontade de melhorar de vida, começava no cativeiro, mediante a família escrava, um dos primeiros, se não o primeiro passo na hierarquia entre os subalternos em uma sociedade escravista.

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Porém, essa mobilidade social que Guedes se refere deve ser entendida como um meio de diferenciação social em meio a iguais, pois a diferenciação começava na condição de escravo, mediante a formação de famílias, o que potencializava a entrada no mundo da liberdade ou recursos escassos no cativeiro.

21

Deste modo, a família se distinguia no meio dos pares, isto é, entre os irmãos de senzalas.

No que tange as uniões mistas obteve o seguinte panorama conforme os dados apresentados na tabela: 4 % de casamentos entre escravos e forros e apenas 1 % de uniões entre escravos e livres. Tal fato pode indicar que os cativos, neste período estudado, optassem por manter relações sociais e amorosas com indivíduos que mantivessem algum elo com o cativeiro, seus ex-parceiros de infortúnios, os forros.

Cunha evidencia que escravos casando-se com ex-cativos indicam que a liberdade destes últimos não se encerrava seu contato com a comunidade cativa, uma vez que este era (re) estabelecido através da união de cônjuge cativo.

22

Sobre a naturalidade dos cônjuges escravos temos o seguinte panorama, conforme a tabela a seguir demonstra:

TABELA F- Naturalidade dos Cônjuges Cativos, 1830-1850, Pelotas

Total %

Africano/Africano 29 50%

Crioulo/Crioulo 05 8,6%

Africano/Crioula 11 19,0%

20

GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, 1798-1850. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2008. p. 125.

21

GUEDES, 2008, p. 315-316.

22

CUNHA, 2005, p. 144.

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Africano/?

23

03 5,2%

Crioulo/?

24

02 3,4%

S/I 08 13,8%

Total 58 100%

Fonte: Livro de Batismos de Escravos 01 e 02. Cúria Metropolitana de Pelotas.

Pelas informações demonstradas na tabela acima, nota-se que a endogamia se fez presente em grande parte dos assentos analisados, visto que 50% das uniões legitimadas um cativo africano unira-se a uma cativa africana. No que concerne aos crioulos apenas fora encontrado um percentual ouço expressivo de 8,6 % de uniões.

Além disso, notório comentar em relação às uniões mistas entre africanos e crioulos, encontrou-se uma significativa amostragem, por volta dos 19 % de uniões legitimadas.

Isabel Reis em seu estudo sobre Famílias negras na Bahia Oitocentista revela que a endogamia por origem também se fez nitidamente notar. No cômputo geral, quase sempre africanos uniram-se a africanos, e crioulos a crioulos.

25

Manolo e Goés ao estudarem o agro-fluminense indicam que “a endogamia por naturalidade era norma”

(1997, p. 148). Possivelmente, a grande presença de endogamia nos registros analisados na cidade de Pelotas possam estar ligados ao expressivo volume de almas que eram transportadas a localidade devido a presença de charqueadas, nas quais o uso de trabalhadores cativos se faziam constante.

26

Algumas considerações

Ao identificar alguns aspectos referentes às relações familiares de cativos e libertos na sociedade Oitocentista de Pelotas, pode-se observar alguns apontamentos referentes à construção do universo social empreendidos por esses agentes históricos.

Parto do pressuposto que cabia aos escravos tanto a escolha de seus compadres quanto a de seus companheiros de vida, maridos e esposas.

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Apenas em um dos cônjuges aparecia a cor ou nada sobre a origem.

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IDEM

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REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A Família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888. Tese de Doutorado. Campinas, UNICAMP, 2007, p. 100.

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Ver ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. Pelotas: escravidão e charqueadas. Dissertação de Mestrado.

Porto Alegre, PUCRS, 1995.

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Ao verificar os registros de batismos de escravos, constata-se que os escravos escolheram, na grande maioria, padrinhos escravos, seja para seus filhos legítimos, seja para os filhos tidos como ilegítimos. Em pese, os cativos ao realizarem tais alianças com seus companheiros de cativeiro, poderiam estar estreitando seus laços de amizade em torno de uma comunidade escrava. Por outro lado, em relação aos filhos de pais forros, teve-se outro panorama, visto que os livres foram, em grande parte, escolhidos como seus compadres. Nesse sentido, as alianças tecidas talvez tivessem o intuito de conseguirem maior proteção aos seus filhos, ao estabelecerem relações com pessoas de condição social à cima das suas.

Nos casamentos verificou-se que além do predomínio, no período abordado, da endogamia entre os cativos, entre estes a maioria pertencia ao mesmo proprietário. Fato que comumente também é destacado pela historiografia da temática. Mas também houve uniões mistas entre escravos/forros, escravos e livres, apesar de serem pouco expressivas, demonstraram um universo complexo e dinâmico das relações sociais e familiares de tais agentes históricos.

Longe de ter todas as respostas as indagações aqui propostas, acredito que alguns apontamentos ainda devem ser realizados tais como, verificar a repetição de determinados padrinhos, sejam eles escravos, sejam eles livres ou forros, para uma compreensão mais apurada do parentesco fictício. Também considero relevante levantar se tais padrinhos, no caso, cativos seriam do mesmo plantel dos pais das crianças ou de outro, para se ter uma dimensão das alianças e relações que os escravos costuraram através do batismo. Além de fazer o cruzamento com outras fontes como, cartas de alforrias, inventários, testamentos, processos-crimes na tentativa de descobrir o universo familiar dessas pessoas analisadas, como definiram suas experiências individuais e coletivas no cativeiro e como redefiniram estratégias de sobrevivência ao tecerem redes em torno do compadrio e do casamento entre escravos e com o resto da sociedade estudada.

Referências Bibliográficas

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Referências

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