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FORMAÇÃO MATEMÁTICA NO CONTEXTO DO CURSO DE PEDAGOGIA

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Josélia Euzebio da Rosa – UNISUL Agência Financiadora: CNPq

Resumo

Investigou-se, na modalidade pesquisa-ação, a formação inicial de professores propiciada por um curso de Pedagogia localizado no sul do Estado de Santa Catarina. O objetivo foi averiguar limites e possibilidades da formação inicial das estudantes no que se refere ao sistema de numeração. As colaboradoras são estudantes da disciplina relacionada ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática. Tanto o Projeto Político Pedagógico do curso quanto o Plano de Ensino da disciplina anunciam-se fundamentados na Teoria Histórico-Cultural. Inicialmente, a compreensão das estudantes limitava-se ao caráter discreto dos naturais, na base dez, em sua significação aritmética. No decorrer da formação, como possibilidades de superação, surgiram as relações entre grandezas contínuas, fundamento para introdução do contexto geométrico dos números reais, a interconexão das diferentes bases numéricas e das significações aritméticas, algébricas e geométricas. Em outras palavras, trata-se do teor científico como possibilidade de superação ao empírico.

Palavras-chave: Formação Matemática. Sistema de Numeração. Curso de Pedagogia. Teoria Histórico-Cultural.

FORMAÇÃO MATEMÁTICA NO CONTEXTO DO CURSO DE PEDAGOGIA A PARTIR DOS FUNDAMENTOS DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

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A pequena quantidade de pesquisas advindas da área de Educação Matemática quanto à formação de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, somada à necessidade cada vez maior de profissionais de nível superior para essa área, justifica a importância de pesquisar esse tema (LOBO DA COSTA; POLONI, 2012, p. 1291).

Shulman (1986) apresentou algumas contribuições para a investigação dos conhecimentos profissionais dos quais os professores devem se apropriar e que fundamentam sua prática, tais como: o conhecimento do conteúdo da disciplina, o conhecimento didático do conteúdo da disciplina e o conhecimento do currículo.

O conhecimento do conteúdo da disciplina envolve os conceitos a serem ensinados. Para Shulman (1986), o professor deve conhecer profundamente o conteúdo da ciência que vai ensinar. O conhecimento didático refere-se à relação entre o conhecimento da matéria de ensino e o conhecimento do modo pelo qual irá ensiná-la. Compreende “[...] as formas mais úteis de representação de ideias, as analogias mais importantes, ilustrações, exemplos, explicações e demonstrações, a forma de representar e formular a matéria para torná-la compreensível [...]” (SHULMAN, 1986, p. 9). Já o

conhecimento do currículo abrange a organização dos conteúdos, o conhecimento dos

materiais, das metodologias e das formas de avaliação. Sem desconsiderar os demais conhecimentos profissionais, o foco, na presente investigação, incide no conhecimento

do conteúdo da disciplina.

Tal opção deve-se a, pelo menos, dois aspectos básicos referentes ao curso de Pedagogia: a reduzida carga horária reservada à Matemática e o modo pelo qual seus estudantes relacionam-se com essa disciplina. Como afirmam Almeida e Lima (2012, p. 461), grande parte dos estudantes do curso de Pedagogia chega ao nível superior “sem saber conhecimentos básicos sobre Matemática”, porém, já ensina ou ensinará Matemática. Desse modo, “[...] é provável que estejam desenvolvendo, nas crianças, os mesmos bloqueios que tiveram quando aprenderam Matemática” (ALMEIDA; LIMA, 2012, p. 461).

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matemática de seus estudantes na disciplina relacionada ao ensino de Matemática nos anos iniciais de escolarização (disciplina com carga horária de 90 horas). Foi em um desses cursos que a presente investigação foi desenvolvida.

A fundamentação teórica assumida no plano de ensino da disciplina é a Teoria Histórico-Cultural, mas sem desconsiderar o parque científico mais amplo no qual a Educação Matemática Escolar está inserida. Uma das principais obras estudadas é de Davýdov1, um dos seguidores de Vygotsky. Juntamente com seus colaboradores, elaboraram uma proposta para o ensino de matemática e a desenvolveram em sala de aula, em caráter investigativo, durante 25 anos, com base nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural. Os resultados desse processo foram publicados em livros didáticos e de orientações ao professor. Com a morte de Davýdov, em 1998, seus seguidores deram continuidade ao trabalho. Atualmente, o material didático mencionado é reelaborado anualmente, com base em novos resultados de investigação.

Para o autor em referência, a criança, ao ingressar na escola, deve se apropriar dos conceitos científicos e, consequentemente, desenvolver o pensamento teórico. Davidov (1988) propõe que as relações entre grandezas discretas e contínuas sejam o ponto de partida para o ensino dos conceitos matemáticos da Educação Básica. A reta numérica constitui um importante elemento mediador no movimento que se inicia a partir das grandezas, até atingir o plano mental.

Outra obra que fundamenta as reflexões realizadas na disciplina é a do pesquisador brasileiro Manoel Oriosvaldo de Moura (USP) e colaboradores, mais especificamente no que se refere à Atividade Orientadora de Ensino. A situação desencadeadora de aprendizagem é um dos elementos que compõem a estrutura da Atividade Orientadora de Ensino, como “um recurso didático que tem por objetivo colocar o sujeito que aprende diante da necessidade do conceito a ser ensinado” (MORETTI, 2007, p. 106).

No entender de Moura et al. (2010, p. 223), “as situações desencadeadoras de aprendizagem podem ser materializadas por meio de diferentes recursos metodológicos”. Dentre estes, destaca-se a História Virtual do conceito, que consiste na narrativa de situações semelhantes àquelas vivenciadas pelo homem e envolve os estudantes em uma situação-problema, cujo fim constitui-se na necessidade de solucioná-la coletivamente (MOURA; LANNER DE MOURA, 1998). Na História

1 No decorrer do texto será utilizada a grafia Davýdov. Porém, ao se tratar de referência, será mantida a

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Virtual são envolvidos personagens infantis, lendas ou personagens da história da Matemática, e uma situação desencadeadora que envolva os estudantes na solução do problema inerente ao contexto da história apresentada.

Diante dessa especificidade, surgem alguns questionamentos: qual a reação dos estudantes do curso de Pedagogia ao se confrontarem com essas proposições de ensino, diferentes daquelas que vivenciaram durante sua formação básica? Quais as dificuldades? Quais as facilidades? Enfim, quais as possibilidades de desenvolver tais proposições no curso de Pedagogia? A partir destes, elaborou-se o principal problema a ser investigado: quais os limites e possibilidades do processo de formação matemática, fundamentado nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, no contexto de um Curso de Pedagogia?

Vinte e quatro estudantes matriculadas na disciplina relacionada ao ensino e aprendizagem da Matemática no segundo semestre de 2013 participaram da pesquisa. No decorrer do texto, a fim de preservar a identidade das mesmas, serão denominadas pela letra E, de estudante e, em subscrito, um número aleatório (E1, E2, E3,... E24).

A metodologia adotada privilegia a pesquisa qualitativa. Dentre as várias modalidades propostas no campo da educação, optou-se pela pesquisa-ação, uma vez que a pesquisadora também é docente da disciplina. De acordo com Franco (2012), esta modalidade pode ser tanto uma alternativa metodológica de pesquisa quanto uma prática pedagógica. Isto porque, de acordo com a modalidade de pesquisa adotada,

ao pesquisar a prática educacional, fazendo uma reflexão, passamos a ter percepção de como ela ocorre, podendo redirecioná-la. Refletimos sobre a prática, no sentido de julgá-la, e assim, procuramos práticas e atitudes. Agir, ao mesmo tempo que se investiga a prática educacional, é viver e construir a cidadania plena. Ao viver este processo auto-reflexivo, nos conscientizamos das nossas limitações e também de que somos sujeitos da ação e que, por isso, tomamos consciência do poder que temos em relação ao rumo que podemos dar às mesmas para transformar essa prática educacional (MION; BASTOS, 2001, p. 32, grifos dos autores).

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As produções escritas foram elaboradas pelas estudantes após o final de cada aula, onde registraram suas reflexões sobre as discussões realizadas. Nesses registros, as estudantes apresentavam uma síntese do que aprenderam em cada aula e relacionavam com as compreensões prévias, além das principais dificuldades, facilidades e suas críticas. No início e ao final da disciplina foram desenvolvidas algumas proposições para o ensino de Matemática nos anos iniciais. No início do semestre, cada estudante elaborou uma proposição para o ensino dos seguintes conceitos: sistema de numeração, adição, subtração, multiplicação, divisão e resolução de problemas. Ao final do semestre, após uma reflexão crítica da produção inicial, a turma foi orientada na elaboração de novas proposições, com base nos fundamentos da Teoria Histórico-Cultural. A fim de explicitar algumas possibilidades de superação das limitações apresentadas no início da disciplina, iniciar-se-ão a exposição e análise dos dados pelo movimento inverso de obtenção dos mesmos. Ou seja, a exposição terá início a partir do estágio final de coleta dos dados, pela proposição elaborada ao final do semestre letivo para o ensino do sistema de numeração.

Apresentação e análise dos dados

O sistema de numeração foi abordado a partir da História Virtual Tililim e seus

amigos. Trata-se da quarta versão de uma história elaborada e reelaborada por

pesquisadores brasileiros. A primeira versão produzida por Lanner de Moura (1995) foi chamada O Curupira. Tempos depois, foi reelaborada pelos integrantes do Grupo de Estudos do Ensino e Aprendizagem de Matemática na Infância (GEEAMI) com o título

Menino verde (ASSIS et al., 2013). Em seguida foi reelaborada novamente por

integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisa Sobre Atividades Pedagógicas (GEPAPe), da Universidade de São Paulo (USP) como Verdim e seus amigos (ROSA et al., 2013). Na sequência, apresenta-se a versão elaborada pela turma participante desta pesquisa com orientação da professora da disciplina.

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Tililim e seus amigos

Era uma vez Tililim, um gigante que vivia em uma floresta de outro mundo. Tililim tinha muitos amigos e juntos brincavam diariamente. Quase todos viviam próximos à casa de Tililim, menos três deles: Verdim, Edim e Enim.

Certo dia, Tililim convidou os amigos para brincarem em sua casa. Como Verdim, Edim e Enim moravam muito longe, Tililim enviou um convite e um galho de árvore aos três. Os amigos deveriam considerar o comprimento do galho como unidade de medida. A explicação no verso do convite consistia no seguinte:

Caros amigos, saindo da clareira, do lado que o sol se põe, vocês devem seguir para frente, até a grande árvore. Depois à

direita, até a clareira e, então, continuem para esquerda, até chegarem a minha casa. O número de galhos entre os trechos está no mapa ao lado (Figura 01). Não se esqueçam de utilizar esse galho que estou lhes enviando.

No dia seguinte, os amigos saíram da clareira, do lado que o sol se põe, e seguiram para frente, mas não encontraram a grande árvore (Figura 02). Ficaram preocupados. Consultaram as orientações enviadas por Tililim e concluíram que fizeram exatamente o que ele sugeriu: utilizaram o galho que ele enviou; seguiram na direção correta; e andaram a

quantidade de galhos que ele determinou.

Como estavam seguindo rigorosamente as orientações de Tililim, resolveram dar continuidade ao percurso por ele traçado. De acordo com o mapa enviado por Tililim, após atingirem aquela quantidade de galhos, deveriam seguir para a direita. Assim fizeram. Depois, continuaram para a esquerda, exatamente conforme constava no convite. Mas não encontraram a casa de Tililim.

Por que os amigos de Tililim não encontraram sua casa? O que pode ter ocorrido?

Fonte: Elaboração nossa (2013).

A partir dos dois registros (Figuras 1 e 2) apresentados na história, é possível constatar que a distância percorrida pelos amigos é menor do que aquela sugerida por Tililim. Exatamente a metade. Mas por que o registro da quantidade de galhos (unidade de medida) indica a igualdade? Na verdade, o desencontro foi provocado em função do sistema de numeração adotado. Tililim utiliza o sistema de numeração decimal. Para ele, um e zero significam dez unidades. Mas nem sempre um e zero (10) representam uma dezena. Os amigos de Tililim adotam o sistema de numeração quinário. Neste, a base numérica é cinco, e não dez. No entanto, a representação de cinco unidades, na base cinco, também é 10 (um e zero), conforme a reta numérica e o quadro-valor de lugar a seguir (Figura 3):

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Figura 3 - Reta numérica na base cinco

Fonte: Elaboração nossa (2013).

No sistema de numeração quinário, ou seja, na base cinco, o número 10 (um e zero) não representa dez unidades. Neste, o algarismo 0 (zero), registrado no quadro-valor de lugar na primeira ordem (I), também representa nenhuma unidade, isto é, não sobrou unidade(s) após a formação de uma unidade de segunda ordem (II). A diferença consiste na segunda ordem (II), representada pelo algarismo 1. Trata-se de uma unidade de segunda ordem (II), composta por cinco unidades de primeira ordem (I). Tililim não mencionou a base numérica porque, geralmente, na base dez, não se indica, mas nas demais bases, o correto é informar. No caso da interpretação realizada pelos convidados, o registro seria 105.

No mapa enviado por Tililim constavam três trechos compostos por dez galhos de comprimento cada. Desse modo, seus convidados percorreriam uma distância de 30 galhos, o que realmente ocorreu, mas na base quinária (305). Os convidados andaram três trechos compostos por cinco unidades cada (Figura 4).

Figura 4 - Reta numérica na base cinco

Fonte: Elaboração nossa (2013).

Como no sistema de numeração quinário não se representam cinco unidades com o algarismo cinco (5), apenas quatro algarismos são suficientes para escrever os números na base cinco (0, 1, 2, 3, 4). Diferentemente do que ocorre no sistema decimal, neste são necessários dez algarismos (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9). O valor desses

II I 1 0 (5) 0(5) 1(5) 2(5) 3(5) 4(5) 10(5) 11(5) 12(5) 13(5) 14(5) 20(5) 21(5) 22(5) 23(5) 24(5) 30(5) Uma unidade de segunda ordem Uma unidade de segunda ordem Uma unidade de segunda ordem 0(5) 1(5) 2(5) 3(5) 4(5) 10(5)

Uma unidade de segunda ordem (II)

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algarismos varia em função não só da posição que ocupam, mas também da base numérica considerada (ROSA; DAMAZIO; SILVEIRA, 2014).

Após a realização e reflexão coletiva dessa síntese, uma estudante exclamou: - “Ah! Então nem sempre dois e dois são quatro?” (E14). A estudante fazia referência às seguintes expressões populares: tão claro como dois e dois são quatro..., tão simples

como dois e dois são quatro..., e, tão certo como dois e dois são quatro... A conclusão

da turma é que não há nada de claro, simples ou certo nessas expressões, pois nem sempre dois e dois são quatro, nem sempre três e três são seis, nem sempre quatro e quatro são oito... O resultado das diferentes operações depende do valor da base numérica considerada.

A título de ilustração de tal constatação, é oportuno refletir sobre sua situação de origem: dois (●●) e dois (●●) nem sempre são quatro. No sistema de numeração ternário, por exemplo, ter-se-á um agrupamento formado por três unidades e sobrará uma unidade sem formar grupo: [●●●] ●. Ou seja, uma (1) unidade de segunda ordem [●●●] e uma (1) unidade de primeira ordem (●). Portanto, o resultado é um e um na base três: 113, conforme reta numérica a seguir (Figura 5).

Figura 5 - Dois e dois no sistema de numeração ternário

Fonte: Elaboração nossa (2013).

Já no sistema quaternário, dois (●●) e dois (●●) são um e zero: 104. Como a base é quatro, formou-se um agrupamento composto por quatro unidades [●●●] e não sobrou nenhuma (Figura 6).

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Fonte: Elaboração nossa (2013).

Portanto, nem sempre dois e dois são quatro. Vale ressaltar que, atualmente, em função do número de dedos das mãos dos humanos, a adoção do sistema de numeração decimal é quase universal. Mas esse sistema não foi o primeiro a ser criado: antes dele sugiram o binário, ternário, quinário, entre outros. Como “Aristóteles observou há muito tempo, o uso difundido do sistema decimal é apenas o resultado do acidente anatômico de que quase todos nós nascemos com dez dedos nas mãos e nos pés” (BOYER, 1974, p. 3). Desse modo, as propriedades fundamentais do sistema de numeração decimal não surgiram a partir da quantidade de dedos, mas da seguinte essência: cada ordem é formada por n vezes a anterior, e n é determinado pelo valor da base considerada. Esta lógica é válida para qualquer sistema (SILVEIRA, 2015).

É importante que essa lógica, desenvolvida historicamente, seja contemplada no processo de ensino e aprendizagem. De acordo com Vigotski (2000), a aprendizagem nos limites do sistema decimal, sem a compreensão da lógica inerente às diferentes bases numéricas, dificulta a sua utilização. Isso ocorre porque a criança não domina o sistema em sua totalidade. O “critério de tomada de consciência reside na possibilidade de passagem para qualquer outro sistema” (VIGOTSKI, 2000, p. 373). Porém, essa possibilidade era desconhecida pelas estudantes que concebiam a existência, apenas, do sistema de numeração decimal nos limites da relação entre grandezas discretas. Assim, ao elaborarem proposições para o ensino de Matemática, no primeiro dia de aula, as estudantes utilizaram diferentes materiais, tais como balas, bananas, bolas, bonecos, borrachas, cachorros, cadernos, canetas, carrinhos, chicletes, chocolates, crianças, dedos, docinhos, flores, grãos de feijão, lápis de cores, laranjas, maçãs, Material Dourado, palitos, pedrinhas, pipas, pirulitos, sol, tampinhas, entre muitos outros.

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de partida é a grandeza discreta, que desencadeia a origem dos números naturais no interior do sistema de numeração decimal.

No decorrer da disciplina, antes da elaboração das proposições de ensino com vistas à superação das compreensões iniciais, foram realizadas várias reflexões sobre estas. Como explicitam as falas das estudantes E3, E20, e E9:

O número natural permite a contagem do número de elementos de uma coleção de objetos, como cadernos, canetas, carrinhos, flores, entre outros objetos - grandezas discretas. Mas não dá conta de medir as grandezas de natureza contínua, como o comprimento, a área, o volume, a capacidade... (E3).

O grande problema é que o número aparece a partir de quantidades de objetos soltos, abordando somente uma grandeza, a discreta. O número fica solto e não se vê nenhuma relação com os outros números (E20).

Contemplamos apenas a base decimal, mas nem sabíamos que existiam outras (E9).

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Figura 7 - Compreensão das estudantes no início da disciplina sobre sistema de numeração

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0 1 2 3 4 5 6 ... 10 ... 100 ...

Fonte: Elaboração nossa (2013).

Por outro lado, quando os números surgem não apenas das relações entre grandezas discretas, mas também contínuas, germina a possibilidade de existência de outros números além dos naturais. Destarte, entre dois números naturais já se prevê a existência dos infinitos números que completam a reta (Figuras 3, 4, 5 e 6), no campo dos números reais. Além disso, E9, ao revelar que desconheciam as diferentes bases numéricas, indica a possibilidade de se contemplar as diferentes bases no ensino, tal como ocorre na História Virtual Tililim e seus amigos.

O teor conceitual subjacente às proposições iniciais é semelhante àquele detectado por Davýdov (1982), ao analisar as proposições para o ensino em seu país (Rússia) no século XX, por ele denominado de tradicional, por ser sustentado na teoria empírica. Resultados semelhantes também foram revelados por Hobold (2014) ao analisar as proposições da coleção de livros didáticos mais utilizada pelos professores das escolas estaduais dos municípios constituintes da 36ª Gerência Regional de Educação, com sede em Braço do Norte, Santa Catarina.

Uma das finalidades principais do ensino tradicional, na concepção de Davýdov (1982), é incutir, nos estudantes, generalizações e conceitos empíricos: elaborados por meio da observação das características externas dos objetos, dados sensorialmente aos órgãos dos sentidos.

Trata-se da materialização do princípio do caráter visual, direto ou intuitivo do

Ensino Tradicional (DAVÍDOV, 1987). De acordo com esse princípio: 1) na base do

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característica comum (a quantidade) é abstraída e constitui o conteúdo do conceito. Em outras palavras, o conteúdo do conceito (neste caso, a dezena) é a imagem, no plano mental, de dez objetos agrupados.

Desta forma, o princípio do caráter visual, para Davídov (1987), reduz os conceitos a empíricos, nos quais se encontram somente o reflexo das propriedades externas, sensorialmente dadas. A adoção desse princípio, conforme o autor em referência, é trágica para o desenvolvimento mental dos estudantes. Não que objetos devam ser abolidos do ensino, ao contrário, o ponto de partida proposto por Davýdov é justamente a ação objetal. Porém, o foco não é para a observação das características externas, estaticamente dadas, mas para a análise das variações das relações entre as grandezas desses objetos. Assim, a unidade de segunda ordem, pode ser composta por dez unidades, cinco unidades..., ou seja, varia em dependência do valor da base numérica considerada.

Vale esclarecer que, para Davýdov (1982), ao se tomar o objeto como ponto de partida, não significa que esse estágio inicial seja empírico. O movimento de constituição dos conceitos, tanto empíricos quanto teóricos, surge a partir do objeto ou fenômeno. A distinção consiste no movimento pelo qual o conceito é formado. Na primeira proposição apresentada pelas estudantes, não há um elemento mediador entre a percepção direta (10 objetos agrupados) e a abstração (agrupamentos compostos por dez unidades). Esse conteúdo é válido apenas para um sistema de numeração em particular, o decimal. Na segunda proposição, a reta numérica é o elemento mediador entre a representação visual (trechos do caminho a ser percorrido pelos convidados) e a abstração (a formação de uma nova ordem é n vezes a ordem anterior).2 Assim, superam-se os limites do conceito empírico proposto inicialmente.

A passagem pela reta, contexto matemático do conceito de número (ROSA, 2012), a partir da relação entre grandezas, possibilita a revelação das relações e conexões internas do sistema de numeração, resultando, assim, no conceito científico. A abstração do conteúdo do conceito já não é mais o reflexo da imagem sensorial, no plano mental, de um grupo composto por dez objetos, mas a lógica interna de sua constituição. Trata-se do princípio do caráter científico proposto por Davýdov (1982), que prevê a formação, nas crianças, já desde os anos iniciais de escolarização, das bases dos conceitos científicos na totalidade de suas significações, tal como pressupõe o

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desenvolvimento da História Virtual Tililim e seus amigos. Refere-se à interconexão entre as significações aritméticas, algébricas e geométricas.

O processo de aplicar a unidade de medida (neste caso, o comprimento do galho) sobre a grandeza a ser medida (comprimento da distância a ser percorrida) é de caráter geométrico. A quantidade de vezes que a unidade cabe na grandeza traduz o teor aritmético, que surge a partir da relação algébrica entre grandezas (ROSA, 2012).

O resultado da medição varia em dependência do sistema de numeração considerado. Essa variação também poderia ocorrer se Tililim ou seus amigos não utilizassem a mesma unidade de medida, ainda que se adotasse um único sistema de numeração. Esse movimento de variação nas relações entre grandezas é fundamental para o desenvolvimento do pensamento matemático (PANOSSIAN, 2014).

O registro do resultado do processo de medida na reta numérica representa a propriedade numérica da grandeza, e não a grandeza em si. Nesse estágio, o número adquire o nível de abstração teórica válida para ser aplicado na medição de qualquer grandeza, seja ela discreta ou contínua. Eis o conceito científico de número como possibilidade de superação dos limites de seu teor empírico, no contexto da formação inicial de professores, no curso de Pedagogia investigado.

Conclusões parciais

No decorrer do presente texto foram apresentados os resultados parciais de uma investigação sobre a formação inicial de professores, propiciada por um curso de Pedagogia, no que se refere aos conceitos matemáticos, mais especificamente o sistema de numeração.

No início da investigação, na modalidade pesquisa-ação, detectou-se o predomínio do teor empírico, as significações algébricas e geométricas não eram contempladas. O ponto de partida insidia na contagem de objetos, a partir da sequência numérica. Assim, o número caracterizava-se apenas pela quantidade de objetos, dados em seu teor discreto em detrimento do contínuo, nos limites dos números naturais em sua significação aritmética.

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além disso, sugere a mediação da reta (contexto geométrico do sistema de numeração). Na reta numérica, há um ponto correspondente a cada número real, e possibilita a concatenação dos naturais, inteiros, racionais e irracionais.

Porém, vale ressaltar que esses são resultados referentes ao sistema de numeração, e que nos limites de um semestre letivo não é possível repensar e superar todas as fragilidades apresentadas pelas estudantes no início da disciplina. Diante disso, preocupa a ideia que estas serão responsáveis pela formação inicial de Matemática de muitas crianças nos próximos anos. E não menos preocupante, também, o fato que estas acabaram de concluir o Ensino Médio em escolas de diversos Municípios e Estados brasileiros, haja vista que suas proposições iniciais refletem, de alguma forma, a realidade da Educação Matemática Escolar brasileira. Enfim, os resultados indicam algumas possibilidades de superação; no entanto, também revelam que muitos são os limites a serem superados. Portanto, não basta repensar a formação inicial de professores, mas os diferentes níveis de ensino.

REFERÊNCIAS

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ASSIS, C. S. C. et al. Matemática na Infância: Fascículo Medidas e Geometria. Pirassununga: SME: SME/Pirassununga, 2013.

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DAVIDOV, V. V. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico: investigación teórica y experimental. Trad. Marta Shuare Moscú: Editorial Progreso, 1988. DAVÍDOV, V. V. Análisis de los principios didácticos de la escuela tradicional y posibles principios de enseñanza en el futuro próximo. In: SHUARE, M. La psicología Evolutiva y pedagógica en la URSS. Moscú: Progreso, p. 143-155, 1987.

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