QUEM TEM MEDO DA MEDIA?
HGFEDCBA( W H O I S A F R A I D O F T H E M E D I A ? )
RESUMO
oihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo b j e t i v o d o p r e s e n t e a r t i g o é p r o p o r u m a a n á -l i s e d a m e d i a , s u a i n f-l u ê n c i a e p r o d u ç ã o n a g e s t ã o c o
-t i d i a n a d a C i d a d e . T r a t a - s e d e p e r c e b e r o s m ú l t i p l o s
p o n t o s d e v i s t a s o c i o l ó g i c o s n a e v o l u ç ã o e r e l a ç ã o d o s
a t o r e s s o c i a i s n a g e s t ã o d o c o t i d i a n o . O e s p e t á c u l o d o
s ó r d i d o e a s a c r a l i za ç ã o d a v i o l ê n c i a , a p r e s e n t a d o s p e l a
t e l e v i s ã o , i n s t i g a e d u c a d o r e s , i n t e l e c t u a i s e p o l i t i c o s a
r e v i s i t a r e m a s o c i o l o g i a d a c u l t u r a a t r a v é s d e a n á l i s e s
q u e l e v a m e m c o n s i d e r a ç ã o o s a s p e c t o s s u b j e t i v o s d a
p r o d u ç ã o m e d i á t i c a .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Palavras-chave: Media, Violência, Televisão.
ABSTRACT
T h i s p a p e r o u t l i n e s a n a n a l y s i s a b o u t t h e m e d i a ,
i t s i n j l u e n c e a n d p r o d u c t i o n o f e v i l e ffe c t s o n t h e d a i l y
l i fe o f p e o p l e . I t a i m s , t h e r e fo r e , a t u n d e r s t a n d i n g ,
a l t h o u g h i n a b r i e f w a y , t h e s e v e r a l v a r i a n t s o f t h e
s o c i o l o g i c a l t h i n k i n g i n t h e W e s t , i t s j l u c t u a t i o n s , fe a r s
a n d c r i t i c a l e v a l u a t i o n s i n r e l a t i o n t o t h e m e d i a
i n c l u d i n g i t s s o c i a l a c t o r s . T h e s h o w i n g o f s o r d i d n e s s
a n d t h e s a c r a l i za t i o n o f v i o l e n c e , u n i q u e fe a t u r e s o f
B r a zi l i a n T V , w h i l e c h a l l e n g i n g t h e e d u c a t o r , t h e
i n t e l l e c t u a l a n d t h e p o l i t i c i a n , s h o u l d a l s o a r i s e i n t h e m
a n a n a l y t i c a l p o s t u r e l i n k e d t o s u b j e c t i v i t y a n d c r i t i c a l
r e a s o n .
Key-word: Media, Víolence, Television.
A generalização dos meios de comunicação de
massa interpela de maneira radical a sociologia da
cul-tura. Ao contrário-das culturas escolar e religiosa que
são impostas pelo meio familiar ou pela escola, a
cultu-DA
IEL LINS1ra de massa está inseri da numa mercantiI ização da cul-tura imposta ou sugerida pelas técnicas de difusão de massa. A grande imprensa, a televisão, o rádio, o cine-ma etc, propõe, de um lado, produtos culturais como
mercadorias às quais se aplica a lei da oferta e da
de-manda, e de outro um discurso mediático permeado por
imagens que tentam funcionar como uma palavra de
ordem onde o espectador é suposto querer ouvir, ler ou
ver mensagens e imagens a ele apresentadas: A a t u a l i
-d a -d e , A s i n fo r m a ç õ e s etc.
Se a maioria dos autores parece atribuir
aos meios de comunicação o papel de veículo
privilegi-ado de valores da sociedade, e de ser, pois, como a fa-mília e a escola, um agente de socialização, eles diferem na apreciação dos efeitos produzidos. Para Boudier, os
produtores e consumidores culturais se reencontram no
verdadeiro mercado de bens simbólicos originário,
pa-radoxalmente, de uma evolução que transformou a arte
em mercadoria (indústrias culturais e de grande
públi-co) e suscitou a luta do artista para tornar a obra de
arte, graças a assinatura, a raridade, e a originalidade,
irredutível à rnercantilização selvagem. Essa situação
engendra dois submercados: um da produção limitada,
destinada aos produtores e aos pares; e outro da produ-ção ilimitada, que visa o grande público. Espaço
fecha-do de uma concorrência à legitimidade cultural, o
primeiro propõe o monopólio da manipulação dos bens
simbólicos; o segundo, inserido no campo da grande
produção, obedece a um mercado no qual as condições econômicas tornam-se dominantes e onde a lógica leva
a produzir uma mensagem indiferenciada para um
pú-blico indiferenciado, uma arte mediana para um
públi-co mediano. Abrem-se assim as diversas públi-configurações
do campo social e do mercado dos bens simbólicos
(Bourdieu. 1971, pp. 46 e 126).
Problemática muito discutida nos anos 60-70, o
estudo da cultura de massa vem à tona nos anos 90, se
não com a mesma intensidade nem com o exacerbado
'Daniel Lins: Sociólogo. Professor da Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal do Ceará. Doutor em Sociologia .
sentimento de culpa dos anos 70 -"A televisão é uma
máquina de fabricar loucos"! "A televisão engendra
idiotas"! "Ela quer gozar em nosso lugar! É preciso matá-Ia antes que ela acabe conosco"- pelo menos, sob novos aspectos, longe dos modelos ideológicos crista-lizados numa pluralidade de olhares e análises que
ape-Iam tanto para a sociologia e a antropologia como para
a história, a psicanálise e a filosofia. Com a criação e a
difusão de novas técnicas de comunicação, a cultura
parece ter democratizado. Mas se as fontes de
informa-ções e as possibilidades de expressão cresceram em um
ritmo acelerado, algumas interrogações subsistem
(Girardet, 1987; Giddens, 1991; Guattari, 1992; DurandHGFEDCBA
& Weil. 1993, pp. 553-559).
A imagem fabrica sua própria moral, e num
mun-do profundamente marcado pela sociedade de
consu-mo, pelas instituições burocráticas dessocializantes, pela
crise da família, pela tentação de um revisionismo da
História - "As câmaras de gás são um invenção exage-rada dos judeus"! "O golpe militar de 1964, não foi
as-sim tão terrível"! "Pinochet não é um assassino, mas
um patriota!"- e finalmente pela mídia e pela
informá-tica, os valores e o ideal comunitário parecem
repre-sentar algo do passado. É a síndrome do que alguns
autores chamam deihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe r a n o v a d o i n d i v i d u a l i s m o : um tem-po sem espaço para outrem, um temtem-po dominado pelas
constelações imagéticas que inauguram uma produção
acelerada, Bulímica das informações em detrimento,
quase sempre, da comunicação (Lipovetsky. 1983: 26).
A profusão de informações fora do espaço da ela-boração, dos encontros, das discussões cria um
territó-rio proibido às experimentações com a alteridade e
representa simbolicamente o grande barulho que
escon-de o mutismo, a escon-desarmonia escon-de uma contemporaneidaescon-de
que aposta na tristeza, na negatividade e louva o
niilismo, marca registrada de uma contemporaneidade que milita contra o corpo e o desejo: "Vivemos em um
mundo desagradável, onde não apenas as pessoas, mas
os poderes estabelecidos têm interesse em nos comuni-car afetos tristes. A tristeza, os afetos tristes são todos aqueles que diminuem nossa potência de agir. Os
pode-res estabelecidos têm necessidade de nossas tristezas
para fazer de nós escravos ( ...) Os poderes têm menos necessidade de nos reprimir do que nos angustiar, ou, como diz Virilio, de administrar e organizar nossos
pe-quenos terrores íntimos"(Deleuze & Parnet. D i á l o g o s .
1998,p.75)
Tudo que indica que assistimos à emergência de
um outro tipo de regulação fundada na profusão de
modelos e na neutralização estatística recíproca num
campo desnudado da Ética que está pouco ligando para a História e não hesita em insultar a Memória. De fato, com a encenação do sórdido e da violência pela mídia, na qual Poder, Elite e Massa estão implicados,
inaugu-ra-se uma n o v a e r a da imagem como signo
fenomenal-que nunca é neutra nem inocente! Imagem religadora
por excelência, ela une tanto oB e m quanto oM a l . Mas
não se pode deixar de ver nessa imagem o modelo que a sociedade apresenta dela mesma. Simulacro e
represen-tações, confundidos quase sempre com identidade,
ali-mentam um jornalismo que se contenta com o
espetáculo, com o divertimento. Ao falar em nome do
outro - "o espectador gosta disso, exige divertimento", a mídia, na sua maioria, veicula o sentimento de
produ-ção de um cotidiano virtual-dramatizado, e funciona
como espaço sanitário, esterilizador de uma possível
tentação política, de uma busca de explicação filosófi-ca do desenfilosófi-canto contemporâneo.
Justificar a vulgaridade e a violência, produtos
ímpares de uma televisão pós-política, explicar em nome
do "respeito à demanda e exigência do telespectador" o
culto à debilidade e a produção em massa de pacotes
televisivos desvinculados do universo político e
mar-cados pela estética da morte, encontram sua lógica nas
regras de uma transmundialização dos meios de
comu-nicação cujo axioma primordial é: não chatear o espec-tador, não complicar a cabeça do leitor! Vender, vender o que eles querem comprar! A mídia não deve ter "esta-dos de espírito"! Ela deve "servir" o usuário, inclusive, como em certos programas da televisão, quando é pago
para desempenhar um papel imposto pelos burocratas
da i m a g e m q u e v e n d e , que garante a audiência!
A estética do sórdido, presente como a peste na mídia, pratica, à sua maneira, um terrorismo contra o político e o cultural. A visão cínica da política, destilada ao longo do dia por programa tipo "Ratinho", "O Leão Livre", "Aqui e Agora", constitui, de fato, um atentado não só contra a inteligência, mas sobretudo contra a de-mocracia. A cólera ensaiada de "Ratinho" e seus filho-tes, a vulgaridade das filhas de Maria, falsas perversas do grotesco imagético: Hebe Camargo, Xuxa, Marilia Gabriela, ou no campo do pornográfico chie, Jô Soares ou, ainda, as rezadeiras, místicas ou carpideiras ao servi-ço do bispo-patrão Edir Macedo, marcados pela
encena-ção de uma histeriap r ê t - à - p o r t e r , cristalizam a submissão
e o conformismo alimentados por um profetismo
mediático que incentiva e desenvolve "um vasto sub-pro-letariado condenado pela precarização a uma forma de
autocensura" (Champagne.I996, pp.67).
Ao dar a palavra aos participantes ou aos telespec-tadores, a televisão - e não raro os jornais: "Queríamos um artigo falando sobre ... assim ... sem chocar ..."-orienta, dirige e, se necessário, confisca o "depoimen-to" limitando-o a confissão de uma miséria social. Mi-séria que deve, em alguns casos, terminar em pontapés,
brigas, palavrões, gritos ou lágrimas numa
cristaliza-ção de uma retórica que faz apelo à "linguagem
instinti-va" e ao "comportamento lacrimal". Signos tradicionais
de uma fraqueza ou de uma desestruturação psíquica, de uma tristeza ou de um sentimento de perda, as
lágri-mas são supostas representar, nesse contexto, a força
"mágica" de um antidepressivo contra o real social e a
impossibilidade de uma governabilidade mserida no
campo da política.
Pierre Bourdieu, comentando o conformismo e a
visão catastrófica que a mídia destila a respeito do
engajamento cultural, do conhecimento ou da gestão
política numa democracia, afirma:ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T o d o s e s s e s m e c a n is m o s c o n c o r r e m p a r a p r o
-d u zir u m e fe ito g lo b a l d e d e s p o litiza ç ã o o u ,
m a is e xa ta m e n te , d e d e s e n c a n to c o m a p o
líti-c a . A b u s líti-c a d o d ive r tim e n to in c lin a , s e m q u e
h a ja n e c e s s id a d e d e p r e te n d ê - lo e xp lic ita m e n
-te , a d e s via r a a te n ç ã o p a r a u m e s p e tá c u lo ( o u
u m e s c â n d a lo ) to d a s a s ve ze s q u e a vid a p o
líti-c a fa z s u r g ir u m a q u e s tã o im p o r ta n te , m a s d e
a p a r ê n c ia te n d e n c io s a , o u , m a is s u tilm e n te , a
r e d u zir o q u e sec h a m a " a a tu a lid a d e " a u m a
r a p s ó d ia d e a c o n te c im e n to s d ive r tid o s .fr e q u e n
-te m e n -te s itu a d o s , c o m o n o c a s o e xe m p la r d o
p r o c e s s o d e OJ S im p s o n , a m e io c a m in h o e n
-tr e o fait divers' eo s h o w ( . . .) (Bourdieu.1997,
p.l39; 1998, p. 81).
Por sua vez, Umberto Eco, interpelado sobre a
vulgaridade e os aspectos neofascistas de alguns
pro-gramas da televisão italiana, estilo "Aqui e Agora" e
"Ratinho", e sobre o que fazer contra essas imagens,
quase sempre discriminatórias, respondeu:
• Funari é um repórter italiano que fazia um
pro-grama de televisão de uma grande vulgaridade, um t a l k
-s h o w um pouco indecente. Um dia ( ... ) começou a
interrogar homens políticos, com o mesmo método, a
mesma franqueza e violência. O programa subiu no
Ibope. Alguém se queixou a Berlusconi e foi logo
cor-tado. Isso é informação: um programa torna-se
politi-camente incorreto, e é interrompido imediatamente sob
esse ângulo, a imprensa se apaixona por Funari, o apre-sentador',
Programas como "Aqui e Agora", "Ratinho",
"Leão Livre" etc, põem em cena a violência não apenas como uma realidade trágica, mas como um espetáculo.
Teatralizada pela televisão, a violência-espetáculo
emer-ge como ferida, um estigma, "resultado natural" da
cul-tura do pobre. Esse modelo de imagem exprime a pulsão, mas não supre ou compensa uma carência. O espetácu-lo da violência proposto pela mídia, é o de uma
violên-cia sem programa, sem ilusão, parada, desencantada: a
violência dos desesperados. Essa imagem prende o
ex-cluído numa utopia degenerada, sufocando a remota
vontade de uma violência heróica, dissidente: uma
agressividade criativa, que fala, interpela, dialoga.
Tanto para Umberto Eco como para Pierre
Bourdieu, o papel dos intelectuais, e sobretudo dos
so-ciólogos é essencial no combateHGFEDCBAà "mundialização do
pior" que engendra "os mais funestos efeitos para a
cultura e a democracia" (Bourdieu. o p .c it.1 9 9 7 .9 2 ) .
Televisão: objeto ou máquina de delirante? Não se deve, todavia, esquecer que a televisão é,
na sua essência, um instrumento positivo, um espaço
propício ao lúdico, a arte e ao conhecimento. Falando
sobre o poder de influência da televisão, Umberto Eco
observa que ela "influencia muito mais as elites que as
massas. É aí que a televisão pode tomar-se perniciosa.
Vejam a imprensa, os jornalistas que deveriam, em
prin-cípio, escapar à fascinação coletiva, vivem da
televi-são, para televisão. A imprensa italiana vive atualmente uma falta de dignidade absoluta. Se quero aparecer nas manchetes dos jornais, tenho um meio muito simples:
vou àtelevisão e retiro minha calça. No outro dia,
esta-rei nas primeiras páginas, com artigos, foto, opinião de
especialistas ...É a televisão que faz o acontecimento.
A imprensa a comente, segue seus passos".'
A responsabilidade da vulgaridade na televisão
é de todos - a vulgaridade como forma moderna de
por-nografia lig h t. Xuxa e seus apelos constantes aos
senti-dos, como mostrou a antropóloga Ruth Cardoso, no seu
trabalho apresentado em 1994 na UNESCO, incentiva
não apenas uma precocidade na economia
erótico-sen-sual das crianças, mas desperta sentimentos urgentes e
apressados sem levar em consideração o tempo
bioló-gico e a construção sócio-sentimental de cada criança.
Os beijos distribuídos pela apresentadora são beijos
adultos, carregados, plenos. O beijo no espaço da cri-ança deve ser uma descoberta e não antecipação de uma economia libidinal adulta; mesmo polimorfa, uma cri-ança continua sendo cricri-ança.
O que fazer? Parafraseando Umberto Eco, diria
que se deve esquecer os apresentadores, ou no caso, a
apresentadora e analisar o programa, o campo
econô-mico no qual ela está situada, e sua comercialização,
2Maria Lúcia Machado deu à expressão idiomática fr a n c e s a j a i t s d i v e r s um sentido que não nos convém: ela traduziujaits d i v e r scomo
"notícias de variedades". A tradução literária seria Ecos. Mas a expressão vai além dos dois sentidos. "Um gato foi atropelado no Quartier
Latin"; "O cardeal Danielou foi encontrado morto num bordei em Pigalle", "0 vereador matou a mulher e foi ao cinema". Esse tipo de
e c o s da imprensa, é o que os franceses chamam d e j a i t d i v e r sou "Fato do dia"! "Notícias do dia"!
2 cf. Umberto Eco In: Nouvel Observateur, Paris, 2-8 setembro, 1993, pp.66-67
3 ibdem
consciente ou não, dos afetos infanto-juvenis atrelada à
lógica terrorista e pouco democrática do índice de
au-diência:
• Pode-se e deve-se lutar contra o índice de audi-ência em nome da democracia. Isso parece muito para-doxal porque as pessoas que defendem o reino do índice
de audiência pretendem que não há nada de mais
de-mocrático ( é o argumento favorito dos anunciadores e
dos publicitários mais cínicos) ( ...), que é preciso dar
às pessoas a liberdade de julgar, de escolher. ( ...) O ín-dice de audiência é a sanção do mercado, da economia, isto é, de uma legalidade externa e puramente
comerci-al, e a submissão às exigências desse instrumento deihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m a r k e t i n g é o equivalente exato em matéria de cultura
do que a demagogia orientada pelas pesquisas de
opi-nião em matéria de política (Bourdieu. S o b r e a T e l e v i
-s ã o seguido de A i n fl u ê n c i a d o j o r n a l i s m o e o s J o g o s
O l í m p i c o s . 1997, p.96).
A mídia, dizem alguns, é responsável pelo
condicionamento da opinião, da passividade do
telespectador, da uniformização dos gostos. A criança
torna-se um adulto precoce e muitos adultos tornam-se crianças retardadas. A mercantilização da afetividade tem primazia sobre a reflexão e a ação criativas. A televisão substituiu os estádios, e a criação é dessacralizada. Cada um vive sua vida por procuração: as heroínas e os heróis
das novelas servem de intermediários e o vedetariado
impede toda distância crítica. A busca da audiência ni-vela a programação por baixo. A concorrência entre os
canais acentua essa mediocridade: "A televisão regi da
pelo índice de audiência contribui para exercer sobre o consumidor supostamente livre e esclarecido as pressões do mercado, que não têm nada da expressão democrática de uma opinião coletiva esclarecida, racional, de uma razão pública, como querem fazer crer os demagogos cínicos (Bourdieu, 1997, p. 97)
Será que essas críticas podem o b j e t i v a m e n t e ser
justificadas? Duas teses estão aqui representadas e
re-pousam cada uma em um paradigma sociológico dife-rente. A primeira, defendida pelos teóricos das Escolas
de Frankfurt e pela teses de McLuhan, afirma que a
mídia produz uma uniformização cultural e uma
alie-nação ideológica. De uma parte, aquele que recebe a
mensagem não tem praticamente nenhuma
possibilida-de possibilida-de reagir a ela. O possibilida-determinismo tecnológico seria
tão potente que adormeceria as faculdades de compre-ensão diferenciada dos cidadãos e provocaria uma alie-nação uniformizante dos espíritos. W. Bejamin, Adorno e Horkeimer (1985), Lyotard (1989), sem falar das
crí-ticas virulentas, não apenas dos representantes da
Es-cola de Frankfurt, mas também dos freudianos-marxistas dos USA, Marcuse, Fromm, e da França, Lefebvre e seus alunos Baudrillard (1985) e Naville, desmontam a sociedade de consumo de signos e denunciam a ilusão
democrática sugeri da pela cultura de massa. Já Edgar
Morin (1965) analisa os novos mitos propagados pela
cultura de massas e mais particularmente o cinema .
Barthes (1989) se preocupa com o desencadeamento
desenfreado dos signos e critica o que ele chama de
"bulimia de imagens".
A profusão de canais e o progresso registrado -satélites, televisão por assinatura (TV a cabo), Internet etc - podem, pois, satisfazer as mais exigentes deman-das. Resta saber qual seria o peso do cinema e da
tele-visão na extensão da delinqüência, por exemplo. Tema
de debate sempre em pauta em muitos países,
sobretu-do na Europa e nos Estasobretu-dos Unisobretu-dos, a assimilação da
imagem televisiva com a violência juvenil não é, con-tudo, evidente - em todo caso, no contexto atual das mais recentes pesquisas.
Dois pontos de vista são, de fato, avançados. O
primeiro assegura que a apresentação de atos
repreen-síveis incita os jovens a libertarem seus "baixos
ins-tintos". A medida em que os procedimentos empregados para assaltar um banco, roubar uma casa ou pilhar um
supermercado são minuciosamente expostos, pode-se
esperar o pior, em termos miméticos, de uma
pedago-gia do roubo, quase sempre, bem-sucedido. O
segun-do posicionamento, defendido pelos adeptos da teoria
catártica, afirma que as seqüências de violência ou as
cenas licenciosas sublimam os fantasmas ou as
fanta-sias e têm uma virtude purificadora. Se as e n q u ê t e s
sociológicas convergem nesse ponto, o efeito de
inci-tação existe certamente; divergem, contudo, quanto a
"explicação" definitiva da problemática. Nesse
terre-no, toda tentativa de explicação única, concluída,
cor-re o perigo de se tornar uma d o x a e paralisar o debate:
nem o mimetismo, nem a catarse provocados pela
te-levisão, ao mostrar cenas de violência radical, não
autorizam quem quer que seja a pontificar, a propor a
última palavra ou a "boa" explicação sobre a
econo-mia da violência e sua vinculação, ou não, às práticas
de transgressões púrberes ou juvenis (FerréolHGFEDCBA&
Noreck 1989, p. 138-139).
Ferréol e Noreck alertam para o fato de que sem a presença familiar da televisão na vida dos jovens, o tempo de lazer seria talvez consagrado a atividades ainda
menos enriquecedoras e mais perigosas. Os autores
podem ter razão, se eles se referem ao chamado Primei-ro Mundo ou as sociedades de capitalismo avançado ... Ora, diversos exemplos, em outras culturas, levam-nos
a duvidar da b o a aplicação ou do b o m modelo
"univer-sal" da televisão na formação da juventude. É preciso
levar em consideração as singularidades. Penso nos
es-quimós: a chegada da televisão na Groelândia
repre-sentou um desastre moral e ecológico, aquilo que
poderíamos chamar de genocídio do espírito. Estudos
feitos sobre os novos comportamentos dos esquimós
(sobretudo dos jovens) apontam como causas da mu-dança cultural - radical e brutal - de certos grupos a) a chegada da televisão, b) a calefação, c) as bebidas alco-ólicas etc ( Lins, 1980; 1997)
No livroihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP e r s o n a l l n j l u e n c e , dois autores
ameri-canos, Katz e Lazarsfeld, demonstram empiricamente
que não é porque uma mensagem é recebida pela
multi-dão que essa forma um todo homogêneo (LazarsfeldHGFEDCBA&
Katz. 1955). Os efeitos das produções audiovisuais não
aparecem nem diretos, nem constrangedores. Por um
lado, a comunicação só tem chance de atingir seus
ob-jetivos se ela for secundada porfo r m a d o r e s d e o p i n i ã o
agindo como mediadores entre a mensagem e o
indiví-duo - é o modelo do t w o - s t e p j l o w . De outra parte, os
grupos sociais opõem muitas vezes uma forte resistên-cia quando as mensagens que Ihes são propostas ferem
suas convicções ou atacam de forma radical seu
uni-verso imaginário ( Canevacci, 1990).
Resta, todavia, saber se a projeção de imagens
ou a profusão de informações contribuem mais a
re-forçar ou a transformar as crenças mais íntimas. A
so-ciologia dos comportamentos eleitorais confirma que
as mudanças só intervêm na margem e não tocam,
ne-cessariamente, os indecisos. A atenção, a percepção e
a memória são seletivas (Canevacci,1990). Só as
in-formações que vão no sentido das crenças iniciais são
levadas em consideração. Tudo indica que os
indeci-sos do pleito entre Lula e Collor, em 1992,
conforta-ram apenas suas dúvidas iniciais quanto a Lula,
votando em Collor, depois do famoso debate na
tele-visão entre os dois candidatos. Evidentemente, a
pru-dência exige que essa hipótese seja n u a n c é e , pois pode
acontecer que algumas convicções não sejam cem por
cento intocáveis. Outras alternativas podem, pois emer-gir (Barreira, 1998).
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