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Manual de. volume único. Direito Penal. Rogério Sanches Cunha. Parte Especial. (arts. 121 ao 361) 15 ª. revista atualizada ampliada.

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2022

Rogério Sanches

Cunha

15 ª

edição

revista atualizada ampliada

Parte Especial

(arts. 121 ao 361)

Manual de Direito Penal v olume únic o

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DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

1

CAPÍTULO I – DO FURTO

1. FURTO

X Furto

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço), se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1 (um) a 2/3 (dois terços), ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

X Furto qualificado

§ 4º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:

I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III – com emprego de chave falsa;

IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explo- sivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.

§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à rede de computa- dores, com ou sem a violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.

§ 4º-C. A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso:

I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional;

II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável.

§ 5º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

§ 6º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesti- cável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.

§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explo- sivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

1. No caso de crime contra o patrimônio em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço (art. 59 da Lei 6.001/73).

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1.1. Considerações iniciais

O objeto da tutela penal é bastante discutido na doutrina. Para Hungria, protege-se somente a propriedade2. Já Noronha inclui na proteção também a posse3. Ficamos com a maioria, para quem a tutela agasalha a propriedade, posse e detenção legítimas4 de coisa móvel (Delmanto5 e Fragoso6).

Em razão da pena cominada no caput, permite-se a suspensão condicional do processo para o furto simples, desde que não incidente a majorante do § 1º. Permite-se também o acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP) para as formas simples, majorada ou qualificada do crime, desde que não se trate dos §§ 4º-A, 4º-B e 7º.

1.2. Sujeitos do crime

Não se exigindo qualidade especial do agente (delito comum), qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do furto, salvo o proprietário.

5

O proprietário, subtraindo coisa sua que se encontra na legítima posse de tercei- ro, pratica qual infração penal?

Para a maioria, conforme o caso, haverá o delito de exercício arbitrário das próprias razões (arts. 345 e 346, ambos do CP).

Já Magalhães Noronha, argumentando seu escólio com um interessante caso de direito real de garantia (penhor), afirma haver furto, pois, a despeito de ter ocorrido subtra- ção de coisa própria, há um sujeito ativo (o dono), um sujeito passivo (o credor), uma ação criminosa (o apoderamento), um objeto material (a coisa) e há lesão a um bem jurídico (o direito real de garantia do credor), afastando-se, desse modo, a incidência do art. 346 do CP. Eis as suas palavras textuais:

“Se assim não quiséssemos entender esse dispositivo, cairíamos no absurdo legal. De feito, tomemos o caso do penhor. Se o devedor tem a posse da cousa e a subtrai, defraudando a garantia pignora- tícia, considera a lei haver cometido estelionato, aplicando-lhe o máximo de cinco anos de reclusão (art. 171, III). Ora, mas se esse devedor, não tendo a posse da cousa, não pagando sua dívida, e sendo excutido o penhor, subtrai aquela, será apenas condenado ao máximo de dois anos de detenção (art. 346), isto é, terá até sursis.

Nesse caso em que houve dupla violação legal – uma contra o patri- mônio, pois a subtração foi injusta e outra contra a administração

2. Ob. cit., v. 7, p. 17.

3. Código Penal brasileiro comentado, v. 5, 1.ª parte, 1958, p. 7.

4. Protegendo somente a posse legítima, ladrão que subtrai ladrão pratica furto, tendo como vítima, porém, o real dono da coisa (legítimo possuidor).

5. Ob. cit., p. 453.

6. Ob. cit., v. 1, p. 175.

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da justiça, pois não só estava apenhada a cousa, mas penhorada também – nesse caso, repetimos, em que dois bens jurídicos foram atingidos, ao passo que na primeira hipótese só houve uma violação patrimonial, irá a lei conceder sursis ao acusado? É inegável, por- tanto, que a figura do art. 346, com sua respectiva pena, bastante benigna, tem como fundamento que a cousa pertence livremente ao dono, que a sua pretensão é legítima, e consequentemente não furta. Seu ato é incriminado unicamente porque não usa os meios legais para reaver sua cousa. Não há dano patrimonial, há apenas lesão à administração da justiça.”7.

O funcionário público que subtrai ou facilita para que seja subtraído bem público ou particular que se encontra sob a guarda ou custódia da Administração, valendo-se, para tanto, de alguma facilidade proporcionada pelo cargo, pratica crime de peculato furto (art. 312, § 1º, do CP).

Subtrair o condômino, coerdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamen- te a detém, a coisa comum, configura o crime do art. 156 do CP (infração penal de menor potencial ofensivo cuja pena é perseguida mediante ação penal pública condicionada).

Sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa, física ou jurídica, proprietária, possuidora ou detentora da coisa assenhorada.

No furto qualificado pela fraude cometida por meio de dispositivo eletrônico ou informático (§ 4º-B), a pena é majorada de 1/3 ao dobro se a vítima é idosa ou vulnerável (§ 4º-C).

1.3. Conduta

A conduta punida no tipo em estudo é apoderar-se o agente, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel, tirando-a de quem a detém (diminui-se o patrimônio da vítima).

O apoderamento pode ser direto (apreensão manual) ou indireto (valendo-se de inter- posta pessoa ou até animais).

Da análise do tipo em estudo, fica claro que o objeto material do crime deve ser coi- sa alheia móvel, economicamente apreciável. O interesse apenas moral ou sentimental da coisa, desde que relevantes, segundo alguns, também configura o crime, pois não deixa de integrar o patrimônio de alguém.

Nucci, contudo, discorda, assim argumentando seu posicionamento:

“Coisa puramente de estimação: entendemos não ser objeto material do crime de furto, pois é objeto sem qualquer valor econômico. Não se pode conceber seja passível de subtração, penalmente punível, por exemplo, uma caixa de fósforos vazia, desgastada, que a vítima pos- sui somente porque lhe foi dada por uma namorada, no passado, 7. Código Penal brasileiro comentado cit., v. 5, 1.ª parte, p. 56.

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símbolo de um amor antigo. Caso seja subtraída por alguém, cremos que a dor moral causada no ofendido deve ser resolvida na esfera civil, mas jamais na penal, que não presta a esse tipo de reparação.”8-9.

O ser humano, vivo, por não ser coisa, não pode ser objeto material de furto. O cadáver, em regra, também não, salvo se pertence a alguém, destacado para alguma fina- lidade específica, como, por exemplo, a uma faculdade de medicina para estudos cien- tíficos.

Explica Hungria:

“O homem, por isso mesmo que não é coisa no sentido jurídico, não pode ser objeto de furto. Já o mesmo, porém, não acontece com o cadáver humano (na sua totalidade ou em suas partes), desde que se torne disponível império legis, ou por convenção ou testa- mento (fora daí, sua subtração não configura furto, mas o crime previsto no art. 211 do Código Penal).”10.

A remoção de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver em desa- cordo com as disposições legais pode configurar o delito descrito no tipo do art. 14 da Lei 9.434/97 (Lei de Transplante de Órgãos).

Havendo que ser alheia, a coisa de ninguém (coisa que nunca teve dono) e a coisa abandonada (que já pertenceu a alguém, mas foi dispensada) não podem ser objeto material do delito de furto.

Tratando-se de coisa perdida (portanto, alheia) o crime será de apropriação indébita de coisa achada (art. 169, parágrafo único, II, do CP).

Coisas públicas de uso comum (que a todos pertencem), como, por exemplo, o ar, a luz, a água do mar e dos rios, em princípio, não podem ser objeto material de furto, a não ser que destacadas do local de origem e tenham significado econômico para alguém (ex:

areia da praia que serve ao artista para criar suas obras).

A coisa deve ser móvel. Na sua conceituação, o direito penal não se socorre do direito civil, bastando que seja capaz de ser apreendida ou transportada de um lugar para outro, sem perder sua identidade. Dentro desse espírito, apesar da prescrição em sentido contrário do Código Civil, para fins penais, são considerados coisas móveis os navios, aeronaves e os materiais separados provisoriamente de um prédio.

8. Código Penal comentado, p. 783.

9. Há jurisprudência no sentido de que a folha de talão de cheques não pode ser objeto de crime de furto, pois não tem valor econômico, constituindo apenas meio para a prática de estelionato (RT 570/349). O STJ, no entanto, tem decisões em sentido contrário: “Embora haja casos em que a simples subtração de uma folha de cheque em branco não acarrete lesão ao bem jurídico tutelado, notadamente quando não descontada, a hipótese dos autos é diversa, pois o réu entregou a cártula a terceira pessoa, que a preencheu no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) e a depositou, o que revela a potencialidade lesiva de sua conduta, impedindo a sua absolvição. Precedentes” (AgRg no HC 410.154/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 03/10/2017).

10. Ob. cit., v. 7, p. 22-23.

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5

A subtração de objetos deixados dentro de uma sepultura configura qual crime?

Para uns, haverá o delito do art. 210 ou art. 211, ambos do CP, inexistindo furto, uma vez que os objetos materiais não pertencem a “alguém” (nesse sentido: RT 608/305).

Outros, com razão, ensinam que, se o intuito do agente não era o de violar ou profanar sepultura, mas subtrair ouro existente na arcada dentária de cadáver, o delito cometido é apenas o de furto, que absorve o art. 211 do CP (RT 598/313).

Subtrair, por ocasião de incêndio, inundação, naufrágio, ou outro desastre ou cala- midade, aparelho, material ou qualquer meio destinado a serviço de combate ao perigo, de socorro ou salvamento caracteriza o crime tipificado no art. 257 do CP, punido com reclusão de 2 a 5 anos e multa.

Por fim, como bem alerta Cezar Roberto Bitencourt:

“Os direitos, reais ou pessoais, não podem ser objeto de furto. Con- tudo, os títulos ou documentos que os constituem ou representam podem ser furtados ou subtraídos de seus titulares ou detentores.”11.

1.4. Voluntariedade

É o dolo, consistente na vontade consciente de apoderar-se definitivamente de coisa alheia, para si ou para outrem.

O agente deve ter a intenção de não devolver a coisa à vítima (animus rem sibi haben- di). Subtraindo coisa apenas para usá-la momentaneamente, devolvendo-a, logo em segui- da, haverá mero furto de uso, um indiferente penal (caso de atipicidade por ausência do elemento subjetivo caracterizador do delito – animus furandi). São, em resumo, requisitos do furto de uso: a) intenção, desde o início, de uso momentâneo da coisa subtraída; b) coisa não consumível; c) sua restituição imediata e integral à vítima.

O apoderamento momentâneo de veículo configura furto de uso? Para alguns sim (RT 231/644), pois apesar de coisa não consumível, temos o problema da gasolina (bem consumível).

Nesse sentido, explica Hungria:

“Assim, se a coisa transitoriamente usada é um automóvel suprido de gasolina e de óleo e se tais substâncias são total ou parcialmente consumidas, já então se apresenta um furtum rei, isto é, um autên- tico furto em relação à gasolina e ao óleo.”12.

A doutrina moderna, no entanto, vem ensinando a necessidade, para caracterizar o cri- me quando do simples uso, um desfalque juridicamente apreciável no patrimônio da vítima, o que não se dá com o mero gasto dos pneus ou desfalque de um tanque de gasolina. Aliás, parece evidente que, quem usa um carro não quer se apoderar da gasolina, mas é forçado,

11. Ob. cit., v. 3, p. 32.

12. Ob. cit., v. 7, p. 24.

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obrigado e compelido a despender esse combustível, pois do contrário o veículo não anda, principalmente em se tratando de uma coisa móvel por excelência. A se punir alguém por furto do combustível, pelo uso passageiro de um veículo motorizado, por que não se punir, pelo gasto dos pneus (ou da borrachinha do breque), aquele que se utiliza de uma bicicleta?

5

O furto famélico (para saciar a fome) é crime?

A jurisprudência tem reconhecido o estado de necessidade (art. 24 do CP), desde que pre- sentes os seguintes requisitos (ônus da defesa): a) que o fato seja praticado para mitigar a fome;

b) que seja o único e derradeiro recurso do agente (inevitabilidade do comportamento lesivo);

c) que haja a subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência13; d) a insufi- ciência dos recursos adquiridos pelo agente com o trabalho ou a impossibilidade de trabalhar.

1.5. Consumação e tentativa

No que tange à consumação, há quatro correntes disputando a prevalência:

a) contrectatio: a consumação se dá pelo simples contato entre o agente e a coisa alheia, dispensando o seu deslocamento;

b) amotio (ou apprehensio): dá-se a consumação quando a coisa subtraída passa para o poder do agente, mesmo que num curto espaço de tempo, independentemente de desloca- mento ou posse mansa e pacífica;

c) ablatio: a consumação ocorre quando o agente, depois de apoderar-se da coisa, con- segue deslocá-la de um lugar para outro;

d) ilatio: para ocorrer a consumação, a coisa deve ser levada ao local desejado pelo ladrão para ser mantida a salvo.

O STF14 e o STJ15 adotam a segunda (amotio). Assim, já se decidiu consumado o delito no momento em que o proprietário perde, no todo ou em parte, a possibilidade de contato material com a res ou de exercício da custódia dominical, seja porque o agente logrou bem sucedida fuga, seja porque destruiu a coisa apoderada. Hungria destacava circunstâncias em que o furto deve ser considerado perfeito mesmo que a res furtiva permaneça no âmbito pessoal ou profissional da vítima.

“É o caso, por exemplo, da criada que sub-repticiamente empolga uma joia da patroa e a esconde no seio ou mesmo nalgum escani- nho da casa, para, oportunamente, sem despertar suspeitas, trans- portá-la a lugar seguro.”16.

13. O STJ não admitiu o furto famélico na subtração de uma televisão, um botijão de gás e um liquidi- ficador, argumentando que, nesse caso, a res furtiva não autoriza concluir que o agente teria agido sob influência de falta de alimentação (LEXSTJ 152/266).

14. HC 135.674/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 13/10/2016.

15. HC 347.785/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 15/08/2016.

16. Ob. cit., v. 7, p. 27.

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Nessas hipóteses, o ofendido perde a possibilidade de exercer seu poder de livre dispo- sição sobre a coisa, e o crime, portanto, se consumou.

A tentativa é possível.

5

Nélson Hungria formula a seguinte hipótese, comum na prática: o indivíduo, visan- do “surrupiar” dinheiro do bolso da calça de transeunte, se depara com a algibeira vazia. Haverá, no caso, tentativa punível ou crime impossível (art. 17 do CP)?

A opinião dominante é no sentido da primeira solução, assim justificando o mestre:

“Foi meramente acidental a inexistência do dinheiro no bolso do transeunte: ou este guardava a carteira noutro bolso ou ocasio- nalmente não trazia dinheiro consigo. Foi por mero caso fortuito que deixou de ter êxito o militante propósito do agente. Perante o nosso Código, que, no seu art. 14, continua fiel à lição de Carra- ra, é inelutável a solução no sentido da tentativa punível.”17. Sobre o mesmo assunto, Bitencourt distingue duas situações:

“(1) se a vítima tem dinheiro acondicionado em outro bolso, o bem jurídico (patrimônio) corre sério risco, há o perigo efetivo de dano;

(2) contudo, se a vítima não tem dinheiro algum no momento, não há qualquer risco a seu patrimônio, em face da inexistência do bem. A ação do agente, desde o princípio, estava destinada ao insu- cesso, pois não se pode furtar o nada. Enfim, na primeira hipótese, a impropriedade do objeto é relativa; na segunda, a impropriedade é absoluta, tratando-se de crime impossível (art. 17 do CP).”18.

5

A instalação de sistema de vigilância pode tornar impossível a consumação do furto?

Não são poucos os casos julgados em que acusados pela prática do crime de furto em estabelecimentos comerciais sustentam que sua conduta seria, na realidade, absolutamente incapaz de alcançar o resultado visado e, portanto, de atingir o patrimônio da vítima. As- sim o fazem baseados no fato de que os sistemas de vigilância instalados especialmente em estabelecimentos de grande porte tornam impossível a consumação. Com efeito, susten- tam, redes de câmeras, seguranças circulando pelo interior e alarmes nas portas impedem de maneira incontornável a fuga com a res furtiva.

O entendimento dominante, todavia, é de que a só instalação de sistemas de vigilância não torna impossível a consumação do crime, tanto que o STJ editou a súmula nº 567 neste exato sentido:

“Sistema de vigilância realizado por monitoramento eletrôni- co ou por existência de segurança no interior de estabelecimento 17. Ob. cit., v. 7, p. 28-29.

18. Ob. cit., v. 3, p. 44.

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comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”.

O aparato de segurança de fato dificulta a prática do crime patrimonial, mas não pode ser encarado como um impeditivo. Mas, ainda assim, há quem argumente que o fato de a simples instalação de sistemas de segurança não tornar impossível a consumação não sig- nifica que, no caso concreto, a consumação seja sempre possível. É preciso aquilatar o caso concreto para saber se o meio utilizado era absoluta ou relativamente ineficaz.

Com base nisso, em 22 de agosto de 2017 o STF concedeu habeas corpus em dois casos em que, segundo observou o relator – min. Dias Toffoli –, “a forma espe- cífica mediante a qual os funcionários dos estabelecimentos exerceram a vigilância direta sobre os acusados, acompanhando ininterruptamente todo o trajeto de suas condutas, tornou impossível a consumação do crime, dada a ineficácia absoluta do meio empregado”. Mas, ressaltou, a conclusão pela atipicidade depende sempre da análise pormenorizada das circunstâncias do caso concreto (HC 844.851/SP e RHC 144.516/SC).

A decisão, data maxima venia, parece-nos equivocada por absoluta falta de fundamen- to legal.

Sabemos que o crime impossível pode ocorrer de duas formas: por absoluta impro- priedade do objeto material ou por absoluta ineficácia do meio empregado pelo agente. A impropriedade deve ser inerente ao objeto, assim como a ineficácia deve ser inerente ao meio empregado. Daí porque se diz, no primeiro caso, impossível o homicídio se a pessoa visada já estava morta no momento em que ocorreu a ação, porque a vida, característica inerente à pessoa e que a torna apta a ser vítima de homicídio, já não existia. Daí também a razão de dizer, quanto à ineficácia do meio, que a arma de brinquedo jamais consumaria o homicídio, porque lhe falta a característica inerente às armas de fogo: a capacidade de efetuar disparos.

Ocorre que o sistema de vigilância não é inerente ao meio empregado – e tampou- co ao objeto material –, mas é algo completamente externo, que, portanto, não pode ser considerado para caracterizar o crime impossível nos moldes em que dispõe o art. 17 do Código Penal. Com efeito, o fato de haver um sistema de vigilância em torno de um objeto não modifica sua natureza nem tem absolutamente nenhuma relação com o meio eleito pelo agente.

Suponhamos que alguém planeje o furto de uma joia valiosíssima exposta em uma joalheria dotada dos mais modernos aparatos de segurança: câmeras, sensores e agentes armados. O furtador se infiltra entre os seguranças e conta com a colaboração de um comparsa para desativar as câmeras e os sensores. É evidente que o sucesso do furto, nessas circunstâncias, é dificílimo, mas não se pode dizer, de forma nenhuma, que a consumação é impossível porque o meio eleito é absolutamente ineficaz. Ora, ao contrário: o meio, no caso, é o usual para que se cometa um furto. O fato de haver algo externo que possa dificultar a prática do crime não tem o poder de modificar a

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natureza da forma como ele é praticado. Quando se diz que o crime é impossível por absoluta ineficácia do meio, isso quer dizer que em qualquer situação o meio de que lança mão o agente seria incapaz de provocar o resultado. Alguém que, querendo ma- tar outra pessoa com algumas gotas de veneno, adiciona por engano no café algumas gotas de água não pode, em nenhuma hipótese, consumar o homicídio. Mas alguém que, querendo furtar, planeja burlar o sistema de segurança, pode consumar o furto lançando mão desse meio, exatamente porque o sistema de segurança, não obstante seja um fator que dificulta a consumação, não tem nenhuma relação com a natureza do meio como o delito é cometido.

1.6. Qualificadoras, majorante de pena, forma privilegiada e cláusula de equi- paração

1.6.1. Majorante: repouso noturno (§ 1º)

5

O § 1º do art. 155 aumenta a pena de um terço se o crime é praticado durante o repouso noturno. O que significa “repouso noturno”?

De acordo com Damásio de Jesus:

“Repouso noturno é o período em que, à noite, pessoas se reco- lhem para descansar. Enquanto na violação de domicílio o CP se refere à qualificadora do fato cometido ‘à noite’, no furto men- ciona a circunstância de o fato ser praticado durante o período de repouso noturno. Não há critério fixo para a conceituação des- sa qualificadora. Depende do caso concreto, a ser decidido pelo juiz. Assim, a qualificadora varia no espaço. Ninguém dirá que foi praticado durante o período de repouso noturno furto realiza- do às 21 horas no centro de São Paulo. Entretanto, ocorrerá essa qualificadora numa fazenda do interior, uma vez que é comum nesses lugares o recolhimento das pessoas, para o repouso, ainda bem cedo.”19.

Em síntese, o critério para definir repouso noturno é variável, não se identificando com a noite, mas sim com o tempo em que a cidade ou local costumeiramente recolhe-se para o repouso diário.

Pensamos que a incidência da majorante depende de o crime ser praticado em local de moradia (não necessariamente imóvel, podendo, por exemplo, ser um trailer), habita- do e com seus moradores repousando (nesse sentido: RT 714/393)20. A maioria, porém, discorda (RT 688/325, 679/386 e 637/366). Noronha, por exemplo, sustenta existir a agravante:

19. Ob. cit., v. 2, p. 314.

20. O STJ já reconheceu a incidência da majorante também no furto de estabelecimentos comerciais (REsp. 1.193.074/MG, 6.ª T., rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 15/03/2013).

(11)

“quando o furto se dá durante o tempo em que a cidade ou local repousa, o que não importa necessariamente seja a casa habitada ou estejam seus moradores dormindo. Podem até estar ausentes, ou ser desabitado o lugar do furto. A Exposição de Motivos pa- rece dar-nos razão: ‘É prevista como agravante especial do furto a circunstância de ter sido o crime praticado durante o período de sossego noturno’. Período de sossego noturno é o tempo em que a vida das cidades e dos campos desaparece, em que seus habitantes se retiram, e as ruas e as estradas se despovoam, facilitando essas circunstâncias a prática do crime. Seja ou não habitada a casa, este- jam ou não seus moradores dormindo, cabe a majoração se o crime ocorreu naquele período”21-22.

Por fim, ressalte-se que a presente causa de aumento, de acordo com a orientação dos Tribunais Superiores, tinha aplicação restrita ao furto simples, previsto no caput, podendo o juiz, em se tratando de furto qualificado, considerar o período de cometi- mento (se durante o repouso noturno) na análise das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP)23. Ressaltamos, no entanto, que o STJ decidiu ser possível a aplicação da majorante também no furto qualificado, pois não há incompatibilidade entre esta circunstância e aquelas que qualificam o delito, nem há prejuízo para a dosimetria da pena, tendo em vista que o juiz parte da pena-base relativa à forma qualificada e faz incidir o aumento de um terço na terceira fase de aplicação. Além disso, não se justifica a imposição de óbice porque, lançando mão de critério de interpretação semelhante, o tribunal firmou o entendimento de que é possível aplicar sobre o furto qualificado o privilégio do § 2º do art. 15524. O STF também já decidiu no mesmo sentido:

“1. Não convence a tese de que a majorante do repouso noturno seria incompatível com a forma qualificada do furto, a considerar, para tanto, que sua inserção pelo legislador antes das qualificadoras (critério topográfico) teria sido feita com intenção de não subme- tê-la às modalidades qualificadas do tipo penal incriminador. 2. Se assim fosse, também estaria obstado, pela concepção topográfica do

21. Código Penal brasileiro comentado, v. 5, 1.ª parte, p. 107.

22. O STJ tem decidido que a majorante se aplica inclusive para furtos cometidos na via pública, pois o que importa é o período de maior vulnerabilidade, não o local em que ocorre o crime: “Para a configuração da circunstância majorante do § 1º do art. 155 do Código Penal, basta que a conduta delitiva tenha sido praticada durante o repouso noturno, dada a maior precariedade da vigilância e a defesa do patrimônio durante tal período, e, por consectário, a maior probabilidade de êxito na empreitada criminosa, sendo irrelevante o fato das vítimas não estarem dormindo no momento do crime, ou, ainda, que tenha ocorrido em estabelecimento comercial ou em via pública, dado que a lei não faz referência ao local do crime" (AgRg nos EDcl no REsp 1.849.490/MS, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, j. 15/09/2020).

23. Esse é também o entendimento de Luiz Regis Prado: “em face da posição topográfica da causa de aumento de pena, essa não incide sobre as formas qualificadas de furto”. Tratado de Direito Penal Brasileiro, v. 5, p. 80.

24. HC 306.450/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 17/12/2014; AgRg no REsp 1.658.584/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 03/05/2017.

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Código Penal, o reconhecimento do instituto do privilégio (CP, art.

155, § 2º) no furto qualificado (CP, art. 155, § 4º) - como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade desses dois institutos. 3. Inexistindo vedação legal e contradição lógica, nada obsta a convivência harmônica entre a causa de aumento de pena do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) e as qualificadoras do furto (CP, art. 155, § 4º) quando perfeitamente compatíveis com a situação fática”25.

Pelas mesmas razões, a nosso ver é plenamente possível a incidência da causa de au- mento nas qualificadoras inseridas pela Lei 13.654/18. Já no caso da fraude cometida por meio de dispositivo eletrônico ou informático, parece-nos que, ao menos na maior parte dos casos, desaparece a razão para o aumento. O fundamento para agravar a pena é a maior facilidade proporcionada pelo horário em que a subtração é cometida. No momento em que repousa a maior parte das pessoas a vigilância é precária, o que torna mais vulnerável o patrimônio e aumenta a probabilidade de sucesso da conduta criminosa. Mas no furto cometido por meio eletrônico a vigilância das pessoas é no geral irrelevante, pois o agente se vale de um dispositivo cuja utilização é concebida justamente para dispensar sua presença física no lugar da subtração. Se o furtador emprega um meio fraudulento para ingressar no sistema bancário e transferir dinheiro de uma conta corrente, a vigilância – também eletrônica – é sempre a mesma, independentemente do horário em que o crime é cometido.

1.6.2. Furto privilegiado ou mínimo (§ 2º)

O privilégio foi, originariamente, instituído em favor dos autores primários de subtra- ção de coisa de valor insignificante, movidos por necessidade de uso.

Assim, originariamente, três eram os requisitos indispensáveis para caracterizar o be- nefício: a) primariedade do agente, b) coisa de pequeno valor e c) necessidade de usar, com urgência, a coisa furtada.

O atual estágio da doutrina (e jurisprudência) pátria tem dispensado, com razão, o derradeiro requisito (“necessidade de usar, com urgência”), pois, se presente no caso con- creto, configurará clara hipótese de estado de necessidade (ou, como vimos, furto de uso, mero fato atípico).

Sobre a primariedade, encontramos duas orientações divergentes: para uns, é o não reincidente, ainda que tenha no passado várias condenações (RF 257/274; RJTJSP 9/533;

JTACrimSP 44/418 e 27/283; RTJ 62/182); já para outros (minoria) é o que, na data da sentença, não ostenta qualquer condenação irrecorrível pretérita (RTJ 71/840; JTACrim SP 39/127; RF 274/274; RJTJSP 30/375).

A coisa subtraída de pequeno valor, no conceito assentado da jurisprudência, é aquela que não ultrapassa a importância de um salário mínimo (RT 657/323), predominando o entendimento de que deve ser analisado o valor do objeto por ocasião da subtração. Não

25. HC 130.952/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20/02/2017.

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se leva em consideração o prejuízo suportado pela vítima em caso de eventual recuperação do bem.

O pequeno valor do prejuízo (requisito do furto privilegiado) não se confunde com o prejuízo insignificante. Este, se presente, exclui a tipicidade (material)26.

Diverge a doutrina sobre a possibilidade de aplicar-se o privilégio ao crime de furto qualificado. O posicionamento tradicional do STF e do STJ era no sentido de ser ele incompatível, vez que, além da gravidade do crime qualificado, a posição topográfica do privilégio indica a intenção do legislador de vê-lo aplicado somente ao furto sim- ples e noturno (RT 608/446, 609/354 e 617/336). Há, contudo, clara modificação de orientação por parte dos Tribunais Superiores, que passaram a admitir a combinação dos parágrafos:

“O furto qualificado privilegiado encerra figura harmônica com o sistema penal no qual vige a interpretação mais favorável das nor- mas penais incriminadoras, por isso que há compatibilidade entre os

§§ 2º e 4º do art. 155 do Código Penal quando o réu for primário e a res furtivae de pequeno valor, reconhecendo-se o furto privilegia- do independentemente da existência de circunstâncias qualificado- ras. Precedentes: HC 96.843, Relatora a Ministra Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe de 24/04/2009; HC 97.034, Relator Min. Ayres Brit- to, 1ª Turma, DJe de 07/05/2010; HC 99.222, Relatora Ministra Cármen Lúcia,  1ª Turma, DJe de  089/06/2011; e HC  101.256, Relator Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe de 14/09/2011)”27.

26. O STF, hoje, reconhece copiosamente o princípio da insignificância, analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, tendo o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do com- portamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público (RT 834/477). Contudo, na aferição da insignificância, deve-se considerar a realidade econômica do país (não apenas a realidade da vítima e/ou agente), evitando-se, com isso, exageros e, consequen- temente, injustiças. A aplicação indiscriminada do princípio em tela levaria à esdrúxula situação da ausência de proteção penal relativa aos furtos para uma grande parte da população, uma vez que, tendo em conta o salário mínimo, tudo o que normalmente os mais pobres possuem poderia ser considerado insignificante. Além disso, observam-se outras circunstâncias que, concretamente, tornam o crime mais grave, apesar do baixo valor do objeto subtraído, como acontece nas formas qualificadas do delito e nas situações que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher.

A este respeito, aliás, o STJ editou a súmula nº 589, que veda a insignificância em quaisquer crimes ou contravenções cometidos contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

27. RHC 115.225/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 16/04/2013. O próprio STF, no entanto, já deci- diu, posteriormente, em sentido contrário (RHC 117.004/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 25/08/2016).

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O STJ editou a súmula nº 511 neste exato sentido:

“É possível o reconhecimento do privilégio previsto no §  2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva”.

Nota-se que o enunciado destaca a aplicação do privilégio somente diante de qualificadoras objetivas. A ressalva foi feita porque, de acordo com a jurisprudência do tribunal, o abuso de confiança e a fraude têm natureza subjetiva (neste sentido: HC 200895/RJ, DJe 27/05/2013;

HC 462.322/SC, j. 27/11/2018). Dela (ressalva) ousamos discordar. Para nós, todas as qualifi- cadoras do furto são objetivas, relacionadas com o meio/modo de execução do crime, conciliá- veis com o privilégio. Inclusive a fraude cometida por meio eletrônico ou informático se insere nessa categoria, e, atendidos os requisitos do § 2º, pode ter a pena diminuída.

1.6.3. Cláusula de equiparação (§ 3º)

O furto consiste na subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem. O § 3º equipara à coisa móvel a energia elétrica e outras (genética, mecânica, térmica e a radioati- vidade), desde que tenham valor econômico.

Lê-se na Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal (item 56): “Para afastar qualquer dúvida, é expressamente equiparada à coisa móvel, e consequentemente reconhecida como possível objeto de furto, a ‘energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico’. Toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo (como, por exemplo, a ele- tricidade, a radioatividade, a energia genética dos reprodutores etc.) pode ser incluída, mesmo do ponto de vista técnico, entre as coisas móveis, a cuja regulamentação jurídica, portanto, deve ficar sujeita”.

Como ajustar ao ordenamento penal a subtração de sinal de televisão a cabo (servindo a mesma pergunta para a subtração de pulso telefônico)? Há divergências.

Para Cezar Roberto Bitencourt:

“A energia se consome, se esgota, diminui, e pode, inclusive, ter- minar, ao passo que ‘sinal de televisão’ não se gasta, não diminui;

mesmo que metade do País acesse o sinal ao mesmo tempo, ele não diminui, ao passo que, se fosse a energia elétrica, entraria em colapso. Não se pode adotar interpretação extensiva para sustentar que o § 3º equiparou a coisa móvel ‘a energia elétrica ou qualquer outra coisa’, quando na verdade se refere a ‘qualquer outra energia’.

Se a pretensão do legislador fosse essa, equiparar coisa móvel a coisa que tenha valor econômico, poderia ter utilizado uma forma mais clara, por exemplo, ‘equipara-se à coisa móvel outra que tenha valor econômico’. Afora o fato de, em não sendo energia, não poder ser objeto material do crime de furto, o ‘sinal de televisão’ tampouco pode ser subtraído, pois, como já afirmamos, subtrair significa re- tirar, surrupiar, tirar às escondidas a coisa móvel de alguém. Ora,

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quem utiliza clandestinamente de ‘sinal de televisão’ não o retira e tampouco dele se apossa, não havendo qualquer diminuição do patrimônio alheio, que, em última instância, é o bem jurídico pro- tegido no crime de furto.”28.

Já para Guilherme de Souza Nucci, o furto de sinal de televisão:

“É válido para encaixar-se na figura prevista neste parágrafo, pois é uma forma de energia. Nessa ótica: ‘Indícios apontando o uso irre- gular de sinais de TV a cabo por um período de cerca de 1 ano e 9 meses, sem o pagamento da taxa de assinatura ou as mensalidades pelo uso, apesar da cientificação pela empresa vítima da irregula- ridade da forma como recebiam o sinal, tendo sido refeita, inclu- sive, a ligação clandestina após a primeira desativação pela NET (STJ, HC 17.867-SP, 5.ª T., j. 17.12.2002, rel. Gilson Dipp, v.u., DJ 17.03.2003).”29.

A questão foi levada ao STF que, através da sua 2ª Turma, concedeu habeas corpus para declarar a atipicidade da conduta de condenado pela prática do crime descrito no art. 155,

§ 3º, do CP, por efetuar ligação clandestina de sinal de TV a cabo. Reputou-se que o ob- jeto do aludido crime não seria “energia” e ressaltou-se a inadmissibilidade da analogia in malam partem em Direito Penal, razão pela qual a conduta não poderia ser considerada penalmente típica30.

O STJ, no entanto, já decidiu em sentido contrário:

“I. O sinal de televisão propaga-se através de ondas, o que na defi- nição técnica se enquadra como energia radiante, que é uma forma de energia associada à radiação eletromagnética. II. Ampliação do rol do item 56 da Exposição de Motivos do Código Penal para abranger formas de energia ali não dispostas, considerando a revo- lução tecnológica a que o mundo vem sendo submetido nas últi- mas décadas. III. Tipicidade da conduta do furto de sinal de TV a cabo”31.

Mas não se trata de orientação pacífica. A Sexta Turma do tribunal já decidiu que es- tender a incidência do dispositivo ao sinal de televisão é analogia incriminadora:

“1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se inclinava no sentido de que o furto de sinal de televisão por assinatura se enqua- draria na figura típica do art. 155, § 3.º, do Código Penal. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n.º 97.261/RS, entendeu que o sinal de televisão não se equipararia à energia elé- trica, bem assim que não haveria subtração na hipótese de captação

28. Ob. cit., v. 3, p. 85.

29. Código Penal comentado, p. 795.

30. HC 97261/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 12.4.2011.

31. REsp 1.123.747/RS, DJe 16/12/2010.

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indevida de sinal, motivo pelo qual a conduta não se amoldaria ao crime do art. 155, § 3.º, do Código Penal. Asseverou também que a ausência de previsão de sanção no art. 35 da Lei n.º 8.977/1995, que definiu a captação clandestina de sinal como ilícito penal, so- mente poderia ser suprida por outra lei, não podendo ser utilizado o preceito secundário de outro tipo penal, sob pena de haver inde- vida analogia in malam partem. Precedente da Sexta Turma desta Corte Superior. 3. Recurso especial desprovido”.32

Não podemos confundir furto de energia elétrica (art. 155, § 3º), praticado median- te ligação clandestina, com o crime de estelionato (art. 171), hipótese em que o agente emprega fraude, alterando o medidor de energia, para acusar um resultado menor do que o consumido. No segundo modus operandi, ao contrário do primeiro, o agente está autorizado, por via de contrato, a gastar energia elétrica, porém acaba usando de artifício, induzindo a vítima a erro, provocando resultado fictício, lhe advindo indevida vantagem.

Neste sentido:

“No caso dos autos, verifica-se que as fases "A" e "B" do medidor es- tavam isoladas por um material transparente, que permitia a alteração do relógio e, consequentemente, a obtenção de vantagem ilícita aos acusados pelo menor consumo/pagamento de energia elétrica - por induzimento em erro da companhia de eletricidade. Assim, não se trata da figura do "gato" de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Trata-se de serviço lícito, prestado de for- ma regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de contro- le de consumo – fraude – por induzimento em erro, da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no tipo elencado no art. 171, do Código Penal (estelionato)”.33

Por fim, nos casos de furto de energia elétrica e de água em que, antes do oferecimento da denúncia, o furtador ressarcisse à distribuidora os valores correspondentes, o STJ vinha aplicando analogicamente a regra estabelecida a respeito da reparação do dano nos delitos tributários para extinguir a punibilidade:

“1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o valor fixado como contraprestação de serviços públicos essen- ciais como a energia elétrica e a água, conquanto não seja tributo, possui natureza jurídica de preço público, aplicando-se, por ana- logia, as causas extintivas da punibilidade previstas para os crimes tributários. 2. No caso, o parcelamento do débito foi anterior ao recebimento da denúncia, e o pagamento integral do valor deu-se no curso da ação penal, aplicando-se, à espécie, a legislação tribu- tária”.34

32. REsp 1.838.056/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 09/06/2020.

33. AREsp 1.418.119/DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 07/05/2019.

34. AgRg no AREsp 796.250/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 26/09/2017.

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Posteriormente, no entanto, a Terceira Seção do tribunal adotou a orientação de que não é possível conferir aos delitos patrimoniais o mesmo tratamento aplicável aos tributá- rios, pois, nestes crimes, a extinção da punibilidade é medida específica – e, portanto, deve ser restrita –, adotada como forma de incentivar o pagamento e, como consequência, man- ter a higidez das contas públicas, o que não acontece no âmbito estritamente patrimonial, que, ademais, tem disposição normativa de natureza geral plenamente aplicável: o artigo 16 do Código Penal, que disciplina o arrependimento posterior, causa de diminuição de pena que não afeta a pretensão punitiva:

“1. Tem-se por pretensão aplicar o instituto da extinção de punibi- lidade ao crime de furto de energia elétrica em razão do adimple- mento do débito antes do recebimento da denúncia.

2. Este Tribunal já firmou posicionamento no sentido da sua possi- bilidade. Ocorre que no caso em exame, sob nova análise, se apre- sentam ao menos três causas impeditivas, quais sejam; a diversa po- lítica criminal aplicada aos crimes contra o patrimônio e contra a ordem tributária; a impossibilidade de aplicação analógica do art.

34 da Lei n. 9.249⁄95 aos crimes contra o patrimônio; e, a tarifa ou preço público tem tratamento legislativo diverso do imposto. 

3. O crime de furto de energia elétrica mediante fraude  praticado contra concessionária de serviço público situa-se no campo dos  de- litos patrimoniais. Neste âmbito, o Estado ainda detém tratamento mais rigoroso. O desejo de aplicar as benesses dos crimes tributários ao caso em apreço esbarra na tutela de proteção aos diversos bens ju- rídicos analisados, pois o delito em comento, além de atingir o patri- mônio, ofende a outros bens jurídicos, tais como a saúde pública, con- siderados, principalmente, o desvalor do resultado e os danos futuros.

4. O papel do Estado nos casos de furto de energia elétrica  não deve estar adstrito à intenção arrecadatória da tarifa, deve coibir ou prevenir eventual prejuízo ao próprio abastecimento elétrico do País. Não  se pode olvidar que o caso em análise ainda traz uma particularidade, porquanto trata-se de empresa, com condições fi- nanceiras de cumprir  com suas obrigações comerciais. A extinção da punibilidade neste caso  estabeleceria tratamento desigual entre os que podem e os que não podem pagar, privilegiando determina- da parcela da sociedade.

5. Nos crimes contra a ordem tributária, o legislador (Leis n. 9.249⁄95 e n. 10.684⁄03), ao consagrar a possibilidade da extin- ção da punibilidade pelo pagamento do débito, adota política que visa a garantir a higidez do patrimônio público, somente. A sanção penal é invocada pela norma tributária como forma de fortalecer a ideia de cumprimento da obrigação fiscal.

6. Nos crimes patrimoniais existe previsão legal específica de cau- sa de diminuição da pena para os casos de pagamento da "dívi- da" antes do recebimento da denúncia. Em tais hipóteses, o Código Penal –  CP, em seu art. 16, prevê o instituto do arrependimento

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posterior, que em nada afeta a pretensão punitiva, apenas constitui causa de diminuição da pena.

7. A jurisprudência se consolidou no sentido de que a natureza ju- rídica da remuneração pela prestação de serviço público, no caso de fornecimento de energia elétrica, prestado por concessionária, é de tarifa ou preço público, não possuindo caráter tributário. Não há como se atribuir o efeito pretendido aos diversos institutos legais, considerando que os dispostos no art. 34 da Lei n. 9.249⁄95 e no art. 9º da Lei n. 10. 684⁄03 fazem referência expressa e, por isso, taxativa, aos tributos e contribuições sociais, não dizendo respeito às tarifas ou preços públicos.

8. Recurso ordinário desprovido”.35

1.6.4. Qualificadoras (§§ 4º, 4º-A, 4º-B, 5º, 6º e 7º)

O furto qualificado está previsto nos incisos I a IV do § 4º e nos §§ 4º-A, 4º-B, 5º, 6º e 7º.

Como bem explica Nélson Hungria:

“Notadamente quanto ao modo de execução, o furto pode revestir- -se de circunstâncias que lhe imprimem um cunho de maior gravi- dade, por isso que traduzem um especial quid pluris no sentido de frustrar a vigilante defesa privada da propriedade. Tais circunstân- cias, taxativamente enumeradas pela lei, entram, então, a funcionar como ‘condição de maior punibilidade’ (agravantes especiais, majo- rantes, qualificativas), e o furto se diz qualificado.”36.

Vejamos as várias hipóteses.

1.6.4.1. Destruição ou rompimento de obstáculo (inciso I)

O inciso I trata da destruição ou rompimento de obstáculo colocado de forma a impe- dir a subtração da coisa. Assim, pode-se exemplificar como sendo a degradação, arromba- mento, rompimento, fratura, demolição, destruição, total ou parcial, de quaisquer objetos (fechaduras, cadeados, cofres37 etc.) ou construções (muros, tetos, portas, janelas etc.), que dificultem a subtração da coisa visada pelo agente38.

35. RHC 101.299/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13/03/2019.

36. Ob. cit., v. 7, p. 38.

37. A Lei 10.406/02, que trata das infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, teve, no art. 1º, o inciso VI incluído pela Lei 13.124/15, que estabelece atribuição à Polícia Federal para investigar furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, in- cluindo agências bancárias ou caixas eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado da Federação.

38. A remoção de telhas para possibilitar penetração em casa alheia, visando à prática de furto, só con- figurará a qualificadora do rompimento de obstáculo quando houver dano às telhas, não bastando o simples ato de deslocá-las ou afastá-las (JTACRIM 99/213).

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