Publicado em Primeir@Prova, n.º 0, Abril de 2004, Porto, Departamento de Estudos Por- tugueses e Estudos Românicos da Faculdade de Letras do Porto (www.letras.
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TRÊS POEMAS DE MIQUEL MARTÍ I POL
Francisco Topa
Miquel Martí i Pol nasceu em Roda de Ter (Barcelona), a 19 de Março de 1929, vindo a morrer, também na Cidade Condal, a 11 de Novembro de 2003.
Tendo iniciado a sua carreira literária nos anos ’50, converteu-se no final da dé- cada de ’70 no poeta catalão mais popular e mais lido. Para isso contribuiu também o facto de muitos textos seus terem sido musicados e interpretados por cantores como Maria del Mar Bonet, Ramon Muntaner, Lluís Llach, Celdoni Fonoll ou Ra- fael Subirachs. Para além da poesia, publicou também um volume de prosa, Contes de la Vila de R. i altres narracions, dois livros de memórias, um de correspondên- cia com o poeta Joan Vinyoli e outro de crónicas e artigos de jornal. Além disso, traduziu numerosos autores, sobretudo franceses.
Na sua longa carreira, Martí i Pol ganhou importantes prémios, entre os quais o da Crítica, o Salvador Espriu, o Cidade de Barcelona (tanto em tradução como em poesia), o Prémio de Honra das Letras Catalãs, a Cruz de Sant Jordi, a Medalha de Ouro para o Mérito nas Belas Artes, o Prémio Nacional de Literatura da Generalitat da Catalunha e a Medalha de Ouro da mesma Generalitat. Por ocasião do seu 70.º aniversário, multiplicaram-se as homenagens públicas e surgiu uma amplo movi- mento para apresentar a sua candidatura ao Prémio Nobel.
Em volumes individuais ou em antologias colectivas, a sua poesia tem sido tra- duzida para diversas línguas, como o espanhol, o inglês, o francês, o alemão, o
italiano, o flamengo, o russo ou o japonês. Em português, tanto quanto julgo saber, estavam apenas traduzidos três poemas, no volume de Egito Gonçalves intitulado Quinze Poetas Catalães (Porto, Limiar, 1994). São eles: «Metamorfosi, 1», «Se falo da morte» e «Nem me tomas, nem te tomo».
Esboçando uma rápida apresentação da poesia de Miquel Martí i Pol, devemos começar por sublinhar um aspecto que a crítica também costuma destacar: a sua raiz autobiográfica, que em parte explicará as diversas orientações e matizes assu- midos pela obra ao longo dos quase cinquenta anos de actividade do autor.
Assim, a linha neo-realista visível nos livros publicados entre os anos ’50 e o início da década de ’70 dever-se-ia à ligação do poeta à terra natal e às suas origens operárias (ele próprio trabalhou, desde os 14 anos, como escriturário numa fábrica têxtil). Independentemente dessa explicação, é inegável que neste período Martí i Pol se mostra particularmente atento à realidade social, descrevendo e denunciando diversos aspectos da vida operária, embora acompanhando essa abordagem com um tratamento humano marcado pela ternura e vazado numa linguagem metafórica que evita o tom panfletário.
Importância fulcral terá tido também a esclerose múltipla que passa a atormen- tá-lo a partir de 1970 e lhe vai progressivamente dificultando os movimentos e a fala. A obra do poeta torna-se agora mais introspectiva, passando a ser dominada por temas como a solidão, a angústia, a morte. A ultrapassagem desta fase inicia-se em 1976, com Quadern de vacances, sendo confirmada nos livros seguintes, já dominados por um vitalismo e por um optimismo claros. O amor e a reflexão cívi- ca são algumas das novas orientações que se impõem. A tendência surge acentuada nos livros da década de ’80, mais maduros e mais marcados por uma espécie de serenidade.
Na fase final da obra de Martí i Pol, dos anos ’90 até 2002, parece haver uma espécie de regresso à orientação dominante na década de ’70. O pessimismo e a decepção surgem de novo, ainda que sob um prisma diferente: não resultam apenas da introspecção do eu, mas estão também relacionados com os acontecimentos sociais e políticos, a que o autor se mantém criticamente atento. A espaços, a emergência da ironia parece sugerir uma forma de ultrapassar a resignação pessi- mista que daí poderia resultar.
Obras de Miquel Martí i Pol: Paraules al vent (1954); Quinze poemes (1957);
El Poble (1966); La fàbrica (1972); Vint-i-set poemes en tres temps (1972); La pell del violí (1974); Cinc esgrafiats a la mateixa paret (1976); L’arrel i l’escorça
(1975); El llarg viatge (1976); Quadern de vacances (1976); Amb vidres a la sang (1977); Crònica del demà (1977); Contes de la vila de R. (1978); Estimada Marta (1978); L’hoste insòlit (1978); Les clares paraules (1980); L’àmbit de tots els àm- bits (1981); Primer llibre de Bloomsbury (1982); L’aniversari (1983); Andorra, postals i altres poemes (1984); Autobiografía (1984); Cinc poemes d’iniciació (1984); Llibre d’absències (1985); Per preservar la veu (1985); Bon profit! (1998);
Barcelona-Roda de Ter (1987); Els bells camins (1987); En Joan Silencis (1987);
Obertura Catalana (1988); Contes de la vila de R. i altres narracions (1989); De- fensa siciliana (1989); Obra poètica – 1 (1948-1971) (1989); Obra poètica – 2 (1970-1980) (1990); Temps d’interludi (1990); Suite de Parlaba (1991); El fugitiu (1998); Un hivern plàcid (1994); Llibre de les solituds (1997); Els infants compo- nen cançons (1997); Antologia poètica (org. de Ricard Torrents) (1997); Cinc po- emes de possibles variacions melangioses (1998); Antologia poètica (org. de Àlex Broch) (1999); ABCEDARI. Una joia solidària (2001); Haikús en temps de guerra (2002); Després de tot (2002).
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No demano gran cosa:
poder parlar sense estrafer la veu, caminar sense crosses,
fer l’amor sense haver de demanar permisos, escriure en un paper sense pautes.
O bé, si sembla massa:
escriure sense haver d’estrafer la veu, caminar sense pautes,
parlar sense haver de demanar permisos, fer l’amor sense crosses.
O bé, si sembla massa:
fer l’amor sense haver d’estrafer la veu, escriure sense crosses,
caminar sense haver de demanar permisos, poder parlar sense pautes.
O bé, si sembla massa...
(de Vint-i-set poemes en tres temps, 1972)
Não peço grande coisa:
poder falar sem disfarçar a voz, caminhar sem muletas,
fazer amor sem ter de pedir licença, escrever num papel sem pautas.
Ou então, se parecer demais:
escrever sem ter de disfarçar a voz, caminhar sem pautas,
falar sem ter de pedir licença, fazer amor sem muletas.
Ou então, se parecer demais:
fazer amor sem ter de disfarçar a voz, escrever sem muletas,
caminhar sem ter de pedir licença, poder falar sem pautas.
Ou então, se parecer demais...
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SI PARLO DELS TEUS ULLS
Si parlo dels teus ulls em fan ressò cadiretes de boga i un ponent de coloms.
Els teus ulls, tan intensos com un crit en la fosca.
Si parlo dels teus llavis em fan ressò profundíssimes coves i ritmes de peresa.
Els teus llavis, tan pròxims com la nit.
Si parlo dels teus cabells em fam ressò platges desconegudas e quietudes d’església.
Els teus cabells, com l’escuma del vent.
Si parlo de les teves mans em fa ressò melicotons suavíssims i olor de roba antiga.
Les teves mans, tan lleus com un sospir.
Si parlo del teu cos, del teu cos que he estimat, només em fa ressò la meva veu, i llavors tanco avarament els ulls
i em dic, per a mi sol, el secret dels camins que he seguit lentament a través del teu cos tan càlid com la llum,
tan dens com el silenci.
(de Obra poètica, vol. II, 1977)
SE FALO DOS TEUS OLHOS
Se falo dos teus olhos, em mim ecoam cadeirinhas de junco e um ocaso de pombos.
Os teus olhos, tão intensos como um grito na escuridão.
Se falo dos teus lábios, em mim ecoam profundíssimas grutas e ritmos de preguiça.
Os teus lábios, tão próximos como a noite.
Se falo do teu cabelo, em mim ecoam praias desconhecidas e quietudes de igreja.
O teu cabelo, como a espuma do vento.
Se falo das tuas mãos, em mim ecoam
maracotões suavíssimos e odor de roupa antiga.
As tuas mãos, tão leves como um suspiro.
Se falo do teu corpo, do teu corpo que amei, só ecoa em mim a minha voz, e então fecho avaramente os olhos
e digo, para mim só, o segredo dos caminhos que lentamente segui através do teu corpo tão cálido como a luz,
tão denso como o silêncio.
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ESTENC LA MÀ
Estenc la mà i no hi ets.
Però el misteri d’aquesta teva absència se’m revela més dòcilment i tot del que pensava.
No tornaràs mai més, però en les coses i en mi mateix hi hauràs deixat l’empremta de la vida que visc, no solitari
sinó amb el món i tu per companyia, ple de tu fins i tot quan no et recordo, i amb la mirada clara dels qui estimen sense esperar cap llei de recompensa.
(de Libre d’Absències, 1985)
ESTENDO A MÃO
Estendo a mão e não estás.
Mas o mistério desta tua ausência é-me revelado mais docilmente ainda do que pensava.
Não voltarás jamais, mas nas coisas e em mim mesmo terás deixado a marca da vida que vivo, não solitário
mas antes com o mundo e tu por companhia, impregnado de ti mesmo quando não te lembro, e com o olhar límpido dos que amam
sem esperar nenhuma lei de recompensa.