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O Príncipe com Orelhas de Burro

de José Régio: uma História para

Crianças Grandes

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M aria José M . M adeira D’Ascensão

Inst it ut o Polit écnico de Port alegre, Port ugal

O Príncipe com Orelhas de Burro represent a um a narrat iva da aut oria de José Régio,

escrit or port uguês do séc. XX. Est a obra const it ui um rom ance, claram ent e sust ent ado num a

m acroest rut ura narrat iva com caract eríst icas ext ernas e int ernas específicas dest e subgénero

lit erário. Com efeit o, assim se cont raria o que o respet ivo t ít ulo (ent re out ros t raços not órios)

sugere: o fact o de est arm os perant e um cont o infant il.

Na verdade, desengane-se quem ident ifica a priori est e rom ance com o um a m era

hist ória infant il com configurações claras, sim ples; com pouca profundidade e com plexidade;

com os cont ornos part iculares do m aravilhoso e do m ágico. Deveras, O Príncipe com Orelhas

de Burro de José Régio é inequivocam ent e um rom ance, em bora nele se cruzem , de form a

genial, fisionom ias do cont o m aravilhoso infant il. De fact o, assist e est a obra à reflexão sobre

t em as t ão com plexos e t ão adult os que um a criança não poderia ent ender, m as que depressa

quest ionaria. Na verdade, é um rom ance que faz de nós leit ores acriançados, pois que

quest ionadores, curiosos, t eim osos e pert inazes. E faz de nós, sim ult aneam ent e, leit ores

adult os que, da ficção do Príncipe perfeit o com orelhas de burro, part im os para a realidade do

hom em “ ret rat o im puro, am assado do cont radit ório (em si, que o fez, e na im agem em que o

fez), onde a paixão da verdade e a dúvida e presença do am or lançam o seu herói, cada herói,

de cá para lá, de lá para cá, sem cer t eza cert a, ent re a lam a nauseabunda do próprio est er co e

o fogo irradiant e da luz, própria t am bém .” (Galhoz, 1996: 35)

Quiçá, para esclarecer indubit avelm ent e o subgénero que configura est a obra; apart ar

est e rom ance da ident ificação com um cont o infant il e/ ou indigit ar um público-alvo

especificam ent e adult o, o aut or lhe t enha adicionado, na folha de rost o que ant ecede o t ext o,

o subt ít ulo “ Hist ória para Crianças Grandes” . Por out ro lado, não quereria, t am bém , José

Régio, com est a indicação, propor ao leit or que visualizasse e experienciasse est e rom ance, t ão

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com plexo, de um m odo m ais lím pido e im aginat ivo, longe dos hábit os, vícios e int ricadas

análises que o am adurecim ent o cria?

Na verdade, est a narrat iva encont ra-se m at izada por várias evidências claras de índole

infant il, que, t odavia, se m anifest am de form a irregular

na m edida em que algum as delas

variam nas 10 edições que se fizeram dest a obra. Focam os, nós, os desenhos das capas, as

ilust rações que pont ualm ent e são visadas ao longo da obra; a própria t em át ica e o cont o para

crianças (e porque não, t am bém , adult os?) que est á na raiz dest e rom ance.

Com ecem os por apresent ar e porm enorizar, ent ão, grande part e das capas das

edições2 dest e rom ance que est ão evident em ent e dot adas de pinceladas gráficas e crom át icas

que t ant o aliciam os olhos da m eninice. Na verdade, em m uit as delas, apresent a-se um a

ilust ração que inst iga a nossa curiosidade e despert a a nossa im aginação, pois que nelas são

invocados t raços do cont o m aravilhoso: ora o t racejament o de um palácio dist ant e, num fundo

azul escuro, m at izado com pont uais est relas (1ª edição); ora, num plano dist ant e, o cenário de

um palácio rodeado de arvoredo cerrado e, num plano m ais próxim o, um jovem que,

sobriam ent e t rajado, com um t urbant e na cabeça e um ar circunspect o, t ransport a, num dos

seus braços, um livro (2ª e 10ª edições); ora, num cenário bucólico e rom ânt ico, um a

personagem m asculina, ricam ent e vest ida, com as orelhas de burro recent em ent e descobert as

(pois que segura, na sua m ão, um t oucado desm anchado), ajoelhado perant e um a figura

fem inina, t am bém ela adornada de form a abast ada, que grave, m as cum plicement e, as

observa (3ª edição); ora um espect ro que vest e um a figura hum ana dot ada de algum a

disform idade física, revest ida de pelagem e penas (?) com face m asculina (qual m áscara) e

orelhas de burro (4ª edição); ora, um bust o de um jovem que se dest aca pelo fact o de, na

cabeça, se encont rarem um a coroa e duas orelhas de burro (8ª edição). Com efeit o, est as

capas, além de visualment e im pact ant es, e assinadas por ilust radores port ugueses de

renom e3, represent am um pont o de part ida para a leit ura do rom ance, indiciando um a hist ória

enquadrável no perfil do cont o e do m aravilhoso.

Out ro elem ent o visual que sublinha um a cert a com pleição infant il nest e rom ance é a

exist ência de, cont udo em apenas duas edições (a 2ª e a 10ª ), 10 desenhos do irm ão do aut or ,

Júlio. Não apresent ando cores, est es são ricos nos t raços que, em bora sim ples, deixam ver

elem ent os caract erizadores e part icularizadores dos cenários e personagens. Est as ilust rações

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O Príncipe com Orelhas de Burro t eve a t ot alidade de 10 edições. A prim eira dat a de 1942, a últ im a de 2001.

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Nomes de ilustradores port ugueses conhecidos assinam as várias edições de O Príncipe com Orelhas de

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não subst it uem de form a algum a a palavra do t ext o, t odavia enriquecem -no e m arcam

visualm ent e acont ecim ent os relevant es da ação. Por exem plo, na prim eira, apresent a-se um

casal isolado num cenário sim ples, cont udo com est at ut o de realeza (a figura m asculina est á

sent ada num t rono). Am bos, ensim esmados e nit idam ent e t rist es, observam o vazio das suas

vidas (causado pela dolorosa condição de infert ilidade): ele, com o queixo apoiado na m ão,

encara o chão; ela, de m ãos post as no regaço, m ira o lenço que dist raidam ent e segura.

Ao examinarm os a quint a ilust ração, nela se m arca out ro m om ent o crucial dest a

hist ória. Na verdade, nessa im agem observam os, numa sala ricam ent e adornada (com quadros

det alhados, opulent os repost eiros, o chão t raçado por desenhos geom ét ricos), o príncipe

visivelm ent e t ranst ornado a cont em plar o seu reflexo no espelho. Apresent a-se com a cabeça

descobert a e, nela, visualiza-se um apont am ent o horrendo, com plet am ent e

descont ext ualizado da sua beleza: as orelhas de burro. As m ãos dest a figura m asculina, num

t rejeit o precário e denunciador de pavor dest a at erradora descobert a, seguram o lenço do

t urbant e sem iabert o. At rás, presenciando a reação do jovem , o Aio aparent a est ar

apat icam ent e alheio à dor do Príncipe. Além disso, apoiando dist raidam ent e um a das suas

m ãos na m esa, a expressão facial t ranquila, e sim ult aneam ent e pensat iva, dest a últ im a

personagem parece confinar a cum plicidade perant e a condição da deform idade e da

im perfeição física.

Todos os out ros esboços são igualm ent e ricos e m erit órios de um a cuidadosa análise:

t odos eles m arcam

e são m arcados

por m oment os cruciais da ação e, não m enos

im port ant e, t odos eles servem e aguçam a curiosidade de um a criança.

Out ra ocorrência que se prende com t oda um a condição de rom ance replet o de

lineam ent os infant is rem et e para a part icular form a de t it ulação de cada capít ulo. Com efeit o,

em cada qual apresent a-se, não um sim ples t ít ulo indicat ivo, m as sim um a rubrica: um a breve

súm ula dos event os que irão ser narrados. Não obst ant e, est a não represent a um a m era

explicação ou ant ecipação dos acont ecim ent os que irão ser apresent ados. De fact o, const it ui,

m esm o, um elem ent o porm enorizador do que const it ui o pont o alt o ou o clímax da ação ou

das m icroações visadas no capít ulo do livro a que r espeit a. Suscit a-se, assim , a curiosidade

infant il de querer saber m ais do m uit o que parece saber-se. Na verdade, com cada t ít ulo,

esclarece-se, porm enoriza-se e assim se conquist a a at enção do leit or. Com a t ot alidade dos

t ít ulos perfaz-se, quase, um pequeno cont o com cont ornos de infant ilidade, em bora com

indícios de algum a com plexidade.

Vejam os, por exem plo, no prim eiro capít ulo, int it ulado “ De algum as circunst âncias que

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2001: 19), anuncia-se algo m ais do que a apresent ação/ exposição de um a sit uação. Nest e

capít ulo esclarece-se e dest aca-se inequivocament e a personagem principal e o fact o de t er

havido “ algum as” circunst âncias (específicas? raras? encant adas?) que rodearam o seu

nascim ent o e elucida-se (e, m ais um a vez, inst iga-se…) o nosso ego ingénuo, curioso, que

dem anda um a m aior clarificação dest a unidade t ext ual. Ao at ent arm os na rubrica que assinala

o capít ulo VI “ Com o foi passando o t em po, e o nosso Príncipe Leonel chegou à idade de

dezoit o anos ignorant e do seu defeit o. Da part e que nisso t eve a perm anent e presença do Aio,

e com o Roão Rebolão, logrando na cort e part iculares favores, procurava descobrir o segredo

que pressent ira” (Régio, 2001: 65), não ilust ra brevem ent e, est e grande t ít ulo, num pequeno

t ext o, as principais peripécias que se encaixam em cerca de cat orze páginas? Não seduz ele a

im aginação do leit or? Não despert a ele, em nós, a vont ade de ler, de m odo a granjearm os

singularidades relativas a esses episódios? E no XVI capít ulo (o últ im o), encabeçado pela

rubrica “ Onde t erm ina est a verídica hist ória por um agit ado discurso do Príncipe Leonel e o

m ais que o leit or verá” (Régio, 2001: 231), não são subent endidas, nele, a im port ância e as

surpresas que t ant o caract erizam est a conclusão? Não se indicia at ravés da expressão “ agit ado

discurso do príncipe Leonel” a possível revelação do seu defeit o físico; quiçá, da revelação da

sua cat arse? Não se prom ove, com est e t ít ulo, um regresso at é à infância do leit or adult o que,

at ent a, silenciosa e ansiosam ent e, aguarda o desfecho da hist ória, o dest ino do herói?

Por fim , a desm edida e irrefut ável sim ilit ude relat ivam ent e a est e rom ance e ao cont o

infant il rem et e para um a pequena narrat iva t radicional port uguesa, sua hom ónim a. Est a,

em bora ainda at ualm ent e m uit o explorada no im aginário das crianças, report a-se a um a

t radição oral já rem ot a. Na verdade, originada na versão lit erária m ais ant iga – a que se

report a à hist ória do Rei M idas4

e enraizada em diversas versões, no âm bit o da narrat iva

europeia, a versão port uguesa dest e cont o rem ont aria apenas ao séc. XIX. Com efeit o, a curt a

narrat iva O Príncipe com Orelhas de Burro int egrou a prim eira com pilação de cont os populares

port ugueses, em Port ugal, em 1879, sob a lavra do fam oso pedagogo, filólogo e et nógrafo,

Adolfo Coelho.

Todavia, a analogia ent re a obra em foco e est a curt a narrat iva é limit ada, na m edida

em que diminut a. Não vam os com ist o com eçar por evidenciar o que já em si é evidenciável:

claram ent e o rom ance apresent a um a est rut ura física m uit o superior (enquadrável em

aproxim adam ent e 300 páginas, em t odas as edições) ao cont o, caract erizado por t er reduzidas

dim ensões (represent adas num a mera página A4). Na verdade, a semelhança que se

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est abelece ent re est as duas narrat ivas exist e, m as é parca, na m edida em se est abelece apenas

no t racejam ent o basilar que se visa no t ít ulo e na existência de um a personagem principal (um

príncipe considerado físico, int elect ual, m oral e psicologicam ent e perfeit o) am aldiçoada com a

posse de um as orelhas de burro, de quem , após as fugazes peripécias da hist ória, num

desfecho final, desaparece esse apont am ent o físico.

Se nos em brenharm os nas diversas colorações da hist ória dest e cont o, m esm o em

linhas m uit o gerais, const at am os diferenças que o vão apart ando gradualm ent e do rom ance,

encet ando finais de cert a form a dist int os. Dest e m odo, no prim eiro, um casal régio que não

podia t er filhos pediu a t rês fadas a concret ização de t al desejo. Tendo o príncipe nascido,

est as fadaram -no com as m agnas linhas da perfeição: a form osura, a virt ude, a m oralidade e a

sabedoria. À t erceira fada ocorre não lhe dest inar perfeições, m as um aspet o horrendo: o

nascim ent o de orelhas de burro. Cresce o príncipe, e as respet ivas orelhas de burro, longe do

conhecim ent o da cort e e do povo, pois que usava um barret e a encobrir t al defeit o físico.

Chega, ent ret ant o, a idade de o príncipe fazer a barba. Ora, est ando o barbeiro avisado desse

porm enor, e sabendo que o deslize na revelação dest e valioso segredo lhe t raria dissabores,

segundo a sugest ão de um Padre, vai para longe de t udo e de t odos e, num vale, faz um a cova

na t erra para onde grit a o infam e segredo, cobrindo-a de im ediat o. Tinha, assim , concret izado

a absolvição de t al peso. A peripécia da hist ória t em o seu início quando, nesse vale, com eça a

crescer um canavial e das canas provenient es dele se fizeram flaut as que, ao serem t ocadas

pelos past ores, em vez de proferirem sons m usicais, delat avam o segredo que a cova t ão bem

guardara.

Tendo o rei t ido conhecim ent o de t al ocorrência, pediu às fadas que t irassem as

orelhas de burro ao príncipe, fact o que acabaria por ser consum ado quando, perant e t oda a

cort e, est as lhe pediram que ret irasse o barret e e, na jovem cabeça, já não se vislum bram

est es t raços físicos que, durant e t ant os anos, o acom panharam . Deixaram , ent ão, a part ir

daquele desfecho, de proferir as flaut as um segredo que, durant e t ant o t em po, fora t ão bem

guardado.

Finda a apresent ação dest a pequena súm ula da hist ória do cont o O Príncipe com

Orelhas de Burro, det alhem os, ent ão, a ação do r om ance que, par t indo de um a sit uação inicial

sim ilar, segue out ras peripécias e out ro desfecho.

E, no âm bit o dos lineam ent os infant is que pont ilhadam ent e se apuram nest e rom ance,

claro est á que, se enveredarm os pela part icularidade linguíst ica que caract eriza os cont os

infant is e que sit ua os m esm os num t em po indet erminado, logo nos deparam os, no início do

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Traslândia, um casal que não t inha filhos.” (Régio, 1965: 9) Todavia, rapidam ent e se gora est a

infant ilização devido ao porm enor da sit uação que se expõe; à densidade psicológica das

personagens; aos com ent ários insinuados, nat uralist as e linguist icam ent e expressivos do

narrador:

“ E assim era nesse casal. Eis porque o m arido com eçara de precocem ente encanecer, ent ret endo os ócios com aprender jogos chineses, coleccionar pássaros e arm as brancas, est udar dialect os ou outras futilidades idênticas; e a m ulher se t ornava rabugent a, caprichosa, avarent a, fanática, (t endo sido a própria im agem da alegria! ) com o se não houvera casado, e ant es do t em po envelhecera de inutilidade e am argor. Esse casal que se adorava – principiara, at é, a não poder t olerar-se: Com o quase t odos os infelizes ligados por um a desgraça com um e odiada, cada um via no out ro o espelho do seu infort únio.” (Régio, 2001: 19)

De fact o, algum as das caract eríst icas do cont o popular e, principalm ent e do

m aravilhoso, present ificam -se nest e rom ance. Boni (2004: 265-269) apresent a,

inclusivam ent e, a part icularização de várias e sust ent a m esm o que “ A m agia que afast a

inevit avelment e O Príncipe com Orelhas de Burro do género ut ópico, aproxim a-o vice-versa do

cont o t radicional, e sobret udo do cont o de m agia, est udado por Vladimir Propp na sua

M orfologia do Cont o.” (2004: 265-266). Porém , e m esm o visando as caract eríst icas t ão

oport unam ent e analisadas por Boni, est as represent am aspet os pont uais do cont o

m aravilhoso present es no rom ance: não rem et em , de form a algum a, para a sua cat egorização

com o sendo um cont o. Na verdade, out r os ângulos est rut urais e int ernos apar t am -no do

enquadram ent o na sua hom ónim a curt a narrat iva: desde as personagens, várias e

not avelm ent e com plexas à ação dot ada de um desenvolvim ent o replet o de sucessivos e

int erm ináveis conflit os e peripécias e de um a conclusão arrojada e dist int a.

Ret ornando, ent ão, à hist ória narrada no rom ance, com eça ela com a apresent ação e a

descrição da t rist eza im ensa vivida por uns “ pobres reis est éreis” (Régio, 2001: 20). Ent ret ant o,

a Rainha infecunda, de nom e Elsa, prot agoniza um episódio de loucura, pois que, num est ado

de êxt ase, deam bula perdida fora do palácio, visando procurar o Génio da Florest a. M ais t arde,

conclui-se que est a personagem fem inina t eria feit o um pact o com est a figura m ágica, de

m odo a que lhe fosse propiciada a realização do sonho de dar um filho (e varão) ao Rei

Rodrigo. Porém , t odos os pact os t êm um a m oeda de t roca: a m ort e da rainha, após o part o; o

nascim ent o de um príncipe que, a par de um dest ino grandioso, t eria orelhas de burro e a

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Ent ret ant o, no dia do nascim ent o do Príncipe Leonel, t rês fadas acabariam por lhe

dest inar out ras valias que lhe concederiam a aparente perfeição: a int eligência, a valentia, a

lealdade, a beleza, a força, a m asculinidade, a just iça, a generosidade e a energia. Não

obst ant e, “ O m enino era t odo ele perfeitinho e robust o. Nada lhe falt ava; nada t inha a m ais.

Só aquelas orelhas de bicho… (…) Com efeit o eram um as orelhas de bicho, um a espécie de

m iniat ura das orelhas de um pobre bicho m uit o conhecido, m uit o sim bólico,

as orelhas do

principezinho perfeit o…” (Régio, 2001: 33)

Desenrola-se a ação com o crescim ent o do Príncipe Leonel, na com panhia afetiva de

seu pai, o Rei Rodrigo, e de Leonardo, fiel pajem , cúm plice e amigo. As orelhas de burro do

príncipe const it uem , ent ão, um segredo que som ent e t rês personagens conhecem e

preciosam ent e guardam. São elas: o rei; a am a que, t odos os dias, ajuda a vest ir o jovem

príncipe e um a out ra m ist eriosa figura, o Aio.

Ent re as várias personagens dest a hist ória, t odavia pont ualm ent e m encionadas, são

visados os represent ant es de um a cort e aduladora, corrupt a, hipócrit a, foco de int rigas e os

diversos funcionários do palácio, que são t am bém apresent ados com o port adores de vícios e

de parcos valores. De t odas elas, dist inguem -se e sobressaem duas: o Aio, um a personagem

est ranha, aust era, pouco sociável, de enigm át ica proveniência, ajust ado para ser o t ut or do

jovem príncipe (para inveja dos rest ant es elem ent os do palácio) e Roão Rebolão, o bobo

fisicam ent e disform e e horrendo, porém poet a, figura ínt egra, dot ado de perícia, de uma

am pla sensibilidade e de valores hum anos, que t ant o procura cam uflar at ravés do sar casm o e

dos gest os am plificados na t eat ralidade. Desprezado, o prim eiro; m alt rat ado, o segundo, pela

com unidade circundant e, dest acam -se est as duas figuras m asculinas, no acom panham ent o do

crescim ent o da criança aparent em ent e perfeit a.

Ent rem ent es, “ (…) pelas proporções do corpo, a gr aça dos gest os, dava o Príncipe

Leonel nas doces vist as das m ulheres,

pela sua int eligência, a sua agudeza, o seu saber

precoce, causava a adm iração dos próprios m est res com quem t rat ava.” (Régio, 2001: 68),

vivendo, t odavia, na ignorância do seu defeit o físico. Na verdade, sem pre usara um t urbant e

na cabeça e, vist o que os espelhos t inham sido retirados de t odos os aposent os, nunca lhe fora

possibilit ada a descobert a do t em ível segredo. Apenas um espelho se guardara, confinado a

um a sala que o príncipe visit ava, para se cont em plar, quando depois de vest ido.

Vivendo ilusoriament e feliz no seu prim or, e t endo conhecido um a donzela t ão

requint ada quant o ele (a Princesa Leonilde), o jovem Leonel decide fazer dela a sua noiva.

Porém , sucede um a rut ura com t oda um a sit uação que se apresent a t ranquila. Na verdade, o

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espelho, onde o força a t irar o t urbant e da cabeça. O jovem confront a-se, ent ão, com o seu

reflexo no espelho e fica t ranst ornado com a descobert a que faz: as orelhas de burro que

m onst ruosam ent e adornam a sua cabeça. Ent ão, foge do palácio e, numa sequência de

peripécias, cont act a com várias e díspares personagens, dot adas de im perfeições, que lhe vão

dando lições de vida. Em algum as dest as personagens m ais im pact ant es

Pat a Rachada,

Sancho Legist a e o Cego –, o jovem acaba por rever o Aio, que ao longo dest a obra, o leit or

acaba por concluir ser, t am bém , o Génio da Florest a, “ o qual rarissim am ent e cost um ava t om ar

form a visível.” (Régio, 2001: 30)

Ent ret ant o, o Príncipe Leonel acaba por desem penhar, em vários episódios, e

sofredoram ent e, o papel de um anónim o que, no meio do povo, conhece a realidade dura e,

com e por causa dela, const rói, na sua psique, os verdadeiros valores da honest idade, da

honra, do am or e da perfeição. Sofrendo t oda um a cat arse, regressa, ent ão, ao palácio um

príncipe diferent e: conscient e, resignado, ponderado e aust ero.

As peripécias sucedem -se: rejeit a a princesa perfeit a com o sua noiva e casa-se com a

irm ã dela, Let ícia. Est a vive feliz a seu lado, confident e e cúm plice do segredo do seu m arido.

Por fim , o Príncipe Leonel decide fazer um a com unicação ao povo, ant es de assum ir o

t rono de seu pai. Resolve, ent ão, revelar a sua im perfeição e, no fim de um discurso em ot ivo e

dot ado de sabedoria em que se foca a verdadeira perfeição, acaba por dest apar a cabeça

que

já não apresent a as orelhas de burr o

, sofre um colapso e, levit ando no ar , acaba por m orrer.

Duas esperanças surgem dest e episódio e sacrifício final: a da m udança de cost um es,

valores e hábit os de um a sociedade corrupt a que ao discurso redent or assist iu, e a evidência

de um a nova vida que a princesa t ransport ava no seu vent re, frut o do am or com o Príncipe

Leonel: aquele que t ivera orelhas de burro, aquele que acabara por ser o Príncipe perfeit o.

Na verdade, encont ram o-nos, nest e rom ance, perant e um a hist ória pont ilhada com

t raços infant is, cont udo com um a configuração com plexa e um a m oralidade final que t oca a

profundidade, a m at uridade, e que visa inequivocament e um público adult o. Talvez por isso

apenas a 2ª edição dest a obra, dat ada de 1946, seja a única (de t odas as out ras edit adas em

vida de Régio5) que é ilust rada com 10 desenhos do irm ão do aut or, Júlio. Não dem arcaria

inequivocam ent e José Régio um público que se quer adult o, ao suprim irem -se as ilust rações

nas edições seguint es? Além disso, as capas ilust radas não se present ificam em t odas as

edições, prom ovendo-se a cont inuidade dessa ideia: a de que o aut or não queria ver a sua

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obra est igm at izada pela conot ação de pueril, vincando o dest inat ário dest a hist ória com o

sendo inequivocam ent e adult o.

Com efeit o, t odos as feições infant is que podem os encont rar nest a obra narrat iva

visam direcionar-nos para um a leit ura clara e descom plexada, longe da m at uridade que

propende a t ecer enredos cada vez m ais com plexos. Espera dot ar-se, assim , o adult o de um a

visão infant il, na m edida em que lím pida e objet iva; e de um a análise adult a, pois que com ela

se nega a ingenuidade e se encena a nua realidade. Serve, ainda, est e romance de viagem à

nossa infância, com o lem bret e dos nossos valores, para que se proceda a um reviver e a um

revalidar dos m esm os, não obst ant e os obst áculos da vida que superam os ou os sofrim ent os

de que padecem os. Serve, por fim , est a hist ória para lapidar as Crianças Grandes, lem

brando-as da exist ência de valores que, em si, const it uem a perfeição.

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