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Nas Fronteiras da Argumentação

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Academic year: 2021

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2017

Rafael Giorgio Dalla Barba

COLEÇÃO

HERMENÊUTICA, TEORIA DO DIREITO E ARGUMENTAÇÃO Coordenador: Lenio Luiz Streck

Nas Fronteiras da

Argumentação

A Discricionariedade

Judicial na Teoria

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INTRODUÇÃO

Em tempos difíceis de confrontação entre o positivismo jurídico e constitucionalismo, surge como grande desafio para a teoria do Direito estabelecer quais posturas respondem suficien-temente à complexidade deste fenômeno. Naquilo que representa essa problemática no contexto de uma sociedade tempestuosa e carente de concretização de direitos como a brasileira, as pergun-tas que de imediato se apresentam deslocam os olhares para os pilares que sustentam a estrutura jurídica da qual fazemos parte.

O problema surge precisamente nessa distância irremediá-vel entre palavras (nomos) e coisas (physis) que inexorairremediá-velmente nos remete à nossa condição humana de estarmos desde-sempre condenados a interpretar. É exatamente nesse ambiente que a dis-cussão sobre a concretização do Direito e a complexidade social encontra seus pontos de contato na medida em que se implicam e se contrapõem reciprocamente.

Com a pretensão de desvelar alguns dos elementos que permeiam essa difícil problemática que atinge o fenômeno da teoria do Direito contemporânea, este texto traz uma breve reconstrução daquilo que se denominou de juspositivismo ou positivismo jurídico, entendendo-o não como uma corrente do pensamento jurídico uniforme e homogênea no transcorrer do tempo, mas que admite ao menos duas posições diametralmente distintas no que concerne à questão da interpretação. Entretanto, a falta de consideração dessa circunstância consiste em um dos fatores pelos quais as teorias que surgiram com o objetivo de superar os problemas deixados pelo juspositivismo apresentem propostas que acabam incorrendo nos mesmos equívocos que este já mostrara.

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Trata-se, em verdade, das teorias denominadas neoconstitu-cionalistas, que, na tentativa de superar o juspositivismo, limita-o somente à sua versão primitivo-exegética, não considerando sua segunda faceta. É justamente essa desconsideração do neoconstitu-cionalismo quanto à característica camaleônica do juspositivismo que o impede de superá-lo na sua completude.

Com efeito, a tese do neoconstitucionalismo tem como alicerce metodológico as sofisticadas teorias discursivas importadas de Ro-bert Alexy, jusfilósofo alemão que se destaca pelo seu pensamento sistemático que incorpora em seu conceito de Direito elementos axiológico-corretivos articulados em um complexo procedimen-talismo argumentativo. Não obstante o alto rigor metodológico que apresenta Alexy em seu pensamento, a circunstância que o faz introduzir aspectos valorativos quantificados a partir de uma refinada estrutura procedimental não lhe permite derrotar o problema da discricionariedade interpretativa.

Não obstante, a grande discussão no que diz respeito ao problema da discricionariedade judicial não surge no pensamento de Alexy a partir do vazio, mas faz parte e se insere em um ca-minhar histórico da teoria do Direito preocupada em enfrentar as máculas das teorias positivistas, principalmente a respeito da complexa relação entre o Direito e a Moral. Por essa razão, as teses do professor alemão – além de incorporadas pelo neoconstitucio-nalismo como seu grande aporte teórico – aparecem no cenário jurídico como contraponto ao juspositivismo, paradigma jurídico que, não obstante, comporta mais de uma fisionomia.

Assim, a temática sobre a questão da interpretação do Direito se limita, primeiramente, a uma breve recondução do fenômeno interpretativo no campo jurídico desde a época das velhas codi-ficações novecentistas, apresentando as peculiaridades próprias do paradigma positivista em cada um dos três países onde se manifestara (França, Inglaterra e Alemanha). Respeitando-se os aspectos particulares de cada experiência, é possível detectar uma característica comum a todas elas: o caráter altamente restritivo da interpretação dos textos jurídicos, retendo o Poder Judiciário como personagem com atuação extremamente contraída.

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Mas o positivismo jurídico, como já ressaltado, não pode ser compreendido como um paradigma que se apresente de modo homogêneo e regular durante o transcorrer dos últimos séculos. Pelo contrário: naquilo que concerne à interpretação jurídica, o juspositivismo se apresenta drasticamente diferente no século XX em relação aos modelos teóricos anteriores. Nesse segundo momento, a discricionariedade torna-se característica central das práticas jurídicas, uma vez que a interpretação do Direito passa a ser considerada como um ato de vontade.

Para além das posturas juspositivistas, com o advento das novas constituições no transcorrer do século XX em grande parte dos países do mundo ocidental, a teoria do Direito foi desafiada a dar respostas adequadas a esse novo paradigma jurídico. É nessa perspectiva que surge o neoconstitucionalismo e a sua aposta nas teorias já formuladas por Robert Alexy, tendo em vista que os primitivos métodos de interpretação do juspositivismo do século XIX já não eram capazes de responder satisfatoriamente ao Direito agora construído sob as bases de Constituições compromissórias e dirigentes (Canotilho).

Neste cenário jurídico entram as pesquisas que proporcio-naram a demonstração de que as teses oferecidas por Robert Alexy – tomadas como referencial teórico fundamental do ne-oconstitucionalismo – não apresentam uma resposta satisfatória para a questão da discricionariedade interpretativa que já se fazia presente no juspositivismo, corrente que justamente pretendem superar. Essas investigações situam-se na perspectiva da relação que se coloca entre a posterioridade da leitura de determinado texto e os elementos de avaliação e decisão do intérprete que sobre ela se antecipam, possibilitando a introdução daquilo que Harold Bloom vai chamar de desleitura.1

A desleitura de que refere Bloom não se limita apenas a um ato de escolha, mas faz parte de uma originalidade que tem pela frente o problema trazido pelo texto que se pretende interpretar

1. BLOOM, Harold. Um mapa da desleitura. Tradução de Thelma Médici Nóbrega. Rio de

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a partir de outros à procura de uma reavaliação. Por essa razão, a desleitura se trata também de uma atividade filosófica que traduz um caráter especulativo na medida em que o texto lido precursoramente passa a aparecer, então, sob uma nova forma de sentido.

Assim, o propósito de desler a problemática sobre o contexto histórico entre juspositivismo e suas correntes jurídicas subsequen-tes que carregaram as propostas teóricas de Alexy se insere como uma atividade crítica e revisionista em relação aos pressupostos aí tomados, sempre sob o fio condutor do problema da interpretação jurídica. Complementando a temática sobre a desescrita trazida por Bloom de forma percuciente e aguda, Ernildo Stein arremata ser “[...] isso que faz com que o texto que nos vem da tradição, com o qual estabelecemos uma relação de leitores e de crítica, seja sempre submetido a uma desleitura”.2

A partir da reconstrução do problema da discricionariedade judicial por meio de uma desleitura deste fenômeno, o objetivo principal deste trabalho se limita a desenvolver uma crítica às propostas de Robert Alexy sob a ótica das matrizes hermenêutico--fenomenológicas desenvolvidas no transcurso do século XX. Dessa maneira, uma vez que a discussão se volta sobre os pressupostos filosóficos que sustentam tais correntes teóricas, os pontos de impacto entre elas aparecem inexorável e paulatinamente.

Desse modo, o pensamento de Alexy é reconstruído de maneira sistemática a fim de inicialmente demonstrar qual a sua posição frente ao conceito de Direito e, subsequentemente, de que forma este se relaciona com a Moral. A partir daquilo que Alexy chamou de pretensão de correção, sua teoria discursiva que irá desenvolver minuciosamente a problemática dos direitos fundamentais e da argumentação jurídica se guiará levando em consideração justamente este pano de fundo.

A caracterização da relação entre Direito e Moral passa, em Alexy, a contar como critério precípuo para a sustentação de todo

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o seu pensamento que se desenvolverá a partir de uma complexa teoria dos direitos fundamentais que, em seu âmago, sustenta-se sob uma teoria dos princípios. Neste ponto Alexy conduz o leitor a uma complexa estrutura analítica engendrada com a finalidade de fundamentar as decisões judiciais em que haveria colisões entre direitos fundamentais, casos em que não seria suficiente a fundamentação que se realiza nos litígios que podem ser tranqui-lamente resolvidos com a aplicação das demais regras jurídicas.

O que o autor apresenta com sua teoria dos direitos funda-mentais (que possui em seu núcleo uma teoria dos princípios) é uma metodologia nova de fundamentação das decisões judiciais do Tribunal Constitucional Federal alemão naqueles casos em que os direitos fundamentais entram em colisão uns contra outros. Alexy parte da noção de que os direitos fundamentais não ficam circunscritos aos mesmos pressupostos metodológicos que as meras regras jurídicas, mas exigem uma fundamentação mais abrangente e aprimorada, uma vez que se tratam de normas com conceitos semânticos amplamente abertos.

É dessa maneira que os princípios, diferentemente das regras, entram no sistema jurídico de Alexy como normas com roupagem axiológica, aproximando a esfera da Moral e consagrando a tese da pretensão de correção desta sobre o âmbito jurídico. Como acabamento da sua teoria dos direitos fundamentais que incorpora princípios como normas com carga valorativa, Alexy formula uma teoria discursiva que tem como papel principal criptografar os argumentos jurídicos possíveis de serem utilizados no discurso jurídico, que aparece como caso especial do discurso geral prático.

As edificações teóricas criadas por Alexy, apesar da alta sofisticação metodológica e da grande sistematicidade de suas teorias discursivas concatenadas sob o alicerce da pretensão de correção que orienta a relação entre Direito e Moral, ensejam uma série de objeções que emergem sob um olhar hermenêutico da conjuntura alexyana.

Neste trabalho, as críticas ao pensamento de Alexy são apresentadas de forma analítica com a exposição de cada uma

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das objeções, mas abordadas com conteúdo calcado sob as bases hermenêutico-fenomenológicas. Dessa forma, é retratada a cisão estrutural entre regras e princípios que se constitui como um dos pilares centrais da teoria dos princípios de Alexy e que serve de modelo para o desenvolvimento de toda a sua teoria dos direitos fundamentais.

Em decorrência dessa dicotomia, Alexy traz uma metodo-logia completamente distinta para cada uma dessas espécies de norma jurídica. A grande maioria dos casos jurídicos é resolvida por meio da simples aplicação silogística das regras jurídicas que válida e eficazmente integram o ordenamento jurídico; entretanto, nos litígios mais complexos, em que entram em disputa direitos fundamentais com o mesmo grau de hierarquia, Alexy resgata os princípios como normas otimizáveis que serão resolvidas em um âmbito gradual através da máxima da proporcionalidade.

Desta máxima Alexy tornará possível formular uma lei que servirá como parâmetro para os casos de colisão entre os princípios que traduzem os direitos fundamentais em questão, chamada de lei do sopesamento. Assim, Alexy aponta que esses casos mais complexos não podem ser aplicados mediante processos meramente subsuntivos, mas por meio de uma ponderação entre os princípios divergentes.

Neste contexto e sob as bases da hermenêutica aqui trabalhada, busca-se demonstrar que tanto a cisão estrutural entre regras e princípios como a dicotomia metodológica que se manifesta ora mediante subsunção ora como ponderação mostram-se recursos lógicos incapazes de anular a discricionariedade interpretativa do terreno jurídico. Com efeito, também se agrega como finalidade específica a exposição da insuficiência da argumentação jurídica nos moldes que sustenta Alexy como estrutura argumentativa previamente arquitetada para alcançar um discurso racionalizado, tendo em vista que também não satisfaz este resistente obstáculo do controle intersubjetivo da interpretação judicial.

Assim, a justificativa deste trabalho encontra lugar na medida em que apresenta um conjunto de críticas à teoria

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axiológico--discursiva de Robert Alexy, denunciando a complexa proble-mática da discricionariedade interpretativa que não consegue ser extirpada de sua proposta. Contudo, uma ressalva deve ser feita: uma vez que o autor formula sua proposta como teoria para justificar as decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, a questão da discricionariedade interpretativa não é tomada como problemática central em sua obra, mas como fator que nela se aloja.

Desse modo, não se trata de uma crítica restrita ao pen-samento de Alexy, mas de uma posição tomada que leva em consideração essa circunstância e direciona suas objeções jus-tamente ao problema do arbítrio interpretativo, uma das mais complexas questões para a Teoria do Direito. Da mesma maneira, para fins de delimitação da temática, não se quer abordar o modo como a doutrina pátria importou as teses de Alexy, mas de demonstrar que suas propostas – mesmo que incorporadas de forma rigorosa e autêntica – não são suficientes para resolver esse árduo problema.

Também se não quer afirmar que essa problemática representa um mal em si, mas apontar para um elemento vicioso dentro de um Estado Democrático de Direito sustentado em uma Consti-tuição que, nesta quadra da história, não se limita simplesmente a distribuir competências institucionais aos entes políticos, mas que detém força normativa e prevê um extenso rol de direitos fundamentais e sociais. Por esse motivo, a discricionariedade judicial representa um obstáculo às promessas constitucionais, uma vez que permite ao Poder Judiciário livremente dispor de seus sentidos através de argumentos exógenos ao direito (como a moral individual, a política e a economia), fragilizando o próprio regime democrático.

Nesse sentido, as críticas que se direcionam à teoria axiológico--discursiva de Alexy partem do cenário jurídico brasileiro, tomando como fundamento e ponto de partida a Crítica Hermenêutica do Direito, matriz teórica desenvolvida por Lenio Luiz Streck e compreendida como uma imbricação entre a fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger e a hermenêutica filosófica de

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Hans-Georg Gadamer, assumindo alguns pontos de contato com a teoria integrativa (law as integrity) de Ronald Dworkin. Nessa perspectiva a filosofia não é trazida como ornamento ou comple-mentação ao Direito, mas como condição de possibilidade para compreender o próprio fenômeno jurídico nas suas vicissitudes e no modo como se desvela.

Referências

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