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Ana Carolina Lopes Marques

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Academic year: 2019

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Ana Carolina Lopes Marques

O sigilo bancário na relação jurídica fiscal

Dissertação com vista à obtenção do grau de Mestre em Direito

Orientadora:

Doutora Rita Calçada Pires, Professora da Faculdade de Direito da

Universidade Nova de Lisboa

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Declaração de Compromisso de Anti-Plágio

Declaro por minha honra que o trabalho que apresento é original e que todas as minhas citações estão correctamente identificadas. Tenho consciência de que a utilização de elementos alheios não identificados constitui uma grave falta ética e disciplinar.

Lisboa, Setembro de 2016 Ana Carolina Lopes Marques  

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A presente dissertação encontra-se redigida em língua portuguesa de acordo com o antigo acordo ortográfico. O corpo da dissertação incluindo espaços e notas ocupa 172.078 caracteres.

Todas as decisões jurisprudenciais referenciadas proferidas pelos tribunais portugueses podem ser encontradas em www.dgsi.pt. Quanto aos Relatórios da OCDE podem ser encontrados em www.oecd.org, assim como as Directivas e Comunicações europeias em www.eur-lex.europa.eu.  

As monografias são citadas pelo autor, título, volume, edição, local, editora, data e páginas. Nas referências seguintes cita-se o autor e o título abreviado se o autor tiver mais do que uma obra citada, caso contrário apenas se cita o autor. Os artigos de revista citam-se pelo autor, titulo, nome da publicação, número, data e páginas. Nas referências seguintes cita-se o autor e o título abreviado se o autor tiver mais do que uma obra citada, caso contrário apenas se cita o autor. As decisões jurisprudenciais citam-se pelo Tribunal, data e nº de processo.

Abreviaturas: Art. – Artigo Arts. – Artigos Pp. – Páginas P. – Página

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  OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TC – Tribunal Constitucional

TCA – Tribunal Central Administrativo

TCAN – Tribunal Central Administrativo Norte TCAS – Tribunal Central Administrativo Sul TRL – Tribunal da Relação de Lisboa

TRP – Tribunal da Relação do Porto TRC – Tribunal da Relação de Coimbra CRP – Constituição da República Portuguesa CC – Código Civil

LGT – Lei Geral Tributária

RGICSF – Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras RGIT – Regime Geral das Infracções Tributárias

CP – Código Penal

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O presente trabalho científico tem por objectivo analisar a derrogação do sigilo bancário no confronto ao direito à intimidade da vida privada e familiar, o que sucede face à necessidade de acesso por parte da Administração Tributária aos dados bancários de determinados contribuintes. Nestes termos, importa considerar sobretudo o regime previsto pela LGT, nomeadamente nos seus arts. 63.ºa 64.º-C, o que através de um estudo evolutivo dos mesmos, permitiu constatar da progressiva abertura a que o sigilo se encontrou sujeito. Assim, de acordo com este regime jurídico passou a ser possibilitado o acesso a informações bancárias sem dependência de autorização judicial, assim como sem consentimento do titular dos elementos protegidos, permitindo até trocas automáticas de informação pelas instituições financeiras. No mesmo sentido, encontramos a evolução estabelecida na OCDE e UE, relevante no caso pela necessidade de cooperação e medidas conducentes à transparência fiscal, num clima que potenciou a abertura da confidencialidade.

Conclui-se que o segredo bancário é um direito constitucional fundamental, que constitui dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (art. 26.º, nº1 da CRP), além da desconsideração de níveis de protecção distintos contidos neste direito, pela relevância dos dados económicos na revelação da vida pessoal do sujeito. Considerou-se que o dever fundamental do pagamento de impostos, assim como a arrecadação de receitas, postas em causa pela fraude e evasão, são também cruciais para o desenvolvimento do sistema fiscal, e por isso, há um interesse público na quebra, constitucionalmente consagrado, sendo as finalidades fiscais igualmente relevantes, estando em causa os princípios da igualdade, capacidade contributiva, e a solidariedade entre contribuintes.

Da ponderação de interesses realizada, de acordo com o princípio da proporcionalidade (art. 18.º, nº2 da CRP), conclui-se pela derrogação do sigilo bancário, na presença de bens jurídicos superiores, como aliás sucede.

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Introdução 

 

Introdução

A presente investigação pretende uma abordagem da matéria do sigilo bancário na relação jurídica fiscal, privilegiando a perspectiva do impacto sofrido no ordenamento jurídico português.

A construção da temática visa assim contrapor a questão da legitimidade da derrogação do sigilo bancário e o direito à reserva da intimidade da vida privada.

Neste sentido, quer-se proceder a um estudo que analise o segredo bancário, primeiramente, pelo prisma conferido pelo próprio direito bancário, e portanto atender à sua natureza, aos seus fundamentos, com apoio sobretudo no RGICSF, para posteriormente partir para a compreensão da forma como este e o direito fiscal devem interagir, dada a constatação da necessidade de acesso por parte da Administração Tributária aos dados financeiros de certos contribuintes.

Na condução da investigação, mostram-se essenciais as alterações dos textos legais a que houve lugar, para a percepção do sentido evolutivo da problemática, devendo elaborar-se uma retrospectiva da legislação portuguesa, o que se inicia pelo DL n.º 2/78, de 9 de Janeiro, que designa um período marcado pela defesa acérrima do sigilo bancário, até à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que representa o ponto de viragem, e o início de um clima propício à abertura, que culmina na actual Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, devendo aliás, ser todo este percurso acompanhado, pelas respectivas considerações doutrinárias e jurisprudenciais a que haja lugar na matéria.

O fenómeno da globalização, associado à necessidade de abertura de fronteiras, do aumento das transacções comerciais, assim como o desenvolvimento de novas tecnologias, acarretam consigo uma lógica de cooperação, que traz à tona a ideia de transparência fiscal, a qual só seria possível através de uma abertura no plano da confidencialidade, o que significa a derrogação do segredo bancário. Tomando estas ideias em consideração, demonstra-se relevante para o presente estudo, a questão da troca de informações e a assistência na cobrança de créditos, propondo-nos a abranger quer o plano da OCDE, quer o da UE, de modo a permitir o entendimento das influências importadas para o direito interno.

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jurisprudência, quanto à consideração do segredo bancário como direito fundamental, nos termos do art. 26.º da CRP, onde se insere a pertinente discussão relativamente à distinção de várias esferas do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, e portanto, numa perspectiva constitucional da matéria.

Seguidamente deve observar-se da legitimidade para aposição de limites ao segredo, tendo em vista as finalidades fiscais, também previstas constitucionalmente, onde se reconhece a existência de uma situação de conflito. Por um lado, o interesse privado na manutenção do segredo bancário, para tutela da privacidade, por outro, o interesse fiscal na justa e atempada arrecadação de receitas, no combate à fraude e evasão.

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Capítulo I – O sigilo bancário 

 

Capítulo I – O sigilo bancário

1. Conceito e Enquadramento

O dever de sigilo surge como um valor transversal a um conjunto de diversificadas situações. Encontra-se presente na vida pessoal, mas também no campo contratual, e de modo bastante evidente, no âmbito profissional. A sua necessidade torna-se facilmente perceptível, pela confiança que estas relações pressupõem, sendo adquiridos conhecimentos da vida privada dos indivíduos, que não devem ser revelados, o que explica que seja essencialmente uma obrigação de non facere.

Nas relações contratuais, o dever de segredo é uma imposição da própria boa-fé (art. 762.º, n.º2 do CC). As informações obtidas por via da relação contratual não podem ser utilizadas fora desta. No âmbito profissional, a regra do sigilo ganha notoriedade, manifestando-se enquanto elemento do código deontológico de algumas profissões, onde mais uma vez, a confiança surge como factor determinante.

Nestes termos, o sigilo tem um papel central na actividade bancária, pela relação que o cliente estabelece com o Banco, devendo as instituições do sector bancário, os órgãos e funcionários proceder ao cumprimento de uma obrigação geral de discrição quanto aos dados de natureza pessoal e económica dos clientes, obtidos exclusivamente no exercício das suas funções, correspondendo a uma proibição de revelação e de utilização dos mesmos.1 Denota-se assim o aspecto fulcral do sigilo na relação jurídica bancária, que se prende, como supra referido, à questão da confiança, e da protecção da intimidade do cliente, e como veremos, à confiança nas próprias instituições bancárias em termos gerais.

Relativamente à proveniência de uma obrigação de sigilo, alguns autores reconhecem-lhe um pendor contratualista. O dever de sigilo decorreria do contrato, quer o contrato bancário em geral, quer os sucessivos contratos realizados2, surgindo assim como obrigação acessória. Nas relações contratuais o dever de sigilo surgiria sempre enquanto imposição da boa-fé negocial aos contraentes. Há ainda quem defenda, a sua       

1 

Assim, AZEVEDO, Maria Eduarda, O segredo bancário e a fiscalidade: A perspectiva portuguesa, Ciência e Técnica Fiscal, nº428, Lisboa, 2012, p. 9.

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decorrência dos usos e costumes da banca 3, na medida em que as relações entre o cliente e o banqueiro sempre se pautaram pela discrição, caso contrário, face à existência de uma quebra de confiança, o cliente não procuraria o banco, tendo-se construído uma prática reiterada neste sentido. A prática denota, novamente, o facto de o segredo não respeitar apenas a um interesse do cliente relativo à sua intimidade, tratando-se de um interesse mútuo, que tem subjacente a reputação da própria instituição bancária. De acordo com a tese do dever profissional, a obrigação decorreria do próprio exercício da profissão e verifica-se relativamente às informações obtidas no decorrer desse exercício.

A distinção de perspectivas referida não é crucial para a percepção do conceito e natureza do dever de sigilo bancário, não se verificando em Portugal uma intensificação do debate doutrinário a respeito da matéria, surgindo meras referências à existência das teorias. No entanto, estas contribuem para o entendimento da noção de sigilo, através de uma visão conjunta das mesmas.

O sigilo bancário encontra-se regulado pelo RGICSF (DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro), nomeadamente nos arts. 78.º a 84.º deste diploma, manifestando-se aqui numa perspectiva profissional, daí o próprio capítulo se intitular por “segredo profissional”.

O art. 78.º, nº1 do RGICSF estabelece uma cláusula geral, na qual se impõe uma obrigação de sigilo para “os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional”. Encontra-se também sujeito quem exerça ou tenha exercido funções no Banco de Portugal, assim como quem lhe preste ou tenha prestado serviços, quer ocasional ou permanentemente (art. 80.º, nº1), assim como as autoridades, organismos, e pessoas que participem na troca de informações com o Banco de Portugal, de acordo com o art. 81.º, nº5, a propósito dos deveres de cooperação com outras entidades e países.

Nos termos da cláusula geral, não pode haver lugar a revelação ou utilização de informações sobre factos ou elementos que respeitem à vida da instituição ou às relações desta com os clientes, na medida em que esse conhecimento advenha

      

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Capítulo I – O sigilo bancário 

  exclusivamente do exercício das funções ou da prestação de serviços, tendo de se verificar um nexo de causalidade entre o conhecimento e as funções exercidas.

O nº2 do art. 78.º consagra uma enumeração exemplificativa, da qual constam elementos considerados relevantes que estão sujeitos a segredo, sendo estes “os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.”

O segredo só pode ser levantado de acordo com as excepções legalmente previstas, o que atribui ao art. 79.º deste diploma uma relevância extrema, e demonstra que o legislador não consagrou a obrigação de sigilo como um direito absoluto. Nos termos do seu nº1, a revelação pode ocorrer mediante autorização expressa do cliente nesse sentido, compreendendo-se que o próprio titular do direito, tenha o poder de o restringir, e portanto, assumindo esta excepção um carácter voluntário, admissível nos termos do art. 81.º do CC. Fora dos casos em que essa autorização exista, a revelação apenas se verifica nas situações previstas pelo nº 2 do art. 79.º, onde se apresentam excepções de cariz institucional, e outras decorrentes da própria legislação, e donde resulta a sua taxatividade, tendo em vista a defesa de interesses públicos.45

A violação do dever de segredo, fora das situações em que esta é admissível, faz o infractor incorrer em responsabilidade civil, disciplinar, mas também criminal, verificando-se uma protecção do segredo profissional também ao nível do direito penal, mais concretamente nos arts. 195.º, 196.º e 383.º do CP, e para onde remete o próprio art. 84.º do RGICSF.

      

4 

Nos termos do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro (art. 79.º, nº2), “os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados: ao Banco de Portugal; à Comissão do Mercado de Valores Imobiliários; ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respectivas atribuições; às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; à administração tributária, no âmbito das suas atribuições; quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.”

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2. Fundamentos

O sigilo bancário não existe apenas tendo em vista a tutela da posição do cliente6. Este toma outras dimensões, as quais, primeiramente visam proteger, em termos reputacionais, a própria instituição bancária, estando por isso em causa o crédito e bom nome da pessoa colectiva (484.º do CC; 160.º do CC; 12.º, nº 2 da CRP). Se a instituição bancária não oferece a confiança necessária, dará lugar ao descrédito, que será impeditivo de uma situação de atracção de clientela nova e de manutenção da sua clientela. A inexistência de uma relação de confiança nos termos referidos poria em causa o funcionamento de todo o sistema bancário, com as sucessivas repercussões na economia. Assim, a relação que o cliente estabelece com o Banco tem em consideração interesses que são recíprocos e que vão além da protecção da informação respeitante ao cliente, revelando também, que ao segredo se encontra subjacente um interesse público

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.

A justificação económica é um fundamento tão legítimo quanto o da tutela da privacidade do cliente. Uma situação de preservação da confiança na Banca gera um incentivo à poupança e ao investimento, e daí ser conducente a uma outra dimensão que transcende a relação interpartes, e que se prende com uma finalidade económica, à luz do art. 101.º da CRP, atribuindo ao segredo um papel em termos de contributo para o desenvolvimento.

Os fundamentos partem de um princípio da confiança, o qual é atribuidor de vantagens para ambas as partes numa relação bancária, mas com repercussões no funcionamento do sistema bancário em geral, através da confiança criada no público. Quer-se assim evidenciar o facto de se poderem retirar outras dimensões do segredo no âmbito bancário, uma vez que este não se cinge à questão da confidencialidade na perspectiva do cliente, embora esta seja um aspecto fulcral e relativamente ao qual importa atender.

      

6

Como refere Noel Gomes, verifica-se uma “relação complexa triangular, formada em cada um dos seus vértices por diferentes interesses”, em que se configura um interesse privado do cliente, um interesse privado da própria instituição bancária, e por último, um interesse público, GOMES, Noel, O Segredo Bancário e Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 72 e ss.

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Capítulo I – O sigilo bancário 

  Os dados respeitantes a uma conta bancária são reflexo da vida do cliente, quer ao nível pessoal, quer económico. A relação contratual estabelecida com o Banco deve por isso pautar-se por uma garantia de confidencialidade, de modo a que a privacidade seja assegurada. Numa relação bancária impõe-se a lealdade das partes envolvidas, que implica a não revelação ou aproveitamento de conhecimentos e informações obtidos no seio desta relação, relativamente a elementos respeitantes à situação patrimonial e pessoal da contraparte. A obrigação de discrição, como evidenciado pelo RGICSF, é uma regra de conduta, que assiste às instituições bancárias, e que se afirma em prol da posição do cliente face a terceiros, e no respeitante a todas as operações realizadas, apenas se verificando a sua quebra nos casos legalmente previstos.

Face ao exposto, torna-se clara a relevância de um direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. Este direito insere-se no âmbito de um direito geral de personalidade, consagrado pelo art. 70.º do CC, e em especial, encontrando-se regulado pelo art. 80.º do CC, segundo o qual, “todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem”. De acordo com a teoria das esferas, o art. oferece protecção relativamente às esferas privada, secreta e intima. 8 Este art., no seu nº2, delimita a extensão da reserva em função de um elemento objectivo e outro subjectivo. No primeiro caso, respeitará a situações relacionadas com questões de justiça que podem levar a uma intromissão na privacidade, tendo que ser realizada uma ponderação perante o caso concreto. Em termos subjectivos, estará ligado ao caso de alguém que desempenhe funções com notoriedade, que pode remeter para certo cargo que o individuo exerça, ou para o facto de respeitar a uma personalidade célebre por outras circunstâncias.

A violação deste direito conduziria a responsabilidade civil nos termos do art. 483.º, nº1 do CC, podendo haver lugar a responsabilidade pelo risco (arts. 500.º e 501.º do CC), e desencadeia a tomada das medidas adequadas de modo a fazer cessar a intromissão na privacidade, o que decorre do art. 70.º, nº2 do CC. Eventualmente poderia resultar na aplicação de medidas cautelares, bem como na possibilidade de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias. Verificam-se ainda uma série de crimes       

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que visam a defesa deste direito, tendo sido fortificada a tutela penal desta matéria. Os arts. 190.º, 192.º e 193.º do CP são exemplificativos desse reforço.

No plano constitucional, o segredo bancário apoia-se no direito à intimidade da vida privada e familiar9, que se encontra no capítulo respeitante aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente no art. 26.º, nº1 da CRP, mas também no art. 25.º, nº1 deste diploma, a partir da referência à inviolabilidade da integridade moral das pessoas, que seria igualmente posta em causa, aquando de uma violação da intimidade perante terceiros. Mais uma vez, quer vedar-se o acesso por terceiros a situações da vida privada e familiar, e por outro lado, impedir a divulgação dessas informações10. A questão que se coloca a este respeito prende-se precisamente com o facto de saber se o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar comporta a protecção dos dados relativos às contas bancárias do cliente.

A este propósito, o TC no Ac. n.º 278/95, de 31 de Maio (proc. 510/91) concluiu que os dados respeitantes à conta bancária do cliente, nomeadamente operações realizadas, eram reveladoras de aspectos da vida patrimonial do individuo, e daí considerar que integram o direito à reserva da intimidade da vida privada, dotado de cobertura constitucional nos termos do art. 26.º, nº1 da CRP, decorrendo o sigilo bancário deste direito e sendo simultaneamente o veículo que o salvaguarda. Parte da doutrina defende que o sigilo bancário decorre do direito à intimidade da vida privada, onde encontra apoio constitucional11, sendo uma questão maioritariamente aceite. No entanto, há posteriormente quem detenha uma visão na qual delimita um nível de intensidade de protecção distinto12, consoante a situação se reconduza a uma esfera mais pessoal, ligada ao valor da liberdade, ou negocial, associada ao direito de propriedade. Quem procede à referida distinção são os autores que estão mais influenciados pela teoria das esferas e que encontram espaços de divisão dentro do direito à reserva da intimidade da vida privada. Uma minoria não admite que o segredo derive do direito à intimidade,       

9

Vide, o Ac. do TC 355/97, de 07/06/1997, proc. nº 182/97, que define o conceito de vida privada como o direito a uma esfera própria inviolável e impenetrável sem autorização do titular, entendimento este seguido na jurisprudência do TC.

10

CANOTILHO, Gomes e J.J Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 181 e 182.

11

NABAIS, José Casalta, O dever fundamental de pagar impostos, Almedina, 1998, p. 617; CORDEIRO, António Menezes, Direito Bancário…, ob. cit., pp. 363 a 366; SOUSA, Rabindranath Capelo, ob. cit., pp.192 e ss; PALMA, Maria Fernanda, Perspectivas constitucionais em matéria de segredo bancário, in 2º Congresso de Investigação Criminal, Coimbra, 2010, pp. 189 a 200.

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Capítulo I – O sigilo bancário 

  visto que lhe atribui uma natureza meramente patrimonial, estando a intimidade ligada a questões da subjectividade dos indivíduos, não sendo reconduzível à vida profissional e económica.13

Considera-se que o conhecimento dos aspectos da vida patrimonial do individuo, pressupõem também a ingerência na sua vida pessoal, não se visionando a hipótese de separabilidade destes elementos, pelo que no direito à reserva da intimidade da vida privada também estariam abrangidos os dados de natureza económica. Pode assim afirmar-se o segredo bancário como direito constitucional fundamental, ao qual se aplica o regime dos direitos, liberdades e garantias.14 Ainda que assim não fosse, o segredo bancário encontraria tutela constitucional por via do art. 17.º da Lei Fundamental.

O segredo bancário ganha protecção em duas frentes. Por via da tutela da privacidade nos termos já visados, mas também, quando visa a prossecução do desenvolvimento económico-social, previsto constitucionalmente no art. 101.º.

3.

Limites: O sigilo bancário na relação jurídica fiscal

O sigilo bancário suscita grandes controvérsias, pois, como visto, este visa tutelar essencialmente a posição do cliente numa relação bancária, como forma de salvaguardar a intimidade da vida privada. No entanto, ao interesse privado que este tem subjacente, contrapõe-se o interesse público na sua quebra, estando em causa a determinação do elemento preponderante. O primado do interesse público significaria a aceitação do segredo como um instituto de direito público, na defesa dos interesses da comunidade. Em contrapartida, a recusa da admissibilidade de certos limites, nomeadamente no que respeita a uma abertura às possibilidades de acesso a dados bancários pelas autoridades tributárias, representaria a consagração do segredo como um valor de nível superior.

Entende-se a relevância da defesa do segredo bancário a favor do cliente, mas abrem-se simultaneamente portas para a compreensão de que em determinados casos se justifica a aplicação de restrições à obrigação de discrição. Assim sendo, a quebra do sigilo bancário é um instrumento relevante na prossecução de certas finalidades fiscais,       

13

SANCHES, José Luís Saldanha, Segredo bancário e tributação do lucro real, Ciência e Técnica Fiscal, nº 377, Lisboa, 1995, pp. 25 a 30.

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de modo a que se possa determinar mais eficazmente a situação tributária dos contribuintes, por forma a evitar situações de fraude e concorrência desleal, que conduzem a perdas de receita para o Estado, o que significa uma sobrecarga para os restantes contribuintes, pelo que nestes casos, impor-se-ia a limitação do dever de segredo bancário.

Embora ao contribuinte assista uma obrigação ao nível da declaração dos seus rendimentos, que consiste numa prestação periódica de informação, e minimiza as possibilidades de ingerência pública, a intervenção fiscal não fica por esta via excluída. No sentido de garantir que este dever não é apenas cumprido por uma parcela do universo dos cidadãos, existem procedimentos de controlo administrativo, de modo a confirmar se os rendimentos declarados correspondem à totalidade dos rendimentos15. A relação entre o cliente e o banco comportará sempre a possibilidade de ser aproveitada para esconder ilegalidades, além da fuga à tributação, donde se depreende a necessidade de criação de um sistema de informação e de abertura da confidencialidade no âmbito das relações bancárias.

Está também em causa a questão da oponibilidade do sigilo, que vai para além da relação interpartes num vínculo contratual, para passar a considerar a intervenção de terceiros, como o é, a autoridade fiscal, no acesso às informações bancárias. O professor Menezes Cordeiro, que defende prementemente os direitos das pessoas face às investidas procuradas pela Administração Tributária escreve que “o Estado não pode intervir arbitrariamente nos contratos celebrados entre os privados: eles estão genericamente protegidos pelos artigos 62.º, nº1 (propriedade privada), 80.º, c) (iniciativa privada) e 86.º, nº2 (não intervenção na gestão das empresas), todos da Constituição” 16, o que vem demonstrar que apenas interesses claramente superiores e excepcionais podem conduzir ao levantamento. Em sentido oposto, há quem considere que as autoridades tributárias nem deveriam ser consideradas terceiros para efeitos de fiscalização de informação bancária com relevância fiscal. 17

      

15

Regra da worldwide income, segundo a qual os residentes são tributados na globalidade dos seus rendimentos, o que significa que se encontram sujeitos a tributação ilimitada.

16

CORDEIRO, António Menezes, Sigilo bancário: fica a saudade?, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Lebre de Freitas, Lisboa, 2014, p.23. O professor faz ainda menção a este propósito, à evolução dos direitos de personalidade, no sentido da sua eficácia erga omnes; em termos semelhantes, Capelo de Sousa, quando defende uma natureza jurídica mista para o segredo bancário, enquanto direito subjectivo privado e público, refere um direito subjectivo público do cliente e do Banco relativamente ao Estado e a outros entes públicos, SOUSA, Rabindranath Capelo, ob. cit., p. 179.

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Capítulo I – O sigilo bancário 

  Face ao exposto, à problemática do segredo bancário, contrapõe-se uma outra, a proveniente da relação jurídica fiscal, e que tende a conduzir a uma aposição de limites à primeira, pelo que deve aferir-se da medida da sua compatibilização. É inegável a essencialidade da obrigação do pagamento de imposto. A relação entre a Administração Fiscal e o contribuinte deve pautar-se pela segurança e confiança legítima, o que visa precisamente promover o cumprimento voluntário das obrigações fiscais. O cumprimento espontâneo por parte dos sujeitos passivos contribui para a promoção da equidade fiscal. Este cumprimento é fomentado, se os direitos, liberdades e garantias dos contribuintes estiverem assegurados, o que “revela uma relação de forte interconexão entre a justiça e a segurança fiscais”18. A criação de um tax environment friendly seria conducente ao cumprimento pelos contribuintes, e ao arrecadamento de receitas fiscais, e por acréscimo, um maior cumprimento, levaria à aplicação do princípio da capacidade contributiva na sua plenitude, e consequentemente a uma maior equidade fiscal, donde se retira uma situação benéfica também para o contribuinte.

Com este objectivo, para que a segurança e confiança se verifiquem no âmbito fiscal, a Professora Rita Calçada Pires, refere na sua reflexão19, que tem de existir um quadro legislativo claro, equitativo e estável, a que atribui a designação de um bom design fiscal, que deve ser acessível, claro e estável, com procedimentos simples, privilegiando a eficiência e eficácia, o que releva não só ao contornarem-se gastos, mas sobretudo como contributo ao cumprimento dos que se encontram sujeitos a tributação, propiciando um clima, no qual seja possível existir uma conciliação dos interesses da Administração Tributária com os do sujeito passivo. Cabe ainda realizar uma menção relativa à disponibilização de bons serviços, os quais devem encontrar-se em proximidade com o contribuinte, de modo a que haja lugar a facilidades no acesso à informação, bem como à assistência necessária em situações dúbias. Devem ainda pautar-se pela eficiência e eficácia os mecanismos para a resolução de conflitos, existindo para o efeito o recurso a uma série de meios extrajudiciais, assim como a planos prestacionais. Estes são requisitos manifestamente essenciais para a confiança e segurança na relação jurídica fiscal, e consequentemente para as finalidades de        Direito Bancário, Coimbra, 1999, p. 373; Veja-se também, QUEIROZ, Mary Elbe Gomes, A transparência fiscal e a inexistência de sigilo bancário para o fisco, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças e direito fiscal, Vol. II, Coimbra, 2013, p. 298.

18PIRES, Rita Calçada,

Cumprir e querer cumprir. A segurança e a confiança na relação entre o contribuinte e a administração fiscal, Segurança e Confiança Legítima do Contribuinte, Lisboa, 2012, p. 258.

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cumprimento das obrigações fiscais. Quer-se ainda evidenciar o facto de os tributos terem em vista dadas finalidades, cuja aplicação é normalmente desconhecida pelos contribuintes, onde é possível abrir a questão, de que se estes tivessem conhecimento de onde as receitas seriam aplicadas, ou seja, a visibilidade pelo contribuinte de uma boa aplicação dos tributos por si pagos, e arrecadados pelo Estado, se seria conducente a uma maior efectividade na obrigação de pagamento de imposto. Independentemente da questão suscitada, a relação jurídica fiscal deve ter subjacente a ética fiscal, que funciona para as duas partes presentes, nomeadamente para o contribuinte, numa consciência do dever de pagamento dos tributos, e para a Administração no respeito pelos direitos, liberdades e garantias na arrecadação dos mesmos. Tendo em conta a lógica apresentada, cada vez menos fará sentido considerar, que o segredo bancário persista como uma área inacessível pelo direito fiscal em toda e qualquer circunstância.

A globalização da economia e o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais tecnológica têm vindo a demonstrar a passagem de um modelo de opacidade, muito associado ao Estado liberal e à defesa da individualidade, para o Estado social, numa maior preocupação com o colectivo, e onde surge privilegiada a transparência, o que sucede também no âmbito fiscal. Por isso, aquando da análise de uma ponderação de valores, deve ter-se em consideração a realidade contemporânea na qual a questão do sigilo se encontra inserida.

O sigilo bancário é uma barreira à transparência fiscal, pelo que não é possível desligar esta questão da luta contra a fraude e evasão fiscal20, o que, como vimos, justificaria a cedência do sigilo. Esta não é uma mera questão financeira, o que é novamente demonstrável pelos seus princípios norteadores. O princípio da capacidade contributiva pressupõe que o imposto seja pago na medida dos rendimentos do individuo, o que não representa somente um dever de contribuir, mas muito mais do que isso, traz a colação a ideia de solidariedade fiscal, além do reconhecimento de uma       

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Capítulo I – O sigilo bancário 

  necessidade de comparabilidade, o que se traduz na igualdade fiscal na relação entre os contribuintes. Estes objectivos são actuais, mas consubstanciam uma preocupação desde há muito presente na OCDE e UE, que pretende evitar uma erosão das bases de tributação, e assegurar a integridade dos sistemas fiscais, garantindo uma distribuição equitativa da carga fiscal.

A construção de esquemas complexos, normalmente caracterizados pela sua artificialidade, conduz a transferências de matéria colectável, por via de montagens, para outras jurisdições, o que consiste numa deslocalização para regimes mais favoráveis, nos quais os contribuintes retiram vantagem das disparidades. A transferência é deste modo efectuada para que exista um aproveitamento das diferenças entre regimes fiscais, o que conduz a uma ausência de tributação ou para que se verifique a redução da taxa de imposto aplicada.21 Ora estas práticas vão contra a ideia de solidariedade fiscal e de responsabilidade social.

As empresas devem contribuir para o bem comum, encontrando-se hoje sujeitas a deveres, nos quais se insere uma “ consciência responsável (accountability), que inclui o devido cumprimento das obrigações tributárias (compliance tributaria). Exige-se a transparência e a publicidade dos dados no sentido de que haja boa governança22 corporativa (corporative governance).” Na governança corporativa integra-se a governança fiscal, “como forma de colaborar com a optimização do resultado económico, por meio da melhor gestão das obrigações tributárias da empresa”.23 Os comportamentos referidos são violadores do dever de contribuir para a sociedade, o que provoca um impacto negativo numa cidadania empresarial responsável.

No surgimento destes fenómenos podem ser encontradas várias causas. O seu aumento está associado a uma maior mobilidade, à liberalização dos factores de produção, e ao facto de se ter evoluído para uma sociedade digital, com novos instrumentos financeiros, além da pressão exercida em relação às empresas na demonstração dos seus resultados, o que as leva a agir por métodos que as façam atingir       

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COM (2012) 351, de 27/06/2012, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, sobre os meios concretos para reforçar a luta contra a fraude e evasão fiscal, incluindo em relação a países terceiros, na qual se refere o recurso a operações ou estruturas artificiais, a exploração das diferenças entre regimes fiscais pela colocação sob a égide do poder tributário mais favorável, e nos seus reflexos para a perda de receita, considerando-se a necessidade de combater estes instrumentos.

COM (2012) 722, 06/12/2012, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, sobre o plano de acção para reforçar a luta contra a fraude e a evasão fiscais, onde surge evidenciada a ideia de assegurar o princípio da capacidade contributiva.

22

COM (2009) 201, 28/04/2009, Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social Europeu, para promover a boa governação em questões fiscais.

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resultados mais favoráveis. Também a complexidade legislativa dá azo ao aproveitamento para a criação de esquemas, conduzindo a interpretações fiscais que favorecem a evasão. Como já foi também referido, a forma como as receitas fiscais são aplicadas é muito relevante. A discórdia do contribuinte comporta uma tendência para a construção de esquemas, pelo que é essencial a sua adesão à prestação fiscal, o que requer a responsabilização do Estado. A crise económica e financeira é ainda uma causa evidente de propagação de situações fraudulentas, pois o recurso a montagens será um caminho fácil na redução da despesa. Com isto, quer-se concluir, que nos encontramos perante uma ausência de consciência fiscal, e consequentemente de solidariedade fiscal, pelo que a máquina administrativa deve procurar formas de combate, na medida em que a sua ineficiência será sentida pelos contribuintes, e transformar-se-á, inevitavelmente, num outro factor de incumprimento.

A proliferação das situações de aproveitamento dos acordos de dupla tributação acarreta graves consequências. Verifica-se a erosão da base tributária, com a consequente redução das receitas, o que vai sobrecarregar bases tributárias, ferindo a equidade. Há ainda um impacto na comparabilidade das receitas fiscais auferidas pelos Estados, verificando-se clivagens, e gerando situações de concorrência fiscal. Os esquemas abusivos estimulam a existência de um mercado negro, com quebras nas condições de concorrência formal, e com efeitos perversos na economia.

Os Estados têm movido esforços na procura de soluções. Em termos unilaterais, as respostas vão no sentido da criação nas suas legislações internas de cláusulas antiabuso (art. 38.º, nº2 da LGT), mas não só. Foram ainda consagradas diversas cláusulas CFC, que ficcionam o lucro a ser tributado, desconsiderando a deslocalização a que houve lugar. Outros mecanismos criados consistem na subcapitalização e na exit tax. 24 Para além das medidas individuais, importa a acção concertada dos Estados, onde se insere o mecanismo de troca de informações. As soluções são por vezes insuficientes, pelo que tem sido debatida a possibilidade de criação de um corpo de regras específico que tenha por base a harmonização do direito internacional fiscal.

Esta reflexão tem como intuito a compreensão de que o problema inerente ao sigilo bancário é verdadeiramente complexo e preocupante, sendo uma realidade que não se       

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Capítulo I – O sigilo bancário 

  cinge ao plano nacional, ao invés, parte do plano internacional, numa era marcada pela abertura e transparência fiscal.

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Capítulo II – As implicações tributárias do sigilo bancário

1. As implicações tributárias do sigilo bancário em Portugal: Relato de uma

evolução legal

O segredo bancário veio afirmar-se de modo mais premente na ordem jurídica portuguesa com a sua consagração no DL n.º 2/78, de 9 de Janeiro, sendo que num período imediatamente anterior, assistiu-se a uma certa dispersão e ausência no que respeita à criação de um diploma que constituísse um todo unitário e sistematizador em que este estivesse regulamentado. Este diploma é caracterizador do reforço atribuído ao sigilo, até pelas consequências que prevê para a sua violação25, assim como as escassas excepções ao seu levantamento. O levantamento poderia ocorrer mediante autorização do cliente, assim como do órgão de direcção da instituição de crédito, relativamente aos factos respeitantes a cada um (art. 2.º), e caso esta não se verificasse apenas quando permitido por lei especial e com autorização judicial para o efeito26 27. Neste sentido, surgem ressalvados os casos de deveres de informação e estatística, de acordo com o art. 5.º, mas também deveres de cooperação a existir entre as instituições, ao mencionar um sistema de reciprocas informações no art. 4.º.

A mesma precariedade sucedia quanto às referências normativas às implicações fiscais nesta matéria. O DL n.º 363/78, de 28 de Novembro, que estabelecia a reestruturação da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, concedia no seu art.       

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De acordo com o art. 3.º do DL n.º 2 /78, de 9 de Janeiro, os casos de violação do segredo bancário implicavam consequências quer na forma consumada, quer na forma tentada, e já referindo a distinção entre a simples revelação e o seu aproveitamento (art. 1.º, nº1), o que manifesta uma extensão na tutela do segredo, e prevendo responsabilidade ao nível disciplinar, civil e criminal.

26

Vide, Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 183/83, de Abril de 1984, BMJ 342.º, 55.

27

A jurisprudência segue, nesta fase, uma orientação em defesa do sigilo bancário. Assim, veja-se o Ac. do STJ, de 21/05/1980, Proc. nº 035873, Relator (Costa Ferreira), BMJ n.º 297, p. 207:

“I - No domínio do sigilo bancário está ínsita a resposta a questão de saber, relativamente a quaisquer informações pedidas as instituições de crédito, se deve prevalecer o dever de sigilo ou o dever de cooperação com as autoridades judiciárias e policiais. II - O Decreto-Lei n. 2/78, de 9 de Janeiro, deu prevalência ao primeiro dever, realçando, por parte dos

estabelecimentos bancários, o segredo quanto aos nomes dos seus clientes, contas de depósito e seu movimento, salvo autorização do cliente transmitida a instituição. III - Não havendo, pois, qualquer disposição legal que preveja e autorize a prestação de informações aquelas autoridades por parte das instituições de credito quanto aos factos em relação aos quais o artigo 1, ns. 1 e 2, do Decreto-Lei n. 2/78 proíbe sejam revelados, e legitima, e ate obrigatória, a recusa de satisfação de qualquer pedido que, em tal sentido, lhes seja formulado.”

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Capítulo II – As implicações tributárias do sigilo bancário 

  34.º, poderes de fiscalização tributária aos respectivos funcionários. No entanto, o seu nº 3 estabelece uma ressalva de máxima importância. O referido acesso só poderia ocorrer “quando ordenado pela autoridade judicial competente em pedido fundamentado pelo respectivo funcionário da fiscalização tributária.”

Assim pode concluir-se, que à data, na falta dos requisitos exigíveis para que a Administração procedesse ao acesso, seria admissível a recusa. 28 Acrescenta-se ainda que o DL vem prever apenas competências e atribuições dos órgãos da Administração Tributária, sendo insuficiente para possibilitar sem mais, a derrogação do segredo bancário.

Demonstrando também o seu contributo para a questão da colisão entre o dever de sigilo e o dever de cooperação com a Administração Fiscal, o DL n.º 513-Z/79, de 27 de Maio, que veio regular o funcionamento da Inspecção-Geral de Finanças, atribuía aos seus agentes poderes no sentido de obrigar as instituições de crédito a fornecer as informações que lhe fossem solicitadas. Destaca-se o art. 57.º, nº1, al. e), segundo o qual os inspectores podem “proceder ao exame de quaisquer elementos em poder de serviços públicos, empresas públicas ou privadas, ou obter aí o seu fornecimento, quando se mostrem indispensáveis à realização das respectivas tarefas, designadamente se estas respeitarem a inquéritos, sindicâncias ou procedimentos disciplinares.” Neste diploma não é feita referência à necessidade de uma autorização judicial para que estes elementos sejam prestados, no entanto, pela mesma ordem de razões apontadas quanto ao DL n.º 363/78, de 28 de Novembro, deve aqui também entender-se a exigibilidade dessa intervenção, não havendo lugar a revogação do art. 34.º, nº3 por esta disposição, nem seria aceitável uma derrogação imediata do segredo bancário sem que se verificasse um controlo judicial nesse sentido. É de relevar o Ac. do TC n.º 278/95, de 31 de Maio29, que precisamente a respeito do art. 57º, nº1, al.e), se pronunciou por um juízo de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que esta norma consistia numa restrição ao segredo, que integra os direitos, liberdades e garantias, pelo que esta deveria constar de lei da Assembleia da República ou de DL do Governo com autorização da mesma (actualmente art. 165.º da CRP; anterior 168.º, nº1, al.b)), devendo ainda respeitar os requisitos do art. 18.º, nº 2 e 3. A apreciação por parte do tribunal conduz à       

28

CORDEIRO, António Menezes, Direito Bancário…, ob. cit., p. 383 e ss, defende que a admissibilidade do acesso pela Administração Tributária representaria “um extraordinário retrocesso na ideia de Estado de Direito e da separação de poderes. Em suma: a defesa dos direitos de personalidade e dos direitos fundamentais requer, sempre, lei expressa e via jurisdicional, como modo de limitar certos direitos, entre os quais o sigilo bancário e o que ele representa.”

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confirmação do supraexposto, pois o segredo bancário é tratado como dimensão do direito à reserva da intimidade da vida privada (art.26.º), e permite também concluir que pode ser objecto de restrições, não sendo um direito absoluto. No entanto, a decisão do tribunal faz surgir alguma dúvida, pois, uma vez concentrando-se na inconstitucionalidade orgânica, nada refere relativamente à eventual inconstitucionalidade material da norma, não analisando da sua conformidade com o direito à reserva da intimidade da vida privada nesta perspectiva, e tendo em conta o art. 18.º, nº 2 e 3. Não obstante, continuou a considerar-se a prevalência do segredo bancário.30

No âmbito fiscal surgiram também disposições, com especial foco no Código Do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (arts. 124.º e 125.º) e no Código Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (art. 108.º), que face à imposição pelas autoridades tributárias, permitiam também situações de acesso a determinados dados relevantes, encontrando-se as instituições obrigadas ao seu fornecimento. Embora persista a lógica da autorização judicial, alguns autores vão-se apoiando nas cedências apontadas, que anteveem uma tendência para o levantamento do segredo, e acabam por considerar que estas seriam situações efectivas de derrogação do mesmo.31

Neste seguimento, entrou em vigor o RGICSF, pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que veio substituir o DL n.º 2/78, a propósito do segredo bancário (art. 78.º e ss.), e que se encontra ainda hoje em vigor com as devidas alterações.

Como visto, este diploma começou por estabelecer, que quem se encontrasse ao serviço das instituições de crédito, não poderia revelar ou aproveitar-se das informações obtidas por essa via, quer sobre as instituições, quer sobre a relação destas com os seus clientes. Por isso, há uma dupla proibição32, que é por um lado relativa à revelação, que consiste na transmissão a terceiros, fora da relação contratual, dos elementos fornecidos

      

30

Parecer PGR, de Abril de 1984: DR, II Série, de 11 de Abril de 1985, onde se refere que “o dever de sigilo bancário não sofreu derrogação imediata, por força dos poderes de fiscalização e exame conferidos à Administração Fiscal”, o que se aplica quer ao DL 363/78 de 28 de Novembro, quer ao DL 513-Z/79 de 27 de Novembro.

31

SANCHES, José Luís Saldanha, Segredo bancário e tutela do lucro real…, ob. cit., pp. 29 e ss, que considera que o segredo não consubstancia uma dimensão do direito à reserva da intimidade da vida privada, e que apoiando-se no princípio da tributação do lucro real, da igualdade e da legalidade, defende um princípio de investigação, e por esta via ao levantamento do segredo bancário; Contra, CORDEIRO, António Menezes, Direito Bancário…, ob. cit., p. 384, que defende a aplicação do art. 34.º, nº3 do DL n.º 363/78, de 28 de Novembro, além da defesa do segredo como dimensão da intimidade da vida privada.

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Capítulo II – As implicações tributárias do sigilo bancário 

  ao Banco, e por outro lado, no aproveitamento dessa mesma informação, através da sua utilização nos mesmos termos.

O RGICSF regulava ainda as situações, que com carácter de excepcionalidade, permitiam que a derrogação do sigilo fosse efectuada, estabelecendo a sua taxatividade.33

Poderia pensar-se que nesta fase já não seria necessária a existência de um controlo judicial prévio, face aos casos de levantamento do segredo bancário previstos pelo próprio RGICSF. Sucede, que este diploma deveria ainda ser visto em simultâneo com o art. 63.º, nº 2 da LGT (DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro) que fazia novamente depender o acesso do princípio da necessidade de autorização jurisdicional. Compreende-se deste modo a posição que vem sendo sufragada pela maioria da doutrina que vai no sentido de impor uma barreira aos poderes de fiscalização, no que respeita a matéria protegida pelo segredo, na medida em que coloca o acesso aos elementos dos contribuintes, dependente de autorização judicial prévia. A LGT tem implícito este entendimento, o que vem reafirmar o que já se encontrava estabelecido pelo DL n.º 363/78.

Foi também relevante para a questão, o Relatório Silva Lopes (Relatório da comissão para o desenvolvimento da reforma fiscal 1996). Deste resultou a ideia de que se deveriam aumentar as hipóteses de acesso pela Administração Tributária às informações respeitantes aos contribuintes, por forma a garantir que estes cumpriam correctamente as obrigações que lhes incumbiam. A fraude e evasão fiscais eram apontadas como consequências da não permissão do acesso, o que conduzia a uma descredibilização do sistema fiscal. O relatório refere até, que o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, previsto constitucionalmente, não deveria ser visto como um obstáculo a uma atribuição de poderes de controlo mais amplos às autoridades tributárias. Para o demonstrar apresenta este direito com uma dimensão absoluta e uma relativa. O segredo bancário integrava uma dimensão relativa deste direito, e poderia ceder em nome de interesses superiores, nomeadamente interesses públicos que o justificassem, sendo que as informações relativas a dados financeiros integrariam uma esfera privada simples e não a esfera pessoal íntima, pelo que, se

      

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tornaria legitimo o sacrifício do segredo em prol de valores prevalecentes, ao serviço das finalidades do sistema fiscal.34

O relatório propunha que fosse realizado o pedido de informação ao contribuinte, que caso se recusasse em fornecê-la, esta poderia ser solicitada à própria instituição de crédito, existindo penalidades para os casos em que a instituição se recusasse em fornecer os elementos. O acesso deveria ainda ser acompanhado por uma garantia de sigilo fiscal pelos funcionários. Em suma, o Relatório requer um alargamento ao nível legislativo no sentido de permitir a intervenção fiscal, sem que o segredo fosse apontado como impedimento, propagando a visão de que a confidencialidade exigida pelas relações bancárias pode ser aproveitada para esconder ilegalidades e proporcionar a fuga à tributação, o que conduziria a uma progressiva flexibilização das possibilidades de derrogação do sigilo bancário. Ainda assim há entendimentos mais permissivos na Comissão35, que defendem uma intervenção quando existam dúvidas fundadas sobre as declarações do contribuinte, e outras, quando a Administração esteja em posse de elementos mais concretos que ponham em causa a declaração efectuada, e portanto, com requisitos mais exigentes para que o levantamento seja possível, não se ficando pela mera dúvida.

A luta contra a fraude fiscal e a concorrência desleal era já tema de debate na OCDE. O ano de 2000 constituiu um marco, a partir do qual foi atribuído maior impacto a estas questões. Em Abril desse ano, o Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE publicou um relatório sobre a melhoria do acesso à informação para fins tributários. O relatório analisou a questão do acesso à informação nos países da OCDE, e considerou que a ausência do mesmo dificulta a tarefa da Administração Tributária na liquidação e cobrança de impostos, defendendo que este deveria ser permitido, e que os bancos deveriam identificar de forma rigorosa os seus clientes e o respectivo beneficiário económico das contas, tendo sido ainda defendida a troca de informações entre os países.

À data, era também discutida a questão da harmonização fiscal, nomeadamente quanto à tributação dos rendimentos da poupança na UE. Esta harmonização seria crucial, na medida em que os indivíduos que tivessem capitais a circular fora do seu território, teriam que pagar uma taxa uniforme de imposto, o que iria gerar um sistema de troca de informações entre os países como forma de combate à evasão fiscal e à       

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Relatório, pp. 365 e 366.

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Capítulo II – As implicações tributárias do sigilo bancário 

  concorrência desleal, por via do levantamento do segredo bancário. Com isto quer dar-se evidência ao facto de existir uma certa pressão da UE, com o intuito de atingir a transparência bancária.

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro é o desembocar do percurso que vem sendo analisado. Até ao momento as reformas fiscais pouco acrescentaram, sendo este regime o ponto de viragem, e que se pode mesmo dizer que representa a verdadeira reforma fiscal, dado o seu cariz inovador para a questão da relação jurídica fiscal. Esta lei pautava-se por um conjunto de medidas que visavam o combate à fraude e evasão fiscal (arts. 13.º a 16.º), muito debatida como causadora da iniquidade e ineficiência do sistema fiscal, e até como causa do défice público.

Passou a ser admissível o acesso a informações e documentos bancários directamente, sem que tivesse existido autorização judicial, o que representa um corte com o passado, e vindo alterar as disposições da LGT, nomeadamente o seu art. 63.º. O nº2 do presente artigo passa a consagrar a referida alteração, ao admitir que o levantamento do sigilo suceda, sem necessidade de autorização judicial, mas deve atender-se, que procede deste modo, nos casos que estejam previstos na lei, mas não deixou de se verificar a tão desejada ampliação na intervenção fiscal, fazendo nascer uma nova orientação. 36

O regime não é, no entanto, ausente de críticas. Primeiramente, porque se trata de uma derrogação do sigilo bancário por via administrativa, o que permite que a derrogação possa acontecer em situações menos graves do que outras, para as quais se exige a intervenção de autoridades judiciárias.37 O Professor José Casalta Nabais refere mesmo que este deve ser um regime excepcional, e que só deve ser aplicado quando não seja possível o recurso aos tribunais, cabendo por isso analisar se a derrogação por essa via não é excessiva ou desproporcionada face à derrogação judicial.38Também o Professor Menezes Cordeiro refere que “ se pretende reduzir a um tema fiscal algo que       

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Esta fase é igualmente marcada por uma mudança de padrão na orientação jurisprudencial. Ver Ac. do TRL, de 04/10/2001, proc. nº 0082196, Relator (Urbano Dias), segundo o qual o sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo ceder perante outros direitos assegurados pelo Estado, nomeadamente o acesso à justiça. Não deixa de mencionar que deve ser realizada uma ponderação dos interesses conflituantes, o que só pode ser determinado casuisticamente; Em termos semelhantes, o Ac.do TRL, de 05/03/2002, Proc. nº 00123417, Relator (Rua Dias), onde se acrescenta que perante dois valores constitucionalmente consagrados deve prevalecer o que salvaguarda o interesse geral em relação ao que protege interesses meramente particulares.

37

PAÚL, Jorge Patrício, O regime de acesso da administração fiscal às informações e documentos bancários, Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Professor Doutor António Sousa Franco, Vol. II, Coimbra, 2006, p. 481.

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se prende visceralmente com direitos fundamentais”, questionando da constitucionalidade da medida.39

Com estas alterações foram ainda aditados novos artigos. O art. 63.º-A, que regulava as informações relativas a operações financeiras, e que segundo o seu nº1, as instituições de crédito e sociedades financeiras encontrar-se-iam obrigadas a informar, independentemente de lhes ser solicitado, quanto a transferências transfronteiras, e portanto teriam de fazê-lo de forma automática. Já o seu nº2 estabelecia que “as instituições de crédito e sociedades financeiras têm a obrigação de fornecer à administração tributária, quando solicitado nos termos do número seguinte, o valor dos pagamentos com cartões de crédito e de débito, efectuados por seu intermédio, a sujeitos passivos que aufiram rendimentos de categoria B de IRS e de IRC, sem por qualquer forma identificar os titulares dos referidos cartões”, o que significa que a este número já está subjacente um principio do pedido, a realizar pela administração fiscal, e além disso, este quer relevar o receptor do pagamento efectuado, o que visa averiguar o efectivo rendimento do contribuinte.

O art. 63.º-B estabelece o acesso a informações e documentos bancários, atribuindo à Administração Tributária “o poder de aceder directamente aos documentos bancários, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta”, o que dá azo a que a administração fiscal possa agir unilateralmente nas situações em que o contribuinte não colabore. O artigo estabelece assim o acesso directo, sem que haja lugar a uma autorização judicial prévia, deste constando os casos em que é possível proceder nestes termos nas als. a) e b) do nº1, e a) a d) do nº240, sendo estas situações que a lei geral tributária elenca como taxativas. No entanto, cabe considerar uma distinção entre as alíneas, que se prende essencialmente com o recurso judicial. Enquanto no nº1 se prevê a admissibilidade do recurso judicial com efeito devolutivo, o       

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CORDEIRO, António Menezes, Direito Bancário…, ob. cit., p. 385; AZEVEDO, Maria Eduarda, ob.cit., p. 31.

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Capítulo II – As implicações tributárias do sigilo bancário 

  nº2 prevê que o recurso possa ter efeito suspensivo (nº4 do art. 63.º-B), o que salvaguarda com maior eficácia a posição do contribuinte no que respeita à privacidade no acesso aos dados bancários. O recurso com efeito suspensivo irá evitar o acesso imediato, pelo que a Administração Tributária não poderá executar a decisão, só havendo lugar ao fornecimento dos dados pela instituição bancária quando existir a confirmação da decisão da autoridade tributária pelo recurso. Daqui pode facilmente concluir-se, que a situação prevista pelo nº1 é mais intrusiva na vida privada do individuo, e por isso, implica um maior sacrifício do valor do sigilo.

O nº3 do artigo faz ainda depender o acesso directo do cumprimento de uma série de pressupostos, que consistem em garantias legalmente atribuídas ao contribuinte, ao estabelecer que as decisões “devem ser fundamentadas com expressa menção dos motivos concretos que as justificam, pressupõem a audição prévia do contribuinte e são da competência do Director-Geral dos Impostos ou do Director-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais, sem possibilidade de delegação.”

Encontra-se também, previsto no seu nº7, uma situação que coloca o acesso novamente dependente da necessidade de autorização judicial. Trata-se do caso de acesso a informações bancárias relevantes relativas a familiares ou terceiros que têm uma relação especial com o contribuinte, exigindo-se a audição do visado, e com obediência dos mesmos requisitos referidos pelo nº3 a propósito do acesso directo.

O artigo consagra no seu nº9, a obrigação de comunicação ao Defensor do Contribuinte dos actos de acesso directo praticados pela Administração Fiscal, ao abrigo do nº1, e portanto, esta imposição funciona para o caso em que o recurso é meramente devolutivo, o que, como visto, não é impeditivo da execução da decisão, e coloca o contribuinte numa posição de maior fragilidade, pelo que é relativamente a este número, que se vem reforçar a protecção do individuo, o que cria uma outra garantia a favor do contribuinte.

Revelou-se ainda como factor determinante para o cumprimento das regras referidas, as alterações que deram lugar ao novo RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), com especial foco para o art. 90.º deste diploma, que consagrava o crime de desobediência qualificada, inserindo-o no âmbito dos crimes tributários comuns, e punindo com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

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administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.” Não obstante, o dever de sigilo fiscal cessa nas situações que se encontram estipuladas no nº2, o que demonstra que este não é absoluto. A quebra do segredo ocorre nos casos em que o próprio contribuinte autoriza a revelação, quando se verifica a cooperação da Administração fiscal com outras entidades públicas, assim como a cooperação com autoridades tributárias de outros países, e ainda em cumprimento de um dever de colaboração com a justiça. Deve ainda ter-se em consideração, que numa primeira análise, o sigilo fiscal tem em vista a tutela da vida privada dos contribuintes, mas não sendo este o único objectivo prosseguido pela norma, que vem reforçar a relação de confiança entre a Administração fiscal e o contribuinte, o que se manifesta como essencial para o bom funcionamento do sistema tributário.

Por fim, o artigo 64.º-A atribui ao Ministro das Finanças o poder de “definir regras especiais de reserva da informação a observar pelos serviços da administração tributária no âmbito dos processos de derrogação do dever de sigilo bancário”, tratando-se de uma nova garantia do interesse do contribuinte, embora nada em concreto se encontre estipulado, encontrando-se a definição das regras relegada para um momento posterior.

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Capítulo II – As implicações tributárias do sigilo bancário 

  problemática da discricionariedade da Administração na concretização dos mesmos.41 Acaba mesmo por se questionar a constitucionalidade das alterações, surgindo diversas vezes referido que a Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal teria um procedimento melhor delineado do que o que fora adaptado no novo 63.º-B da LGT. O relatório de 1996 concluiu, recordando, que a vida financeira dos indivíduos se inseria numa esfera privada simples, a qual poderia ceder face a interesses públicos superiores. A comissão desvaloriza assim o facto que vimos, de que este direito se incorpora num direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, em que a vida financeira dos indivíduos faz transparecer a sua vida pessoal, sendo esta designada como uma biografia em números. Nestes termos, O Professor Rabindranath Capelo de Sousa vem considerar os artigos 63.º-B, n.º 1 a 4 e 6 da LGT, como estando feridos de inconstitucionalidade pois “ofendem o núcleo essencial do direito fundamental à intimidade da vida privada e familiar das pessoas singulares ou excedem manifestamente o necessário para salvaguardar os direitos do Estado à liquidação correcta e à cobrança efectiva dos impostos sobre as mesmas pessoas, pelo que são materialmente inconstitucionais nos termos dos artigos 26.º, n.º1, 18.º, n.º 2 e 3 e 277.º, n.º 1 da Constituição”, considerando também inconstitucional o art. 90.º do RGIT. 42 Embora alguns autores possam considerar a reforma como excessiva, é inegável a sua constatação. O enquadramento legislativo analisado veio a desenvolver-se e a compor-se no compor-sentido de um progressivo alargamento das possibilidades de acesso, o que indiciou e tornou expectável este desfecho. É pois uma tendência incontestável, que veio sendo encarada como um mal necessário para uma correcta determinação dos rendimentos, e consequente eficácia do sistema tributário, cabendo encontrar uma espécie de equilíbrio de forças para o seu bom funcionamento.

Em seguida, o artigo 63.º-B seria novamente objecto de alterações pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que viria aprovar o Orçamento de Estado para 2005.

Nos termos do nº1 do artigo, a Administração tributária passa a poder aceder aos dados bancários que entender, “sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos”, o que vem, mais uma vez, demonstrar que a evolução em matéria de acesso tende a ser marcadamente permissiva, em detrimento das garantias do sujeito passivo. É desde logo notória uma distinção fulcral. No anterior art. 63.º-B, a       

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BARBOSA, Paula Elisabete Henriques, ob. cit., pp. 1271 e 1272.

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situação de maior debilidade, consistia na possibilidade de recurso com efeito devolutivo, a qual era já susceptível de sucessivas críticas. Após as alterações, no que respeita ao seu nº1, não se refere a possibilidade de recurso judicial, nem mesmo devolutivo, o que se retira da leitura do seu nº5. 43Um outro factor prejudicial para o contribuinte passa também pela falta de audição prévia no que respeita a este mesmo número. Pode ainda constatar-se o alargamento das situações em que a Administração pode intervir, visto que as alíneas que agora constam do nº1, integravam o antigo nº2, alínea c). Isto significa que a autoridade fiscal apenas intervinha nos casos de prática de crime doloso, o que não é requisito na nova redacção (al. a)). Deixou ainda de se exigir para a intervenção, que os factos concretamente identificados, fossem gravemente indiciadores da falta de veracidade do declarado, encontrando-se agora omitida a referência à gravidade, o que obviamente contribuiu para um acesso mais abrangente em desfavor do contribuinte, face ao grau de subjectividade pressuposto pelo preceito (al.b)).

O nº2 do art. 63.º-B foi já formulado em termos semelhantes ao anterior, admitindo de acordo com o nº5, a audição prévia do interessado, assim como recurso judicial, embora neste caso com efeito devolutivo, e por isso com um nível de protecção inferior, visto que não obsta verdadeiramente ao acesso, embora o nº6 preveja que os elementos de prova não possam ser utilizados contra o contribuinte.

Um outro nível de acesso é estabelecido pelo nº3, o qual, também à semelhança da redacção anterior, tem como único aspecto distintivo aqui ser admissível o recurso suspensivo, o que está previsto também pelo nº5.

Por último, o nº8 admite o acesso aos dados de familiares e terceiros numa relação especial com o contribuinte, fazendo depender igualmente esse acesso dos requisitos que já se encontravam previstos, e que constam também do seu nº4, em especial de autorização judicial expressa. Mantém-se a este respeito a problemática da indeterminação do conceito de “relação especial” ainda mal resolvida na vigência deste diploma.

O processo de alargamento do acesso a elementos sob sigilo pela Administração Tributária prosseguiu, tendo sido o período seguinte marcado pela Lei n.º 94/2009, de 1

      

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Capítulo II – As implicações tributárias do sigilo bancário 

  de Setembro44. Daqui pode retirar-se, como sendo inovador, comparativamente aos diplomas anteriores, o facto do nº5 do artigo 63.º-B, apenas consagrar o recurso suspensivo para a situação em que este era apresentado por terceiros, e ainda, de acordo com o artigo 63.º-A, nº2, estabelecer-se que as “instituições de crédito e sociedades financeiras estão obrigadas a comunicar à Direcção-Geral dos Impostos até ao final do mês de Julho de cada ano, através de declaração de modelo oficial, aprovada por portaria do Ministro das Finanças, as transferências financeiras que tenham como destinatário entidade localizada em país, território ou região com regime de tributação privilegiada mais favorável” o que é normalmente apontado como causa de fuga de capitais benéficos ao sistema nacional.

Posteriormente, a Lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro, veio alterar o art. 63.º da LGT, que faz denotar pelo seu nº2, as facilidades no levantamento do segredo bancário, sem dependência de autorização judicial, ao remeter para os arts. 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C, nos termos do nº3, vindo por esta via flexibilizar a inspecção nesta matéria. Esta Lei veio ainda alterar o art. 63.º, nº7, alíneas a) e b), para efeitos da notificação das instituições de crédito e sociedades financeiras, consoante o acesso directo ocorra com ou sem audição prévia do interessado. Nos termos do art. 63.º-B, nº1, a Administração Fiscal, já antes podia aceder sem que houvesse lugar ao consentimento do titular dos elementos protegidos, tendo sido acrescentada a alínea g), segundo a qual, o acesso é realizado nestes mesmos termos, também no caso de existência comprovada de dívidas à segurança social. Deve ainda operar-se, de acordo com o nº 11, da mesma disposição, que as quebras ao sigilo bancário assim realizadas devem ser remetidas à Assembleia da República, enquanto dados estatísticos. Para terminar, este diploma veio alterar o art. 63.º-C, tendo introduzido os números 4 e 5, pelos quais a Administração pode aceder a elementos respeitantes a contas afectas à actividade empresarial sem consentimento dos titulares.

Mais recentemente, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, novamente na esteira dos orçamentos gerais do Estado, trouxe alterações para a LGT, nomeadamente os arts. 63.º-A, nº 1 e 3, que vem sujeitar a mecanismos de informação automática. Relativamente ao primeiro, quanto à abertura e manutenção de contas por contribuintes cuja situação tributária não esteja regularizada, assim como quando se encontrem em sectores de risco, e quanto a certas transferências transfronteiras. Quanto ao nº3, o       

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Referências

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