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REVISTA ACADÊMICA DA FACULDADE FERNÃO DIAS

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Academic year: 2022

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1 Revista Acadêmica da Faculdade Fernão Dias, ISSN 2358-9140, volume 6, número 20, junho de 2019.

http://www.fafe.edu.br/rafe/

CRIME DE DESERÇÃO:

UMA ANÁLISE TELEOLÓGICA E AXIOLÓGICA

Leonardo Camargo (FAFE)1 Thaís Caroline Corteze dos Santos (UGF, FAFE)2

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise teleológica e axiológica do Crime de Deserção. Nunca será demais destacar a importância desse crime para a disciplina militar e para sua justiça especializada. Neste artigo, buscou-se apresentar um breve histórico do crime de deserção, além de conceituá-lo e classificá-lo, demonstrando suas peculiaridades perante a Justiça Militar da União.

Palavras-chave: Crime de Deserção. Justiça castrense. Crime militar. Transgressão disciplinar.

Abstract

This article aims to present a teleological and axiological analysis of the Crime of Desertion. It will never be too much to point out the importance of this crime for military discipline and for its specialized justice. In this article, we sought to present a brief history of the crime of desertion, in addition to conceptualizing and classifying it, demonstrating its peculiarities before the Military Justice of the Union.

Keywords: Crime of Desertion. Military justice. Military crime. Disciplinary transgression.

Introdução

O crime de deserção é o delito mais militar dos crimes militares ocorridos desde os primórdios dos exércitos. Esse delito teve papel fundamental na ascensão do Império Romano, que inclusive à época, a prática dessa conduta poderia incidir em pena capital.

Essa rigidez excessiva acarretou numa tropa hierarquicamente disciplinada, cuja fama se

1 Bacharel em Direito pela Faculdade Fernão Dias (FAFE).

2 Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Gama Filho (UGF). Bacharel em Direito pela Universidade São Francisco (USF). Advogada atuante em São Paulo.

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2 Revista Acadêmica da Faculdade Fernão Dias, ISSN 2358-9140, volume 6, número 20, junho de 2019.

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deu em possuir um dos maiores e mais vitoriosos exércitos já existentes. No Brasil, o primeiro Código Penal Militar de 1981, já previa a incidência da deserção como crime propriamente militar. Daí a importância do militar ser processado e julgado por uma Justiça especializada que o julgasse de acordo com o seu posto hierárquico e patente.

Nesse contexto, o presente artigo tem como missão apresentar um estudo topográfico do crime de deserção e, inclusive, sob a ótica doutrinária e jurisprudencial, que visa apresentar as especificidades, características do crime em testilha. Outro aspecto histórico a ser apontado do crime de deserção, será o ato de sua constituição legal, trilhando por seu desenvolvimento histórico nos diplomas castrenses já vigentes em solo brasileiro.

Ademais, o estudo irá se ater ao procedimento do crime de deserção sobre os militares da União, isto é, aos militares das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica).

1 Noções gerais do crime militar

1.1 Crime comum X Crime militar

Antes de adentrar o tema do Crime de Deserção e seus aspectos, bem como na competência da justiça Militar em julgar os crimes militares, é preciso compreender os diplomas legais incriminadores previstos na Legislação Pátria. Serão vistas as semelhanças e divergências entre crime comum e o crime militar.

No ordenamento Jurídico há diversos tipos legislativos, tais como: Leis Ordinárias, Leis Complementares, Decretos, Resoluções, Atos Normativos entre outros. Os diplomas Penal e Penal Castrense, portanto, possuem a mesma eficácia e vigência das demais normas vigentes em solo brasileiro. Porém, diferenciam-se pelo seu caráter incriminador, enquadrando o agente ao tipo penal.

Apesar de tipificarem crimes, o Código Penal Militar (COM) e o Código Penal (CP) possuem finalidades diversas. Os agentes que cometerem crimes tipificados no Direito Penal comum, quando enquadrados ao tipo penal, buscar-se-ão não somente o cárcere e ressocialização do infrator, mas também, em dar uma resposta à sociedade. Por outro lado, em se tratando de uma justiça especializada, a esfera castrense buscará, além do cárcere e da ressocialização do agente, a tutela da disciplina e da hierarquia, bem como a proteção

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do patrimônio da Administração Militar. Além do quesito finalidade, há outras formas pela qual o operador do Direito poderá distinguir o campo jurídico comum do militar, a começar pelo critério de competência jurisdicional para o processamento e julgamento das infrações.

Nesse contexto, Adriano Alves Marreiros (2017, p. 57), ensina acerca das infrações militares:

[...] são as que, por mandamento constitucional, possuem previsão de existência, sendo norma em branco complementada pelos arts. 9º e 10º do CPM. Em geral, são processadas e julgadas pelos órgãos do Poder Judiciário que exercem a jurisdição especial militar, estadual o federal [...]

A Constituição Federal em seu art. 124, caput, atribui à Justiça Militar Federal a competência para processar e julgar crimes militares definidos em lei, e à Justiça Militar Estadual, conforme preceitua o art. 125, § 4.º da CF,

Compete processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em leis e ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvado aqueles casos em que for competência do tribunal do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir da perda do posto de oficiais e da graduação das praças.

Ainda que se busque a concreta proteção dos bens jurídicos na esfera militar, tanto na doutrina quanto no texto normativo constitucional ou em legislação ordinária, seja material ou processual, permanece uma indefinição do que é o crime militar. De tal modo, assevera Marcelo Uzeda (2016, p. 69) que, “o Direito Penal Militar é especial em virtude dos bens jurídicos tutelados: as instituições militares, a hierarquia e a disciplina, o serviço e o dever militar, bem como a condição de militar como sujeito ativo ou passivo”.

O próprio Código Penal Militar, em seu artigo 9º e 10º, celebra taxativamente as hipóteses em que tipificam o crime militar em tempo de paz e crime militar em tempo de guerra. Segundo Bandeira (apud MARREIROS; ROCHA; FREITAS, 2015, p. 61), essas hipóteses são “nada mais do que uma mera enumeração de circunstâncias de incidência do crime militar”. Isso não é o que ocorre com o Direito Penal Comum, vez que este traz o conceito de crime no art. 1° da Lei de Introdução do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7-12-1940), in verbis:

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

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O legislador se preocupou em conceituar o que seria “crime” na Justiça comum.

É contrário do que ocorre no CPM. Após vários debates doutrinários e jurisprudenciais sobre a definição de crime militar, o legislador adotou medidas capazes de caracterizar o crime militar. É preciso distinguir a maneira de tipificar os crimes. Enquanto o Código Penal adotou o sistema binário, ou dualista, ou dicotômico, no qual se prevê a existência de crime e contravenção, o CPM adotou o sistema unitário, prevendo apenas a modalidade de crime.

É o que se afirma no art. 19 do CPM, “Este Código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares”. O próprio legislador, na seara castrense, anulou a possibilidade da incidência do sistema dicotômico adotado ao diploma comum, pois o Direito Penal Militar ficou com a competência de julgar tão somente os crimes militares previstos no CPM. As transgressões militares ficaram a critério dos regulamentos internos de cada Força Armada.

1.2 Da transgressão disciplinar, contravenção militar e crime militar

A Constituição Federal, no seu art. 142, caput, estabelece que as Forças Armadas, compostas pela Marinha, Exército e Aeronáutica são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base nos princípios da hierarquia e da disciplina, tendo por finalidade a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem, quando requisitados para este fim. A hierarquia e a disciplina servem como verdadeiros pilares das Forças Armadas. A hierarquia e a disciplina estão definidas no Estatuto dos Militares, Lei 6.880/80, nos seguintes termos:

Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.

§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade.

§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.

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O militar que infringir determinada norma de conduta estará confrontando à hierarquia e a disciplina militares. Dependendo do grau da culpabilidade, poderá o militar ser enquadrado em crime, contravenção disciplinar ou transgressão disciplinar, ainda que estejam em diplomas diferentes. A fim de esclarecer, Jorge César de Assis (2010, p. 39) ensina que a contravenção militar:

[...] é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores institucionais militares. Distingue-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão militar é a mesma que existe entre crime e contravenção.

O Código Penal Militar utiliza como regra o critério da ratione legis, como forma de caracterizar os crimes militares. São as hipóteses descritas como crimes militares em tempo de paz e crimes militares em tempo de guerra no art. 9º e 10º respectivamente. Por outro lado, é preciso lembrar que o CPM não contempla a contravenção e a transgressão disciplinar, mas sim, o Estatuto dos Militares com o seguinte texto:

Art. 42. A violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas.

§ 1º A violação dos preceitos da ética militar será tão mais grave quanto mais elevado for o grau hierárquico de quem a cometer.

§ 2° No concurso de crime militar e de contravenção ou transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, será aplicada somente a pena relativa ao crime. (Grifo nosso).

O Regulamento interno de cada força, seja o Regulamento Disciplinar da Marinha (RDM) em seu art. 6º; o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) em seu art. 14º; e o Regulamento Disciplinar da Aeronáutica (RDAer) em seu art. 8º, definem de forma semelhante à configuração da transgressão/contravenção disciplinar. A definição de contravenção penal está taxativamente descrita no Regime Disciplinar da Marinha, em seu art. 6º que diz: “a Contravenção Disciplinar é toda ação ou omissão contrária às obrigações ou aos deveres militares estatuídos nas leis, nos regulamentos, nas normas e nas disposições em vigor que fundamentam a Organização Militar, desde que não incidindo no que é capitulado pelo Código Penal Militar como crime”.

A respeito da transgressão disciplinar, o art. 8º do Regime Disciplinar da Aeronáutica, define: “transgressão disciplinar é toda ação ou omissão contrária ao dever militar e, como tal, classificada nos termos do presente Regulamento. Distingue-se do

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crime militar que é ofensa mais grave a se mesmo dever, segundo o preceituado em legislação penal militar”. Por sua vez, nos termos do art. 14º do Regulamento Disciplinar do Exército, define a transgressão disciplinar:

Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.

§ 1º. Quando a conduta praticada estiver tipificada em lei como crime ou contravenção penal, não se caracterizará transgressão disciplinar. [...]

§ 4º. No concurso de crime e transgressão disciplinar, quando forem da mesma natureza, esta é absorvida por aquele e aplica-se somente a pena relativa ao crime. (Grifo nosso)

O “caput” do artigo 14 do RDE define como transgressão disciplinar toda e qualquer ação do militar que afronte aos preceitos éticos e morais, sem fazer qualquer distinção da lesão ao bem jurídico tutelado. De outro modo, o parágrafo quarto do mesmo artigo, posiciona-se no sentido de limitar a aplicação da sanção da transgressão disciplinar na hipótese de concurso de crime da mesma natureza, aplicando-se somente à pena do crime militar. A finalidade disso é evitar a aplicação da sanção da transgressão/contravenção disciplinar, acumulando-se com a sanção prevista no crime, para não acarretar em “bis in idem”.

A transgressão dependerá da gravidade do dano ao bem jurídico tutelado. Nesse sentido, Marreiros, Rocha e Freitas (2015, p. 67) asseveram que “A definição ontológica, geral, não poderia prevalecer sobre a específica, o mesmo se dando em relação às corporações militares estaduais”. Portanto, a definição geral elencada nos Regimes disciplinares das Forças Armadas não pode sobressair à definição específica do Código Penal Militar.

Desta forma, condiz perfeitamente com o sistema adotado pelo CPM, descrito em seu art. 19, no qual, afasta o caráter bipartite previsto na Legislação Penal comum. O CPM, portanto, se ocupa apenas dos crimes militares e não das infrações e contravenções previstas nos regulamentos internos, cuja análise ficará a cargo de cada Força Armada, com observância à legislação penal militar.

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1.3 Crime propriamente militar e impropriamente militar

No campo jurídico castrense, a definição de crime militar é baseada, como regra, no critério ratione legis, ou seja, aquilo que o dispositivo legal expressa. Nesse sentido, o art. 9º do Código penal Militar, expõe: “Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial”.

O dispositivo legal ao mencionar “os crimes deste código” define as hipóteses de caracterização dos crimes propriamente militares, e, dos crimes impropriamente militares, ao citar “quando definidos de modo diverso na lei penal comum”. Estas definições serão vistas mais adiante. Busca-se um entendimento para “encaixar” a infração penal militar no tipo penal descrito, pois como já dito, o art. 9º apenas elenca as hipóteses de ocorrência do crime militar.

Essa impossibilidade de enquadrar o crime militar fez com que o legislador empregasse não somente o critério da ratione legis, mas também, outros critérios para a determinação do que seja crime militar. Os critérios utilizados para a determinação do crime militar, não prevalecem sobre os critérios objetivos, ou seja, em razão da Lei, pois se trata de regra geral, tendo como crime aquele elencado no CPM. Entretanto, o texto legal elenca outros critérios que devem ser objeto de combinação atrelado ao art. 9º e 10º do respectivo Código:

Ratione Personae: ou em razão da pessoa, são aqueles casos em que o sujeito ativo é militar, tendo essa qualidade exclusivamente de militar, independentemente da razão da matéria;

Ratione Loci: também conhecido como em razão do lugar, nesta hipótese o que basta para a configuração do crime militar é o local em que a conduta fora realizada, portanto, que o delito ocorra em lugar sujeito à administração militar não dependendo das qualidades dos sujeitos envolvidos;

Ratione Materiae: neste caso, exige-se a dupla qualidade de militar, isto é, tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo da conduta devem ser militares;

Ratione Temporis: ou em razão do tempo, aqui há o crime militar quando praticado em determinada época ou circunstância, como por exemplo: (tempo de guerra, em missões de garantia da Lei e da Ordem – GLO);

Ratione Legis: Como já mencionado, esta modalidade é utilizada como regra geral, considerando crime militar aquele cuja previsão legal encontra-se descrita no Código Penal Militar.

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2 Crime de deserção

2.1 Conceito de desertor

Morfologicamente, deserção é um substantivo feminino que advém do termo Latino desertio, que deriva de desere, e significa abandonar, desistência, desamparar.

Deserere exercitum, consequentemente, é o agente do crime de deserção, ou seja, o desertor (LOUREIRO NETO, 1995, p. 156 apud ASSIS ET AL., 2016, p. 68). O desertor, no âmbito castrense, no art. 187 do CPM, é aquele que abandona o serviço militar, sem licença, permanecendo por um tempo superior previsto em lei.

Contudo, a figura do desertor não está estritamente ligada àquela do art. 187 do CPM, pois o crime de deserção possui casos assimilados e com peculiaridades distintas.

Tanto nos casos de paz como nos casos de guerra, bem como na consumação e prescrição do delito, existirão regras excepcionais para o seu processamento e julgamento. É o que se verá mais adiante.

2.2 Da condição de trânsfuga, emansor e desertor

O crime de deserção está diretamente ligado à figura do desertor. A condição que o militar se coloca de “ausentar-se” é contrária à voluntariedade do retorno às fileiras da Força à qual ele serve. Essa voluntariedade em retornar, deriva do animus, isto é, do elemento subjetivo do militar em retornar à Organização Militar. É a partir desse ponto que poderemos distinguir as figuras do trânsfuga, emansor e do desertor. Essas condições só podem ser configuradas por militares da ativa, ficando de fora os militares da reserva e os reformados.

Chrisólito de Gusmão (1915, p. 101 apud ASSIS, 2015, p. 75) lembra de que, o direito romano distinguia o desertor do emansor. O primeiro distinguia-se do segundo pelo fato que em um havia a voluntariedade da volta às fileiras e no outro não. Sucessivamente, o autor alerta sobre a gravidade que o crime de deserção representava no período Romano:

O emansor era um crime mais leve do que a deserção, e os romanos comparavam o emansor ao escravo vagabundo, e o desertor ao escravo fugitivo e, nesse aspecto, a legislação romana, com uma apreciável clarividência, procurava

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verificar os motivos que tinham dado lugar à emansio, de modo a punir o delito tento em vista os elementos e favores determinantes, o que era admirável para aquela época. (GUSMÃO, 1915, p. 102 apud ASSIS, 2015, p. 75)

O emansor se refere a um crime mais leve e, por isso, os romanos viam o

“emansio” como um escravo vagabundo, que cedo ou mais tarde se apresentaria e retornaria ao seu batalhão de origem. Por outro lado, o desertor para os romanos era taxado como um escravo fugitivo que deveria ser punido com maior rigor. Para a configuração da deserção, exige-se o elemento subjetivo do animus de retorno às fileiras de sua respectiva força.

Aquele que não teria como pretensão o retorno à sua Unidade seria taxado como desertor. Esse parece o caminho mais indicado pelo critério adotado do CPM: a apresentação voluntária do desertor ilide o crime militar, desde que a apresentação ocorra no lapso legal de oito dias. Caso o militar retorne antes de findar o prazo, a pena será atenuada.

Quanto à figura do trânsfuga, do ponto de vista léxico, o termo “trânsfuga”, vem do latim trânsfuga, de transfugere (desertar, passar para o inimigo). “Na técnica do Direito Penal Militar, assinala o soldado, ou o militar, que desertando das fileiras do exército de seu país, passa a servir no exército inimigo, em tempo de guerra” (ASSIS, 2015). O trânsfuga seria, portanto, uma espécie de deserção agravada pela conduta do militar, ingressando em fileiras inimigas. É o que aponta Antônio Milan Garrido (2006, p. 2 apud ASSIS, 2015, p. 77) ao tratar do trânsfuga:

[...] que previsto originariamente na Lex lulia Maiestatis, o transfugium, que cometia o militar que abandonava o exército e se passava para o inimigo, foi assimilado ao delito de traição e castigado, inclusive em grau de tentativa, com pena de morte.

O trânsfuga não é um mero desertor que afronta a hierarquia e a disciplina e que desampara sua pátria, mas sim, um traidor, pois passa vestir e a defender as cores da bandeira do inimigo. A depender do caso concreto, o militar poderá ir da conduta mais leve até a mais grave, iniciando como emansor, passando pela condição de desertor e terminar como trânsfuga.

2.3 Da falta ao serviço, da ausência e da deserção

Para se entender a origem de falta ao serviço, é válido recorrer à origem histórica

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do termo. Com origem no termo latino “servitium”, a palavra serviço refere-se à ação de servir ou estar sujeito a fornecer seus préstimos a alguém por qualquer motivo. Entende-se como serviço na atividade militar, o emprego do militar da ativa em determinada missão, mediante ordem de seu superior hierárquico, proferida por meio escrito ou verbal, pouco importando se o serviço ou missão tenha horário pré-estabelecido para o seu término ou não. Nessa esteira, Marreiros, Rocha e Freitas (2015, p. 17) asseveram que: “A transgressão estará caracterizada se, e somente se, o militar deixa de se apresentar para o início da missão e permanece ausente até o encerramento dela, mesmo que se tratar de convocação extraordinária e a determinação de comparecimento tenha sido verbal”.

A falta ao serviço é uma transgressão militar em que o militar, sem motivo justo, deixa de se apresentar para o serviço para o qual foi escalado pelo comando da organização militar a que se submete. Sua consumação ocorre somente após o encerramento do turno do serviço em que foi escalado, uma vez que, o atraso faria o militar incorrer em outro tipo de transgressão militar, o “atraso para o serviço”. Sobre o atraso para o serviço, Marreiros, Rocha e Freitas (2015, p. 16) advertem “Assim, no caso de transgressor se apresentar faltando apenas um minuto para o término do turno de serviço, estará praticando outro tipo de transgressão disciplinar denominada atraso para o serviço”.

Para que se configure a ausência do militar, é necessário que ocorra exatamente conforme expressa o art. 89 da Lei 6.880/80, a saber:

É considerado ausente o militar que, por mais de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas:

I - deixar de comparecer à sua organização militar sem comunicar qualquer motivo de impedimento; e

II - ausentar-se, sem licença, da organização militar onde serve ou local onde deve permanecer. (Grifo nosso).

Ausentar-se é a situação pela qual o militar quebra o dever de assiduidade em relação à Organização Militar ou em relação ao cumprimento da missão ou serviço que lhe fora delegado. Impende notar que a ausência não se confunde com falta ao serviço, mas a ela está umbilicalmente ligada, vez que havendo faltado ao serviço, se o militar não comparecer à sua Organização Militar durante as próximas 24 horas subsequentes passará à condição de ausente (NEVES; STREIFINGER, 2012, p. 881 apud MARREIROS;

ROCHA; FREITAS, 2015, p. 21).

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Portanto, o militar somente passará à condição ilegal de ausente, quando deixar de comparecer ao aquartelamento sem motivo justificável e a ausência perdurar por tempo superior a 24 horas após a lavratura do termo de ausência. A contagem para a consumação do estado de ausência inicia a partir da zero hora do dia seguinte àquela em que é verificada a falta injustificada do militar.

O ordenamento jurídico castrense prevê o crime de deserção, que também deriva de uma transgressão militar originando-se da ausência do militar que perdura por mais de oito dias. Somente depois de exaurido o lapso temporal é que haverá a consumação do tipo penal descrito no art. 187, do CPM. É o que ensina Jorge César de Assis (2015 apud MARREIROS; ROCHA; FREITAS, 2015, p. 21) para a consumação do delito:

Para se chegar até o crime de deserção militar, terá que, necessariamente, passar pela transgressão disciplinar da ausência [...] guardadas as devidas proporções, tanto a transgressão disciplinar quanto o crime militar são violações do mesmo dever militar, ou seja, que a deserção é uma infração (ou violação) progressiva, onde o militar evolui da simples transgressão da disciplina para o cometimento de crime, sem solução de continuidade.

A ausência ilegal do militar que se prorroga no tempo, sem justificativa, pode evoluir de uma simples transgressão disciplinar para um crime propriamente militar, podendo configurar ofensa ao dever da assiduidade gerando impactos na hierarquia e na disciplina.

3 Origem e histórico do crime de deserção

O Império Romano conquistou o mundo, liderado pelo imperador Júlio César. Foi através da disciplina e da hierarquia que doutrinou seus guerreiros, por meio de sanções que lhes poderiam causar até a morte. Nos primeiros tempos de Roma, o crime de deserção e a figura do desertor nem sequer eram cogitados. É o que nos ensina Antônio Millán Garrido (1983, p. 2 apud ASSIS ET AL., 2016, p. 71) “dado o caráter voluntário da milícia em que somente podia integrar-se quem ostentasse a cidadania romana, o abandonar das fileiras pelo militar era um fenômeno raro, não contemplado sequer pelos textos legais daquele momento histórico”.

Para que houvesse o controle das tropas, os Romanos elaboraram uma série de

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normas que, se praticadas, iriam ensejar crimes contra o Estado. O soldado romano que praticasse essas condutas era chamado de Perduellis ou Perduellio, que significava mau guerreiro ou inimigo em geral. Mais tarde, esse comportamento se denominaria crime de deserção militar, fomentando no termo perdellio, inimigo interno. O militar que afrontasse a hierarquia e a disciplina romana seria considerado inimigo interno.

Em solo brasileiro, ainda sob a égide do regime imperial, o crime de deserção passou por diversos diplomas legais, iniciando pelo advento do Regulamento de Infantaria e Artilharia de 1763. Posteriormente, com o primeiro CPM de 1891, em seu art. 117, foram previstas mais hipóteses de deserção especial, além da que se dava em sua modalidade comum com a simples ausência. As condutas formalmente descritas no CPM de 1891, que levariam o militar a ser considerado desertor, são:

Art. 117. É considerado desertor:

1º Todo indivíduo a serviço da marinha de guerra que, excedendo o tempo de licença, deixar de apresentar-se, sem causa justificada, a bordo, no quartel, ou estabelecimento de marinha onde servir, dentro de oito dias contados daquele em que terminar a licença;

2º O que deixar de apresentar-se dentro do mesmo prazo, contado do dia em que tiver sciencia de haver sido cassada ou revogada a licença;

3º O que, sem causa justificada, ausentar-se de bordo, dos quarteis e estabelecimentos da marinha onde servir;

4º O que, sem causa justificada, communicada incontinenti, não se achar a bordo, ou no logar onde sua presença se torne necessaria em razão do serviço, no momento de partir o navio, ou força, para viagem ou commissão ordenada;

5º O que, tendo ficado prisioneiro de guerra, deixar de apresentar-se à autoridade competente seis mezes depois do dia em que conseguir libertar-se do inimigo;

6º O que não apresentar-se logo depois de ter cumprido sentença condemnatoria;

7º O que tomar praça em outro navio, ou alistar-se no Exército, antes de haver obtido baixa;

8º O que, em presença do inimigo, deixar de acudir a qualquer chamada ou revista:

Pena - de prisão com trabalho por seis mezes a seis annos.

O Código Penal para a Armada dos Estados Unidos do Brazil vigeu até meados de 1943. Dessa época em diante, surgiria o Decreto Lei 6.227/44, no qual traria o “capítulo II da deserção”. Seria a primeira vez que um Código traria um capítulo específico para tratar o delito de deserção. Esse dispositivo trazia expressamente no art. 163, “Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias”, cuja pena seria a de detenção, durando de seis meses a dois anos, e se caso o militar fosse oficial das Forças Armadas a pena era aumentada um terço.

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O dispositivo possui grande semelhança com o Código Penal Militar atual, diferenciando apenas no tocante à causa especial de aumento de um terço, enquanto o atual optou pela agravante especial. Após diversas edições, que deram origem a novos dispositivos legais, eis que surge o Decreto-Lei 1.001/1969, o CPM de 1969, que continua em vigor.

4 Consumação e modalidades do crime de deserção

O delito de deserção possui regras distintas no CPM quando se trata de crimes militares praticados em tempo de paz e de crimes militares praticados em tempo de guerra.

Nesta abordagem, serão discutidos apenas os casos de deserção em tempo de paz. A consumação do crime de deserção, segundo Júlio Fabbrinne Mirabete (2004, p. 155 apud ASSIS, 2015, p. 85) se realiza quando, “o tipo está inteiramente realizado, ou seja, quando o fato concreto se subsume no tipo abstrato descrito na lei penal. Preenchidos todos os elementos do tipo objetivo pelo fato natural, ocorreu a consumação”.

Nos termos do art. 30 do CPM, para que o militar se adeque ao tipo legal, a consumação deverá reunir todos os elementos da definição legal do delito. A consumação do crime de deserção ocorrerá quando os elementos necessários forem atingidos pela conduta humana, isto é, o militar exaurir todos os elementos necessários da deserção. A definição da regra geral expressa no art. 30, não é suficiente para atingir todos os elementos fundamentais para a consumação da deserção. O CPM trata o crime de deserção e os casos a ela assimilados como crimes propriamente militares. Por isso, a deserção encontra-se taxativamente descrita no Título III, que trata dos crimes contra o serviço militar e o dever militar, que vão dos artigos 187 a 193 do respectivo diploma castrense.

O art. 187 do CPM, que prevê a deserção própria, sendo aquela conduta em que o militar que incorre ao, “ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias”. Logo, a conduta de “ausentar-se”

representa o núcleo o tipo penal, caracterizando-se a deserção. O art. 188 do diploma legal, em suas alíneas, prevê os casos assimilados à deserção própria, casos em que o militar incorrerá em pena igual àquela aplicada no artigo anterior. É o que ocorre na hipótese da alínea I, quando o militar “não se apresenta no lugar designado, dentro de oito dias, findo

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o prazo de transito ou férias”. A não apresentação submete-se à ideia do critério elementar do delito.

É necessário avaliar em que circunstâncias está havendo a ausência do militar, pois, nem toda ausência ocorre de maneira ilegal. Uma hipótese legal é aquela apresentada pela alínea IV, do Estatuto dos Militares, prevista no art. 64, sobre a condição de “trânsito”, situação pela qual são concedidos ao militar que se desloca de um local para o outro, geralmente em razão de transferência, até 30 dias. Outra hipótese legal é a prevista no art.

63 do Estatuto que trata do afastamento dos militares por férias, obrigatórias e anuais para o descanso.

A alínea II, do art. 188, do CPM, trata da situação em que ao militar será concedida licença ou agregação para o afastamento total e temporário do serviço, obedecida a disposição regulamentar da Lei 6.880/80, art. 67. A licença pode ser especial, para tratar de saúde de si ou de outrem, ou de interesse particular. Ainda na alínea II, é prevista a situação em que, depois de declarado o estado de sítio ou de guerra, o militar que não se apresenta à sua unidade dentro do prazo legal de oito dias estará cometendo o crime de deserção.

A alínea III do art. 188, do CPM, fala que, após os 08 dias em que o militar foi posto em liberdade pela prática de crime comum ou militar, caso não se apresente à unidade onde serve, estará configurado o crime de deserção em sua forma assimilada. No último caso de crime assimilado à deserção, a alínea IV trata da deserção imprópria. É a situação criada pelo militar que age ardilosamente simulando ou criando incapacidade para provocar sua exclusão do serviço ativo ou em caso de inatividade.

De outro modo, Neves e Streifinger (2014, p. 909 apud ASSIS, 2015, p. 91) entendem que a caracterização da alínea IV do art. 188 do CPM: “Não se enquadra materialmente nos casos de deserção, mas constitui uma modalidade autônoma de delito, que poderia muito bem ter outro nomen iuris, a exemplo de obtenção de inatividade por simulação ou geração de incapacidade”.

A deserção especial prevista no art. 190 do CPM possui certa especificidade a respeito do sujeito ativo: leva pensar no militar da Aeronáutica ou da Marinha, vez que, o texto normativo menciona o “tripulante” do navio ou da aeronave e qualquer militar que integre uma força ou uma unidade destinada a iniciar deslocamento em dia, hora e local

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previamente marcado.

O delito exige do militar uma observância rigorosa da pontualidade, que está prestes de entrar em operação. A deserção especial minimiza o atraso, seja ele longo ou curto, desde que não haja o animus do militar em romper definitivamente com o elo que o liga à respectiva Força à qual pertence. A figura do tipo penal do art. 191 do CPM remete ao rol de crimes que ocorrem necessariamente pelo concurso de agentes. Sua configuração consiste no complô e no prévio ajuste feito por dois militares ou mais. Trata-se da única modalidade em que o crime de deserção se consuma formalmente, ou seja, caso o resultado pretendido ocorra, os militares responderão na modalidade qualificada do delito e, por consequência, haverá a majoração da pena.

A evasão ou fuga também consiste em modalidade de deserção. O art. 192 do CPM retrata o delito: “Evadir-se o militar do poder da escolta, ou de recinto de detenção ou de prisão, ou fugir em seguida à prática de crime para evitar prisão, permanecendo ausente por mais de oito dias”. Possui como característica, a fuga do militar sob a escolta de quem o conduzia para o recinto de recuperação ou de aprimoramento.

Quanto ao elemento volitivo do sujeito ativo da ação para concretizar o que está descrito no tipo penal do art. 192, do CPM, segundo, Assis (2015, p. 94): “[...] o dolo continua sendo o mesmo, de romper, de forma unilateral, os laços que o prendem à força militar”. O crime de deserção possui uma multiplicidade de vertentes, situações fáticas das mais variadas condutas que ensejam a configuração do delito. Sua importância dentro das fileiras das Forças Armadas se mostra no convívio diário no âmbito da caserna, pois, basta a ausência de uma unidade do corpo efetivo para que se possa pôr em risco toda Organização da Unidade Militar, bem como os pilares da hierarquia e da disciplina.

5 Natureza e objeto jurídico no crime de deserção

A natureza jurídica do crime de deserção por muito tempo foi objeto de discussão doutrinária e jurisprudencial. As elementares que constituem o delito possuem aspectos de crime de natureza híbrida, razão pela qual se mistura matéria penal, processual e administrativa. Segundo esclarece Esmeraldino Bandeira (2006, p. 2 apud ASSIS, 2015, p.

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80), a natureza do crime de deserção, sob a ótica do CPM de 1891, “a deserção, ora se apresenta como um delito instantâneo, ora como um delito continuado”.

A elementar da instantaneidade na deserção tem premissa fundamental que, em razão do critério “ratione temporis” e “ratione loci”, o crime se configura pela ausência do militar de determinado local ou circunstância em que deveria estar. Por outro lado, a continuidade ocorreria no caso do não comparecimento do militar de forma prolongada e contrária à Lei, isto é, se ultrapassado o período de graça de oito dias. Outrossim, para a ocorrência do crime de deserção era preciso o preenchimento de três condições, “que a ausência fosse voluntária; que fosse prolongada para se distinguir da simples ausência, que seria mera infração disciplinar; e, que fosse ilegal” (BANDEIRA, 2006, p. 2 apud ASSIS, 2015, p. 81).

Se o militar estiver ausente por questões de licença ou de qualquer outra causa justificada, a conduta não poderá constituir o crime de deserção, pois essa ausência estará dentro da legalidade. Após uma série de configurações jurisprudenciais e da propositura do Decreto 17.231, de 26.02.1926, que modificou o prazo da graça para oito dias, conforme o atual Diploma Castrense preceitua, a elementar da instantaneidade no delito se deu por encerrada.

Quanto à forma de sua ação, Raul C. Machado (1930, p. 163-164 apud ASSIS, 2015, p. 82) ensina que o crime de deserção:

[...] é um crime permanente, já que a consumação – que se deu após o oitavo dia de ausência injustificada – se prolonga no tempo. Não é crime instantâneo porque a consumação se dá em certo momento, não podendo mais ser cessada pelo agente. [...] Nem é a deserção delito instantâneo de efeitos permanentes porque neste, consumada a infração os efeitos permanecem, como o homicídio que se consuma com a morte da vítima e este efeito, morte, permanece para sempre e não pode ser desfeito.

Para a caracterização do resultado no crime de deserção, há também divergência doutrinária. Ora a natureza do crime se alterna, entendendo ser crime formal, ora de mera conduta e, ainda, aqueles que entendiam se tratar, ao mesmo tempo, de um crime formal e de mera conduta e há quem diga ser instantâneo e de mera conduta. A fim de esclarecer, Enio Luiz Roseto (2012, p. 589 apud ASSIS, 2015, p. 83) declara que:

A deserção não pode ser formal, porque essa espécie de delito traz implícito no tipo um resultado que não necessita acontecer para sua consumação, por exemplo, na ameaça não é necessário que a vítima sinta-se intimada nem muito

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menos que o agente cause o mal injusto e grave propalado. Já nos crimes materiais há necessidade de um resultado externo à ação, como a morte no homicídio, e a subtração no furto e roubo.

Antônio Millán Garrido (1983, p. 59 apud ASSIS, 2015, p. 83) também alerta:

A deserção é um delito de simples omissão ou, se preferir, de simples inatividade, porquanto a ação (omissão) se esgota com a não atuação conforme a norma por parte do agente, sem requerer-se em nenhum caso qualquer resultado exterior.

A deserção compreende aqueles delitos que possuem natureza de crime abstrato que se configuram com a mera presunção do perigo, pouco importando seu exaurimento.

Portanto, “A deserção integra um delito de perigo abstrato, pois a concretização deste se presume pela lei, mas não é necessária para a realização típica total” (ASSIS, 2015, p. 83).

Quanto ao resultado, o crime de deserção constitui um delito de mera conduta e de perigo abstrato, que não depende da obtenção de um resultado. Mas, a não reincorporação do militar continua sendo uma conduta desvalorada penalmente.

Semelhante é o entendimento de Célio Lobão (1999, p. 229) ao falar do resultado do crime de deserção: trata-se de “crime de mera conduta e permanente, ensejando, por este último motivo, a prisão do desertor em flagrante”. Para sua concretização, é um delito de perigo abstrato, pois a mera presunção de lesividade ao bem jurídico, isto é, a ausência injustificada do militar, por si só, representa uma ofensa à hierarquia, à disciplina e à administração militar, independendo de sua materialização.

No tocante ao elemento objetivo da deserção, Neves e Streifinger (2012, p. 588 apud ASSIS, 2015, p. 85) não economizaram palavras ao dissertar sobre a abrangência dessa elementar, afirmando:

[...] que a conduta nuclear é “ausentar-se”, que significa afastar-se, furtar-se de estar no lugar em que devia por imposição do dever e do serviço militar, obrigação constituídas sob a forma de escala ou sob a forma de ordem específica (escrita ou oral). [...] a descrição típica não se refere somente ao militar que se encontra no interior do estabelecimento militar, em serviço ou não, no local onde se deva permanecer e dele se ausenta, não mais retornando. Alcança igualmente, aquele que se encontra afastado momentaneamente e não mais retorna à unidade, que está de folga fora da unidade e não retorna.

Não resta qualquer dúvida de que o tipo penal do art. 187 do CPM, e o elemento volitivo do militar residem no dolo, dada a capacidade do desertor em entender o caráter ilícito do fato e caminhar de acordo com o que preceitua o diploma legal.

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6 Lapso temporal do período de graça

Nos termos do art. 30 do CPM, a consumação do crime ocorre quando são preenchidos todos os elementos do tipo objetivo. Desse modo, o delito de deserção se configura com a mera conduta do militar de ausentar-se, sem licença da unidade em que serve ou do local em que deva permanecer, por mais de oito dias. Ainda que o militar se apresente dentro do período de graça permitido por lei, terá cometido transgressão militar e estará prestes de passar à condição de desertor, configurando-se o “crime de deserção própria”. Tanto no caso da deserção própria, quanto nos demais casos a ela assimilados, verifica-se que é imprescindível o transcurso do lapso temporal, tendo o dolo como figura elementar da conduta do desertor, ocasionando o rompimento unilateral das obrigações militares.

Para a efetiva consumação do delito, é imprescindível que ocorra a ultrapassagem dos oitos dias, sob pena de não consumação do tipo penal. Antônio Millán Garrido (2012 apud ASSIS, 2015, p. 87) esclarece que “o transcurso do prazo de graça, é uma condição objetiva da punibilidade”. É necessário, portanto, que o militar desertor tenha ultrapassado o período de graça conforme ao que indica o dispositivo legal. Isto é confirmado no art. 451 do Código de Processo Penal Militar, in verbis: “A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que foi verificada a falta injustificada do militar”.

Decorrente do comando legal, há uma ordem cronológica a ser seguida para a constatação inicial da falta injustificada do militar. Realizada a constatação da falta, ocorre a contagem dos dias de ausência para a futura lavratura do termo de deserção que se dará à zero hora do dia seguinte. O art. 15 do Decreto nº 3.579 de 1866 que regulava a concessão de licenças aos oficiais e praças do Exército, trazia de forma diversa o período de graça do militar desertor, esclarecendo que:

O Official, que sem causa justificada exceder da licença, em cujo gozo estiver, por dous mezes, ou que estando com licença, quando esta fôr cassada, não se recolher ao seu corpo, ou commissão, no prazo que lhe fôr ordenado, ou dentro de dous mezes, se na ordem de recolher-se não estiver marcado prazo certo, será julgado desertor, e como tal punido na conformidade da Lei nº 1 de 26 de Maio de 1835, art. 1º. (Grifo nosso)

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Ainda sob a égide do Brasil Império, o diploma legal já mostrava preocupação quanto ao retorno do militar à caserna. O art. 15 evidencia expressamente que o militar ausente, seja pela deserção própria ou nos casos a ela assimilados, seria processado e julgado como desertor, porém, com o lapso temporal de no mínimo 12 meses. Prazo infinitamente superior ao do CPM vigente.

A contagem do período de graça no crime de deserção, segundo Assis (2015, p.

90), “inicia-se, e, por óbvio, termina sempre à zero hora, tanto no dia da contagem do prazo da ausência, como do dia da consumação do crime, completando sempre mais 01 dia, à zero hora de cada dia subsequente”. Não há uma razão lógica ou aritmética para decretar o termo, mas sim, o momento da ação de ausência do militar desertor.

Foi preciso o Superior Tribunal Militar ao tratar sobre a questão do lapso temporal do crime de deserção, decidindo por unanimidade que: “O disposto na parte final do art.

187 do CPM ‘[...] por mais de oito dias’, deve ser interpretado como sendo ‘qualquer tempo que exceda a oito dias’” (Recurso criminal 2002.01.007023-0/RS – Rel. Min. Henrique Marini e Souza – julgado em 21.11.2002 apud ASSIS, 2010, s/p)

A direção que o Código Penal Militar tem seguido, após o posicionamento do STM, é no sentido de que, tanto na deserção própria como nos casos que a ela se assimilam, o início da contagem do prazo de graça deve ocorrer após a constatação da falta do militar, a contar da zero hora subsequente à constatação da ausência.

7 Prescrição no crime de deserção

Com a prática de um fato típico, antijurídico e culpável previsto em norma penal, contra o agente culpável, surgirá o “Ius Puniend” para o Estado, a pretensão de punir o agente da conduta. Esse direito Estatal não pode se protrair indefinidamente, isto é, prolongar-se no tempo sem um limite. Depois de transcorrido o prazo previsto em norma penal e a pretensão do Estado não se valer do direito de punir, ocorrerá a em extinção de punibilidade, conforme o inciso IV do art. 123, do CPM.

A prescrição é um fenômeno que ocorre em face do decurso do tempo assegurado à pretensão punitiva do Estado, seja pela prescrição da pretensão punitiva in abstrato, com previsão no art. 125 do CPM, que ocorre antes de transitar em julgado a sentença final ou

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seja para executar uma punição já imposta pela prescrição da pretensão executória in concreto, prevista no art. 126 do mesmo diploma, que tem por base a pena aplicada ao réu.

Assim, conforme as palavras de Rogério Sanches Cunha (2013, p. 289), a prescrição:

Trata-se de um limite temporal ao direito de punir do Estado. Sendo matéria de ordem pública, deve ser conhecida, ainda que de ofício, pelo juiz. Nesse sentido dispõe o artigo 60 do Código de Processo Penal: “Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício”.

O CPM prevê a prescrição como sendo um direito público subjetivo do autor do fato, que dá ensejo à ideia de se constituir em prazo penal e não processual, podendo ser alegado em qualquer fase da persecução penal, conforme o art. 133 do CPM. O diploma castrense declara que a prescrição pode se refletir em causa de extinção da punibilidade do agente, ao lado da morte, da anistia ou indulto, da retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso, da reabilitação e do ressarcimento do dano no peculato culposo (art. 123, I a VI).

Quanto à prescrição da ação penal, o CPM, prevê como prazo prescricional mínimo, o de dois anos e o máximo de 30 anos, neste caso para aqueles delitos apenados com a pena capital. O CP comum, no art. 109 remete a números bem alheios aos previstos em legislação castrense, em que o mínimo é de três anos e o máximo podendo chegar a 20 anos. Assim, preceitua o art. 125 do CPM, in verbis:

Art. 125. A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1º deste artigo, regula- se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando se:

I- em trinta anos, se a pena é de morte;

II- em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

III- em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito e não excede a doze;

IV- em doze, se o máximo da pena é superior a quatro e não excede a oito; V- em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois e não excede a quatro;

VI- em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ou, sendo superior não excede a dois;

VII- em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.

A regra da prescrição prevista no art. 125, incisos I a VII, é aplicável a qualquer crime previsto no CPM. O benefício descrito pelo art. 129 do CPM dispõe que serão reduzidos de metade os prazos da prescrição, quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de vinte e um anos ou maior de setenta. Logo, o desertor que estiver sob essas condições, terá o prazo prescricional reduzido pela metade.

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Quis o legislador castrense, à época, constituir prescrições distintas para os casos do crime de deserção e de insubmissão, uma vez que ambos são crimes propriamente militares previstos no CPM. Por tal razão, as especificidades do crime de deserção e submissão recebem tratamento diferenciado na prescrição delitiva, inclusive diante da pretensão punitiva do Estado. Acerca da prescrição no crime de deserção, esclarece Jorge Alberto Romeiro (1994, p. 312 apud ASSIS, 2015, p. 145):

[...] o art. 132 do CPM, segundo o qual no crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição do art. 125 do CPM, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos e, se oficial, a de sessenta.

Convencionou-se denominar esta regra especial de prescrição etária ou regra especial de prescrição, que se refere tanto à extinção da punibilidade para aplicar a pena quanto para executá-la.

Predomina, sob o entendimento doutrinário, a ideia de que a materialização do jus puniendi no crime de deserção segue os preceitos descritos pela regra especial do art. 132 do CPM: “o crime de deserção, embora decorrido o prazo da prescrição, este só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta”. Portanto, o caráter especial do crime de deserção utiliza a teoria da “prescrição etária”, prevista no art. 132 do CPM, e não aquela cuja pena em abstrato é descrita pela prática do injusto penal do art. 187 do CPM. O informativo 774 do STF, expressamente demonstra a regra a ser utilizada da prescrição no crime de deserção:

Info. 774 do STF: É CONSTITUCIONAL O ART. 132 DO CPM, QUE DISPÕE SOBRE A PRESCRIÇÃO DO CRIME DE DESERÇÃO. Art. 187.

Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de 8 dias: Pena - detenção, de 6 meses a 2 anos; se oficial, a pena é agravada. A deserção é um crime permanente. Há duas regras relativas à prescrição no crime de deserção. (Grifo nosso).

Nesse sentido, as praças das Forças Armadas terão o lapso temporal da prescrição no crime de deserção quando atingirem a idade de 45 anos e, para o Oficial, quando atingir a idade de 60 anos.

8 Atenuantes e agravantes especiais

O crime de deserção apresenta causas especiais, tanto para a diminuição de pena, que também é denominada de “atenuante especial”, quanto nas causas de aumento de pena, as chamadas “agravantes especiais”. Esses institutos possuem previsão legal nas alíneas I e

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II do art. 189 do COM. Sua aplicação ocorre nos casos de deserção própria e nos casos a ela assimilados. Inicia-se pelas atenuantes especiais. As atenuantes, também intituladas de minorantes, estão taxativamente descritas, no contexto da deserção, no art. 187 e na parte geral, art. 30, parágrafo único, do CPM. Assis (2015, p. 112) ensina que a forma mais adequada para a aplicação das atenuantes especiais é que:

Não se confundem com as circunstâncias atenuantes, que estão previstas no art.

72 do CPM. Por ocasião da aplicação da pena, e, utilizando-se o sistema trifásico adotado pelo Código Penal comum, veremos que a pena da deserção será da seguinte forma: 1º) com base no art. 69 da lei penal militar, será fixada a pena- base ao desertor; 2º) sobre esta pena-base incidirão as circunstâncias agravantes e atenuantes dos arts. 70 e 72, alterando-a; 3º) finalmente, sobre a pena, dando a reprimenda final.

A hipótese descrita pelo art. 72 do CPM, embora o dispositivo faça referência aos casos em que a Lei determinar a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o

“quantum”, deverá o juiz de ofício, fixá-la entre um quinto e um terço. O preceito secundário que contempla os casos do art.187, 188, I, II e III (deserção própria e casos a ela assimilados), incidirá a atenuação prevista do art. 189 alínea I, que diz: “se o agente se apresenta voluntariamente dentro em oito dias após a consumação do crime, a pena é diminuída de metade; e de um terço, se de mais de oito dias e até sessenta”. Assim, haverá uma atenuação da pena maior para aqueles desertores que comparecerem voluntariamente à Unidade Militar em até oito dias e, uma atenuação de pena menor, para aqueles que se ausentarem por mais de oito dias.

A ocorrência das agravantes especiais ocorre em situações que fogem da normalidade. É o que acontece no caso da alínea II do artigo 189, nos casos dos militares que desertam em unidades localizadas em faixa de fronteira ou em País estrangeiro. A pena do crime de deserção nessas circunstâncias é elevada em um terço. O cenário em que o delito é cometido é tão grave, que Neves e Streifinger (2012, p. 912 apud ASSIS, 2015, p.

114) argumenta sobre a majoração:

[...] a agravante pune com maior rigor o fato de a deserção se dar em unidade militar sediada estrategicamente sensível, um combatente a menos em condições de emprego e, por consequência, diminuir a capacidade de pronto emprego daquela tropa que, ao final, está encarregada da defesa territorial da nação. Da mesma forma, agrava-se a pena se a deserção ocorrer no estrangeiro, pois, além de comprometer-se o efetivo que lá está, em missão, compromete também a força militar, o nome e a imagem do País em âmbito internacional [...].

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Não há que se confundir as “circunstâncias agravantes” da parte geral previstas no art. 70 do CPM, com as majorantes de caráter especial do crime de deserção previstas no art. 189, alínea II, pois, estas estão relacionadas com o local da consumação do crime, “em unidade estacionada em fronteira ou país estrangeiro”, já aquelas estão atreladas as majorantes genéricas que sempre agravam o crime.

A deserção possui outra hipótese de causa de aumento especial de pena, prevista no art. 190 § 3º, em que a pena é aumentada em um terço se o desertor for sargento, subtenente ou suboficial e aumenta da metade, se for oficial. Assim, quanto maior a patente, isto é, mais elevado for o grau hierárquico do militar desertor, maior será o aumento da pena para aqueles que exercem funções de chefia e comando.

9 O crime de deserção em tempo de guerra

O “tempo de guerra, para efeitos da aplicação de lei penal militar, inicia com a declaração ou com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele reconhecimento; e termina quando ordenada a cessação das hostilidades” (CPM, art. 15).

A competência para declarar e encerrar guerra encontra respaldo na Constituição Federal, nos incisos XIX e XX do art. 84, respectivamente. O Jus in bello é ato privativo do Presidente da República, quando ocorrida nos intervalos de sessão legislativa, decretá-la, seja total ou parcialmente a mobilização, bem como declará-la no caso de agressão estrangeira, necessitando do referendo ou autorização do Congresso Nacional. A legitimidade Constitucional para declaração de guerra, segundo Marcelo Uzeda (2016, p.

113), assim se caracteriza: “a única hipótese de guerra legitimada pela Carta Magna é a defensiva – ‘no caso de agressão estrangeira’ o que, segundo entendimento consolidado, obviamente dispensaria a declaração de guerra prévia”.

Conforme o trecho final do art. 15 do CPM, o “tempo de guerra termina quando ordenada a cessação das hostilidades”. Compete ao Presidente da República, mediante autorização ou referendo do Congresso Nacional, celebrar a paz (CF 88, art. 84, XX). Para a definição dos crimes militares praticados em tempo de guerra são utilizados os critérios da ratione legis e da ratione temporis. O art. 10 do CPM descreve as hipóteses em que são considerados crimes militares em tempo de guerra nas alíneas I a IV.

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Como assevera Marcelo Uzeda (2016, p. 114), são hipóteses de crime militar:

I - Os crimes especialmente previstos no Código Penal Militar para o tempo de guerra estão elencados no Livro II da Parte Especial do CPM do artigo 355 em diante.

II – Os crimes propriamente militares previstos para o tempo de paz, agregando- se a circunstância temporal se praticados em tempo de guerra;

III – Os crimes impropriamente militares (previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum especial, qualquer que seja o agente) quando praticados em:

a) território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado.

b) qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência, ou as operações militares ou, qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo.

IV - Os crimes comuns (definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos no CPM), quando praticados, em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.

Há uma série de circunstâncias que se aplicarão aos crimes militares em tempo de guerra, a iniciar pela abrangência da competência da Justiça Militar que considera como crime militar todos os crimes que atendam às hipóteses dos incisos previstos no art. 10 do CPM. Assim, caso o civil praticar um crime comum, poderá ser classificado como crime militar, enquadrando-se na hipótese do inciso IV: “Os crimes comuns, definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos no CPM [...]”.

A Lei nº 8.457/92, que organiza a Justiça Militar da União (LOJMU), em seu artigo 97, I e II, dispõe que: compete ao Juiz-Auditor “presidir” à instrução criminal de praças, civis ou oficiais até o posto de coronel, e “julgar” as praças e os civis. Por isso, é correto afirmar que em tempo de guerra, os civis possam ser processados e julgados por crimes militares. Tal fato não ocorre em tempo de paz (exceto pelo crime de insubmissão previsto no art. 183 do CPM).

Quanto às causas de aumento de pena nos crimes militares em tempo de guerra, o art. 20 do CPM prevê o aumento de um terço para os casos dos incisos II, III e IV do art.

10. Todavia, isso não se aplica ao caso do inciso I, visto que este inciso já contempla pena mais grave para “os crimes especialmente militares para o tempo de guerra”. Nesse sentido, Marcelo Uzeda (2016, p. 115) ensina que: “os crimes especialmente previstos para o tempo de guerra apresentam penas mais graves em seus preceitos secundários. Aumentá-las em um terço caracterizaria odioso bis in idem”.

O crime de deserção possui previsão legal no art. 187 do Código Penal Militar. O

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25 Revista Acadêmica da Faculdade Fernão Dias, ISSN 2358-9140, volume 6, número 20, junho de 2019.

http://www.fafe.edu.br/rafe/

artigo descreve a conduta de “ausência sem a devida autorização por parte do militar da ativa do local onde sirva, impondo-se uma pena de seis meses a dois anos de detenção”. O delito visa, tanto em tempo de paz, quanto em tempo de guerra, à proteção do dever militar, da funcionalidade e regularidade das instituições militares.

Em tempo de guerra, o prazo da pena no crime de deserção vai ao encontro do previsto em tempo de paz, pois é o momento em que a Nação mais precisa de todo o efetivo de seus nacionais, inclusive dos militares, contra as ações do inimigo. O quantum da pena em tempo de guerra deixa de alcançar o máximo de dois anos de detenção e passa a contemplar o dobro, quatro anos. Se constituir infração mais grave a pena poderá ser mais agravada e ocasionar a pena de morte do militar desertor.

O parágrafo único do artigo 391 do CPM prevê que o período de graça no crime de deserção em tempo de guerra em que é reduzido pela metade. Portanto, os oito dias previstos em tempo de paz não estão assegurados, pois passa a vigorar quatro dias para retorno do desertor à unidade a que pertence. O art. 391 da parte especial do Código Penal Militar descreve o delito e a redução do período de graça, in verbis:

Art. 391. Praticar crime de deserção definido no Capítulo II, do Título III, do Livro I, da Parte Especial:

Pena - a cominada ao mesmo crime, com aumento da metade, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. Os prazos para a consumação do crime são reduzidos de metade. (Grifo nosso).

Igualmente, o título único do Código de Processo Penal Militar que trata da Justiça Militar em tempo de guerra prevê, no art. 693, alínea III:

Art. 693. No processo de deserção observar-se-á o seguinte:

III — os documentos relativos à deserção serão remetidos ao auditor, após a apresentação ou captura do acusado, e permanecerão em cartório pelo prazo de vinte e quatro horas, com vista ao advogado de ofício, para apresentar defesa escrita, seguindo-se o julgamento pelo Conselho de Justiça, conforme o caso.

A LOJMU, no art. 1º, descreve sua organização em tempo de paz. São órgãos da Justiça Militar: I – o Superior Tribunal Militar; II - a Auditoria de Correição; III – os Conselhos de Justiça; IV – os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos. Na vigência do estado de guerra, a Lei, no artigo 89, modifica a estrutura de sua organização, dispondo que, são órgãos da Justiça Militar junto às forças em operação: I – os Conselhos Superiores de Justiça; II – os Conselhos de Justiça Militar e; III - os Juízes-Auditores.

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