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Direito de retenção no direito brasileiro: proposta de sistematização MESTRADO EM DIREITO

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(1)

Dante Soares Catuzzo Junior

Direito de retenção no direito brasileiro: proposta de sistematização

MESTRADO EM DIREITO

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Dante Soares Catuzzo Junior

Direito de retenção no direito brasileiro: proposta de sistematização

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais (Direito Civil Comparado), sob a orientação da Profa. Dra. Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery.

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Banca Examinadora:

_____________________________________

_____________________________________

(4)

A Deus, por possibilitar mais esta conquista dentre as várias que o Senhor tem me concedido nestes felizes anos.

Aos meus pais, Dante e Raquel, pelo incentivo incondicional ao estudo e à leitura e, principalmente, por aquilo que eles mais me ofereceram na vida: o amor.

À querida Carla, que atualmente “retém” o bem mais precioso das nossas vidas, agradeço as palavras de incentivo, o amor demonstrado e peço perdão pela “ausência” nos períodos de estudo.

À Profa. Rosa Nery, tenho que agradecer a orientação precisa, o ensino com profundidade, o incentivo à pesquisa e os valores morais transmitidos nas aulas.

À Profa. Maria Helena Diniz, agradeço a confiança em mim depositada na admissão ao curso de mestrado e a inquestionável aptidão de ensinar com clareza, facilmente verificada em suas aulas e livros.

Aos demais professores que tive o privilégio de conhecer durante este curso, Gabriel Chalita, Marcelo Neves, Renan Lotufo e Rogério Donnini, os quais que me ensinaram muito mais do que Direito.

Ao Prof. Mairan Gonçalves Maia Júnior, que toda semana me ensina, mais um pouco, Direito civil; reencontrei um professor e ganhei muito mais que isso, ganhei um amigo.

À Profa. Regina Vera Villas Boas, que, sempre com uma palavra de carinho, apresentou relevantes sugestões para este estudo monográfico.

(5)

A presente obra propõe uma forma de sistematização do direito de retenção no direito brasileiro. A pesquisa para a elaboração do trabalho ocorreu pela análise de textos legislativos sobre o instituto no direito brasileiro e estrangeiro, a doutrina nacional e estrangeira e a jurisprudência formada. O objeto de estudo é o direito de retenção, modo específico de garantia das obrigações, por meio do qual o credor mantém em seu poder, sob um título novo, a coisa alheia, que já detenha legitimamente, para além do momento em que deveria entregá-la, com a finalidade compelir e de garantir o cumprimento voluntário de uma obrigação de dar soma em dinheiro, a qual mantém uma relação de conexidade com a coisa retida. O autor buscou discorrer sobre os elementos essenciais para a compreensão do direito de retenção no ordenamento brasileiro, quais sejam: origem e evolução, natureza jurídica, conceito, caracteres, fundamento jurídico, função, âmbito de aplicação, requisitos, efeitos, hipóteses de cabimento, meios de tutela, causas de extinção e um panorama da legislação estrangeira sobre o instituto. Com essa noção geral, pretendeu o autor contribuir para a melhor interpretação e aplicação, pelos profissionais do direito, do instituto do direito de retenção e atualizar o estudo do tema diante da legislação atualmente vigente no país.

(6)

This work aims to propose a way to systematize the right of retention in Brazilian law. The research in question was developed through the analysis of legal texts about the institute of Brazilian and foreign law, the national and foreign doctrine and jurisprudence. The object of study is the right of retention, a particular way to ensure obligations, whereby the creditor keeps under his/her power, upon a new title, the mischief thing, that he/she already rightly holds, beyond the moment it should be delivered, with the purpose of imposing and assuring the voluntary compliance with an obligation to give such a sum of money in cash, which keeps a connect relationship with the thing withheld. The author discoursed about the essential elements to understand the right of retention of the Brazilian legal system, such as: origin and evolution, legal structure, concepts, features, legal basis, function, application sphere, requirements, effects, hypothesis of acceptance, types of guardianship, termination causes and foreign legislation overview on the institute. Upon said general concepts, the author intended to contribute to the best interpretation and application, by law professionals, of the right of retention institute and update the study of this theme before the existing legislation in the country.

(7)

AgRg – Agravo regimental AI – Agravo de instrumento art. – artigo

Ap – apelação

CC – Código Civil de 2002

CDC – Código de Defesa do Consumidor CF – Constituição Federal

CPC – Código de Processo Civil Dec – Decreto

Dec.-lei – Decreto-lei MC – Medida cautelar Min. – Ministro p. – página

RE – Recurso Extraordinário REsp – Recurso especial

RT – Revista dos Tribunais (volume/página) ss. – seguintes

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça t. – tomo

v. – ver (exceto nas Referências Bibliográficas, que significa volume) v.u. – votação unânime

(8)

INTRODUÇÃO ... 1

CAPÍTULO 1A origem e a evolução do direito de retenção ... 5

1.1. Direito anterior ao romano ... 5

1.2. Direito romano ... 5

1.2.1. Breves anotações aos sistemas de processo civil romano ... 5

1.2.2. História e origem do jus retentionis ... 7

1.2.3. As principais hipóteses do jus retentionis ... 12

1.2.4. Teoria do jus retentionis ... 14

1.3. Direito intermédio ... 15

1.3.1. As leis bárbaras ... 16

1.3.2. O direito feudal ... 16

1.3.3. O antigo direito francês ... 17

1.3.4. As ordenações de Portugal ... 19

1.3.5. A legislação estatutária italiana ... 19

CAPÍTULO 2A natureza jurídica do direito de retenção ... 22

2.1. A divergência doutrinária ... 22

2.2. O direito de retenção como direito pessoal ... 23

2.3. O direito de retenção como direito real ... 25

2.4. O direito de retenção como direito pessoal com oponibilidade perante terceiros ... 29

2.4.1. A possibilidade dos direitos pessoais produzirem efeitos perante terceiros ... 32

2.4.2. As críticas às teorias do direito pessoal puro e do direito real ... 35

2.5. As demais teorias sobre a natureza jurídica do direito de retenção ... 40

2.6. Observação prática ... 43

CAPÍTULO 3O conceito e os caracteres do direito de retenção ... 44

3.1. Retenção: etimologia ... 44

(9)

3.4. Definição ... 49

3.4.1. Análise da definição ... 50

3.5. O direito de retenção legal (necessário ou propriamente dito) e convencional (voluntário ou impróprio) ... 53

3.6. Caracteres ... 54

3.6.1. Natureza acessória ... 54

3.6.2. Direito de garantia ... 55

3.6.3. Indivisibilidade ... 55

3.6.4. Transmissibilidade ... 57

3.6.5. Exclusivamente legal ... 57

3.7. Distinção com alguns institutos jurídicos afins ... 57

3.7.1. A retenção e a compensação ... 58

3.7.2. A retenção e a exceção de contrato não cumprido ... 60

3.7.3. A retenção, o penhor convencional e a anticrese ... 61

3.7.4. A retenção e o penhor legal ... 62

3.7.5. A retenção e o privilégio ... 65

3.7.6. A retenção e a detenção ... 65

3.8. A utilização atécnica do verbo “reter” e do substantivo “retenção” na legislação ... 66

CAPÍTULO 4O fundamento jurídico e as funções do direito de retenção ... 68

4.1. Teorias sobre o fundamento jurídico do direito de retenção ... 68

4.1.1. A teoria da lei ... 68

4.1.2. A teoria da vontade presumida das partes ... 69

4.1.3. A teoria do direito natural ... 70

4.1.4. A teoria do enriquecimento sem causa ... 70

4.1.5. A teoria da aplicação da justiça privada ... 71

4.1.6. A teoria da igualdade entre as partes ... 72

4.1.7. A teoria da equidade ... 73

4.2. A dupla função do direito de retenção ... 74

4.2.1. A função coercitiva ... 74

(10)

5.1. A exposição do problema e a divergência doutrinária ... 77

5.2. Os sistemas restritivos ou taxativos ... 78

5.2.1. O sistema rigorosamente exegético ... 78

5.2.2. O sistema dos contratos sinalagmáticos ... 81

5.3. Os sistemas extensivos, ampliativos ou exemplificativos ... 82

5.3.1. O sistema da conexidade objetiva diante de uma relação contratual ... 82

5.3.2. O sistema judicial ... 83

5.3.3. O sistema da equidade ... 84

5.3.4. O sistema da conexidade pura ... 85

5.3.5. O sistema da generalização ou da conexidade subjetiva ... 88

CAPÍTULO 6Os requisitos do direito de retenção ... 91

6.1. A enunciação dos requisitos ... 91

6.2. A detenção legítima de coisa alheia que se tenha obrigação de dar ... 92

6.2.1. Coisa alheia ... 92

6.2.2. Detenção legítima ... 96

6.2.3. Obrigação de dar a coisa ... 99

6.3. O crédito exigível do retentor ... 100

6.4. A relação de conexidade ... 101

6.5. A inexistência de exclusão convencional ou legal do direito de retenção ... 103

6.6. O direito de retenção nas relações de consumo ... 106

6.7. O direito de retenção de bens públicos ... 109

CAPÍTULO 7Os efeitos do direito de retenção ... 113

7.1. Divisão dos efeitos do direito de retenção ... 113

7.2. Efeitos do direito de retenção entre o retentor e o titular da coisa ... 113

7.2.1. Direitos e obrigações do retentor ... 113

7.2.2. Descumprimento das obrigações pelo retentor ... 121

(11)

7.3.2. Terceiros a quem são oponíveis os efeitos da retenção ... 125

7.4. O abuso do direito de retenção ... 130

CAPÍTULO 8As hipóteses expressas do direito de retenção ... 133

8.1. Considerações gerais ... 133

8.2. O direito de retenção do possuidor de boa-fé pelo valor das benfeitorias necessárias ou úteis ou das acessões (art. 1.219 do CC) ... 134

8.3. O direito de retenção do devedor de obrigação de restituir coisa certa, quando esta tiver melhoramento ou aumento em conseqüência do seu trabalho ou dispêndio (art. 242 do CC) ... 138

8.4. O direito de retenção do vendedor, incidente sobre as prestações pagas, pelo valor das perdas e danos, quando retomada a posse da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio (art. 527 do CC) ... 140

8.5. O direito de retenção do locatário pelo valor das perdas e danos decorrentes da rescisão antecipada do contrato pelo locador (art. 571, parágrafo único, do CC) ... 141

8.6. O direito de retenção do locatário pelo valor das benfeitorias necessárias ou úteis ou das acessões (art. 578 do CC, art. 35 da Lei 8.245/1991, art. 95, VIII, da Lei 4.504/1964) ... 142

8.7. O direito de retenção do depositário pelo valor de sua retribuição, das despesas e dos prejuízos líquidos (art. 644 do CC) ... 144

8.8. O direito de retenção do mandatário pelo valor de sua retribuição e das despesas realizadas (arts. 664 e 681 do CC) ... 145

8.9. O direito de retenção do comissário pelo valor de sua comissão e das despesas realizadas (art. 708 do CC) ... 146

8.10. O direito de retenção do transportador, incidente sobre a bagagem do passageiro e outros objetos pessoais deste, pelo valor da passagem (art. 742 do CC) ... 147

(12)

8.13. O direito de retenção na legislação extravagante ... 149

CAPÍTULO 9As hipóteses não expressas no texto legal do direito de retenção ... 152

9.1. Considerações gerais ... 152

9.2. O direito de retenção dos empreiteiros ... 152

9.3. O direito de retenção dos fabricantes, mecânicos ou artistas ... 154

9.4. O direito de retenção do comprador evicto e a doação revogada ... 154

9.5. O direito de retenção no caso de acessões realizadas com má-fé bilateral ... 154

9.6. O direito de retenção do condômino ... 156

9.7. O direito de retenção do usufrutuário ... 156

9.8. O direito de retenção do comodatário ... 157

9.9. O direito de retenção do adquirente de lotes ... 158

9.10. O direito de retenção no direito das sucessões ... 158

CAPÍTULO 10A tutela do direito de retenção ... 160

10.1. Tutela extrajudicial ... 160

10.2. Tutela judicial: noções gerais ... 161

10.2.1. A exceção de retenção ... 162

10.2.2. Os embargos à execução por retenção ... 165

10.2.3. As ações possessórias propostas pelo retentor ... 174

10.2.4. Os embargos de terceiro interpostos pelo retentor ... 175

CAPÍTULO 11A extinção do direito de retenção ... 176

11.1. As causas de extinção do direito de retenção ... 176

11.2. A extinção por via acessória ... 176

11.3. A extinção por via principal ... 179

11.3.1. O perecimento total ou a perda da detenção da coisa retida .... 179

11.3.2. A reunião na mesma pessoa das qualidades de retentor e de proprietário ou titular da coisa ... 180

11.3.3. A renúncia da garantia ... 181

(13)

CAPÍTULO 12O direito de retenção nas legislações estrangeiras modernas ... 186

12.1. Considerações preliminares e o critério de classificação ... 186

12.2. As legislações que não disciplinam o direito de retenção de forma sistemática ... 187

12.2.1. França: Código Napoleônico (1804) ... 187

12.2.2. Chile: Código Civil da República do Chile (1857) ... 190

12.2.3. Uruguai: Código Civil da República Oriental do Uruguai (1868) ... 191

12.2.4. Colômbia: Código Civil da República da Colômbia (1873) .... 193

12.2.5. Espanha: Código Civil do Reino da Espanha (1889) ... 194

12.2.6. México: Código Civil Federal dos Estados Unidos Mexicanos (1928) ... 195

12.2.7. Itália: Código Civil (1942) ... 197

12.3. As legislações que disciplinam o direito de retenção de forma sistemática ... 198

12.3.1. Argentina: Código Civil da República Argentina (1871) ... 198

12.3.2. Japão: Código Civil do Japão (1896) ... 201

12.3.3. Alemanha: Código Civil Alemão (1900) ... 202

12.3.4. Suíça: Código Civil Suíço e Código Federal das Obrigações (1912) ... 205

12.3.5. Portugal: Código Civil Português (1967) ... 208

12.3.6. Quebeque (Canadá): Código Civil de Quebeque (1994) ... 210

12.4. A retenção no direito inglês: o lien ... 211

12.5. Aspectos comparativos das legislações estrangeiras ... 213

CONCLUSÃO ... 216

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 221

ANEXO I – Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ... 231

(14)

INTRODUÇÃO

O estudo do direito de retenção não é uma empreitada fácil. As dificuldades encontradas na tentativa de sistematização desse instituto – como a desenvolvida nesta monografia – são de natureza diversas.

A primeira adversidade resulta da ausência de sistematização legislativa do direito de retenção no direito brasileiro. Como se verá, as disposições legais relativas ao tema são casuísticas e esparsas dentro do Código Civil e da legislação especial. Nota-se que, conquanto o Brasil tenha editado um dos mais recentes códigos civis do mundo (promulgado em 2002), no tema pertinente à retenção1 não observou o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial do instituto, e tampouco os códigos estrangeiros de referência. Afastou-se, portanto, dos códigos civis da Argentina, Japão, Alemanha, Suíça, Portugal e da província de Quebeque, no Canadá, que expressamente consagram o direito de retenção de forma organizada e com a previsão de normas gerais.

No direito nacional, salvo raras exceções, a doutrina também não tem se dedicado ao estudo aprofundado do direito de retenção. Nos manuais de direito civil o instituto é apenas citado e comentado em seus aspectos essenciais mínimos. Dentre as monografias gerais sobre o tema pode-se citar apenas a obra de referência de Medeiros da Fonseca,2 as de Olavo de Andrade3 e Magalhães Gomes,4 e, especificamente sobre os embargos de retenção por benfeitorias, a de Bourguignon.5 No mais, existem alguns artigos e capítulos em trabalhos de maior abrangência.

A tais dificuldades acrescente-se o fato de algumas decisões judiciais sobre o tema serem proferidas sem o necessário aprofundamento pelo julgador. Em geral, isso não ocorre por desídia do magistrado, mas, em regra, pela ausência de conhecimento específico, por parte do julgador e dos advogados, das noções gerais do instituto. Essa

1 Para evitar repetições, em todo o texto, a expressão “retenção” será utilizada como sinônima de “direito de retenção”. Quando se pretender empregar a retenção como mero fato, divorciado do direito que a assegura, ficará essa intenção expressa.

2 MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Direito de retenção. 3. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957.

3 ANDRADE, Olavo de. Notas sobre o direito de retenção. São Paulo: Saraiva, 1922.

4 MAGALHÃES GOMES, Mário A. Do direito de retenção no Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1931.

(15)

situação acaba por criar uma jurisprudência vacilante ou incompatível com a doutrina formada sobre a matéria.

Cabe ressaltar que, seguindo o esteio dos cursos e manuais de direito civil, as Faculdades de Direito não costumam dedicar sequer uma aula para a exposição aos alunos sobre os elementos do direito de retenção. Essa omissão na formação jurídica dos bacharéis agrava o desinteresse dos futuros profissionais e doutrinadores e afasta o tema objeto desta monografia da prática forense.

Por outro lado, esse desinteresse pela pesquisa detalhada do direito de retenção não é percebido na doutrina estrangeira. Nesta, há várias obras monográficas sobre o assunto, algumas de antiga data e outras bem mais recentes, caracterizando, na dicção de Ramponi, uma total divergência em todos os aspectos centrais do direito de retenção.6 O doutrinador italiano, que editou a sua obra no final do século XIX, permanece atual, pois esses conflitos – originários, bem verdade, do direito romano – ainda subsistem na teoria moderna.

Os questionamentos e as divergências doutrinárias sobre o instituto são percebidos nos diversos capítulos deste trabalho. Não há unanimidade, e, às vezes, é difícil identificar sequer uma corrente majoritária, nos aspectos essenciais para a sistematização da retenção: o seu conceito, o fundamento e a natureza jurídica, o âmbito de aplicação, os requisitos, os efeitos e as causas de extinção são sempre objeto de aguerridas discussões doutrinárias, em especial na doutrina estrangeira.

Sem embargo, o direito de retenção é de extrema importância, econômica e jurídica, para o direito moderno. Por meio dele tutela-se o crédito com efetividade, celeridade e, no mais das vezes, sem necessidade de provocação do Poder Judiciário, evitando, com isso, situações de evidente afronta à equidade. O senso comum e o jurídico não compactuam com a assertiva de que a pessoa que faz despesas, suporta danos ou realiza melhoramentos numa coisa de outrem seja obrigado a devolvê-la, sem que o beneficiário dessa devolução, previamente, indenize integralmente o seu credor do quanto despendido. A equidade, diante dessa situação fática, exige o prévio reembolso do credor à devolução da coisa, o que é garantido pelo direito de retenção desse mesmo bem.

(16)

No nosso direito positivo, diante do silêncio normativo em relação às normas gerais, as resoluções sobre os diversos elementos para a sistematização do direito de retenção foram baseadas nas seguintes fontes: nas hipóteses legais casuísticas de incidência da retenção; nos institutos jurídicos afins; na doutrina estrangeira e nacional; na jurisprudência pátria formada sobre o tema; no direito romano e nas legislações estrangeiras e; nos princípios gerais do direito e nos específicos do Direito civil.

Com fundamento em tais fontes e diante da reinante discordância inerente ao tema, esta monografia tem por objetivo, sem a pretensão de dar respostas definitivas às inúmeras divergências sobre a matéria, apresentar uma sugestão de sistematização e de exposição dos princípios e noções gerais do direito de retenção. Com isso, esperamos contribuir para a melhor interpretação e aplicação, pelos profissionais do direito, do instituto do direito de retenção.

Além disso, objetiva-se atualizar o estudo da retenção diante da legislação atualmente vigente no país, em especial: o Código Civil de 2002 (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), a Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005), o Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973) com as alterações posteriores;7 sem afastar-nos da jurisprudência formada sobre o tema. Cabe esclarecer que a primeira edição da obra de Medeiros da Fonseca, referência nacional do instituto, foi publicada há quase 80 anos, em 1934.8

No esquema deste trabalho buscou-se seguir a ordem habitual de exposição de um instituto jurídico, com a seguinte numeração para os capítulos: 1) origem e evolução; 2) natureza jurídica; 3) conceito e caracteres; 4) fundamento jurídico e funções; 5) âmbito de aplicação; 6) requisitos; 7) efeitos; 8) hipóteses expressamente consagradas do instituto, em texto de lei; 9) hipóteses não expressas no texto legal; 10) tutela; 11) extinção; e 12) legislação estrangeira. Os capítulos, nessa mesma ordem, são assim denominados.

Por fim, reitera-se que, por meio da presente monografia, que longe está de ser definitiva ou exaustiva, objetiva-se contribuir com a transmissão, ao profissional do

7 Notadamente as decorrentes da Lei 10.444, de 07 de maio de 2002, e da Lei 11.382, de 06 de dezembro de 2006.

(17)
(18)

1

A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE RETENÇÃO

Os primeiros temas a serem abordados sobre o direito de retenção devem ser os aspectos básicos da origem do instituto e de sua evolução normativa, até as codificações atuais.

O direito de retenção, do mesmo modo como vários outros institutos jurídicos modernos, tem a sua origem no direito romano.9 Desse modo, do ponto de vista histórico, o completo estudo da origem e da evolução do direito de retenção deve ter início no direito romano e desenvolvimento no direito intermédio. Foi nesse período que ele começou a se destacar com feições próprias e, portanto, é o ponto inicial de interesse da evolução histórica do tema.10

1.1 DIREITO ANTERIOR AO ROMANO

Das legislações anteriores ao direito romano não se extraem os princípios gerais que regem o direito de retenção. Algumas disposições específicas e assistemáticas são encontradas nas legislações indianas e gregas, mas que, pela atual escassez e obscuridade dessas fontes legais, são de pouca utilidade ao estudioso desse instituto.11

1.2 DIREITO ROMANO

1.2.1 Breves anotações aos sistemas de processo civil romano

9 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Do direito de retenção. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1912. p. 23-24; MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Direito de retenção. 3. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957. p. 41; RIBEIRO, Renato Ventura. Direito de retenção no contrato de empreitada. Revista de Direito Privado, São Paulo, n. 26, p. 229-244, abr.-jun. 2006. p. 230; VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. El derecho de retención. Santiago: Editorial Nascimento, 1940. p. 9. Assim como nesta, em todas as demais citações em rodapé que contemplam mais de um autor a ordem apresentada deriva unicamente da sequência alfabética do respectivo sobrenome.

10 MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 39; LACERDA, Paulo de. Direito de retenção. Gazeta Jurídica, São Paulo, v. 28, p. 301-318, jan.-abr. 1902. p. 306-307.

(19)

Para identificar a época do surgimento do direito de retenção, importante se torna rememorar os três sistemas do processo civil romano: i) o das ações da lei (legis actiones); ii) o formulário (per formulas) e o iii) extraordinário (cognitio extraordinaria). Como se sabe, esses sistemas foram sendo gradativamente substituídos e, muitas vezes, dois sistemas estavam simultaneamente vigorando, até que o mais antigo, com o tempo, caísse em desuso. Numa visão geral, no direito pré-clássico vigorou o sistema das ações; no direito clássico, o formulário; e no direito pós-clássico, o extraordinário.12

O mais antigo sistema de processo civil romano, denominado como das ações da lei (legis actiones), era caracterizado, principalmente, pela “rigidez do formalismo a ser observado pelos litigantes”.13

Essa característica foi, segundo Gaio,14 a causa da decadência da legis actiones e do consequente aparecimento do processo formulário. As principais marcas desse novo sistema processual, conforme ensina Moreira Alves, foram as seguintes: i) menor formalidade e maior rapidez; ii) maior atuação do magistrado no processo; iii) a fórmula – documento escrito – tira-lhe o caráter estritamente oral de que se revestiam as ações da lei; e iv) a condenação se torna exclusivamente pecuniária.15

A fórmula – traço marcante desse sistema – é conceituada por Moreira Alves como

[...] o esquema abstrato existente no Edito dos magistrados judiciários, o qual servia de modelo para que, num caso concreto, com as adaptações e as modificações que se fizessem necessárias, se redigisse o documento em que se fixava o objeto da demanda a ser julgado pelo juiz popular.16

Nos moldes da sistematização de Gaio,17 os elementos componentes da fórmula distinguem-se em: a) partes principais (partes formulae) e b) partes acessórias

12 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 190-191. Adotamos a divisão da história interna do direito romano em três períodos: a) o do direito antigo ou pré-clássico: das origens de Roma à Lei Aebutia, de data incerta, compreendida aproximadamente entre 149 a 126 a.C; b) o do direito clássico: até o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C; e c) o do direito pós-clássico ou romano-helênico: até a morte de Justiniano, em 565 d.C; sendo designado de direito justinianeu ao vigente na época do reinado de Justiniano, de 527 a 565 d.C (idem, p. 1-2).

13 Idem, p. 203.

14 GAIUS. Institutas do jurisconsulto Gaio. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Ed. RT, 2004 (Livro quarto, § 30).

15 MOREIRA ALVES, José Carlos. Op. cit., p. 219. 16 Idem, p. 221.

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(adiectiones). As partes principais da fórmula são quatro: a demonstratio, a intentio, a adiudicatio e a condemnatio. Por seu turno, as partes acessórias apenas se inserem na fórmula, a pedido das partes, quando presentes determinadas circunstâncias. São em número de três: a praescriptio; a exceptio; e a replicatio (com eventuais respostas: a duplicatio, a triplicatio e assim por diante).

O sistema de fórmulas processuais estabelecia o conteúdo do processo romano, o qual, em geral com a apresentação de uma exceção, podia ser ampliado:

No processo formulário reduz-se a escrito o programa processual, i.e., a actio

pretendida pelo autor e concedida pelo pretor, numa fórmula processual (formula) cuidadosamente redigida, no início oralmente, mais tarde sempre por escrito. Esta fórmula constitui a base da introdução do processo por meio da litis contestatio, e informa o juiz privado sobre o objecto e conteúdo do processo. A fórmula admite certas ampliações, sobretudo através da inclusão da exceptio pedida pelo demandado para sua defesa e concedida pelo pretor (grifos no original).18

O terceiro e último sistema processual romano é o extraordinário (cognitio extraordinaria), no qual todo o procedimento transcorria diante de um funcionário do governo, sem a divisão em instâncias então existentes: a in iure e a apud iudicem. Em consequência, o processo se desvincula do direito privado e desaparece a fórmula como instituto jurídico de natureza processual.19

1.2.2 História e origem do jus retentionis

Nem mesmo no direito romano é desenvolvida uma teoria geral do direito de retenção. Essa não era a maneira de solucionar os litígios dos romanos. Como se sabe, o direito romano apresentava um caráter eminentemente prático, no qual se buscava solucionar os casos concretos e especiais postos em julgamento.20

Na perspectiva histórica do direito romano, o instituto em questão apresentou três períodos nitidamente diversos, que corresponderam, respectivamente, aos sistemas processuais então vigentes: i) no primeiro, correspondente ao sistema das legis actiones,

18 KASER, Max. Direito privado romano. Trad. Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 432, grifo nosso.

19 MOREIRA ALVES, José Carlos. Op. cit., p. 255.

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não existiu o jus retentionis;21 ii) no segundo, que compreende o sistema do procedimento per formulas, surgiu o jus retentionis, revestido de uma forma processual; e iii) no terceiro período, correspondente ao cognitio extraordinaria, o jus retentionis desenvolveu seu caráter material, independente da forma adjetiva.22

O instituto de interesse imediato é a exceptio (ou exceção), por meio da qual o réu se defende indiretamente. Logo, sem negar o direito invocado pelo autor, alega que não o observou com base em direito próprio ou pela ocorrência de certas circunstâncias. Gaio é taxativo ao afirmar que a exceptio não existia no sistema das legis actiones; surgiu no processo formulário.23

Como esclarece a melhor doutrina, nesse sistema extremamente rigoroso e formalista que caracterizava a legis actiones, não foi possível conceber a existência de uma instituição, como o direito de retenção, que tem o seu fundamento na equidade.24 Esse sistema de direito estrito caracterizava-se pelo excessivo rigor que se tomava a letra da lei, inadmitindo extensão ou interpretação alguma, sem qualquer margem para apreciar eventuais circunstâncias especiais do caso em concreto. O magistrado devia julgar conforme a dicção fria da lei. Qualquer outra apreciação estava-lhe rigorosamente proibida, principalmente as considerações de equidade.

Nessa fase, no entanto, eram consagrados dois institutos que representavam meios legais de exercício das próprias razões – per manus iniectionem25 e per pignoris capionem26 –, os quais, segundo alguns autores, são um primeiro germe do direito de retenção.27

Apenas no segundo período processual romano pôde florescer o direito de retenção. Nessa fase, diluída a rigidez do jus civile, os pretores – fundados na equidade – puderam consagrar o jus retentionis. No processo per formulas, o exercício do direito

21 Conforme esclarece Alvino Lima, o direito romano desconhecia a expressão “jus retentionis”, que foi criada posteriormente. As expressões usadas naquela época eram “retentio”, “retinere potest”, “exceptio doli” e “comensatio deductio” (LIMA, Alvino. O direito de retenção e o possuidor de má-fé. 2. ed. São Paulo: Lejus, 1995. p. 7).

22 RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 44-52. 23 GAIUS. Op. cit., livro quarto, parágrafo 108.

24 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 23; LACERDA, Paulo de. Op. cit., p. 306-307; NARDI, Enzo. Studi sulla ritenzione in dititto romano: profilo storico. Studi Parmensi, ano VII, p. 1-203, 1957. p. 4-7. VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 13.

25 GAIUS. Op. cit., livro quarto, §§ 21 a 25. É uma forma de execução pessoal, que atinge o responsável no seu corpo.

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de retenção se dava pela exceptio, pois tratava-se de um causa eventual de exclusão ou limitação da condenação. Nas palavras de Gaio,

[...] as exceções foram criadas para a defesa dos réus, dos quais se trata. Muitas vezes, ocorre que uma pessoa é réu numa ação segundo o direito civil, constituindo, entretanto, grande injustiça condená-la (sed iniquum site um iudicio condemnari).28

Da mesma forma que a actio, a exceptio romana é uma instituição do direito processual civil. Trata-se de uma exceção, favorável ao demandado, que tem por efeito ora a sua absolvição, ora alterar as condições sob as quais seria condenado em consequência da ação.

De todas as exceções, uma das mais importantes para o direito romano foi a exceptio doli, que apresentava um âmbito de aplicação imenso, abarcando todas as hipóteses em que o demandado fundava sua contraprestação na equidade.29

A exceptio doli ampliou, significativamente, os poderes do magistrado. Nos seus termos, compreendem-se duas figuras: (i) na primeira, denominada exceptio doli praeteriti (specialis), o vício é pré-processual, caracterizando o dolo efetivo de que o devedor acusa o credor, em especial o dolo na conclusão do contrato; (ii) na segunda, nominada exceptio doli praesentis (generalis), o dolo é cometido ao propor a ação, no sentido amplo de má-fé ou de ato contrário ao direito.30

No ponto que mais interessa a este estudo, os pretores romanos compreenderam que o demandante não age lealmente ao exigir a devolução da coisa de sua propriedade, sem previamente quitar um débito existente com o possuidor e originado em razão dessa posse. Assim, consagraram o jus retentionis sob a natureza processual de uma exceptio doli generalis.31 Nesta última hipótese, ao magistrado foi atribuída ampla liberdade para verificar se, na ação proposta, estavam presentes os preceitos da boa-fé e da equidade.

28 GAIUS, Op. cit., p. 211.

29 MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 42. 30 KASER, Max. Op. cit., p. 201.

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Desse modo, com a apresentação da exceptio doli generalis, o demandado podia exercer o seu direito de retenção, que lhe facultava reter a coisa, até que o demandante realizasse o pagamento da quantia devida, desde que esse débito fosse relacionado com o bem retido. Era uma forma processual de obstar o pedido de devolução da coisa realizado pelo autor da demanda, que, por evidência, se adequava ao conceito romano de exceptio.

Na exceção de dolo romana encontra-se a origem e o meio de fazer valer o direito de retenção. Essa é a figura jurídica que introduz o direito de retenção na legislação romana, cujo objetivo era servir de garantia para o crédito do demandado. Como produto da equidade, por meio da exceptio doli generalis, o demandado podia fazer valer a retentio, que mais tarde ficou conhecido como “direito de retenção”.

O nascimento do jus retentionis no direito romano, fundado na boa-fé e na equidade, é frisado por Nardi:

A retenção nasce assim, reta nos melhores auspícios, sob o signo específico da boa-fé e aquele genérico da equidade: da boa-fé, pelo caráter distintivo do juízo, no qual, pela primeira vez, a retenção encontrou um local favorável para se estabelecer; da equidade, por ser essa o natural complemento da boa-fé em sede judiciária, e a base própria e a mola propulsora do direito pretoriano [tradução livre].32

É importante esclarecer, como visto, o alargado âmbito de abrangência da exceptio doli. Essa exceção não tinha por único objeto sancionar o direito de retenção, servindo também como meio para proteger outros interesses – todos fundados na equidade –, como, por exemplo, era o meio pelo qual se operava a compensação e a exceção de contrato não cumprido.33

No entanto, ainda no período do procedimento per formulas, tratando-se de actiones bonae fidei,34 não se exigia a expressa inserção da fórmula exceptio doli generalis para o acolhimento do direito de retenção, pois o magistrado podia decidir ex

32 No original: “La retentio nasce così, retta daí migliori auspici, sotto il segno specifico della bona fides e quello genérico dell’equità: della bona fides, per il carattere distintivo dei giudizi in cui da prima la ritenzione trovò un humus favorevole per stabilirsi; della equità, per esser questa il naturale complemento della bona fides in sede giudiziaria, e la base stessa e la molla attivante del diritto pretorio” (NARDI, Enzo. Op. cit., p. 15). Sobre a origem do direito de retenção no direito romano: ANDRADE, Olavo de. Op. cit., p. 17; CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 24; MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 42.

33 KASER, Max. Op. cit., p. 161; LACERDA, Paulo de. Op. cit., p. 314; VALVERDE, Trajano de Miranda. Op. cit., p. 87.

34 Por exemplo: actiones ex empto, ex vendito, de dote o rei uxoriae, communi dividundo e hereditatis

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bono et aequo.35 A actio bonae fidei – na qual o magistrado podia considerar todos os meios de defesa fundados na equidade – se contrapunha à actio stricti iuris, pela qual devia observar os princípios rigorosos do direito civil, sem possibilidade de buscar ou apreciar nada fora dos termos da fórmula.

O último período dos sistemas processuais romanos foi o da cognitio extra ordinem, marcado pelo abandono do caráter privatístico do processo, que foi então considerado de “natureza pública e consistia numa prerrogativa do Estado, que intervinha diretamente para dirimir o conflito entre os particulares, declarando e aplicando o direito através dos órgãos próprios”.36

Nessa época, o direito de retenção assumiu plena independência da forma processual da exceptio doli. A própria exceptio, nessa fase, perdeu o seu caráter de puro reconhecimento do pedido do autor e levantamento de uma objeção, para se tornar qualquer defesa favorável ao demandando. Nesse sentido, Kaser:

A DEFESA do DEMANDADO modifica-se completamente. A exceptio já não é uma ‘excepção’ às condições da condenação mas QUALQUER ALEGAÇÃO FAVORÁVEL ao demandado, da qual, em regra, lhe cabe o ónus da prova. Assim se confunde a oposição entre o exercício de um direito contrário autónomo e a contestação da pretensão. O meio de defesa designa-se preferencialmente praescriptio (com significado novo). As excepções, em geral, podem ser deduzidas até à sentença final (destaques no original).37

Mesmo com essa evolução, como ressalta Ramponi,38 nas Institutas de Justiniano, do ano 533 d.C., é desconsiderada a nova feição substancial do instituto. O imperador, em pleno período pós-clássico, fala em exceptiones e, particularmente, de exceptio doli, designando esta como o modo de exercício do jus retentionis.

Isso ocorreu, provavelmente, em razão da compilação de Justiniano repetir as Instituições de Gaio, escrito em aproximadamente 161 d.C, em seu livro segundo, parágrafos 73 a 78. Talvez por tal motivo, e também pelo caráter compilatório das normas existentes, que Justiniano, no ano 533 d.C. e em pleno sistema processual romano da cognitio extra ordinem, tenha mencionado a efetivação do direito de retenção pela exceção de dolo.

35 GAIUS. Op. cit., p. 201 e 229; LACERDA, Paulo de. Op. cit., p. 306-307; RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 47.

36 CHAMOUN, Ebert. Instituições de direito romano. 5. ed. Rio de Janeiro-São Paulo: Forense, 1968. p. 121.

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Todavia, a doutrina específica, em uníssono, ressalta que essa fase do direito romano teve uma grande influência sobre o direito de retenção, ocasião em que:

[...] o jus retentionis liberta-se da forma processual da exceptio doli, a cuja verificação andava ligado o seu destino, e torna-se um instituto autônomo, encontrando-se em numerosos textos com aquela designação.39

1.2.3 As principais hipóteses do jus retentionis

A aplicação de maior importância do jus retentionis no direito romano era a retentio propter impensas. No direito clássico, se o demandado (antes da litis contestatio) fez gastos necessários ou úteis na coisa, desde que verificada a sua boa-fé, podia exercer o direito de retenção, por meio da exceptio doli oposta à rei vindicatio.40 No direito justinianeu, o direito de retenção é conferido ao malae fidei possessor, quanto unicamente aos gastos necessários, para impedir o enriquecimento ilícito do autor.41

O direito de retenção era atribuído a quem construísse ou semeasse de boa-fé em terreno alheio, para reembolso dos valores dos materiais e serviços empregados. Neste caso, o possuidor podia se valer do ius retentionis para repelir a ação do reivindicante se este, previamente, não lhe indenizasse das referidas despesas.42

39 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 25. Na presente citação e nas demais realizadas neste estudo realizou-se, com a finalidade de facilitar a leitura, a atualização da grafia às regras atualmente vigentes.

40 Digesto: Livro VI, Título I, 27.5 e 48; Livro X, Título III, 14.1. No mesmo sentido: KASER, Max. Op. cit., p. 165; MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 42; VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 17.

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De igual modo, era consagrado o direito de retenção de quem escreve em papel ou pergaminho de terceiro, pelas despesas da escrita.43

No que tange à pintura em tela alheia, a indenização é fixada em favor do proprietário da tela, que, pelo valor da obra de arte, não há como considerar a primeira como bem principal. Por tal motivo, o direito de retenção é atribuído ao proprietário em relação a sua tela pintada por outrem, pelo seu valor de custo.44

Existem ainda várias outras hipóteses de reconhecimento do direito de retenção no sistema jurídico romano, oriundos todos do Digesto e lembradas por Venegas Rodriguez, em especial: ao dono da coisa, enquanto não prestada caução pelo usufrutuário; ao mandatário pelas despesas realizadas na execução do mandato; ao credor pignoratício, por outra dívida do próprio devedor e posterior à primeira; ao que sofreu danos por coisas ou por animais alheios que estivessem em seu poder; e ao

proprietário do solo. Neste caso, o dono do material perde o direito a ele, porque se considera que o alienou voluntariamente, salvo se ignora estar edificando em solo alheio. Consequentemente, mesmo depois de destruída a casa, o dono do material não pode reivindicá-la. Estando o construtor na posse da casa, e pedindo-lhe, como sua, o dono do solo, sem pagar o preço do material, nem o salário dos operários, pode ser repelido com a exceção de dolo mau. Isso no caso de haver construído de boa-fé, porque, se sabia que o solo era alheio, pode ser-lhe atribuída a culpa de ter edificado imprudentemente em terreno de outrem. (...) § 32 – Do mesmo modo que as plantas que deitam raízes, os grãos semeados seguem o solo como acessão. E também do mesmo modo que quem construiu em solo alheio e sofre reivindicação do edifício por parte do dono do solo, pode defender-se com a exceção do dolo mau, do mesmo modo que se pode defender com essa exceção quem semeou, a sua custa e de boa-fé, em solo alheio” (JUSTINIANUS, Flavius Petrus Sabbatius. Institutas do Imperador Justiniano. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2005. p. 83).

43 GAIUS. Op. cit., livro segundo: “77. Pela mesma razão, é meu o que alguém escreveu em meu papel ou o pergaminho, mesmo com letras de ouro, porque as letras acompanham o papel ou pergaminho. Assim, se eu exigir os livros ou pergaminhos, sem pagar o custo da escrita, poderei ser contestado pela exceção de dolo mau”. JUSTINIANO. Op. cit., livro II, título I: “§ 33 – A escrita, mesmo feita em ouro, acompanha o papel e o pergaminho como acessório, do mesmo modo que acompanham o solo as coisas nele construídas ou semeadas. Assim, se, no teu papel ou no teu pergaminho, Tício escreveu versos, ou uma história, ou um discurso, a propriedade pertence a ti e não a Tício. Porém, se exiges de Tício os teus livros ou pergaminhos, e não queres pagar as despesas da escrita, Tício pode defender-se com a exceção de dolo mau, desde que tenha entrado de boa-fé na posse do papel ou pergaminho”.

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transportador marítimo pelas despesas decorrentes do salvamento da coisa transportada.45

1.2.4 Teoria do jus retentionis

Pela análise das hipóteses, anteriormente expostas, do jus retentionis, a doutrina extraiu as regras gerais para a sistematização do instituto no direito romano, quais sejam: os seus requisitos, a natureza jurídica, as características, os efeitos e as causas de extinção. Como já ressaltado, essa sistematização não ocorreu pelos juristas da época, mas decorreu de obra posterior dos intérpretes, romanistas e autores de estudos específicos sobre o tema, entre os quais reinam, ainda hoje, enormes controvérsias.

Segundo a maior parte dos romanistas, para o exercício do direito de retenção na legislação romana havia necessidade da ocorrência de três requisitos: i) a detenção da coisa; ii) o crédito do retentor; e iii) a relação de conexidade.46

O primeiro requisito (i) é a detenção de uma coisa devida. Como explica Ramponi,47 a retenção deve recair sobre uma coisa, móvel ou imóvel, alheia ou própria do detentor, inclusive sobre escravos.48 Para a existência desse direito, a pessoa deve deter a coisa de forma justa, isto é, de forma não violenta ou clandestina. Portanto, em regra, o possuidor deve ser de boa-fé.49 Por fim, implícito nessa própria ideia, há uma obrigação de dar (restituir)a coisa retida.

O segundo requisito (ii) é o crédito do retentor. O crédito do detentor deve ser contra o reclamante da coisa. Segundo Ramponi,50 poderia ser inclusive uma obrigação natural,51 mas deve ser certo e exigível.

A relação de conexidade é o terceiro requisito (iii) do ius retentionis. Desde o surgimento do instituto no direito romano os autores divergem sobre a necessidade da existência do requisito da conexidade para o reconhecimento do direito de retenção. A

45 VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 17-19.

46 LACERDA, Paulo de. Op. cit., p. 316-317; LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil cit., p. 155; NARDI, Enzo. Op. cit., p. 215 e ss.

47 RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 52-53. 48 LACERDA, Paulo de. Op. cit., p. 316.

49 LACERDA, Paulo de. Op. cit., p. 317; NARDI, Enzo. Op. cit., p. 232-233; RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 53. No direito justinianeu, o possuidor de má-fé podia exercer o direito de retenção pelas despesas necessárias realizadas na coisa (Digesto: livro V, título III, 38).

50 RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 53-54.

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maioria dos estudiosos exige a conexão entre o crédito do detentor e a coisa retida, exceto quando a lei disponha de forma diversa ou na dita retenção convencional.52 A conexão pode apresentar um duplo aspecto: despesa ou dano inerente à coisa retida ou à própria obrigação de restituir.53

Um último requisito é acrescentado por Ramponi,54 consistente na inexistência de convenção em contrário ou de disposição legal proibitiva. O direito de retenção, segundo o citado autor italiano, podia ser excluído pela lei ou pela vontade das partes.

Também sobre a natureza jurídica do jus retentionis no direito romano não há concordância.55 Os que sustentam a natureza real argumentam que o direito de retenção produzia efeitos em face de terceiros, principalmente sucessores a título singular,56 em analogia com o pignus.57 Aqueles que negam essa produção erga omnes dos efeitos da retenção, atribuem a natureza pessoal a esse direito.

A retenção no direito romano tem as seguintes características: é um direito de garantia, acessório, indivisível e transmissível.58

No que tange aos efeitos, o jus retentionis facultava ao retentor a utilização dos interditos possessórios e o direito de reprimir com violência o injusto ataque a esse direito. Diversamente, não tinha o retentor o direito de fazer-se pagar preferencialmente com o preço da coisa retida; nem propriamente o direito de sequela; sequer a faculdade de usar e fruir da coisa retida. O retentor tinha a obrigação de custodiar a coisa retida com a diligência de um bom pai de família.59

A extinção do jus retentionis se dava, por via principal, com a perda da posse, a renúncia do credor ou o perecimento da coisa; por via acessória, com a extinção do crédito garantido.60

1.3 DIREITO INTERMÉDIO

52 MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 47-49; RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 54-55. 53 NARDI, Enzo. Op. cit., p. 236; RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 54-56.

54 Idem, p. 56. No mesmo sentido: MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 43-49. 55 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 25.

56 VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 17. 57 RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 57.

58 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 3; RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 57; VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 17.

59 RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 57-58.

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O direito intermédio, neste estudo, compreende as leis bárbaras, o direito feudal, o antigo direito francês, as ordenações de Portugal e a legislação estatutária italiana. Em resumo, o direito intermediário compreende os principais sistemas jurídicos ocidentais e fundados na civil law, concebidos após o direito romano e anteriores às grandes codificações.

1.3.1 As leis bárbaras

Diversamente do que ocorreu no Império Romano, o direito de retenção nas legislações bárbaras era praticamente desconhecido.61 Segundo Venegas Rodriguez, essa inexistência de dispositivos legais sobre o tema decorre da maior preocupação dos povos bárbaros com as leis penais e com os delitos, deixando em segundo plano as relações jurídico-civis.62

Nesse período, como esclarece Medeiros da Fonseca, as fontes são esparsas e às vezes contraditórias, pelo que se conclui que “não há motivos para supor que o instituto tivesse sido então inteiramente desconhecido ou vedado”.63 Pelo contrário, diversos institutos do direito romano passaram para as legislações bárbaras, seja em razão daquele ser a lei pessoal dos vencidos, seja porque os usos os houvessem introduzido nelas.

As legislações bárbaras admitiram, de forma ampla, a pignoratio privata.64 Assim, era permitido ao credor o direito de apossar-se da coisa pertencente ao devedor ou manter detenção anterior, sempre para segurança de seu crédito. Com a assunção pelo poder público da função de distribuir justiça, a defesa privada foi vedada, apenas subsistindo em casos muito específicos. No entanto, perdurou o direito de retenção, pois este não tinha o fundamento de violência que caracterizava a pignoratio privata, conforme comprova a coleção de leis romanas que, no século XI, foi publicada sob o nome Petri exceptiones legum romanorum.65

1.3.2 O direito feudal

61 VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 19. 62 Idem, p. 19.

63 MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 53.

64 Instituto que, segundo alguns estudiosos, é entendido como a origem remota do direito de retenção (idem, p. 36).

(30)

Como expõe Ramponi,66 no regime feudal, o direito de retenção sofreu as influências negativas daquela época histórica. Com o exercício da administração da justiça pelo feudatário, existia pouco interesse na aplicação do instituto em questão.

Contudo, o direito feudal não baniu integralmente a faculdade de retenção. No Libri Feudorum,67 existe a retenção do vassalo contra o terceiro reivindicante;68 dos herdeiros de vassalo falecido, sem filhos varões, contra o senhor para quem o feudo retorna (ad quem Feudum redierit);69 do vassalo pelo reembolso das despesas feitas em construções, melhoramentos ou aquisições de servidões em vantagem do feudo;70 bem como na hipótese de expiração da concessão sem culpa do vassalo.

As hipóteses do direito de retenção nesse período são isoladas e insuficientes para a sistematização do tema. Contudo, persiste o instituto pela grande influência originária do direito romano.71

1.3.3 O antigo direito francês

As províncias francesas, nesse período, estavam divididas em dois grandes grupos, que eram regidos por legislação diversa: i) as províncias de direito escrito, que adotavam o direito romano, com pequenas alterações decorrentes das novas necessidades; ii) as províncias regidas inicialmente pelos costumes que, de maneira paulatina, vão sendo consignados por escrito, até constituir uma nova legislação especial. O fundamento do direito costumeiro, no entanto, também era a legislação romana.

Diante desse quadro, o direito de retenção recobra toda a sua importância, sendo admitido com a mesma extensão que a existente no direito romano.72 Além disso, outras necessidades sociais exigiram que fossem contempladas, expressamente, novas hipóteses da incidência do instituto em exame.

66 RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 63-64. 67 Idem, p. 63.

(31)

Na legislação francesa da época encontram-se os seguintes casos de direito de retenção:73 i) do possuidor pelas despesas necessárias;74 ii) do hoteleiro sobre os cavalos e bagagem em razão das despesas de hospedagem;75 iii) do usufrutuário e do colono pelas despesas realizadas e que não eram de sua responsabilidade; iv) ao coerdeiro pelas despesas feitas em vantagem do espólio;76 v) ao comprador com cláusula de recompra, pelo reembolso do preço e das despesas; e vi) ao locador de imóvel pelo aluguel.77

No entanto, pela ausência de normatização plena do direito de retenção, surgiram graves abusos por detentores de má-fé, que utilizavam o instituto como meio de postergar, sem justa causa, a devolução da coisa. Desse modo, alegavam essas pessoas melhorias e despesas não realizadas ou procediam com uma lentidão exagerada à liquidação de suas dívidas, sempre com o intuito de permanecer com a coisa retida em sua posse.78

Esses abusos no exercício do direito de retenção provocaram a intervenção do poder real francês, que, por meio de várias ordenações, objetivou restringir o seu campo de aplicação. Assim, foram editadas as seguintes normas: i) proibição aos advogados e procuradores de reter, em garantia do pagamento de seus honorários, os documentos que lhe foram confiados pelas partes;79 ii) estabelecimento de um prazo, fixo e peremptório, dentro do qual o possuidor-credor deveria verificar e liquidar as melhorias, reparações e outros direitos, pelos quais pretendia a retenção de bens;80 iii) permissão ao proprietário de recuperar a coisa, objeto do direito de retenção invocado pelo possuidor, mediante fiança;81 iv) exigência de invocar o direito de retenção antes da condenação na devolução da coisa retida;82 e v) proibição do capitão reter a bordo as mercadorias transportadas, em razão do não pagamento do frete.83

73 Apud RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 65. 74 Costumes de Orleáns, art. 372.

75 Costumes de Paris, art. 175.

76 Costumes de Paris, art. 305; costumes de Orleans, art. 306. 77 Costumes de Orleáns, art. 406.

78 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 29-30; RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 67; VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 23-24.

(32)

No direito francês do período revolucionário não foi editada nenhuma lei de regência geral do direito de retenção, ou dispositivo que, de alguma forma, tenha alargado ou restringido a aplicação desse instituto.84

1.3.4 As ordenações de Portugal

O direito romano teve grande influência na península ibérica e, por evidência, nas legislações portuguesa e espanhola. O sistema jurídico lusitano, nesse período, era complexo, pois era formado pelo direito civil – entendido como o direito da sociedade laica – , o direito canônico e o direito imperial romano. Este último era amplamente utilizado na compilação do direito português, não só para viabilizar a integração com o direito comum europeu, como também pelo próprio prestígio e dignidade que daí resultavam para a função régia.85

Diante desse quadro, o direito de retenção, como organizado no direito romano, teve boa utilização. No entanto, a legislação portuguesa antiga, também insensível a uma normatização geral do instituto, manteve a previsão casuística das hipóteses de cabimento, a feição passiva e a natureza excepcional, repetida inclusive por Carneiro Pacheco.86

Nas Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título LIX, § 1.º, há dispositivo expresso que admite o direito de retenção àquele que recebeu a coisa emprestada e fez nela despesas “necessárias ou proveitosas”, até que lhe seja indenizado das despesas.87

De igual teor, nas Ordenações Filipinas, o § 1.º do Título LIV do Livro IV, que admite, nesse caso, o direito de retenção àquele que recebeu a coisa “emprestada, alugada, ou arrendada” pelas despesas necessárias realizadas.88

1.3.5 A legislação estatutária italiana

84 RAMPONI, Lamberto. Op. cit., p. 69.

85 CAETANO, Marcello. História do direito português. 4. ed. Lisboa-São Paulo: Editora Verbo, 2000. p. 547.

86 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 117-121.

87 “E porém se aquele que recebeu a coisa emprestada nela fez algumas despesas necessárias, ou proveitosas, em tal caso poderá reter em si a dita coisa emprestada, até que lhe seja paga a despesa que acerca dela fez como dito é”.

(33)

Na legislação estatutária italiana o direito de retenção teve grande estímulo. Além da aplicação do direito romano pelas cidades autônomas – o que importava na adoção das regras do direito de retenção – houve um impulso ao instituto em razão da ampliação, pelos estatutos, dos casos particulares de incidência. Nesse período, inclusive, foi abandonado o caráter de passividade da retenção, para tornar comum a sua natureza ativa, autorizando ao retentor a venda da coisa retida para satisfazer-se preferencialmente sobre o respectivo preço.89

Em abono dessa nova postura, houve uma evolução da pignoratio privata da legislação bárbara, o que acarretou no surgimento de um novo instituto – a represalia – , que, segundo Carneiro Pacheco:

[...] baseando-se no conceito da máxima solidariedade dos membros de cada Estado, permitia a quem quer que houvesse sido lesado na sua pessoa ou nos seus bens por qualquer membro de Estado estranho, não tendo podido obter a satisfação devida, sequestrar bens e pessoas do Estado a quem pertencia o lesante, até a importância do seu crédito ou do dano recebido.90

Em razão da desordem originada pela utilização desse novo instituto, principalmente de natureza política e econômica, buscou-se estabelecer limites para a represália, dentre os quais: prévia autorização da autoridade pública; subtração da ação a certas pessoas e mercadorias; e, por fim, restringiu-se às mercadorias do devedor detidas pelo credor, com a faculdade de sequestrar e vender.

A represália não se confundia com o direito de retenção em razão da divergência de forma, natureza e compreensão. Ao contrário da retenção, a represália era um ato de execução – e não de garantia – praticado com suporte do Estado, sem exigir a detenção anterior da coisa ou qualquer relação de conexidade, podendo recair também sobre pessoas.91

Nesse período histórico, essa maior agilidade na circulação e incremento na tutela do crédito é decorrência do surgimento de um direito costumeiro então especial – hoje denominado de direito comercial – , consolidado entre os mercadores e, após, reconhecido nos estatutos das cidades autônomas. Dentre os vários instrumentos jurídicos da tutela efetiva do crédito do comerciante, teve grande desenvolvimento o

89 CARNEIRO PACHECO, Antonio Faria. Op. cit., p. 28; MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 69-76.

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direito de retenção com essa feição mais ampla e ativa, presente, ainda hoje, em algumas legislações estrangeiras.92

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2

A NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE RETENÇÃO

2.1 A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA

A natureza jurídica do direito de retenção, apesar de ser considerada uma das questões mais importantes no estudo desse instituto, é objeto de amplas e aguerridas discussões, em especial naqueles países, como o nosso, em que não há na legislação a solução desse impasse.

A relevância do tema é de fácil constatação. Conforme a natureza jurídica que se reconheça ao direito de retenção, variará, necessariamente, toda a construção científica do instituto, particularmente os efeitos jurídicos.

Em razão da importância dessa questão, a solução deveria ser dada pelo legislador, com a finalidade de resolver, em definitivo, a controvérsia, não deixando campo para dúvidas ou questionamentos doutrinais.93 No entanto, o direito positivo brasileiro, apesar de possuir um dos Códigos Civis mais atuais, não sistematizou o direito de retenção, mediante a edição de disposições claras sobre a natureza, requisitos, caracteres e efeitos do instituto. Como será posteriormente estudado, não há, na legislação brasileira, normativo geral sobre o direito de retenção, sendo que o legislador se limitou, casuisticamente, a estabelecer as suas hipóteses de cabimento.

Nesse contexto, nos países em que não há resolução legislativa para a natureza jurídica do direito de retenção,94 o tema é objeto de antiga controvérsia,95 ainda não definitivamente solucionada. Em consequência, sobre a natureza jurídica do instituto foram elaboradas inúmeras teorias, sendo que as principais são as que sustentam o seguinte: a) o direito de retenção como direito pessoal puro; b) o direito de retenção como direito real; c) o direito de retenção como direito pessoal oponível a terceiros; d) o direito de retenção com natureza mista: real e pessoal; e) o direito de retenção como

93 Assim procedeu, por exemplo, o legislador do Japão, da Alemanha, da Suíça e de Portugal.

94 Nas legislações estudadas citamos os seguintes: França, Chile, Uruguai, Colômbia, Espanha, México e Itália (v. item 12.2).

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direito “sui generis” e autônomo; f) o direito de retenção como direito adjetivo; e g) o “direito” de retenção como simples fato jurídico.

As principais teorias e que encontram maiores adeptos – todas sustentadas por eminentes juristas – são as três primeiras citadas, as quais serão expostas em seus fundamentos e críticas nos itens 2.2 a 2.4 abaixo. Diante disso, as principais questões a solucionar são as seguintes: o direito de retenção é um direito real de garantia ou é um direito pessoal? Neste último caso, é um direito pessoal puro ou oponível a terceiros?

Diante dessas indagações, nota-se que, para estabelecer a natureza jurídica do direito de retenção, é necessário, previamente, verificar qual o critério, essencial e decisivo, que diferencia as duas categorias de direitos patrimoniais: os direitos reais e os direitos pessoais. Todavia, essa também não é uma missão fácil ou isenta de debate doutrinal, fato esse que, de certo modo e a depender da corrente a ser seguida, gerará resultados divergentes.

Por fim, diante da aceitação minoritária das demais teorias sobre a natureza jurídica do direito de direito de retenção (alíneas “d” a “g” acima), o seu respectivo estudo será realizado, em conjunto, no item 2.5.

2.2 O DIREITO DE RETENÇÃO COMO DIREITO PESSOAL

Segundo essa primeira concepção, a retenção seria um direito pessoal, que não produz nenhum efeito perante terceiros, oponível, portanto, apenas ao titular da coisa retida. Essa teoria, que atualmente possui poucos adeptos, é sustentada por Laurent, Troplong, Rauter e Larombière.96

Para manter os efeitos do direito de retenção apenas entre credor-retentor e devedor, os defensores dessa doutrina se baseiam nas seguintes razões:97

i) A tradição do direito romano: o direito de retenção apresentava em Roma um caráter puramente pessoal. O jus retentionis, segundo afirmam os adeptos dessa teoria, era uma manifestação da exceptio doli, a qual era uma exceptio in personam, isto é, uma exceção do credor ao devedor – que obrava com dolo ao tentar recuperar a coisa sem pagar o respectivo crédito dela originado –, e não um direito

96 Apud MEDEIROS DA FONSECA, Arnoldo. Op. cit., p. 250 e VENEGAS RODRIGUEZ, Ruben. Op. cit., p. 174. No direito brasileiro: VALVERDE, Trajano de Miranda. Op. cit., p. 97.

Referências

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