CRESCIMENTO DE MUDAS DE ESPÉCIES ARBÓREAS DO CERRADO EM CONSÓRCIO COM LEGUMINOSAS FORRAGEIRAS EM UMA NASCENTE NO
DO DISTRITO FEDERAL
Thais Rodrigues Coser1, Lucília Maria Parron2, Allan Kardec Braga Ramos1, Ana Lídia Alves Rocha1 (1Embrapa Cerrados, BR 020, Km 18, Caixa Postal 08223, 73010-970 Planaltina, DF.
e-mail: thacoser@gmail.com 2Embrapa Florestas, Estrada da Ribeira, km 111 Caixa Postal 319 - Colombo, PR - Brasil - 83411-000 Curitiba, PR)
Termos para indexação: recuperação de áreas degradadas, estilosantes, amendoim forrageiro, Tapirira guianensis, Hymenaea courbaril, Astronium frauxinifolium e Inga Cylindrica.
Introdução
O bioma Cerrado tem enfrentado modificações na sua estrutura e funcionamento devido à intensa urbanização e exploração agropecuária. Apesar de serem protegidas por legislação federal e estadual, como áreas de preservação permanente, a maioria das nascentes e matas ciliares estão degradadas, comprometendo o abastecimento de água e provocando degradação de solos. Com isso, a recuperação e a restauração ecológica desses ecossistemas são temas motivadores para pesquisadores e extensionistas rurais que os abordam como um dos componentes da gestão de recursos hídricos.
Vários modelos de recuperação de nascentes e matas ciliares vêm sendo utilizados (Rodrigues et al., 2000; Alvarenga, et al., 2006). O plantio de várias espécies com diferentes estádios de sucessão ecológica quanto à quantidade de luz requerida (pioneiras, secundárias e clímax) é o mais utilizado em sistemas de recuperação, pois tem como tentativa proporcionar às espécies plantadas condições semelhantes àquelas que ocorrem na mata natural (Fonseca et al., 2001). Contudo, a adaptação dessa metodologia para as condições de clima e solo do bioma Cerrado não teve o sucesso esperado (Parron et al. 2000). Moreira (2002) observou em plantio com 100% de espécies pioneiras utilizando espaçamento 3x3m, que a área recuperada dispensa tratos culturais após 12 meses da implantação do experimento, pois há o fechamento do dossel. No entanto, ainda são poucos os estudos e metodologias eficientes para a recuperação de nascentes no cerrado, principalmente no que se refere ao manejo de espécies
invasoras, como o capim gordura e a braquiária, e ao aumento da fertilidade do solo para favorecer o crescimento das espécies arbóreas implantadas no sistema de recuperação.
Espécies exóticas ao Cerrado, como a gramínea africana Urochloa decumbens (braquiária) tem se expandido em todo o bioma e se estabelecido em áreas de preservação (Pivello et al., 1999). Essas espécies são prejudiciais, pois competem com as plantas nativas do bioma, excluindo-as e/ou enfraquecendo-as. Dessa forma, as espécies exóticas acabam descaracterizando os ecossistemas originais e impedindo a germinação do banco de sementes de espécies nativas. Estudos indicam que atividades de manejo, incluindo adubação e irrigação, favorecem o crescimento das espécies nativas (Funk e Vitousek, 2007).
A erradicação de espécies não nativas é extremamente difícil, pois tratamentos de mecanização como a aração e a gradagem, apenas expõe partes responsáveis pela propagação vegetativa à radiação solar e ao vento, porém, não elimina o grande estoque de sementes armazenado no solo (Pereira e Campos, 2006). O uso de herbicidas para o controle químico das invasoras é assunto controverso na restauração ecológica, principalmente em áreas associadas a cursos d’água, devido ao risco de contaminação do lençol freático e da fauna nativa.
Portanto, o uso de leguminosas forrageiras perenes e nativas do cerrado, como o estilosantes (Stylosanthes spp.) e o amendoim forrageiro (Arachis pintoi) podem auxiliar no combate às espécies invasoras interferindo no ciclo reprodutivo das mesmas (Perin et al., 2003) e reduzindo as perdas de solo por erosão, principalmente o amendoim, por apresentar hábito de crescimento rasteiro e estolonífero (Perez, 2004).
O objetivo deste trabalho é avaliar o desenvolvimento de quatro espécies arbóreas nativas do cerrado, em consórcio com leguminosas forrageiras, em uma nascente no Distrito Federal.
Material e Métodos
O experimento foi implantado em dezembro de 2006 em uma nascente do córrego Pindaíba situada na latitude 15º40’29.05’’S e longitude 15º40’29.05’’S, Planaltina, DF. A
nascente se encontra na Bacia Hidrográfica São Bartolomeu, importante no abastecimento de água do Distrito Federal.
A área em estudo que se encontrava sob um sistema de pastagem de braquiária foi isolada por cerca em 2003, para propiciar a regeneração natural. Contudo, até o final de 2006, não havia ocorrido regeneração, e a espécie braquiária ainda era dominante na área.
A área de 2028 m2 (33,80 x 60 m), foi roçada e posteriormente gradeada, visando a incorporação da braquiária, e redução da sua competição com as mudas plantadas. As covas (50x50cm) foram feitas com o uso de perfuratriz acoplada a um trator. Foram selecionadas as espécies Tapirira guianensis, Hymenaea courbaril, Astronium frauxinifolium e Inga cylindrica, nativas de mata ciliar do Cerrado. Mudas de um ano, produzidas no viveiro da Embrapa Cerrados, foram plantadas em linhas com 3 metros de distância entre si e dispostas em triângulos. Cada cova foi adubada com 100 gramas de calcário dolomítico, 360 gramas de fosfato de rocha reativo-Arad e 5 litros de esterco de gado curtido. Entre as mudas foram plantadas sementes das leguminosas Stylosanthes spp cv. campo grande (80%), S. guianensis cv. Bela (10%) e cv Mineirão (10%), e amendoim forrageiro (Arachis pintoi BRA-040550).
As mudas das espécies arbóreas foram plantadas em quatro ambientes de estudo: A1 - testemunha sem leguminosas; A2 - estilosantes (10kg.ha-1); A3 - estilosantes (7,5kg.ha-1) + amendoim forrageiro (12,5kg.ha-1) e A4 - amendoim forrageiro (25kg.ha-1). Para cada ambiente foram utilizadas 9 mudas ou unidades amostrais de cada espécie. As mudas foram dispostas em triângulo seguindo o princípio do trabalho de Fasoulas e Fasoulas (1995). Para todas as mudas foram feitos coroamentos de 40 cm de raio, com o uso de uma roçadeira manual.
As mudas das espécies arbóreas foram medidas em janeiro (um mês após implantação das mudas), julho de 2007 e em março de 2008. Aferiu-se a sobrevivência e os crescimentos em altura e diâmetro das espécies arbóreas. Foram feitas análises do solo para cada ambiente antes da instalação do experimento e nas duas últimas épocas de avaliação das mudas (julho 2007 e abril de 2008). As amostras de solo foram coletadas nas entre linhas.
Resultados e Discussão
Tabela 2. Altura (cm) das mudas de Tapirira guianensi submetidas a quatro ambientes e em três épocas de avaliação(1).
Tabela 3. Diâmetro (cm) das mudas de Tapirira guianensi submetidas a quatro ambientes e em três épocas de avaliação(1).
As características químicas do solo na profundidade de 0-20 cm antes da instalação do experimento foram: pH (H2O), 5,23; 0,93 cmolc.dm-3 de Al; 0,33 cmolc.dm-3 de Ca+Mg; 0,58 mg.dm-3 de P; 30,0 mg.dm-3 de K e 1,97 % de matéria orgânica. Os resultados para alguns parâmetros de análise de solo na profundidade de 0-20 cm, nas duas últimas épocas de avaliação das mudas e nos quatro ambientes de estudo, encontram-se na Tabela 1.
Foram observadas diferenças significativas de altura e diâmetro para as mudas de Tapirira guianensis em julho de 2007 e abril de 2008 (Tabelas 2 e 3). As maiores alturas foram observadas no ambiente sem as leguminosas forrageiras. O mesmo foi observado para o diâmetro, porém o ambiente A1 proporcionou maiores valores apenas em comparação com o ambiente A3 em julho de 2007 e o A2 em abril de 2008.
A maior média de altura para a espécie de Inga cylindrica foi observada no A1, que também foi estatisticamente superior aos ambientes A2 e A3 em abril de 2008 (Tabela 4). As médias de diâmetro em abril de 2008 foram maiores para os ambientes A1 e A3 (Tabela 5).
Tabela 1. Características químicas do solo coletado em julho de 2007 e abril de 2008 na profundidade de 0-20 cm e dentro dos diferentes ambientes de estudo.
Ambientes Julho 2007 Abril 2008
pH
H2O M.O
% P
mg.dm-3 K
mg.dm-3 Ca+Mg
cmolc.dm-3 pH
H2O M.O
% P
mg.dm-3 K
mg.dm-3 Ca+Mg cmolc.dm-3 A1 5,17 2,69 0,31 41,25 0,57 5,37 3,09 0,47 53,3 1,49 A2 5,12 3,13 0,64 47,27 1,17 5,24 3,26 0,51 43,67 1,45 A3 5,10 3,34 0,45 49,60 1,06 5,11 3,14 1,1 38,00 1,29 A4 5,08 3,17 0,51 50,94 0,83 5,33 3,12 0,57 53,67 1,30 A1 - Testemunha sem leguminosas forrageiras
A2 – Estilosantes
A3 – Estilosantes + amendoim forrageiro A4 – Amendoim forrageiro
Època Ambientes Època Ambientes
A1 A2 A3 A4 A1 A2 A3 A4
Janeiro 56,78a 54,42a 56,62a 52,56a Janeiro 1,12a 1,08a 1,09a 1,12a
Tabela 4. Altura (cm) das mudas de Inga cylindrica submetidas a quatro ambientes e em três épocas de avaliação(1).
Tabela 5. Diâmetro (cm) das mudas de Inga cylindrica submetidas a quatro ambientes e em três épocas de avaliação(1).
Tabela 6. Altura (cm) das mudas de Astronium frauxinifolium submetidas a quatro ambientes e em três épocas de avaliação(1).
Tabela 7. Diâmetro (cm) das mudas de Astronium frauxinifolium submetidas a quatro ambientes e em três épocas de avaliação(1).
2007 2007 Julho
2007
148,78a 113,72b 105,50b 121,17b Julho 2007
2,59a 2,36ab 2,06b 2,60a Abril
2008
208,11a 141,56b 153,86b 168,22b Abril 2008
3,78a 2,66b 4,09a 2,71b
Època Ambientes Època Ambientes
A1 A2 A3 A4 A1 A2 A3 A4
Janeiro 2007
43,78a 36,58b 41,02ab 42,09a Janeiro 2007
0,90ab 0,88ab 0,82b 0,95a Julho
2007
76,22ab 67,67ab 63,67b 76,86a Julho 2007
1,77ab 1,59ab 1,46b 1,80a Abril
2008
134,94a 88,67bc 79,34c 116,56ab Abril 2008
2,82a 2,03b 3,22a 2,07b
Não houve diferenças significativas entre os diferentes ambientes e as medidas de altura e diâmetro para a espécie Hymenaea courbaril, com exceção da época de julho 2007 em que as mudas do ambiente A2 apresentaram menores valores em comparação com o A4.
Os crescimentos em altura das mudas de Astronium frauxinifolium comportaram-se de forma semelhante na época de julho 2007 e abril 2008 (Tabela 6). Os maiores valores de altura foram encontrados no A1, porém, estes não diferenciaram significativamente do A3 e A4. A maior média de diâmetro foi também encontrada no A1 e esta foi significativamente maior que o A2 (Tabela 7).
(1)Médias seguidas pela mesma letra minúscula ns linhas não diferem entre si pelo Teste de Tukey a 10%
de probabilidade. A1 - Testemunha sem leguminosas forrageiras
A2 – Estilosantes
A3 – Estilosantes + amendoim forrageiro A4 – Amendoim forrageiro
(1)Médias seguidas pela mesma letra minúscula ns linhas não diferem entre si pelo Teste de Tukey a 10%
de probabilidade. A1 - Testemunha sem leguminosas forrageiras
A2 – Estilosantes
A3 – Estilosantes + amendoim forrageiro A4 – Amendoim forrageiro
(1)Médias seguidas pela mesma letra minúscula ns linhas não diferem entre si pelo Teste de Tukey a 10%
de probabilidade. A1 - Testemunha sem leguminosas forrageiras
A2 – Estilosantes
A3 – Estilosantes + amendoim forrageiro A4 – Amendoim forrageiro
(1)Médias seguidas pela mesma letra minúscula ns linhas não diferem entre si pelo Teste de Tukey a 10%
de probabilidade. A1 - Testemunha sem leguminosas forrageiras
A2 – Estilosantes
A3 – Estilosantes + amendoim forrageiro A4 – Amendoim forrageiro
Època Ambientes Època Ambientes
A1 A2 A3 A4 A1 A2 A3 A4
Janeiro 2007
21,22bc 16,00c 22,33b 31,69a Janeiro 2007
0,51a 0,61a 0,57a 0,68a Julho
2007
53,50a 29,89b 36,68ab 45,40ab Julho 2007
1,71a 1,24a 1,26b 1,53ab Abril
2008
83,07a 47,61b 60,94ab 59,88ab Abril 2008
2,31a 1,42b 2,24a 1,76ab
Observou-se em geral que os maiores valores em altura para as espécies Tapirira guianensi, Inga cylindrica e Astronium frauxinifolium foram encontradas no A1 e A4. Tanto no A1 quanto no A4, a vegetação de braquiária ainda encontra-se pouco densa enquanto que nos A2 e A3 o estilosantes está bem desenvolvido e com alturas superiores às mudas das arbóreas. O amendoim forrageiro ainda está se desenvolvendo lentamente e provavelmente se alastrará na época da chuva.
Os resultados obtidos, embora preliminares, mostraram que as leguminosas forrageiras estão competindo com as mudas das espécies arbóreas. Sendo assim, taxas de semeaduras menores para o estilosantes devem ser consideradas. Contudo, novas avaliações em anos subseqüentes poderão fornecer resultados diferentes, pois com o estabelecimento da espécie invasora – braquiária esta poderá passar a competir com as espécies arbóreas e os benefícios das leguminosas forrageiras poderão repercutir na fertilidade do solo.
Conclusões
Apesar de preliminar, o modelo para restauração de nascentes no Cerrado, de consorciação de espécies arbóreas nativas do Cerrado com leguminosas forrageiras, tem se mostrado eficiente.
Referências Bibliográficas
(1)Médias seguidas pela mesma letra minúscula ns linhas não diferem entre si pelo Teste de Tukey a 10%
de probabilidade. A1 - Testemunha sem leguminosas forrageiras
A2 – Estilosantes
A3 – Estilosantes + amendoim forrageiro A4 – Amendoim forrageiro
(1)Médias seguidas pela mesma letra minúscula ns linhas não diferem entre si pelo Teste de Tukey a 10%
de probabilidade. A1 - Testemunha sem leguminosas forrageiras
A2 – Estilosantes
A3 – Estilosantes + amendoim forrageiro A4 – Amendoim forrageiro
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