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(14) Seção Técnica Acadêmica ibb.unesp.br R. Prof. Doutor Antonio Celso Wagner Zanin, 250 CEP: Botucatu/SP

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Academic year: 2021

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Pedido para que o Conselho Universitário da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP conceda o título de Doutor Honoris Causa ao escritor, jornalista, biólogo e professor Mia Couto.

I – Introdução

Há inúmeras maneiras de homenagear uma pessoa ou uma instituição. As Universidades, assim como as Academias e outras entidades similares, podem conceder títulos, prêmios, ou moções de louvor. Um dos títulos mais importantes é o Doutor Honoris Causa, aquele que a Universidade pode conferir a uma pessoa “por causa da honra”, no sentido de respeito e dignidade. Não há necessidade de aferir estudos acadêmicos. Trata-se de homenagear alguém a partir de um ponto de vista mais amplo do que o reconhecimento de sua sapiência acadêmica: a homenagem é endereçada a uma trajetória, digna e respeitável que, em seu percurso, tenha alcançado e enriquecido as vidas de muitos seres humanos.

O Estatuto da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, a nossa UNESP, diz:

Artigo 18 – São atribuições do Conselho Universitário:

XIV – conferir, por deliberação de dois terços da totalidade de seus membros em exercício, títulos de Doutor "Honoris Causa" e de Professor Emérito, prêmios e outras dignidades universitárias.

É dentro deste contexto que estamos propondo conferir o título de Doutor

“Honoris Causa” ao escritor, jornalista, biólogo e professor Mia Couto.

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II – Quem é Mia Couto

Mia Couto é escritor de romances, poemas e ensaios. É biólogo e professor.

Nasceu em 1955, na cidade da Beira, em Moçambique, filho de família de portugueses que emigrou no século XX. Seu nome oficial é Antônio Emilio Leite Couto. O pseudônimo “Mia Couto” foi por ele criado porque, quando muito jovem, gostava de gatos – daí, o Mia (primeira e única digressão: o escritor brasileiro Guimarães Rosa, um de seus encantos, também tinha grande afeição por gatos).

Crescido, criado, formado e estudado em um Moçambique que era colônia de Portugal, Mia Couto começou na literatura aos 14 anos. Muito jovem, começou a estudar medicina, mas, para tristeza de seus colegas, abandona os estudos e parte para o jornalismo e a literatura. Em 1975, quando o escritor estava com 20 anos, seu país conquista a independência, após 470 anos de domínio português. Couto trabalhou como jornalista na capital Maputo e como diretor da Agencia de Informação de Moçambique, órgão do Estado relacionado às notícias, e não ao controle das pessoas. Em 1985, abandona suas atividades de jornalista e diretor e inicia os estudos de Biologia na Universidade Eduardo Mondlane. Não se pode esquecer que seu país, após a independência em 1975, durante 15 anos esteve mergulhado em violenta e trágica guerra civil, que resultou em 1 milhão de mortos e 4 a 5 milhões de refugiados em outros países.

O primeiro livro de Mia Couto é de poesia. Chama-se “Raízes de orvalho” e

foi publicado em 1983.

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Em 1992, publicou a grande obra “Terra sonâmbula”, seu primeiro romance, que, com linguagem poética, trata das vidas de pessoas durante a devastadora guerra civil moçambicana. A partir dessa publicação, a produção de romances, ensaios e poesia encontra enorme crescente.

Ao longo de sua carreira, ganhou vários prêmios literários, entre os quais destacamos:

1995 – Prêmio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos.

1999 – Prêmio Vergílio Ferreira, pelo conjunto da obra.

2001 – Prêmio Mário António, pelo livro “O último voo do flamingo”.

2007 – Prêmio União Latina de Literaturas Românicas.

2007 – Prêmio Passo Fundo Zaffari e Bourbon de Literatura, na Jornada Nacional de Literatura.

2008 – Prêmio Rosalía de Castro do Centro PEN Galiza.

2012 – Prêmio Eduardo Lourenço.

2013 – Prêmio Camões.

2014 – Prêmio Internacional de Literatura Neustadt.

2021 – Prêmio Albert Bernard com base na trilogia “As areias do imperador”.

Mia Couto, publicado em mais de vinte países, nas línguas alemã, catalã,

espanhola, inglesa e italiana, entre outras, é membro correspondente da

Academia Brasileira de Letras. Muitos de seus livros foram publicados no

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Brasil (pela editora Companhia das Letras) e por aqui ele já participou de inúmeros eventos.

Como biólogo, trabalha na área de ecologia, atuando como professor na Universidade Eduardo Mondlane e em projetos de impacto ambiental.

Como militante, ou melhor, como intelectual ativo, ou, melhor ainda, como ser humano que pensa e age, Mia Couto participou e participa de muitas lutas para quebrar preconceitos e acabar com práticas – ditas culturais – que somente causam tristeza e desgraça a suas vítimas: muito recentemente, Moçambique estabeleceu a lei que proíbe o casamento de homens adultos com meninas, empreitada que contou com a força e o peso das ideias e da vida do escritor.

III – O significado da obra de Mia Couto

Charles Darwin, naturalista inglês do século XIX e pai da Teoria da Evolução, relatou que, quando escrevia seus estudos, a parte inicial, na qual comentava as ideias de outros colegas e discorria sobre a situação da Ciência naquele tema, até caminhava bem, com poucas dificuldades. Mas, quando tinha que explicar suas próprias ideias, encontrava enormes dificuldades. Confesso que me sinto um pouco como ele. Portanto, deixo claro que as ideias aqui expressas são reflexões de um leitor fascinado pela obra do escritor e que, definitivamente, não é especialista em literatura.

A prosa de Mia Couto nos romances é poética. Se o leitor for abençoado

pela incautação e ler mais com a alma do que com a razão, correrá o grato

risco de entrar em um mundo fantástico, porém mais humano e telúrico do

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que se possa imaginar. A visão ecológica de total integração daquilo que é composto por todas as coisas do universo, especialmente pelos seres humanos vivos e mortos, os animais, as montanhas, rios, estradas, casas, ventos, mares, árvores, chuvas, pedras, sonhos e tudo mais, é presença constante. O papel dos antepassados mortos de todas as naturezas, mas principalmente das pessoas, entra nas estórias fluindo serenamente, de modo que o leitor, ainda que sem qualquer intimidade com esses fenômenos, ache natural e comece a pensar: e os meus antepassados? será que estão aqui me dando sinais e eu não estou percebendo?

Há alguns anos, em aula aos alunos do primeiro ano de medicina sobre a dignidade do cadáver, inteiro ou em partes, presente nos estudos de anatomia humana, um estudante de Angola me disse que enterrar alguém sem um pedaço do corpo é um problema muito complicado no seu país. No primeiro momento, não entendi bem; achei que a dificuldade se devesse a um aspecto legal; mas não: ele explicou que a questão estava em ir para outro mundo sem estar inteiro. Pensei com ele: aí está um bom assunto para se entender e tentar mudar. Alguns anos depois, me aprofundando nos romances de Mia Couto, comecei a captar o que de fato estava em jogo, mas, infelizmente, ainda não compreendi tudo. Continuo lendo Mia Couto.

Os ensaios de Mia Couto, particularmente os presentes no livro “E se

Obama fosse africano? e outras interinvenções”, de 2009, deveriam ser

leitura obrigatória para os universitários do Brasil. Viajando por vários

temas, ele parte da língua portuguesa, passando pela biologia e ciência,

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Jorge Amado, Guimarães Rosa, Ibsen, Henry Junod, cultura africana, humanismo, política africana no pós-colonialismo, política universitária, economia de mercado, entre outros, e chega até, por que não dizer, à alma de todos os homens e mulheres.

Em seus ensaios, Mia Couto se mostra um homem livre de preconceitos, ou, ao menos, alguém que luta tenazmente para se livrar deles.

Nitidamente, não fica nem cá e nem lá nos espectros político-ideológicos, mas procura soluções reais para os problemas das pessoas e dos países.

Lançando mão aqui do criticável, porém muito atrativo e irresistível, sistema da colagem, temos:

“O que me move é a vocação divina da palavra, que não apenas nomeia mas que inventa e produz encantamento”.

“Não sei falar com os mortos, perdi contacto com os antepassados que nos concedem o sentido da eternidade”.

“A diversidade de pensamento sugere que talvez seja necessário assaltar um último reduto de racismo que é a arrogância de um único saber e a incapacidade de estar disponível para filosofias que chegam das nações empobrecidas.”

“mais do que uma disciplina, a Biologia é para mim uma indisciplina

científica, um modo de estar mais próximo das perguntas do que das

respostas.”

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“Um rio é uma entidade vasta e múltipla. Compreende as margens, as áreas de inundações, as zonas de captação, a flora, a fauna, as relações ecológicas, os espíritos, as lendas, as histórias.”

Vale a pena acrescentar algumas palavras sobre a poesia de Mia Couto, talvez o elemento mais universal do pensamento e da emoção do escritor.

José Castello, em espetacular prefácio ao livro “Poemas escolhidos”, coletânea publicada em 2016, encontra e nos conta vários aspectos da poesia de Mia Couto: gerida pela perplexidade, defende a lentidão, não se coloca na busca da descoberta esplendorosa, mas da pura e simples espera, esta apegada ao chão e suas fissuras, à impureza do real, à importância do corpo e a inúmeros outros temas que somente o leitor fluido poderá, de fato, tentar encontrar.

IV – Finalização

Meus amigos e amigas da UNESP,

A concessão de título Doutor Honoris Causa pela UNESP é assunto seríssimo.

Há de ser explicado e debatido o quão profundamente for necessário, antes da concessão.

A pessoa a receber há de ser universal e de se encontrar ao lado, lado a lado, em conjunto, com os seres humanos.

O escritor, jornalista, biólogo e professor Mia Couto merece o título de Doutor Honoris Causa da UNESP.

Botucatu, maio de 2021 – segundo ano da pandemia do coronavírus.

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Trajano Sardenberg

Médico e professor da UNESP

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