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TERRITORIALIDADES E DEVIRES EM CENA 1. Índice

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Academic year: 2021

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TERRITORIALIDADES E DEVIRES EM CENA

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Coordenação: Jeder Silveira Janotti Junior2 Universidade Federal de Pernambuco

RESUMO GERAL DA MESA:

Esta mesa tem como objetivo discutir e apresentar as cenas musicais a partir de uma constelação de conceitos, tal como proposto por Gilles Deleuze e Félix Guatarri em O que é a Filosofia? Assim, antes de ser um recorte preciso, as cenas culturais são agenciadas, ao mesmo tempo, como espaços vividos, territorialidades, devires e dissensos que permitem abordar a música e seus atravessamentos como escutas conexas que articulam diferentes associações entre o global, local, inclusão, exclusão, sonoridades e modos de habitar e desabitar corpos, casas, cidades em diferentes cosmos. Com isso espera-se dotar os procedimentos de compreensão das cenas musicais de densidades estéticas e políticas a partir da ideia de uma geocomunicação.

Palavras-chave: Cenas Musicais; Cenas Culturais; Territorialidades; Devires; Constelação de Conceitos.

Índice

I Encenações e Territorialidades nas Cenas Musicais...p. 2

Jeder Silveira Janotti Junior

II Cenas Musicais do Rock no Interior do Nordeste: estética, identidade e política...p. 11

Tobias Queiroz

III Desvios Narrativos, Fluxos Temporais: a experiência musical em

Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda...p. 21

Amanda Mansur Custódio Nogueira

IV A (Des)Construção do Macho Nordestino em Videoclipes...p. 37

João André da Silva Alcântara

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Mesa Coordenada apresentada durante o VI MUSICOM – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música, realizado de 05 a 07 de agosto de 2015, na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

2 Jeder Janotti Junior é Pesquisador do CNPq (bolsa produtividade), Professor do PPGCOM –UFPE, autor de diversos artigos

e livros sobre música e comunicação, entre eles Aumenta Que Isso aí é Rock and Roll (2003), Cenas Musicias (organizado junto com Simone Sá, 2013) e Rock me Like the Devil : a assinatura das cenas musicais e das identidades metálicas (2014).

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- I -

ENCENAÇÕES E TERRITORIALIDADES NAS CENAS MUSICAIS

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Jeder Janotti Junior 14

Universidade Federal de Pernambuco

Resumo: Este artigo busca discutir a abordagem das cenas musicais a partir de suas encenações e territorialidades, observando como essas demarcações de fronteiras urbano-musicais apontam para relações de poder, inclusão e exclusão através das demarcações de fronteiras, inclusões e exclusões estético-políticas.

Palavras-chave: Cena Musical; Dispositivo; Encenação; Território.

Da Música, Dos Dispositivos e Dos Territórios

Somos constantemente bombardeados por estímulos sonoros no mundo contemporâneo. Muitos desses sons surgem de organizações propositais do ser humano, produzindo o que, de modo diverso e em diferentes culturas, tem sido denominado “música”, ou seja, uma ambientação socialmente organizada de sons, usualmente territorializados nas relações entre corpos humanos, tecidos urbanos e dispositivos tecno-culturais.

É possível notar, assim, um comum que pode ser identificado tanto através da capacidade de relacionar certos sons, reconhecidos como notas, ritmos, melodias e harmonias, quanto na noção de música como algo que se distingue de um som qualquer e tem a capacidade de nos afetar e intervir em nossos modos de vinculação e pertencimento no mundo.

Contudo, não há como estabelecer uma noção totalizante, imutável ou de maneira definitiva para o que chamamos de música. Isso porque há, em torno da vivência com relações sonoras reconhecidas como música, envolvimentos estéticos, sociais, econômicos e culturais

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Trabalho integrante da Mesa Coordenada Territorialidades e Devires em Cena, apresentada durante o VI MUSICOM – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música, realizado de 05 a 07 de agosto de 2015, na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

4 Jeder Janotti Junior é Pesquisador do CNPq (bolsa produtividade), Professor do PPGCOM –UFPE, autor de diversos artigos

e livros sobre música e comunicação, entre eles Aumenta Que Isso aí é Rock and Roll (2003), Cenas Musicais (organizado junto com Simone Sá, 2013) e Rock me Like the Devil : a assinatura das cenas musicais e das identidades metálicas (2014).

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que transformam a ideia de continuidade de uma experiência dita “musical”. E é partindo dessa premissa que refletir sobre a ampla possibilidade de relações sensoriais abertas pela existência das cenas musicais.

Se pensamos a música como um território, é possível pressupor que, para além do “estar junto” e da partilha, ela também pode ser da ordem do enfrentamento, da emergência de dissensos, que encenam aspectos políticos em torno daquilo que é reconhecido como música, como música de qualidade ou como não-música.

Território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas com o tradicional poder político. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais explícito, de dominação, quanto ao poder no sentido mais implícito ou simbólico, de apropriação. Lefebvre distingue apropriação de dominação (“possessão”, “propriedade”), o primeiro sendo um processo muito mais simbólico, carregado das marcas do vivido, do valor de uso, o segundo mais objetivo, funcional e vinculado ao valor de troca (HAESBAERT, 2014, p.57).

Ao valorizarmos essa abordagem, estamos diante da ideia de que, enquanto fenômeno comunicacional, as cenas musicais abrigam, ao mesmo tempo, diversos modos de habitar e desabitar as cidades perpassados por linhas de fuga que vão da inclusão à exclusão cultural. Nesse sentido, está-se pensando além da comunicação para além da partilha. “Aquele que recusamos contar como pertencente à comunidade política, recusamos primeiramente ouvi-lo como ser falante. Ouvimos apenas ruído no que ele diz”(RANCIÈRE, 1996, p.373).

Na abordagem das cenas musicais parece-me que uma das capacidades da(o) é assumir que elas também comportam linhas de fuga que envolvem atravessamentos que envolvem dissabor, desprazer e o intolerável, principalmente quando se consegue enxergar para além do interior de suas fronteiras.

Quer se trate, negativamente no caso da música culta, de fazer dela um mero suporte ilusório dos mecanismos de distinção e da naturalização da dominação social ou, de maneira sobretudo positiva, no caso das músicas populares, de mostrar sua capacidade de exprimir e de realizar novas identidades, as gerações e os grupos, os modos de vida e estilos de vida, nos dois casos a música não existe mais enquanto tal, ela não passa do suporte indiferente do jogo social, e é ainda bastante difícil considerar de que maneiras a “música em si” importa (HENNION, 2011, p.257). Esta amplificação da materialidade da música envolve a ideia de uma escuta conexa, ou seja, cenas musicais agenciam espaços, lugares, temporalidades, artefatos midiáticos, apresentações ao vivo e consumo como partes dos processos de escuta e não simples intermediações diante de seus participantes. Os valores agenciados pelos gostos musicais envolvem não só acionamentos distintivos, bem como circulação, modos/formas de

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apreciação, mudanças realizadas nas próprias obras pelos modos de escuta em diferentes territorialidades.

Na análise das cenas musicais não parece ser possível separar de forma fatiada elementos da circularidade, alteridades e agenciamentos sonoros da valoração econômica dessa produção musical. Mercados, ao contrário do que pode parecer a certo discurso macroeconômico, não são entidades autônomas, eles são construídos e se relacionam com a estética e também com aspectos locais e globais em suas variadas relações históricas e sociais. Os gostos musicais estão relacionados à circulação e às redes que os fazem emergir, aos artefatos técnicos e aos sujeitos que os acionam através de exercícios estilísticos e comparativos:

É preciso colocar-se em grupo (pode ser pela reunião física, como é frequentemente o caso, mas pode tratar-se simplesmente do apoio indireto sobre uma comunidade, sobre as tradições, sobre os relatos e os escritos, ou sobre o gosto dos outros), é preciso treinar as faculdades e as percepções (tanto coletivamente quanto individualmente), é preciso “pegar o jeito” e aprender as maneiras de fazer, dispor de um repertório, de classificações, de técnicas que fazem falar as diferenças dos objetos, é preciso tomar consciência do corpo que se fez sensível a essas diferenças, que não somente ensina a si próprio, mas se inventa e se forma, ele também, na prova (HENNION, 2011, p.266).

Das Cenas

Uma das características marcantes de qualquer cena musical é a transformação do espaço (geográfico e virtual) em lugares significantes Daí a importância das articulações entre tecido urbano e virtual na materialização das cenas musicais, configurando “territorialidades informacionais”.

Por toda sua imprecisão, a cena parece ser implicitamente holística na definição de algo que encapsula fazer música, produção, circulação, discussão e textos. O termo cena originou-se no teatro, denotando o espaço dentro do qual a ação é performada (...) A metáfora do teatro tem sido importante para o pensamento ocidental, originada na Grécia antiga. Ela tornou-se particularmente importante nas ideias iluministas de homens público (Sennet 1996), juntando-se a esfera pública (Habermas 1989a), destacados da esfera privada feminina. O público era visto como um espaço de performance, artifício e poder, o privado como espaço de autenticidade e criação (KAHN-HARRIS, 2007, localização 307 de 3871).

Seguindo esta direção, a partir das ideias de Straw (2013), é possível pensar que uma das marcas das cenas musicais é sua capacidade de territorializar, de colocar em cena (no sentido de mise-en-scène) afetos, objetos, sensibilidades e valores culturais. Assim, as cenas

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agenciam de formas múltiplas as ideias de espaço, lugar, paisagem e território como um “dispositivo coletivo de produção cultural”, visto que:

(...) dispositivos culturais produzem mapas através da produção de alteridade, eles são dispositivos de diferenciação. A produção da alteridade toma duas formas distintas: a produção da diferença e a produção da distância (fronteiras). A primeira é a produção de uma grade sistemática, interligada, ou rede, de investimentos afetivos como relações do mesmo e do diferente, ou melhor, de identidade e de diferença entre eles. A segunda é o efeito da produção de uma grade, um mapa, suas divisões. Fronteiras dividem espaços, criam distâncias entre aqui e lá, o dentro e o fora, nós e eles. Entretanto, essencialmente, essas categorias de alteridade- diferenças e fronteiras- não descrevem possibilidades únicas, existem muitos mapas de diferenças e distâncias. Eles podem unir bem como também dividir; de fato, eles podem fazer ambos, de diferentes modos e em diferentes graus, em todo e qualquer instante (GROSSBERG, 2010, p. 200).

É importante salientar que tal como a música, suas escutas e percursos se configuram como territorialidades, sua contrapartida a encenação também está inter-relacionada às demarcações de territórios. No caso da música, essa encenação, além das sonoridades, amplificações e reprodutores sonoros, engloba também aplicativos: smartphones, fanpages etc.

As máquinas do final do século XX tornaram completamente ambígua a diferença entre o natural e o artificial, entre mente e corpo, entre aquilo que se autocria e aquilo que é externamente criado, podendo-se dizer o mesmo de outras distinções que se costuma aplicar aos organismos e às máquinas. Nossas máquinas são perturbadoramente vivas e nós mesmos assustadoramente inertes (HARAWAY, 2013, p.42).

É nessa direção que é possível pensar as cenas musicais como formas de habitar e desabitar o mundo. Ao abordar as cenas musicais como um modo de encarnar (ou corporificar) a música em suas escutas conexas, pode-se afirmar que elas emergem a partir de encenações forjando rastros a partir de performances de gosto, que materializam parte do que chamamos música popular massiva.

Como não se trata de uma separação entre atores e públicos, faz-se interessante notar que, tal como Comolli (2008) aponta para a auto mise-en-scene nos documentários, também nas cenas musicais os atores humanos não partem mais de uma suposta desconfiança em torno da ideia de atuação, pois também para os atores das cenas: “Há, nos dias de hoje, um saber e um imaginário sobre a captação de imagens que são muito compartilhados. Aquele que filmamos tem uma ideia da coisa, mesmo que nunca tenha sido filmada. Ele a representa para si, prepara-se de acordo com o que imagina ou acredita saber dela (...)” (COMOLLI, 2008, p.53). Essa mise-en-scene de si pressupõe aprendizados informais de posturas corporais, competências tecnológicas, circulação de artefatos sócio-técnicos, trânsitos entre urbe e

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virtualidade, diferentes experiências globais/locais através de territorialidades sonoras. ” Um território lança mão de todos os meios, pega um pedaço deles, agarra-os (embora permaneça frágil frente a intrusões). Ele é construído com aspectos ou porções de domicílio”(DELEUZE; GUATARRI, 2012, p.127).

Cada ação, seja um show, uma crítica, a negação de sua existência, novas bandas e trajetos, são eventos que reconfiguram o próprio alcance da cena, seus mediadores e intermediários, suas redes. Mas há um agenciamento que que se destaca na tessitura das territorialidades que sustentam nas territorialidades das cenas: os sons e suas encenações espaciais. As sonoridades, antes de serem fundadas sobre qualquer essência sonoro-musical são processos sócio-técnicos, frutos de simbioses entre corpos-humanos e objetos sonoros (instrumentos, amplificadores, equalizadores, alto-falantes, reprodutores sonoros, fones de ouvido). Em geral, as sonoridades estão estabilizadas em gramáticas dos gêneros musicais que, quando abertas, fazem florescer disputas em torno não só da validade estética do uso de instrumentos que tencionam essas gramáticas (guitarra no samba, tambores no metal, bateria no forró, sampler no rock etc.), mas também das possibilidades de reterritorialização das experiências sonoras. Para Felipe Trotta (2011, p.63),

A sonoridade é o resultado de combinações instrumentais ( e eventualmente vocais) que, por sua recorrência em uma determinada prática musical, se transforma em elemento unificador. Falamos de “baixo, guitarra e bateria” e imediatamente pensamos na estética musical do rock. Visualizamos um trio de instrumentistas - em silêncio – portando sanfona, triângulo e zabumba e esperamos a execução de um coco, uma embolada ou um baião. Analogamente, ninguém espera que um quarteto de cordas (dois violinos, viola e violoncelo) vá tocar um reggae, um frevo ou um blues. Cada formação instrumental evoca um determinado ambiente musical, servindo como elemento característico de sua prática.

A cena metal, por exemplo, certamente é reconhecida por sonoridades de um gênero que apresenta características estilísticas específicas em qualquer lugar do planeta, mas ao mesmo tempo essas características são negociadas e se transformam em assinaturas conformadas de acordo com territorialidades que as projetam. Assim, se o outro de uma cena metal em Salvador é a música axé, em uma cidade como Porto Alegre essa circulação sonora negociará com outras expressões musicais. Isso demonstra que os conteúdos das experiências sonoras (o som que é escutado) está atrelado não só aos gêneros em sentido estrito bem como aos lugares e suas delimitações acústicas. “O lugar é não apenas o local, mas também o percurso” (LEMOS, 2013, p.213).

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Da Cena Beto

Como lugar de materialização dos apontamentos metodológicos efetuados até aqui, esta pesquisa irá abordar a formação da Cena Beto, um coletivo autonomeado, que começou a ser reconhecida em suas (re)territorializações do Recife a partir de uma matéria do crítico musical Sílvio Essinger publicada no jornal carioca O Globo em março de 20135. O texto serviu como ponto de partida para que alguns músicos recifenses percebessem que sua inicipientes encenações poderiam render visibilidade midiática,

Recife volta a vibrar. Mas numa outra frequência, que não tem nada a ver com os tambores do maracatu, o toque frenético de caixa do frevo ou o bum-bum-bum da zabumba do forró. A palavra de ordem do mais novo movimento musical na cidade é velha: desbunde. A psicodelia do Pink Floyd inicial, com o folk guerrilheiro de Bob Dylan e as pirações nordestinas dos anos 1970, de Lula Côrtes, Zé Ramalho, Raul Seixas e Ave Sangria dão o ponto de partida para uma série de artistas solo que despontam, via internet, dos subterrâneos da cidade. Nomes como os de JuveNil Silva, Jean Nicholas, German Ra, D‟Mingus e Matheus Mota, que se aproveitam dos notebooks e placas de som para gravar a sua produção caudalosa, experimental, e escoá-la em Soundclouds (ESSINGER, 2013).

Logo na abertura da matéria, Silvio Essinger aponta para uma cartografia de possíveis territorialidades, onde a exclusão de algumas conoridades (as alfaias) e o acionamento de referênciais que não dialogavam com o movimento mangue beat destacam possibilidades de outras performances de gosto, reterritorializações do Recife marcadas pela produção caseira, disponibilizados para escuta na plataforma online de publicação de áudio Soundcloud6.

A matéria do Jornal O Globo foi o elemento externo que fez com que alguns jovens músicos recifenses, que partilhavam experiências de produções de pequenos eventos, se reunissem e escolhessem Cena Beto como marca de suas associações. Segundo as palavras de um dos seus artífices, Ricardo Cacá Maia, vocalista da banda Ex-Exus,

O retorno de uma cena, mesmo que seja uma com o nome que beira o ridículo, sem sentido, quase um dadaísmo. O Beto, né? Mas o interessante é estimular essa movimentação e mostrar que a gente pode criar produtos midiáticos. O grande impulso disso, focando especificamente na cena Beto, era de criar um CD, que foi a coletânea Objeto Não Identificado (O.N.I) e daí várias coisas começaram a surgir. A gente teve a sorte de um dos caras envolvidos ter aparecido no Globo, e de ser um cara aglutinador. Ele não foi fominha, pois apontou vários nomes que estavam mais envolvidos com ele, é claro. Mas isso dá uma grandeza. A gente é ainda é

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A material está disponível em <http://oglobo.globo.com/cultura/recife-revela-cena-musical-da-periferia-7934282>, último acesso 29/07/2014.

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SoundCloud é uma plataforma online de publicação de áudio (www.soundcloud.com) fundada na Alemanha em 2007. Inicialmente ela foi pensada como um espaço virtual em músicos poderiam produzir em rede, disponibilizar e das visibilidade a suas produções mas hoje ele é utilizado majoritariamente para escuta e download de músicas. Apesar de ser muito acessado por músicos independentes, também é possível encontrar na plataforma músicos de alta visibilidade, contratados da grande indústria da música.

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nordestino, não está no centro das mídias. Então acho que tem de ter um apelo quase didático. É um posicionamento estético e político. De mostrar uma organização e de mostrar que a gente está trabalhando junto e pensando nessa perspectiva mais mercadológica, de desenvolver um circuito mais sustentável. De querer movimentar, ocupar os espaços da cidade (GOMES, 2014a, p.14).

Observa-se, neste exemplo, que a coletânea O.N.I materializa fronteiras móveis que conectam músicos, públicos, sonoridades, espaços de show, formas de circulação de música e veículos de crítica. Como evento, a Cena Beto emerge em eventos, ações e associações de seus actantes. Em entrevista publicada na revista de crítica musical MI, o músico Juvenil Silva procura refletir sobre essas associações,

Nos fale sobre “Cena Beto”.

É esse pessoal que falei antes… o pessoal que não espera por ninguém, que mete a cara e faz disco, festival e o escambau. É a cena que todos querem,

(Beto) é o líder que procuramos, líder que não existe. A “Cena Beto” é a

cena. É você e eu… todo mundo aqui no Recife é “Cena Beto”, mesmo sem saber. É o que achamos. Se nêgo não está dentro dela, ela está dentro de nêgo. 
 Todo esse papo de maluco. Não era isso que queriam? Pronto, Beto é o líder, é o Jesus (REVISTA MI, 2013).

O mito de origem da Cena Beto é uma associação polêmica em constante reconstrução, o que demonstra um processo de constante reterritorialização de suas fronteiras. A polêmica é parte da esfera pública da música produzida atualmente no Recife, demonstrando inclusive consciência da importância dos equipamentos culturais para a materialização de uma cena musical,

O que te motivou a criar o festival Desbunde Elétrico?

Ninguém chamava a gente pra tocar, então a gente fazia. Veio da nossa vontade de ter essa noite mágica, só com bandas massa. Então, no começo todas as bandas que eu chamava para tocar se empenhavam em organizar também… Love Toys, Malvados Azuis, Sabiá Sensível, Insites, Canivetes… Nos últimos anos a iniciativa parte mais de mim, de Manoel Otávio – que toca baixo comigo e era da Canivetes – e Demizinho que trampa na Terça Negra e canta na Favela Reggae. O pessoal da Jacaré sempre ajuda muito também, eles têm imagens de quase todos. 
 
 
 Todo mundo ajuda. Esse ano o brother do Estúdio Take 8, Fábio, chegou junto pra gravar os áudios. Paulo André botou o nosso teaser pra rodar no Abril pro Rock. German Ra chegou junto pra fazer assessoria… é massa (REVISTA MI, 2013).

Esses eventos em rede articulam crítica musical, veículos de crítica (MI e OutrosCríticos7), festivais, plataformas de publicação de áudio, escutas, sonoridades. Enfim,

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associações dinâmicas que agenciam territorialidades através de uma parte da música produzida atualmente na cidade do Recife.

Pensando nas fronteiras rastros, nota-se que em um primeiro momento a Cena Beto associou músicos oriundos do bairro periférico de Areias (Ana Martins, Jean Nicholas, Juvenil Silva e Graxa) a músicos originários da Zona Norte, área de classe média/alta do Recife (Ex-Exus, Matheus Mota) e do centro (D‟Mingus). Como já apontado anteriormente, as cenas musicais reúnem e excluem. Para o crítico e articulador cultural Rodrigo Édipo, as controvérsias emergem nas diferenças estilísticas que são minimizadas para se reconhecer a cena:

Eu ando no meio do pessoal e eu escuto muita gente dizendo “Essa galera da cena Beto é muito otária. Essa galera da cena Beto não-sei-o-quê”. Só que essa galera da cena Beto não existe, é abstrato! Tá ligado? Tipo eu fico “Como assim?” João Marcelo não é otário. Ricardo não é otário. Entendesse? É um questionamento que eu boto pra tu: a gente vive uma época em que você pode gravar um vídeo e bota no Youtube, por mais que você não tenha tanta reciprocidade com o público, mas você prefere se fechar num grupo ou formar uma cena de discurso único para aparecer no Globo, entendesse? Como fica essa situação da individualidade dentro do grupo, dentro da cena (GOMES, 2014a, p.20).

No centro das sonoridades, acabou se firmando as referências dos músicos que vieram do Bairro de Areias: a psicodelia pernambucana dos anos 70, Raul Seixas e um pouco da ideia punk “Do it Yourself” que marcou as primeiras edições do festival Desbunde Elétrico que existe desde 2007. A referência para lançamentos musicais, como já foi dito, é a plataforma Soundcloud, o que mostra a força dos computadores, celulares e redes sociais nas práticas de escuta conexas da cena. Há também audiovisuais e produtoras de vídeo conectadas a cena, caso da Ostra Monstra (https://www.facebook.com/OstraMonstra) e da Jacaré Cinema (https://www.facebook.com/jacarevideo), responsáveis por clipes, documentários e registros das apresentações ao vivo postadas no Facebook e no Youtube.

Pelo lado da produção musical, tem importante papel o estúdio caseiro do músico D‟Mingus e de seu selo virtual Pé de Cachimbo Records (http://pedecachimborec.blogspot.com.br). Esse cenário mostra associações em que a produção artesanal parece estar conectada a performances de gosto, poéticas do artesanato do possível. Dependendo do lugar de observação crítica, esses fatores podem ser tanto fonte de valorização positiva, bem como de desqualificações da “produção tosca” que marca os primeiros álbuns da cena.

Tendo em vista essa delineamento, os primeiros tratamentos do exemplo da Cena Beto servem de indicação do modo como as cenas musicais podem ser analisadas enquanto

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encenações de territorialidades, pois: “Um território está sempre em vias de desterritorialização, ao menos em potencial, em vias de passar a outros agenciamentos, mesmo que o outro agenciamento opere uma reterritorilização (algo que vale pelo em-casa)” (DELEUZE;GUATARRI, 2012, p.144).

Referências

BROTAS, D. Música e Mídia Locativa: apropriação do lugar através de conexões musicais

geolocalizadas. XXII Encontro Anual da Associação de Programa de Pós-Graduação em

Comunicação,2013, Salvador – Anais da Compós: UFBA.

DELEUZE, G; GUATARRI, F. Kafka, Por uma Literatura Menor. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

_________________________. Mil Platôs (volumes II). São Paulo: Editora 34,1996. _________________________. Mil Platôs (volumes IV). São Paulo: Editora 34,1996. _________________________. O que é a Filosofia? São Paulo: Ed. 34, 1992.

ESSINGER, Silvio. Recife Revela Cena Musical da Periferia. O Globo, Rio de Janeiro, 25/13/2013 Disponível em http://oglobo.globo.com/cultura/recife-revela-cena-musical-da-periferia-7934282 Acesso em 29/07/2014.

FOUCAULT, Michel. O Corpo Utópico, As Heterotopias. São Paulo, N-1 Edições, 2013.

GOMES, Carlos. Crítica de Boteco: tema da mesa cenas musicais. Outros Críticos. Recife, janeiro de 2014, edição 1, p.13-21.

GROSSBERG, Lawrence. Cultural Studies in The Future Tense. Durham/London: Duke University Press, 2010.

HAESBAERT, Rogério. Viver No Limite: território e multi/transterriotorialidade em tempos de

insegurança e conteção. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2014.

LEMOS, André. A Comunicação das Coisas: teoria ator-rede e cibercultura. São Paulo: Annablume, 2013.

____________. Mídia Locativa e Territórios Informacionais. Curitiba: E-Compós, 2007. LINS, Daniel. Estética como Acontecimento- O Corpo sem Órgãos. São Paulo: Lumme Editora, 2012.

MARCONDES FILHO, Ciro. O Princípio da Razão Durante: o conceito de comunicação e a epistemologia metapórica (Nova Teoria da Comunicação III – Tomo V). São Paulo: Paulus, 2010. STRAW, Will. Cenas Culturais e as Consequencias Imprevistas da Políticas Públicas In JANOTTI JR, Jeder; SÁ, Simone Pereira de. Cenas Musicais. São Paulo: Anadarco, 2013.

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CENAS MUSICAIS DO ROCK NO INTERIOR DO NORDESTE

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Estética, Identidade e Política

Tobias Queiroz9

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró – RN Universidade Federal de Pernambuco, Recife - PE

Resumo: A proposta deste trabalho, ainda em fase embrionária, é localizar e investigar as aproximações e os distanciamentos estéticos, identitários e políticos das cenas do rock e de seus subgêneros musicais nas principais cidades do interior do Nordeste. Tomando como arcabouço teórico a recente literatura sobre mídia, música e comunicação, busca-se, juntamente aos Estudos Culturais, a Estética da Comunicação e a Teoria Ator-Rede (TAR), a qual torna-se relevante para se pensar sem hierarquias os objetos e os atores dentro de uma rede sociotécnica, observar os contrafluxos que antes pareciam engessados nas dicotomias centro/periferia; capital/interior. Busca também, a partir da “noção de si”, apontada por Giddens (2002), como elemento que nos permite olhar as identidades como construções sociais realizadas a partir de relações com o outro, investigar os valores estéticos das cenas interioranas, do gênero musical, bem como, as suas questões identitárias (nordestina e cosmopolita).

Palavras-chave: Cena Musical; Música Popular Massiva; Música; Entretenimento; Performance.

Apresentação

Durval Muniz de Albuquerque Jr. (1999), nos apresenta a discussão da origem do termo discursivo-imagético, que hoje “naturalmente” é conhecida por Nordeste. Uma região que midiaticamente e culturalmente foi forjada, segundo o autor, com a imagem do chão esturricado, com a nostalgia dos migrantes que moravam no eixo RJ-SP e com a pobreza extrema. Estes elementos juntos pertencem a um setor que povoa boa parte do imaginário brasileiro, que juntamente à própria postura de vitimização ajudou a alimentar boa parte destes estereótipos.

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Trabalho integrante da Mesa Coordenada Territorialidades e Devires em Cena, apresentada durante o VI MUSICOM – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música, realizado de 05 a 07 de agosto de 2015, na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

9 É professor de Jornalismo da UERN, mestre em Estudos da Mídia pela UFRN e doutorando em Comunicação na UFPE.

Pesquisa as cenas musicais e é integrante do Laboratório de Análise de Música e Audiovisual (L.A.M.A.). Contato: tobiasqueiroz@gmail.com .

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Além da região apresentar uma certa desigualdade, em termos comparativos a outras regiões do país, tais como, o Sul e o Sudeste quando nos referimos a potencialidade econômica e de produção cultural, devemos também destacar e, porque não, potencializar esta imagem de desigualdade entre as capitais nordestinas e as cidades do interior. Durante décadas, a política governamental brasileira voltou-se a investimentos para as suas capitais, ficando literalmente de costas para as outras cidades quando nos referimos a infraestrutura e a educação.

Como exemplo destes distanciamentos temos comumente discursos, inclusive na própria academia, em que se toma a parte pelo todo, excluindo possíveis peculiaridades de determinadas regiões. Em Pernambuco, por exemplo, a cena mangue tem a cidade do Recife como seu locus privilegiado e, muitas vezes, não inclui análise de cidades representativas durante a década de 90, como Garanhuns e o seu Festival de Inverno ou até mesmo Caruaru, cidade natal de Ortinho da então banda Querosene Jacaré, contemporânea do movimento mangue e de Junio Barreto que, em 1994 lançou seu primeiro disco, só redescoberto quase uma década após (2004), em decorrência de um certo ofuscamento da mídia que se voltou para a música de Chico Science e mundo livre S/A.

Visualizamos aqui uma força imagética e cultural das capitais que muitas vezes são apropriadas como o todo, quando na realidade integram uma parte. Garanhuns/PE, por exemplo, é uma cidade serrana, de clima ameno (bem atípico para a região) e localizada a 230 km de Recife/PE. No relatório “Metal além da capital: música pesada no interior10”, a cidade

interiorana é pontuada com certo papel relevante na cena Heavy Metal no Estado, porém, nota-se que a mesma, assim como outras cidades, comumente não é contemplada dentro do que se concebe como cena musical pernambucana, a qual restringe-se às referências da capital.

Destacamos aqui a importância destas cidades tanto do ponto de vista cultural quanto econômico e, levando em consideração que a urbe é o espaço privilegiado para analisar as cenas musicais, tomemos a reflexão de Simone Sá (2011), a partir da noção de cena de Will Straw:

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No relatório final do projeto de pesquisa cultural n. 346/11, “Metal além da capital: música pesada no interior de Pernambuco”, os pesquisadores confirmam a importância do Festival de Inverno para Garanhuns para fomentar a cena de Heavy Metal no Estado. Durante a década de 90 o metal viveu um certo ostracismo no interior, a exceção foi a cidade de Garanhuns. Relatório disponível para download em:

<www.academia.edu/2902087/ Metal_alem_da_capital_musica_pesada_no_interior_de_Pernambuco>, último acesso em 25 de julho 2013.

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Explorando esta dimensão espacial – que dialoga implicitamente com as noções de espaço, território e lugar também muito caras à discussão dos Estudos Culturais em tempos de globalização a noção [de cena] pode ser útil para o pesquisador cartografar as sociabilidades e regiões de uma cidade, ao mesmo tempo em que suas interconexões, apontando para a organização das comunidades de gostos através dos espaços metropolitanos (SÁ, 2011, p. 155).

Visualizando a noção de cena na concepção das maneiras como as práticas musicais articulam um sentido de espaço (STRAW, 2012), bem como, entendendo as cidades do interior como parte integrante de uma nova ecologia cultural e econômica no país, observemos o “Barulho do Beco”, o Valhalla Rock Bar e o Coletivo PegoBeco, todos na cidade de Mossoró-RN. O Coletivo PegoBeco, juntamente ao Barulho do Beco são exemplos de apropriações do espaço público transformando-o ao sabor dos seus atores. Em recente pesquisa11 constatou-se as atividades do PegoBeco como “uma referência de produção cultural diversificada”, bem como integrante da “cena musical” mossoroense ao promover “agenciamentos performáticos auto-referenciados”. Já o Valhalla Rock Bar, um dos principais espaços para o mercado independente na cidade, se configura como um foco contra-hegemônico cultural, ao apresentar uma agenda periódica de shows, em parcerias com outras instituições, bem como, outras atividades. Graças a sua proposta e a sua atuação comercial o Valhalla se apresenta como um espaço privilegiado para se compreender as recentes mudanças ocorridas no mercado fonográfico, é um exemplo das novas formas de consumo voltado para os concertos ao vivo (QUEIROZ, 2012).

Campina Grande/PB, juntamente a Caruaru/PE, são outras duas grandes cidades do interior do Nordeste que tem nas festividades juninas seu carro-chefe. As duas duelam publicitariamente com os respectivos slogans: “Maior São João do Mundo” e a “Capital do Forró”. Podemos visualizar, a partir da postura governamental de certa forma agressiva, que as duas cidades mantém posturas hegemônicas culturais voltadas para o gênero forró. Mas será que podemos localizar, tal como encontramos em Mossoró/RN, focos de resistência e, ao mesmo tempo, espaços passíveis de se estudar a cena local do rock12 e de seus subgêneros musicais?

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Para mais detalhes pode-se visualizar a monografia “Cenas musicais em Mossoró: Uma análise da revitalização do Beco dos Artistas”, de Bany Narondy (2014), nossa orientanda na UERN, e fruto também do projeto de pesquisa “MÍDIA, MÚSICA E CIDADE: Cenas, gêneros musicais e suas paisagens sonoras na cidade de Mossoró/RN”.

12

Entendemos o gênero rock como um espaço de tensionamento entre a autenticidade e o comercial, antagonismo esse que o obriga a se reinventar. Cardoso Filho (2010) acertadamente aponta como “programas poéticos distintos”, o qual opera condições para contemplar a “inovação” e a “ruptura”. Complementando esse raciocínio Janotti Jr. (2003, p. 22) afirma o rock como “um mapa reconstruído constantemente, sujeito às forças do mercado, dos vazios entre gerações, das diferentes vivências juvenis e das negociações entre cultura mundializada e suas manifestações locais” (JANOTTI JR, 2003, p. 22).

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Curiosamente Campina Grande/PB, apresenta-se como Mossoró/RN, ou seja, com alguns poucos espaços que mantém uma vida comercial considerável. Um destes exemplos na cena campinense é o Bar do Tenebra. Por manter uma postura eclética e fiel ao repertório musical que se propõe o bar é um dos pontos da boêmia na cidade. Em entrevista à jornalista Valdívia Costa13, Tenebra, o proprietário, relatou que tem um acervo de mais de 30 mil músicas: “Existem músicas boas em todas as linhas. No bom forró, no bom samba, na boa MPB e também nas música do Uzbequistão, de Mali, Cuba, Índia, Irlanda, África e de todo o Globo”. A menos de 30 km do bar do Tenebra no vizinho município de Esperança/PB pode-se encontrar o já tradicional Rock Bar. Reduto de muitos apreciadores do Rock, inclusive de Campina Grande, o Rock Bar existe ininterruptamente há dez anos e se caracteriza pela música ao vivo voltada ao universo rock14.

Caruaru/PE tem uma cena mais forte e se apresenta, diferentemente das cidades anteriores, com uma maior quantidade de bares que fomentam a cena local. O Budega Pub, por exemplo, é um dos destaques ao se referir aos concertos ao vivo que, juntamente aos festivais de música, atualmente se configuram como um celeiro de atrações e que estão dando novo vigor à produção musical brasileira (HERSCHMANN, 2010). Em 2013, mais precisamente no final do mês de agosto, a cidade de Caruaru/PE recebeu na casa de shows Palladium, durante a segunda edição do “Agreste in Rock15”, 19 (dezenove) atrações.

Entende-se, também do interessante movimento surgido com a realização de shows e festivais, como vetor da cena rock no agreste pernambucano, pois a “ascensão do festival traz o retorno à cena de turnê” (FRITH, 2006).

Por último, destacamos o botequim Nabaxa e o coletivo Pop Fuz, este último inclusive, é responsável por algumas atrações e movimentações em torno do Rock na alagoana Arapiraca e outras atividades culturais como a realização da Semana do Audiovisual (SEDA).

Vale salientar que estas características de consumo cultural interiorano acima descrito, dentre inúmeras outras, habitam uma margem distante das pautas do jornalismo cultural, o qual acaba por tornar consensual a ideia das capitais como lugar das cenas16. Podemos afirmar

13

Entrevista veiculada no blog De Acordo com. Conferir link <http://deacordocom.blogspot.com.br/2010/04/ tenebrar-musica-boa-na-calcada.html>, último acesso em 20 de agosto de 2013 .

14

No link <http://www.youtube.com/watch?v=-hCZSJYk65Q> pode ser localizada uma matéria da TV local Itararé, veiculada em 2009, na qual o proprietário do bar Mário Luis comenta do pouco espaço nas cidades do Nordeste para manifestações musicais que não girem em torno dos gêneros musicais do forró e axé.

15 O festival contou com a presença de Lobão, Sepultura, Dr. Sin, Casa das Máquinas entre outras. 16

Como exemplo podemos citar duas matérias veiculadas na Folha de S. Paulo (“Sem Science, Recife insiste no Recife”, de 03/04/1998 e “Com 15 álbuns, cena de Pernambuco domina mercado”, de 19/10/2011) que reforçam este raciocínio, de certa

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que esta postura midiática acaba por limitar de forma progressiva o fato de que hoje, a ideia de urbe está em diversos locais e regiões, ultrapassando inclusive as antigas dicotomias cidade/campo – urbe/interior. As cenas do interior permitem inclusive notar uma totalidade política das grandes cenas e ver também como o dissenso também emerge no atual mapa das cenas musicais.

Cena Musical

Os estudos da cena musical são, de certa forma, recorrentes na academia. Pode-se localizar investigações que abordam a cena heavy metal (JANOTTI, 2012a), a cena mangue, o forró contemporâneo (TROTTA, 2012) ou o circuito cultural da Lapa (HERSCHMANN, 2007), as quais muito tem contribuído para as pesquisas em comunicação, principalmente em relação à mídia e à música. Mesmo assim, ainda com empreendimentos investigativos que se voltam para as análises de cenas, da mídia e da música, ainda são consideráveis as lacunas a respeito das investigações interioranas e, principalmente, das “instituições mais baixas” (STRAW, 2012). Herschmann (2010; 2013), por exemplo, reforça esta linha de raciocínio ao afirmar que no campo da Comunicação a lacuna de trabalhos gerados que tratem do quadro local é ainda mais gritante.

Propomos pesquisar, entre outros, dois pontos onde da mesma forma localizamos certa carência de estudos: a) Investigar os aspectos que envolvem o desenvolvimento do consumo de cultura fora das capitais e; b.) Estudar as transformações das relações entre centro e periferia.

Devemos, da mesma forma, destacar que este movimento de contrafluxo musical periférico foi fortalecido com o surgimento do CD (Compact Disc), o qual marcou em definitivo a digitalização da música, revolucionando os meios de reprodução, armazenamento e audição (JANOTTI, JR. 2004, p. 52). Esse raciocínio é compartilhado com Trotta (2010), que credita às facilidades tecnológicas, promovidas pela digitalização, uma viabilidade comercial para o mercado de nicho, pois o mesmo começa a operar em escala global ou local, alcançando outros universos culturais, com públicos numericamente reduzidos. A recente configuração mercadológica fornece condições para que fenômenos musicais notadamente forma consensual midiaticamente, de que Recife é o espaço da cena musical e, consequentemente de Pernambuco. Conferir links: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq03049828.htm e

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periféricos e de pouca circulação midiática alcancem espaços privilegiados que, historicamente, tiveram enormes dificuldades de entrar na cadeia midiática (TROTTA, 2010, p. 34-5). Resumidamente podemos afirmar de que se trata de uma descentralização do processo de apropriação da música para além das capitais capitaneada pela digitalização da música.

A partir desta perspectiva podemos delinear o seguinte cenário: um mercado de nicho viável comercialmente (ANDERSON, 2005) é alimentado, entre outros, por “novos intermediadores do entorno digital” (DE MARCHI, 2011), que operam de forma cada vez mais dinâmica e terminam por estreitar laços entre produtores, artistas e público consumidor. Assim, disponibilizam-se novas condições para a realização de concertos ao vivo, bares, circuitos e festivais que se apresentam como locais privilegiados para as experiências (HERSCHMANN, 2010). Uma ecologia favorável para o surgimento de novos nomes, novas formas de consumo, novos atores, redes, estruturas e actantes (LATOUR, 2012), criando um tensionamento estético, mercadológico e identitário.

Fundamentação

O arcabouço teórico desta pesquisa, que encontra-se em fase inicial, terá apoio na recente literatura sobre mídia, música e comunicação, bem como, a relação entre Estudos Culturais, Estética da Comunicação e a Teoria Ator-Rede, doravante TAR. A escolha pelos Estudos Culturais deve-se ao fato de que estes fornecem, por parte de alguns autores, possibilidades de pensar os seus espaços, os seus lugares, seus territórios, como também alguns elementos da música popular massiva. Tomemos, por exemplo, o entendimento de Frith (1996) sobre a compreensão da música popular massiva, em especial o rock, que, para ele, está ligado ao reconhecimento de tensão entre as estratégias econômicas, bem características dos produtos midiáticos e os processos criativos. Sob esta perspectiva temos a compreensão da música, sua manifestação estética e o seu reconhecimento transitando através dos julgamentos de valor, tão caros para a compreensão dos produtos midiáticos e, principalmente, para a configuração de nossas redes sociais. Dos Estudos Culturais, também podemos pensar as noções de espaço, território e lugar (CANCLINI, 2006; AUGÉ, 2007; CERTEAU, 1994) e, juntamente com a noção de cena (STRAW, 2006), investigar exatamente como as práticas musicais articulam um sentido de espaço.

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Atrelada aos Estudos Culturais deve-se analisar os fenômenos comunicacionais das “instituições mais baixas”– apontadas por Straw (2012) – de forma abrangente, buscando localizar, como afirma Janotti (2012b), a importância dos quadros axiológicos para a produção de sentido da música. Ou seja, a noção de cena como “esferas circunscritas de sociabilidades, criatividade e conexão que tomam forma em torno de certos tipos de objetos culturais no transcurso da vida social desses objetos” (STRAW, 2012), será fundamental para pensar os objetos/atores desta investigação.

Teremos, a partir destas ideias, a articulação da noção de cena (STRAW, 1991) com outro marco teórico: a Teoria Ator-Rede. Em outras palavras, pode-se afirmar que a cena musical servirá na pesquisa como uma espécie significante flutuante dentro da TAR (LATOUR, 2012), que entende as redes sócio-técnicas como produto de uma construção coletiva que congrega sem hierarquias marcantes tanto objetos como sujeitos, que assim são abordados como actantes. Esta ruptura da hierarquia é de fundamental importância por nos possibilitar o “reconhecimento dos artefatos técnicos como coatores em qualquer rede estabelecida com humanos uma vez que eles agem sobre o coletivo como mediadores” (SÁ, 2013, p. 9).

Vale destacar que partimos da premissa de que o consumo de música ultrapassa o dualismo - concertos ao vivo e de circulação de artefatos e de música em meios digitais. A rede cultural formada a partir do consumo de música pode e deve ser ampliada para outras esferas, abarcando instrumentos musicais, espaços de consumo (bares, lojas de discos e camisetas), discos, CD's, festivais, experiências estéticas, práticas sociais vivenciadas etc.

Espera-se a partir da articulação das ideias de cena musical, identidade cultural, julgamentos de valor, experiência estética e a TAR construir o percurso da formatação das cenas, bem como, entender suas aproximações e distanciamentos, construir arcabouços comparativos, analisar suas estratégias mercadológicas para a sua manutenção e cartografar os rastros dos atores como mediadores de constituição das redes sociotécnicas. Também se pode dar início a uma reflexão capaz de produzir respostas à indagação: Como se articulam as cenas musicais e seus elementos estéticos, identitários e políticos nas cidades interioranas nordestinas?

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Tais espaços atestam a importância e, ao mesmo tempo, nos faz refletir sobre os processos comunicacionais em torno das cenas das respectivas cidades. Temos, desta forma, um duplo eixo investigativo: 1.) Procura-se abordar não os movimentos das capitais, que muitas vezes tomam a parte pelo todo – cena potiguar, abordando somente a cidade de Natal/RN ou cena mangue, voltada exclusivamente para Recife/PE – ou seja, sai dos grandes centros para as cidades médias do interior. 2.) Procura-se observar o papel das instituições de nível mais baixo como bares, lojas e locais de criação de redes por meio das quais as práticas musicais e as pessoas circulam (STRAW, 2012, p. 3), observando que as cenas de configuram e reconfiguram de modo contínuo através de uma interação de sujeitos, objetos, circulação e memória desses lugares. Estas observações empíricas do eixo investigativo conecta-se não somente com a circulação de música, como também com o seu processo e o seu entorno comunicacional, conforme descreve Janotti:

Não se trata somente de música que circula na cidade e muito menos de um mero produto em sentido estrito. Não é só música que circula nos territórios sonoros. É música fluída (e embalada), que circula (e é gravada), enfim práticas gestadas através de articulações presentes nas cenas. Nessa ambientação é possível compreender melhor as expressões musicais como fenômenos de comunicação quando se passa a pensá-los de maneira ampla, localizando a importância dos quadros axiológicos para a produção de sentido da música. Uma cena de heavy metal, por exemplo, se constrói tanto sobre possibilidades de partilha de experiências em torno da sonoridade metal em seus territórios sonoros, bem como através de posicionamentos sobre o “outro”, a música dita pop, de consumo fácil, caracterizado pela suposta falta de regras rígidas de qualidade e fruição (JANOTTI, 2012b, p. 5).

Em suma, percebe-se que há uma tendência, no contemporâneo, em se observar as cenas nos grandes centros, em detrimento destas cidades medianas, as quais, juntamente aos festivais, conseguem dá um novo oxigênio à música nacional através do fortalecimento de redes e auxiliando a fomentar a diversidade cultural (HERSCHMANN, 2010).

As nossas observações nos levam a deduzir que os frequentadores destes espaços, muitas vezes, se veem como um agente imerso em manifestações culturais com espaço físico e político limitado. Observa-se também uma postura de autonomeação das cenas com um entendimento de apropriação. Uma afirmação que nos leva a deduzir que há uma identidade forjada a partir de uma auto-reflexão, um “eu compreendido reflexivamente pela pessoa em termos de sua biografia” (GIDDENS, 2002, p. 54) que auxilia em uma das mais fortes marcas identitárias entre eu/ele/ela/você (JANOTTI, 2012b). É neste processo de autonomeação que localizamos as cenas.

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Observar o entorno comunicacional e as práticas gestadas presentes nas cenas nas cidades interioranas do Nordeste, principalmente nas configurações destas “instituições mais baixas” (STRAW, 2012) é uma tarefa urgente para os estudos de comunicação. Localiza-se aqui a oportunidade de se investigar a produção cultural destes atores, seus territórios sonoros, sua partilha de experiências, seus tensionamentos e seus posicionamentos em relação ao outro. No que se refere aos objetos em questão, pode-se investigar as conexões e as redes dos espaços ocupados pela cena e contribuir para amenizar com esta “quase total falta de dados sobre o funcionamento do mercado da música e das indústrias culturais no país” (HERSCHMANN, 2010).

O fato de escolher estas “instituições mais baixas”, tais como, bares, lojas de discos, festivais, circuitos culturais, enfim, locais de criação de redes por meio das quais as práticas musicais e as pessoas circulam (STRAW, 2012) nos incentivam a afirmar que pesquisas de cenas interioranas, com este perfil, são ainda incipientes na academia. Temos aqui um objeto em potencial para investigar as vivências estéticas dentro das cenas em meio à profusão exacerbada de sons no tecido urbano.

Referências

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CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. DE MARCHI, Leonardo. Discutindo o papel da produção independente brasileira no mercado

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______. Som de cabra macho: sonoridade, nordestinidade e masculinidades no forró. in: Revista

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- III -

DESVIOS NARRATIVOS, FLUXOS TEMPORAIS

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A experiência musical em Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda

Amanda Mansur Custódio Nogueira 318 Universidade Federal de Pernambuco, Recife - PE

Resumo: A produção cinematográfica na cidade do Recife esboça uma dramaturgia que convive com o cenário da efervescência cultural e musical vivida no estado, desde a sua retomada na década de 90. O cinema contemporâneo explora, de modo deliberado, a mimetização da música em seus filmes narrativos ao apropriar-se de determinadas canções, materializando-as em sequências de interpretação musical, cuja função é a suspensão narrativa. Partindo da premissa que o cinema se organiza como um sistema de linguagens, inserido dentro de um contexto sócio-cultural, nosso objetivo é buscar compreender o papel articulador da música no cinema local a partir da análise de procedimentos sonoro/visuais na construção narrativa do filme Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, no qual a manipulação da textura cinemática intensifica a experiência sensível musical.

Palavras-chave: Cinema; Recife; Cena Musical; Linguagem Fílmica; Experiência Sensível.

A Cena Audiovisual

A produção cinematográfica contemporânea em Pernambuco se organiza em torno de um ethos, uma condição dos discursos fílmicos que vincula as imagens e os sons aos cineastas e à um universo cultural compartilhado. Cada filme enuncia um conjunto de realidades que sintonizam de forma particular os cineastas e seus espectadores. O cineasta filma por si, é claro, mas suas imagens e sons são como liames com um lugar que é, em geral, circunscrito à cidade do Recife.

Os filmes são manifestações desse ethos, desse “tom”, de um certo caráter e dos corpos que se movimentam e se projetam no espaço da cidade. Além dos enredos, dos temas, das escolhas estéticas, surge assim um peso associado aos filmes – gestos, modos de ver, informações extrafílmicas que acabam por constituir um valor diferente a cada projeto audiovisual.

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Trabalho integrante da Mesa Coordenada Territorialidades e Devires em Cena, apresentada durante o VI MUSICOM – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música, realizado de 05 a 07 de agosto de 2015, na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

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Doutora em Comunicação, bolsista de estágio Pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – PPGCOM/UFPE, amandamansur@gmail.com.

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Cada filme é, portanto, uma apresentação do cineasta individualmente (porque se trata, obviamente, de um conjunto heterogêneo de propostas), mas igualmente uma apresentação do grupo, localizado num contexto muito específico de produção, que caracterizamos aqui, como o da brodagem19. Filmes, no caso, são formas de expressão de algo que vai para além das histórias que são contadas, seja nos documentários, seja nas obras de ficção. Então, esse conjunto de filmes é a revelação de um esquema coletivo, capaz de evocar imagens que antecedem e que sobrevivem a cada um dos filmes.

A cooperação entre os membros do grupo e entre os grupos das diferentes gerações da cena audiovisual, que atuam concomitantemente na cidade, pode ser definida como uma troca em que as partes se beneficiam (SENNETT, 2012, p. 15). É justamente essa estrutura de organização social de um esquema de brodagem, que garante a existência de um cinema em Recife. Distantes do eixo Rio-São Paulo, geograficamente e economicamente falando, os cineastas não tinham outra opção, a não ser se unir, apoiando-se reciprocamente, e cooperando, para conseguir o que não poderiam alcançar sozinhos.

Para Will Straw (2002), as cenas são tratadas como elementos fenomenais na vida cultural das cidades. Memoráveis e efêmeras, as cenas conjugam uma história de lugares urbanos, decretando uma visibilidade dramática. Elas são a medida do declínio, vitalidade e clareza de uma cidade:

Scenes treating these as phenomenal elements in the cultural life of cities. Both memorable and ephemeral, scenes conjugate a history of urban places by enacting a dramatic visibility. They are a measure of the decline, vitality and distinctness of a city. A century or more of theorizing has subdivided city cultures into communities, subcultures, networks and innumerable other unities. Scenes are both the haziest of such unities and some of the most productive. Amidst an explosion of writing on all aspects of urban culture, our focus on scenes has served to constrain and inspire the studies contained in this issue (STRAW, 2002, p. 1).

Na literatura e em pesquisas gerais sobre as cidades, a questão das cenas parece ser omissa. A Economia política ignora as cenas como um fenômeno, tratando-as como ocasiões de falsa consciência. Mafesolli (1996), por seu lado, conceitua as cenas como explosões de consciência tribal, não havendo nenhuma tentativa de teorizar as cenas como formações sociais. A não ser, Karl Mannheim (1956), que vai tratar da importância das casas de café da Inglaterra, no processo de democratização social.

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O termo brodagem começou a ser utilizado para expressar um modo de fazer de produzir algo em parceria (música, cinema, artes plásticas), na década de 1990, no Recife. A gíria pernambucana é um aportuguesamento da palavra em inglês

brother, e surge como forma de designar uma irmandade (no caso de um grupo de amigos), ou uma camaradagem (no caso

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A cena é ligada à cidade, na medida em que as cidades são pensadas para ser lugares criadores de cenas, onde elas são fertilizadas. A cena, como forma social, na mistura das funções públicas e privadas em espaços de uma cidade, depende de uma certa teatralidade, exigindo o desempenho dos seus moradores. Por outro lado, se uma cena aponta para uma característica recorrente de uma cidade (como é o caso da cena audiovisual na cidade do Recife), então uma função universal é distribuída de forma diferente. A cena ressoa como uma atividade concreta, uma atividade articulada, diferenciada, e não necessariamente secreta. Pelo contrário, na cena audiovisual na cidade, mesmo sendo legitimada, existem elementos de sigilo, diferenciados do que se propaga. Ou seja, há uma aura esotérica conectada com qualquer cena que muitas vezes torna o conhecimento de seu paradeiro um problema para pessoas de fora ou para aqueles que são novos na cidade, como é o caso da estrutura da

brodagem.

Que a localização da cena é problemática não está ligada apenas ao conhecimento especializado exigido daqueles que orientam para isso, mas à ideia de que a delicadeza de tal conhecimento requer um grau de isolamento de influências profanas. A cena aparece frequentemente sagrada, porque as práticas que cultiva podem ser interrompidas por interesses que não se envolvem com a gravidade que pensa e que requer (BLUM, 2002, p. 9).

O discurso cinematográfico se apoia em uma tecnologia que afeta consideravelmente seus mecanismos enunciativos. Na linguagem cinematográfica, a enunciação é construída por um aparato de que o realizador vai se apropriar para articular os elementos do filme às relações que vai estabelecer com o espectador. Para Pasolini, o cinema tem uma dupla natureza: é ao mesmo tempo extremamente objetivo e extremamente subjetivo. Utiliza-se dos objetos (signos) para operar em um nível metafórico (simbólico). Em Heretical Empiricism (1988), Pasolini disserta sobre a representação no cinema.

The filmmaker chooses a series of objects, or things, or landscapes, or persons as syntagmas (signs of a symbolic language) which, while they have a grammatical history invented in that moment – as in a sort of happening dominated by the Idea of selection and montage – do, however, have an already lengthy and intense pregrammatical history (PASOLINI, 1988, p. 171). Cinema, lacking a conceptual, abstract vocabulary, is powerfully metaphoric; as a matter of fact, a fortiori it operates immediately on the metaphoric level. Particular, deliberately generated metaphors, however always have some quality that is inevitably crude and conventional (PASOLINI, 1988, p. 174).

Nos filmes de Recife, as ações e os objetos relacionados a uma expressão de grupo constituem, tanto uma objetivamente composta representação visual do sentimento, como uma metafórica e complexa subjetividade do afeto.

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Articulações entre Música e Cinema

A experiência de cooperação mútua entre os cineastas e músicos na cidade do Recife(em videoclipes, curtas e documentários), desencadeou uma maneira de realizar filmes narrativos que exploram, de modo deliberado, todo o potencial e referências de um universo musical compartilhado. A mimetização de certas cenas20 musicais – como o manguebeat e o pós-mangue – inspirou um cinema mais “musical”, gerando uma nova sensibilidade para trabalhar os fenômenos sonoros nos filmes de ficção, intensificando o uso de canções como trilha sonora. Graças à articulação entre realizadores e músicos, o universo da música pernambucana reaparece na adoção de uma certa ostentação musical ou, em outros termos, exibição da música (a música como regente dos procedimentos de articulação das linguagens. Nos filmes Baile Perfumado (1997) e Árido Movie (2006), por exemplo, observamos, recorrentemente, a existência de sequências que poderíamos chamar de “momentos musicais”. Essas sequências podem estar incorporadas ao enredo (como parte do percurso narrativo geral) ou podem ser dotadas de maior autonomia em relação à própria ação dramática (marcadas por um certo “deslocamento” do enredo). Em uma outra situação, as sequências se caracterizam por atualizarem momentos “pop” em que o filme pára, em função de mostrar a música. Nos “momentos musicais”, o tratamento conferido à música nos filmes é comparável aos musicais e videoclipes. Com isso, a música chama atenção sobre si mesma e ganha um estatuto, nesses filmes, mais especial. Diferentemente dos filmes narrativos em geral, nos “momentos musicais”, em Baile Perfumado e Árido Movie a música não fica em segundo plano, nem é tão somente uma trilha sonora sem a preocupação de tornar a retórica musical reconhecível pelo espectador (MACHADO, 1997, p. 152). Ao analisar os filmes acima mencionados, observamos seqüências em que os fenômenos de exibição da música são mais evidentes pelos procedimentos da montagem técnica, a música rege o ritmo dos cortes e a duração dos planos; e linguagem de câmera, caracterizada por um virtuosismo imagético (Nogueira, 2010).

As cenas musicais da cidade de Recife, desde a retomada da produção cinematográfica desencadeiam novas formas de apropriação e produção de linguagem audiovisual. Nosso

20 O conceito de cena proposto neste trabalho tem base na definição de cenas culturais por Will Straw (2002): as cenas são

tratadas como elementos fenomenais na vida cultural das cidades. Memoráveis e efêmeras, as cenas conjugam uma história de lugares urbanos, decretando uma visibilidade dramática. Elas são a medida do declínio, vitalidade e clareza de uma cidade.

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objetivo, neste artigo, é trabalhar com filmes do cinema recifense contemporâneo, esboçando uma análise mais detalhada do filme Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda.

A Música nos Filmes

Na construção narrativa dos filmes contemporâneos produzidos na cidade de Recife, as demonstrações afetivas/musicais estão dentro do roteiro e na produção do elenco. Pontuamos abaixo algumas manifestações afetivas previamente arranjadas relacionadas ao universo musical. A partir de uma visão panorâmica dos filmes, que vão da Retomada ao cinema Contemporâneo, observamos as pequenas homenagens que dão vida à brodagem e à cena audiovisual local, por meio da citação da cena, dos amigos e dos filmes dentro dos filmes. São também marcas estilísticas21 do cinema pernambucano que permanecem incrustadas nos filmes e a cada nova obra se reafirmam e se repetem.

Para Michel Chion (1993), a exibição no cinema não é apenas uma mostra de sons e imagens. É um conjunto de sensações temporais, táteis, e rítmicas que usam os canais visual e sonoro. As mudanças provocadas pelos aparatos técnicos da produção audiovisual e exibição ampliam a sensorialidade dessas obras.

Ao observarmos por exemplo os períodos de produção cinematográfica que coexistiram com movimentos musicais é possível notar uma predileção para dar outros sentidos a utilização da música nos filmes. Não mais como reiterações óbvias ou objetivas, mas sim como parte da narrativa fílmica, com sequência delineadas para as músicas. Essa prática foi intensificada principalmente a partir do cinema norte-americano na década de 60.

Nesse sentido, o diálogo entre a canção, com seus movimentos, obras e artistas que configuraram a singularidade sonora da produção musical no Brasil e a produção cinematográfica brasileira a partir da década de 60 produz desdobramentos estilísticos gerando novas maneiras de articulação entre música e imagem.

Para Jeff Smith (2013), a música popular é um potente produto auxiliar na publicidade da indústria cinematográfica. Concretiza-se um esquema de promoção, dentro do qual a música explicita sua referência ao filme. Por outro lado, em certos filmes essa música (parte de um contexto de uma cena cultural) ganha um potencial na criação da imagem. Ao ser exibida nesses filmes, a música chega a deter o desenvolvimento da ação dramática,

Referências

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