A LINGUAGEM MUSICAL NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Maria Cristina Ponçano Brito 1, Carmen Lúcia Dias 2
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Discente/Mestrado em Educação da UNOESTE. 2 Docente/Mestrado em Educação da UNOESTE. E‐mail:
cris_emr@hotmail.com
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar a importância da música na formação inicial do professor de Educação Infantil e consequentemente para a formação integral do aluno de 4 a 6 anos. Inicialmente são apresentadas algumas contribuições que apontam a obrigatoriedade, necessidade e importância da presença da música na formação do professor e aluno da Educação Infantil. A inclusão da linguagem musical no currículo do curso de Pedagogia e os benefícios desta prática para a Educação Infantil são discutidos a partir da contribuição de autores expoentes na área sendo também abordados e recomendados no Referencial Curricular Nacional indicando ser efetiva a presença da música na formação integral da criança. Portanto, conclui‐se que inserir a linguagem musical na grade curricular dos cursos de Pedagogia vem colaborar para que os egressos desenvolvam experiências que os preparem nesta área, assumindo em suas práticas a importância da música para o desenvolvimento integral dos alunos. Palavras‐chave: Formação inicial do professor. Linguagem musical. Educação Infantil. INTRODUÇÃO “A educação da nossa sensibilidade musical deveria ser um dos objetivos da educação”. Rubem Alves
Ao se pensar em Educação musical, remete‐se à educação que oportuniza a pessoa o acesso à música enquanto arte, linguagem e conhecimento. Trabalhar a Educação Musical na escola ou em qualquer outro ambiente que se proponha, nem sempre é sinônimo de formar músicos profissionais, mas sim, primeiramente, o de explorar sua musicalidade.
A lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, com fundamento no Parecer CNE/CP nº 3 (BRASIL, 2006) diz que as diretrizes curriculares nacionais para o curso de Pedagogia (DCNP) aplicam‐se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil; a Lei 11.769 de 18 de agosto de 2008 (BRASIL, 2008) coloca a música de volta à escola; e o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) orienta e sugere que a presença da música, na formação integral da criança, seja efetiva (BRASIL, 2008).
Estes fatores relacionados abordam a obrigatoriedade, necessidade e importância da presença da música na formação do professor e aluno da Educação Infantil. Como pode ser feita a correlação entre a execução das leis, as propostas dos referenciais e a realidade educacional?
Verificando junto a algumas Instituições de Ensino Superior (IES), em especial nos cursos de Pedagogia como tem sido contemplada em sua grade curricular a disciplina da linguagem musical, observa‐se que na sua minoria, a música aparece apenas na disciplina de Artes como uma das expressões artísticas (Música, Dança, Teatro e Artes Visuais).
Como resposta à promulgação da lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), lei nº 9394/96(BRASIL, 2004) que instituiu o ensino de artes como obrigatório nos diversos níveis da educação básica, faz‐se necessária uma reformulação nas grades curriculares dos cursos de Pedagogia, na qual a disciplina Artes foi inserida.
Por tanto, vale destacar que mesmo que a disciplina Artes, que compreende as quatro expressões artísticas: Artes visuais, Artes cênicas, Música e Dança, tenham sido introduzidas nos currículos escolares e nos cursos de Pedagogia, o espaço destinado à Linguagem Musical é muito restrito. Figueiredo (2001) ao pesquisar 19 cursos de Pedagogia da região sul e sudeste do país, verificou que:
a grande maioria das disciplinas ofertadas aborda várias linguagens artísticas, sendo que as mesmas são ministradas por um só professor [...] de um modo geral, a música é pouco oferecida nas disciplinas mencionadas e é considerada específica demais. (FIGUEIREDO, 2001, p.2).
Os professores querem trabalhar nesse campo do conhecimento, sabem da importância da música para o desenvolvimento integral da criança e da necessidade de se introduzir a música na escola, mas, como não tiveram contato com a linguagem musical na formação inicial e não foram oportunizadas situações de aprendizagens e experiências musicais, a dificuldade se apresenta maior. Como gostar de ensinar algo que não conhecem e que consideram assunto para “especialistas”? Como irão valorizar o ensino da linguagem musical? A UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM MUSICAL Musicalizar é oferecer à pessoa ferramentas básicas para a compreensão e utilização da linguagem musical. A criança constrói seu conhecimento musical por meio da escuta e exploração do som e suas qualidades. Os professores da Educação Infantil, mesmo sem serem especialistas em música, podem e devem realizar experiências musicais com as crianças em que os sons, os ruídos e as percussões produzidas e escutadas tragam contribuições para a formação de sua paisagem sonora1, ou seja, permitam que a criança brinque com diferentes tipos de sons, explore e transforme objetos.
Percorrendo a literatura, encontram‐se procedimentos realizados pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que na intenção de atender às Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia (DCPN), realizou reformulações e adaptações curriculares apresentando a inserção da linguagem musical no currículo do curso de Pedagogia desde 1984. Os resultados desta prática são muito positivos e eficazes, servindo de apoio para este projeto. Osterreich (2010) pesquisou a trajetória histórica das disciplinas de música na Pedagogia/ UFSM, de 1984 a 2008, constatou que:
a inserção da música na pedagogia teve influência resultante da presença de um conjunto de professores, que se encontravam vinculada ao departamento de Metodologia do Ensino e responsáveis pelas diferentes Licenciaturas em Artes‐Música, Artes Plásticas e Teatro, cujas vozes e experiências foram determinantes para esta alteração. (OSTERREICH, 2010, p.143).
1. Paisagem Sonora: O autor Murray Shafer, na década de 60, criou o termo em inglês soundscape, neologismo que quer dizer paisagem. Traduzido para o português, soundscape quer dizer paisagem sonora: qualquer evento sonoro que compõe um determinado ambiente. (SHAFER, 2001, p.11). A utilização da Linguagem Musical e a ação docente na formação dos alunos da Educação Infantil são propostas pelo RCNEI (BRASIL, 2008) nos seguintes termos:
[...] a linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento de expressão, do equilíbrio, da autoestima e autoconhecimento, além de poderoso meio de integração social, [...] Integrar a música à educação infantil implica que os professores devam assumir uma postura de disponibilidade em relação a essa linguagem. (BRASIL, 2008, p.49, 67).
Inserir a música como forma de linguagem é crer na possibilidade de orientar o professor não especialista para esse trabalho e assumir integralmente a importância da música como atividade presente na construção do conhecimento e da emoção.
MÚSICA NO PROCESSO EDUCACIONAL
Remetendo‐se ao aspecto histórico da Música na formação do professor de Educação Infantil no Brasil, há que se considerar a importante contribuição de Fucks (1991), Bellochio et al. (1998) e Jardim (2003) que indicam por meio de suas pesquisas que a música sempre foi contemplada nas matrizes curriculares da Escola normal e na habilitação específica para
Magistério. Em 1890, foi a primeira vez que a disciplina música foi incluída na escola normal em São Paulo. Portanto, o estudo da música era constante nos cursos de formação de professores, mas com o surgimento do curso superior de Pedagogia no ano de 1939, veio a enfraquecer, perdendo seu espaço. Por sua vez, a importância da música no processo educacional infantil está no fato de que esta consegue de certa forma trabalhar a personalidade da criança, uma vez que consegue promover na criança o desenvolvimento de hábitos, atitudes e comportamentos que expressam sentimentos e emoções, como atesta Gainza:
Em todo processo educativo confunde‐se dois aspectos necessários e complementares: por um lado à noção de desenvolvimento e crescimento (o conceito atual de educação está intimamente ligado à ideia de desenvolvimento); por outro, a noção de alegria, de prazer, num sentido amplo, [...] Educar‐se na música é crescer plenamente e com alegria. Desenvolver sem dar alegria não é suficiente. Dar alegria sem desenvolver, tampouco é educar (GAINZA, 1988, p.95).
Da constatação acima, pode‐se afirmar que, o acesso à música é necessário ao processo educacional da criança.
Quando esse processo é conduzido por pessoas conscientes e competentes, deixa de ser apenas recreação favorecendo uma rica vivência e estimulando o desenvolvimento dos meios mais espontâneos de expressão. Isso recupera a música à sua condição de linguagem natural, viva, de pensamentos e emoções.
MÚSICA E CÉREBRO
Estudos da neurociência apontam que o momento mais significativo do desenvolvimento do cérebro se dá em crianças, do nascimento até a idade de 10 anos, onde as conexões dão origem aos diversos sistemas do neurodesenvolvimento e estes ajudam no desenvolvimento de várias inteligências. Assim sugerem Cardoso e Sabbatini (2000):
A educação de crianças em um ambiente sensorialmente enriquecedor desde a mais tenra idade pode ter um impacto sobre suas capacidades cognitivas e de memórias futuras. (A presença de cor, música, sensações, variedade de interação com colegas e parentes das mais variadas idades, exercícios corporais e mentais podem ser benéficos (desde que não sejam excessivos). (CARDOSO; SABBATINI, 2000, p.11).
As autoras mencionadas apontam a importância de trabalhar e manter contato com a música nos ambientes familiares e escolares, verificando que acontece o desenvolvimento cerebral da criança que vivencia a música, melhorando suas capacidades cognitivas.
Para Straliotto (2001),
A inteligência pode ser desenvolvida por meio da audição, e que a criança quanto mais cedo entrar em contato com o mundo da música, maiores serão as chances de que ela assimile novos códigos sonoros, funcionando como uma nova forma de exteriorizar os sentimentos, como um novo idioma, que servirá de caminho para as emoções. (STRALIOTTO, 2001, p.63). Portanto, estudos comprovam a importância da música ao ser humano, especialmente às crianças, em fase de desenvolvimento e aprendizado do mundo. Conforme afirma Ilari (2003)
[...] ninguém precisa fazer mágica: para desenvolver a inteligência musical e o cérebro da criança, basta fazer música. O educador deve utilizar de grande variedade de atividades e tipos de música. Cantar, bater ritmos, movimentar‐se, dançar, ouvir vários tipos de melodias e ritmos, manusear objetos sonoros e instrumentos musicais, participar de jogos musicais, acompanhar rimas e parlendas com gestos, construir instrumentos musicais, cantar espontaneamente e outros, devem fazer parte da musicalização das crianças. Todas essas atividades são benéficas e podem contribuir para o desenvolvimento do cérebro da criança. (ILARI, 2003,p.14).
Entretanto, para que os egressos do curso de Pedagogia tenham condições de se utilizarem da música é necessário que desenvolvam experiências que os preparem nessa área. Conforme aponta Wazlawick (2006),
As emoções e os sentimentos, integrantes da atividade humana, junto ao agir e pensar configuram a construção dos significados singulares da música, de acordo com a vivência do sujeito e de sua própria reflexão acerca de si e de suas experiências. (WAZLAWICK, 2006, p.13).
Vivências prévias são essenciais para que ocorra uma práxis calcada na própria experiência dos egressos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensando na importância da educação musical para o desenvolvimento infantil, a partir da leitura de pesquisadores que abordam esta temática, este artigo teve por objetivo evidenciar a necessidade de ser inserida a disciplina Linguagem Musical nos cursos de formação inicial do professor de Educação Infantil; levando‐o a internalizar a importância de inserir a linguagem musical em sua formação; compreender o que venha a ser a linguagem musical, a importância de utilizá‐la em sua prática e os benefícios que ela traz para o desenvolvimento global da criança que estará sob seu olhar e ação. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, dispositivos constitucionais, emenda constitucional nº 11 de 1996, emenda constitucional nº 14 de 1996. Brasília: Senado Federal, 2004. BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: introdução. Brasília: Ministério da Educação, 2008. v. 1, 2,3 BELLOCHIO, C. R. A Educação musical na escola normal e na habilitação magistério: recorte de uma reconstrução histórica da década de 60 à década de 90. Caderno Pedagógico Frederico Westphalen, v 8, n.15/16, p. 51‐66, 1998. CARDOSO, S. H.; SABBATINI, R. M. Aprendizagem e mudanças no cérebro. Revista Eletrônica, Cérebro & Mente. Campinas, p.11, out./dez. 2000. FIGUEIREDO, S. L. F. Professores generalistas e a educação musical. In: ENCONTRO REGIONAL SUL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 4, 2001. Anais... Santa Maria: Associação Nacional de Educação Musical, 2001. p. 26‐37. FUCKS, R. O discurso do silêncio. Rio de Janeiro: Enelivros, 1991. GAINZA, V. H. de. Estudos de psicopedagogia musical. 3. ed. São Paulo: Summus,1988. ILARI, B. A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento para a educação musical. Revista da ABEM,Porto Alegre,V.9,7‐16,set.2003. JARDIM, V. L. G. Os sons da república. O ensino da música nas escolas públicas de São Paulo na Primeira República‐1889‐1930. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) ‐ Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
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