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Ah o amor que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê. Luís de Camões

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Academic year: 2021

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“Ah o amor… que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

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(4)

Um

Inverno 1448, Transilvânia

O

s lobos uivavam anunciando a sua presença, a lua despontava por entre as nuvens naquela fria e ventosa noite, tochas acesas caídas ao longo do caminho permitiam ver o perigoso desfiladeiro que o ladeava, seguia pela cordilheira de Fãgãras que a levaria de regresso a casa. Os cavalos galopavam tentando diminuir a distância que a separava do seu destino, o Castelo de Arges.

A ponte levadiça encontrava-se aberta, os sluji1 mantinham-se alerta com os olhos perscrutando a escuridão

que os envolvia aguardando pelo regresso da sua princesa.

O estandarte real com a representação da Águia da Valáquia símbolo do príncipe Vlad anunciava que transportavam um membro da família real, todos os cuidados eram necessários naquelas horas de tumultos.

Protegida pelos Boiardos2 da Valáquia, e pelos guerreiros Viquingues do clã do seu marido, Cãltuna cavalgava

na protecção que a noite lhe concedia carregando no ventre a sua segunda filha, tal como lho confirmara uma

Bruxa pouco antes de deixar a segurança do acampamento do clã. Deirdre a sua primogénita dormia nos braços de

uma Valquíria3.

Partira das terras frias do Norte com a bênção do marido Erik, rei dos Viquingues, que destacara os seus melhores guerreiros para as protegerem. Era toda a sua família que partia e com a graça de Odin4 estariam em

segurança, ficara a defender as novas terras conquistadas na ilha Esmeralda onde montara acampamento, seria naquele local que viveria com os seus descendentes.

Cãltuna regressava a casa para a cerimónia fúnebre dos irmãos Radu e Mircea, mortos às mãos dos seus inimigos na luta pelo poder e conquista das terras da Valáquia das quais o seu irmão Vlad era agora o legitimo herdeiro.

Cãltuna sentiu uma forte pontada nos rins levando a mão ao ventre, respirou profundamente tentando manter-se firme na sela, sabia que a hora se aproximava esperava conseguir chegar a casa. Viajar em tão adiantado estado de gravidez tinha sido um risco, mas não podia deixar o seu único irmão ainda vivo passar pelo doloroso

1 Guardas do Palácio 2 Membros da Aristocracia

3 Mulheres guerreiras

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momento de enterrar sozinho o que restava da sua família, Vlad contava com a força de ambos para ultrapassar a dura perda.

No seu íntimo Cãltuna desejava que a filha Deirdre conhecesse o local onde toda a sua família materna nascera e quem sabe conservasse as suas próprias memórias daquela viagem. Quanto a ela seria um retorno às lembranças da sua infância e adolescência, aquela tinha sido a sua casa a mesma onde agora repousavam os restos mortais da sua família.

Sentiu uma dor ainda mais forte nos rins tombando para a frente, viajavam há vários dias, mas tinha sido somente nas últimas horas no dorso daqueles belos cavalos que o irmão lhes enviara para as receber, que começara a sentir os primeiros sinais de parto. O nascimento da filha estava eminente. Respirou fundo, sabia que devia conservar as forças já faltava pouco para chegarem.

Ágda uma das Valquírias que a acompanhavam reparara no seu desconforto e fizera-lhe sinal para pararem, contudo a um comando dos Boiardos os cavalos aceleraram o galope. Não parariam por nada, as ordens do seu príncipe seriam cumpridas, a família seria mantida em segurança.

Respirou fundo enquanto rezava à Deusa Frigga5 para que lhe concedesse a sua bênção e protecção naqueles

últimos metros com a promessa de dar o nome de Freya6 à filha em honra da Deusa da força.

Assim que avistaram as luzes os cavalos tomaram as rédeas sem ser necessário açoitá-los mais, cavalgando os últimos metros que os separavam da segurança do palácio, voando para dentro da protecção dos seus muros como se uma força invisível os transportasse através do ar. As pesadas portas eram fechadas após a sua passagem e a ponte recolhida. Uma luz azul envolvia as paredes exteriores, trabalho das Bruxas Roma7 que viviam dentro das

muralhas sob a protecção do irmão. Após tantos anos regressava à casa que a vira nascer.

Contorceu-se com dores ao descer da garupa agarrada ao ventre com uma mão e aos estribos com a outra tentando equilibrar-se, sentiu a bolsa romper ao pousar os pés no chão sendo de imediato ladeada pelas Valquírias Ingride e Kelda que a amparavam com a força de homens, carregando-a em braços. Ágda abria caminho à sua frente empurrando quem se atravessasse no seu caminho, um Boiardo de nome Mihai fez-lhes sinal para que o seguissem conduzindo-as através de uma longa escadaria para o quarto que nunca deixara de ser dela, enquanto gritava ordens às traells para trazerem água fervida e panos limpos para a sua Senhora.

O príncipe Vlad seguiu-as, estaria presente no nascimento da sobrinha.

Uma traell embrulhou a menina num pano entregando-lha. Vlad aproximou-se da janela erguendo-a no ar para que a pudessem ver apresentando-a desta forma aos Boiardos e guerreiros Viquingues que aguardavam no

5 Deusa invocada nos partos e para protecção dos bebés 6 Deusa da beleza, da força, do poder

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pátio, gritando o seu nome recebeu três vivas de volta dos fortes homens que sabiam que com mais aquele nascimento se assegurava a continuidade da Casa de Drácula8. Os guerreiros do rei Erik olhavam para o céu

aproveitando para pedir a Odin que lhes concedesse a força necessária para proteger a família do seu Senhor na viagem de regresso a casa. Deirdre mantinha-se quieta sentada num banco perto da mãe olhando com amor, a partir daquele dia nunca mais se separaria daquela que era agora a sua irmãzinha.

Mihai observava numa confusa adoração aquela criança que vira nascer e por quem sentia um afecto especial, também ele soube naquele momento que daria a vida pela sua segurança. Fechou os olhos baixando a cabeça em sinal de confirmação do que acabara de profetizar interiormente.

Cãltuna olhou para a filha recém-nascida, estava uma vez mais grata aos Deuses pelas duas crianças que gerara. Dela tinham herdado o rosto magro, as maçãs do rosto salientes, as longas pestanas e os lábios grossos, de Erik o oiro dos cabelos, o suave azul dos seus olhos e a pele branca. Sorriu feliz, tinham um pouco dos dois, eram perfeitas. Permitiu que as traells a limpassem e ajudassem a sentar-se, queria dar de mamar àquela menina que a olhava com olhos curiosos sem chorar. Uma traell amarrou-lhe o forte cabelo negro numa trança colocando-lho sobre o ombro direito enquanto a limpavam e mudavam as roupas da cama.

O irmão retirou-se seguido pelo fiel amigo Mihai.

Aquela noite transformara-se num momento de celebração da vida com o nascimento da sobrinha, iam beber e comer com esperança num futuro e ao primeiro raio de luz do novo dia enviaria uma mensagem ao rei Erik avisando-o do nascimento da filha.

Um grupo de Boiardos já montava para comunicar a boa nova através das terras dos Drãculesti. As celebrações durariam toda a noite, Boiardos e Viquingues celebravam a vida e a morte no dia em que fortaleciam os laços de irmandade que os uniam através daquelas crianças, as herdeiras das duas casas.

Foi servido hidromel e slivovitz9, truta do rio, cabra negra e javali afinal aquela era uma noite de comemoração.

Aos primeiros raios do novo dia os corpos dos irmãos Radu e Mircea eram abençoados pelos monges locais e colocados na cripta, nas catacumbas do palácio. Os restos mortais dos irmãos, bravos guerreiros, envergando os seus mantos e armas eram depositados ao lado dos corpos do pai Dracul e da mãe Cneajna. Por cima dos caixões era colocado o colar de ouro com a insígnia do Dragão que tinham usado em vida.

Cãltuna e Vlad despediam-se, a partir daquele momento junto com as duas crianças eram os últimos descendentes de sangue Dracul10.

8 Casa do Dragão 9 Brandy de ameixa 10 Dragão

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Vlad segurou na mão da irmã, ajoelhou-se à sua frente jurando-lhe perpetuar com dignidade o nome da família prometendo-lhe proteger as sobrinhas pelo tempo que fosse necessário com a sua vida e a dos seus homens.

Abraçaram-se no silêncio que se seguiu.

Terminada a cerimónia saíram da humidade da cripta para um pálido sol que teimava em afastar as nuvens. Cãltuna deixou o irmão para trás a conversar com os monges enquanto atravessava o pátio tomando a direcção dos seus aposentos. Estava quase a chegar à porta quando foi abordada por uma mulher de cabelo negro comprido, faces claras e olhos verdes que se atravessou no seu caminho, detendo-a.

Senhora! – baixou a cabeça respeitosamente – Chamo-me Morgaine e venho apresentar-me ao seu serviço. – Agradeço-te, mas já tenho muita gente que me sirva.

Fui enviada pela Deusa para proteger as tuas filhas.

As minhas filhas? – o coração de Cãltuna ficou apreensivo – E porque necessitariam da sua protecção?

As meninas foram escolhidas.

Escolhidas? – Cãltuna tremeu recuando. Morgaine sorriu gentilmente.

As tuas filhas terão um papel importante em acontecimentos futuros, serão as responsáveis pelo equilíbrio de todas as formas de vida naturais e sobrenaturais. A Deusa conta com os teus descendentes para cumprirem com o que lhes foi destinado nesta vida, se te aquieta saber viverão muitos mais anos após teres partido.

Desde a sua união com Erik, Cãltuna começara a acreditar nos Deuses, em profecias, sabia que existia muito mais para além do que lhe fora ensinado pelos monges ortodoxos e algo dentro dela lhe dizia que aquela mulher não mentia. Mantê-la-ia perto de si e das filhas.

O Erik e eu veremos as meninas tornarem-se mulheres?

O teu marido partirá em breve. Estremeceu com as palavras da Bruxa.

Ficarei sozinha com as meninas?

Durante algum tempo, quando chegar a tua hora juntar-te-ás a ele em Valhalla.11

Erik conhecerá Freya?

Sim, esse tempo ser-vos-á concedido, agora deves ir que a tua filha chama.

As lágrimas afloraram-lhe aos olhos enquanto se afastava, quando conhecera Erik soubera de imediato que tinham sido os Deuses a coloca-lo no seu caminho naquela tarde de feira. Ainda se lembrava desse dia com a mesma excitação.

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“Passeava através das diversas bancas de venda do mercado perto do castelo quando se apercebeu de alguém que

a observava, olhou em volta até que os seus olhos se cruzaram com aquele belo estranho que lhe sorria, ficara sem ar ao vê-lo. Trajava um kilt12 azul de uma única cor sólida a mesma cor dos seus olhos, com várias correntes e fivelas

em couro a atravessar-lhe o tronco e os musculosos braços, um casaco de pele de urso atirado sobre os ombros, sapatos de couro e uma pequena faca com esmeraldas incrustadas presa no cinto.”

Tremeu de desejo ao relembrar esse dia.

“O longo cabelo cor do trigo chegava-lhe ao meio das costas com duas finas tranças de cada lado daquela perfeita face que lhe sorria. Não se lembrava do que acontecera a seguir pois ainda estava perdida naquele momento quando uns fortes braços a agarraram, lhe taparam a cabeça e a colocaram no dorso de um cavalo levando-a para uma tenda montada longe dos olhares de quem a protegia onde foi cuidadosamente colocada numa improvisada cama de peles.

Erik contara com a ajuda dos seus homens para a raptar e levar para o seu improvisado acampamento no meio da floresta. Fora demasiado fácil, nem os Boiardos fortemente armados que a guardavam se tinham apercebido do que acontecera até já ser tarde de mais.

Erik entrara na tenda observando-a sentada nas peles. Cãltuna mantinha a cabeça erguida, tentando não mostrar o medo que devia estar a sentir.

Debruçou-se sobre ela retirando-lhe gentilmente a manta que ainda lhe cobria a cabeça. Fitaram-se. Passou-lhe gentilmente um dedo na face. Desejava aquela mulher, mas não a tomaria à força.”

Cãltuna levou a mão à face lembrando-se do seu toque.

“Não se assustara com a sua presença, de uma maneira inexplicável necessitava senti-lo, estendeu a mão pousando-a no seu lpousando-argo e forte peito, Erik fechou os olhos gemendo de prpousando-azer sem se mexer. Qupousando-ando pousando-a voltou pousando-a encpousando-arpousando-ar foi com a intensidade do próprio desejo.

Erik passou-lhe os dedos pelo longo e forte cabelo negro roçando-os na sua pele dourada pelo sol. Os seus olhos verdes perdidos no azul dos seus.

Não falavam a mesma língua, mas conseguiam entender-se. Entregaram-se aos seus desejos, os corpos encaixando-se como duas peças destinadas a estar unidas. Amavam-encaixando-se com necessidade, com deencaixando-sejo, nada mais existia, o mundo parara para os embalar.

Os guerreiros de Erik guardavam o acampamento, naquela madrugada estavam seguros.

Prometeram-se de corpo, alma, souberam naquele momento de entrega que não podiam ficar separados.

Estava disposta a lutar para ficar com aquele doce selvagem e aceitar todas as consequências da sua decisão. Sabia que os irmãos andavam à sua procura e por muito que lhe custasse deixá-los, desta vez seguiria o seu coração.

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Encolheu-se naqueles fortes braços que lhe ofereciam calor, temeu por ele, sabia que os Boiardos não faziam prisioneiros e para a recuperarem estariam dispostos a tudo.

Os irmãos ladeados pelos seus Boiardos deram com o acampamento ao nascer do dia. Os guerreiros Viquingues já os tinham visto aproximar e estavam preparados.

Erik levantou-se a um sinal dos seus homens entregando-lhe alguma roupa lavada, estava disposto a matar quem se atrevesse colocar-se entre ele e aquela doce mulher que agora era sua.

Enquanto se vestia Cãltuna deu por si a sonhar com a vida que poderia ter ao lado daquele homem. Que estranha magia era aquela que a fazia querer deixar todo o conforto que conhecia pela incerteza do que lhe oferecia. Tinha o forte carácter e sangue dos Draculia13 e pela sua felicidade estava disposta a lutar. Sabia que o amava e a simples

ideia de o perder fazia com que desejasse a própria morte.

- A ghrá!14– Erik segurou-lhe nas mãos levando-as aos lábios, beijando-as

- Sei que não entendes o que te digo, mas desejo-te. Quero que fiques comigo. Devo lutar com os teus irmãos para te ter ou deixo-os prenderem-me e afastarem-me de ti? – encostou a testa à dela enquanto falava.

Entendia tudo que lhe dizia! Não falavam a mesma língua, mas percebia-o. Que estranha magia funcionava ali?” - Dragul meu15! – agarrou-lhe na cara ficando a olhar para o fundo daquele lago onde já se perdera.

Erik segurou-lhe na cara com ambas as mãos, parecia confuso, conseguia entendê-la. Levantou-a no ar beijando-a com intensidade, aquele estranho amor brotara como a força do vento do Norte.

- Quero ficar contigo se me quiseres. Sigo-te para onde fores.

- A ghrá! – colocando-a no chão. Estava decidido a enfrentar quem lha quisesse tirar – Nunca te esqueças que te pertenço e não o contrário, serei teu escravo se assim entenderes.

- E que tal seres só meu? – Cãltuna sorriu-lhe timidamente tremendo perante a intensidade do seu amor. Beijou-a nos olhos, segurando-a pela mão saíram da tenda.

- Vamos avisar os teus irmãos que ficas comigo - sorriu-lhe apertando-lhe a mão com força, não tinha medo sabia que tinha sido o destino a juntá-los.

No exterior da tenda os homens tinham-se posicionado formando uma barreira protectora com os próprios corpos nus pintados com símbolos azuis de protecção.

Já não estavam sozinhos.

- Vine sorã!16 – Radu gritou-lhe assim que a viu aparecer – Viemos buscar-te para te levar para casa.

Os Boiardos cercavam-nos, alguns tinham desmontado mantendo-se vigilantes, com as mãos nas bainhas das espadas dispostos a obedecer a uma ordem dos seus Senhores.

Cãltuna tomou a palavra colocando-se ao lado de Erik apertando-lhe a mão.

13 Dragões

14 Meu amor 15 Meu querido

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- Estou em casa, frate meu!17E aqui quero ficar.

Os irmãos entreolharam-se tentando compreender o que tinham acabado de escutar. Os Boiardos respiravam audivelmente, desconfortáveis, olhando para os seus Senhores. Nenhum deles se sentia seguro para obedecer a uma ordem para atacar a sua princesa, se a mesma fosse dada.

– Que dizes irmã. Não queres voltar com a tua família? – Radu fez menção de desmontar da garupa, porém Vlad segurou-lhe o braço para que se mantivesse onde estava.

Cãltuna respirou fundo antes de responder. - O Erik é agora a minha família.

- E nós não temos uma palavra a dizer? – era a vez de Mircea apelar ao seu bom senso. Voltara-se para a olhar melhor através daquela muralha de homens – Estás a dizer-nos que não voltas para casa com os teus irmãos? – Nu frate dragul meu18, mas gostaria de ter a vossa bênção antes de partir.

Entre os Boiardos reinava um silêncio sepulcral, os cavalos agitavam-se resfolegando pesadamente batendo com os cascos no chão, ninguém se mexia. Os Viquingues com os seus corpos seminus mantinham-se fielmente colados ao seu rei prontos para atacar ao mínimo sinal de perigo. Após algum tempo que pareceram horas ouvia-se finalmente a voz apaziguadora de Vlad.

- Draga mea19 Cãltuna, se é esse o teu desejo.

Mircea e Radu olharam-no interrogadoramente, não percebendo o que fazia? A irmã já tinha sido prometida a Mihai um dos mais fiéis generais e membro da aristocracia da Valáquia além de melhor amigo e confidente de Vlad. E este sabia que o amigo manteria a sua palavra de casar com a irmã por respeito para com a hierarquia palaciana apesar do seu coração já pertencer a uma cortesã do reino. – Irmãos, certamente pararam para pensar que um homem que se protege assim e à mulher que ama tem muito poder pois tem o respeito dos seus homens além de que vejo amor nos olhos da nossa irmã só por esse motivo tem a minha bênção.

- Enlouqueceste? – Radu voltou-se na sela para o olhar de frente – É a nossa única irmã, é nosso dever protegê-la conforme prometemos ao nosso pai.

- Eu acho que o estamos a fazer, olha para eles – Vlad mantinha-se irredutível – acho que não a conseguiríamos proteger melhor – olhou nos olhos de Erik que anuiu com a cabeça confirmando as suas palavras.

Vlad desmontou aproximando-se, os irmãos imitaram-no segurando os cavalos pelas rédeas, os Boiardos não abandonavam as suas posições com os olhos colados nos selvagens prostrados à sua frente, houve um momento de hesitação perante o que os Senhores fariam. Felizmente a ordem tardaria em chegar.

Erik fez sinal aos seus homens para que os deixassem passar, estendendo-lhes o braço em sinal de amizade nunca largando Cãltuna que enlaçara pela cintura.

17 Meu irmão

18 Não meu querido irmão 19 Minha querida

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Todos os homens de Erik bem como os Boiardos baixaram as armas apesar de manterem uma segura distância entre si, sabiam que aquela calma podia mudar numa fracção de segundos.

Nessa manhã beberam juntos à felicidade de Cãltuna, à união entre aqueles dois povos tão diferentes, mas principalmente a um futuro. Quando se despediram, Vlad chamou-a à parte sem que os irmãos se apercebessem avisando-a de que deviam partir no preciso momento que os Boiardos abandonassem o acampamento pois conhecia Radu e sabia que enquanto se mantivessem dentro das terras da Valáquia os perseguiria e a traria para casa à força. Cãltuna abraçou-o beijando-o. Também conhecia os irmãos sabia que fariam exactamente o que dizia, felizmente não teriam que cavalgar uma longa distância até alcançarem o barco de Erik atracado num porto próximo, no Mar Negro. Porém só estariam em segurança em alto mar, já ouvira falar das proezas náuticas dos Viquingues, sabia do que eram capazes, sabia que a tirariam daquela terra com a maior rapidez para segurança de todos.

Abraçada a Erik do lado de fora da tenda despediu-se dos irmãos ignorando que aquela era a última vez que veria Radu e Mircea.

Mal deixaram de ouvir os cascos dos cavalos que se afastavam a trote já o acampamento estava levantado, os Viquingues saltavam para as suas montadas galopando na direcção contrária afastando- se daquele local com o silêncio que lhes era possível.

Olhou para trás uma última vez. Deixava a sua casa, tudo o que conhecia e tinha como garantido, mas nem por um único momento que fosse no dorso daquele forte animal se arrependeu. Encostou-se mais a Erik que lhe apertou a mão para lhe transmitir coragem.

Já encostada à balaustrada do Drakkar20 sentiu uma estranha nostalgia enquanto o barco se afastava, podia

vislumbrar à distância três vultos a cavalo, conseguia ouvi-los gritar o seu nome, assolada por um sentimento de perda, os olhos banharam-se de lágrimas, sentiria a falta dos irmãos mas nunca se arrependeria da decisão de entregar a sua vida àquele homem. Pertencia-lhe.”

Passados aqueles anos e de regresso à casa que a vira nascer perguntava-se o porquê de tanta tragédia na sua família. Agarrava-se à garantia que Morgaine lhe dera de que as filhas viveriam sob a protecção da Deusa, com essas palavras renovara-lhe a esperança de um futuro para as suas filhas.

Sentia saudades de Erik queria regressar, não queria desperdiçar o tempo que lhes era permitido.

Com o nascimento de Freya tinham-se iniciado os desígnios da Deusa, Morgaine sabia que a partir daquele dia estaria sempre ao lado daquela família. Seriam aquelas meninas com os filhos delas os responsáveis pela reunificação dos mundos. A Deusa incumbira-a de as proteger e enquanto vivesse seria digna depositária da sua confiança. Puxou a capa para cima da cabeça, começara a arrefecer, ia sair da protecção daquelas muralhas para

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apanhar algumas ervas queria preparar um chá que ajudasse Cãltuna a recuperar as forças de que necessitava para a viagem de regresso.

Olhou para o céu, as nuvens encobriam o sol, da janela do quarto de Cãltuna ouvia-se uma doce melodia cantava para as filhas. Uma suave música que contava a história dos Dracul. Sorriu, seria dessa maneira que as meninas a recordariam.

Uma voz de homem soou atrás de si tirando-a do torpor em que se encontrava.

Ouvi o que foi dito. Diz-me o que posso fazer para as proteger.

Dá -me a tua mão valente cavaleiro. Mihai estendeu-lha.

Segurando-a entre as suas Morgaine fechou os olhos, conseguia ver para lá do que já sabia e ficou satisfeita com o que o futuro reservava. Olhou para aquele gigante com ternura fazendo-lhe uma vénia antes de falar.

De ti, nobre guerreiro, serão esperados grandes feitos. Não te posso dizer o que fazer, mas mantém-te sempre perto desta família pois serás chamado para ajudar. Nesse dia deverás apresentar-te perante estas crianças e tu e os teus descendentes deverão dar a vida para as defender.

O meu sangue é delas.

Que assim seja. Tornar-te-ás digno do que de ti é esperado. Pelo sangue os dignos viverão, agora vai e vive a vida que te foi destinada até que sejas chamado de volta a casa.

De ti espero o mesmo, que as protejas. – antes de se retirar perguntou – O que queres dizer com serei chamado de volta a casa?

No final dos tempos, no início da nova Era, também tu voltarás para a casa pela qual anseias, onde serás finalmente feliz depois de todo o sofrimento pelo qual ainda terás que passar. Saberás quando esse dia chegar. Vai com a protecção da Deusa.

Mihai fez-lhe uma ligeira vénia retirando-se. As nuvens afastaram-se e o sol brilhou tenuemente confirmando o que acabara de ser ali proferido.

Numa prece interior, Morgaine agradeceu, pedindo forças para cumprir com o seu próprio destino. “Que assim seja”.

Cãltuna recolhera-se com as filhas.

Depois da conversa com Morgaine decidiu que aquela era a última noite que passaria no palácio da família. O irmão bateu à porta do quarto quando dava de mamar a Freya.

Posso entrar?

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Soube da tua conversa com a Bruxa.

E algo te preocupa meu irmão.

Não queria que partisses já.

Sabias quem era?

Soube uns dias antes da tua chegada quando me pediu para pernoitar dentro das muralhas do palácio e me contou a sua história.

E que mais te disse? Sei que algo te preocupa, caso contrário não vinhas falar comigo a esta hora.

Tens razão. – suspirou fechando a porta caminhando ao seu encontro olhando as sobrinhas com carinho – Quero que saibas o que me foi pedido e o que aconteceu antes desse pedido.

Devo ficar preocupada?

Sentou-se na cama perto dela, segurando-lhe as mãos entre as suas enquanto falava.

Não te posso perder.

Julguei que tivesse mais tempo. – uma lágrima rolou-lhe pela face.

Não deixarei que nada te aconteça.

E vais contra as leis que nos regem, contra o nosso destino?

Minha irmã…

Já devias saber que não o podemos contrariar. Terei tempo para chorar a minha má sorte. E quando esse momento chegar sei que serei recebida pelos nossos irmãos e pelo meu marido. Saber que as minhas meninas ficarão em segurança é para mim o único motivo de alegria de resto já me conformei com o destino que me está reservado.

Vou falar com todas as Bruxas, irei até aos confins da terra para conseguir mudá-lo.

Meu irmão. – apertou-lhe a mão pousando a cabeça nela – Permite que seja feita a vontade da Deusa.

Mas essa não pode ser a sua vontade, deixar duas crianças sem pai nem mãe, onde é que está a justiça nessa estranha decisão?

As lágrimas brilhavam nos olhos de Cãltuna, a verdade é que não estava tão confiante do seu destino apesar de o afirmar, nem do tempo que ainda teria para estar com a sua família, mas ia aproveitá-lo ao máximo.

Quero dar-te isto. – Vlad colocou-lhe uma pequena sacola de pano nas mãos – Foi-me oferecido por uma dama no último torneio onde participei, nunca soube quem era, mas de uma maneira que não consigo explicar sinto que tem que ser teu e das tuas filhas.

Cãltuna abriu retirando do seu interior um objeto brilhante.

É linda.

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Segurou-a com ambas as mãos, podia jurar que sentia um calor percorrer-lhe o corpo. Freya parou de mamar olhando para a mãe, sorrindo.

Quero que seja tua e das tuas filhas. A dama que ma entregou disse-me para a oferecer a uma mulher merecedora e essa mulher és tu. – beijou-a no topo da cabeça – A ti entrego a Fivela de Aker.

Obrigada pelo teu amor.

Fechou os olhos em agradecimento apertando a Fivela de Aker entre as mãos, continuando a sentir o seu calor.

O mais significativo nesta Fivela é que tem o Dragão que nos representa. – Vlad levantou-se preparando-se para sair.

E esta marca aqui? Parece sangue.

É o meu sangue. Quando segurei a Fivela sangrava da mão. Por muito que o tente tirar não sai.

Então levo mais do que aquilo que mereço meu irmão. Levo uma parte de ti. – segurou a Fivela de encontro ao peito.

Vlad beijou-a na face.

Antes de te retirares quero ainda perguntar-te...

Fala draga mea.

No dia em que vos abandonei foram despedir-se de mim?

Vlad sorriu-lhe, tinham a mesma cara alongada, os mesmos olhos verdes escuros, as mesmas longas pestanas, de todos os irmãos sempre tinham sido os mais parecidos.

Estávamos lá os três. Eu, para me despedir e tentar evitar que te arrastassem de volta. Sempre foste muito amada, sofremos muito com a tua ausência.

Eu sei. Também vos amo. A ti mais do que imaginas.

Não trocaram mais nenhuma palavra, naquela noite ficaram juntos pois sabiam que era a última vez que o fariam neste mundo.

Ao nascer do dia Cãltuna e Vlad despediam-se sem promessas, era um adeus.

Olhou uma vez mais para aquela que tinha sido a sua casa, ali fora feliz, tinha sido amada e amara intensamente.

Fez um último pedido ao irmão, queria que lhe enviasse pedras do rio para construir na sua nova casa uma réplica daquele local. O irmão jurou fazê-lo.

Vlad tratou para que fosse acompanhada pelos seus homens de confiança e que estes fossem comandados por Mihai. Não teve coragem para as acompanhar até ao barco. Quando deixou de as ver e os portões se fecharam

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caminhou a passos largos cabisbaixo para dentro de casa, queria preservar nos seus sentidos a imagem da irmã, o seu cheiro, o caloroso som da sua voz.

Deirdre não saia de perto da irmã, falava com Freya, cantava-lhe como ouvia a mãe fazer e dormiam abraçadas. Cãltuna observava-as extasiada, emocionava-a ver como eram unidas.

Para a viagem de regresso vestiu-as com roupas quentes, envergando um manto com gola de zibelina que Vlad lhe enviara no dia do nascimento de Deirdre.

As Valquírias Ingride, Kelda e Ágda nunca saiam de perto delas, mas para a viagem de regresso contavam com uma nova e poderosa ajuda, Morgaine que as seguia um pouco afastada envolvendo-as em luz protectora. Não necessitavam do escuro da noite como protecção pois além dos Boiardos e dos Viquingues, o irmão ainda contratara armasi21, para as acompanharem até ao porto onde já as esperava o barco de Erik. O estandarte com a

águia, símbolo dos Draculia seguia à frente. Os Boiardos envergavam a rigor, a capa verde como reminiscência da cor do Dragão sobre túnica vermelha representando o sangue, unidas por um colar de ouro com a insígnia do Dragão as cores da investidura na Ordem, duas asas com quatro patas esticadas, mandíbulas semiabertas, cauda enrolada à cabeça e dorso dividido ao meio. Depois da investidura o guerreiro usaria o colar até à sua morte, nessa altura o colar seria pousado sobre o caixão e era enterrado com o guerreiro a quem pertencera.

Morgaine rezava à Deusa.

Com o nascimento de Freya tinha-se iniciado a Profecia que ditaria a vida dos MacCumhaill pelos séculos vindouros, mas seria com a chegada da guerreira sidhe que a mesma ficaria concluída. “Chegará uma guerreira

sidhe vinda de um país de gentes do mar; a ela se juntará um guerreiro da antiga Ordem do sangue que pelo sangue vive; uma feiticeira para os proteger e uma sacerdotisa para os unir. Só assim será possível trazer o esquecido e encerrar as portas. Que assim seja.”

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Dois

Inverno 2014, Glendalough

– E

stou-te a dizer o que os ouvi pensar. – Maria acabava de colocar a loiça do almoço dentro da máquina.

Tens a certeza? – Maeve sabia que desde o verão passado a capacidade de Maria ouvir os pensamentos tinha melhorado substancialmente.

Quer dizer, ouvi esse pensamento na cabeça do Fionn há uns dias atrás e hoje ouvi exactamente o mesmo na do Lochan.

Olha que dois. Continuo a achar que devias parar com isso agora deixou de ser surpresa. Não tens pena?

Vindo deles? Não! Até fico mais descansada. Aqueles dois a pensarem fazer-me uma festa surpresa? Isso sim é assustador.

Vê lá se não ouves tudo o que pensamos começas a ficar sinistra. Maria riu-se com vontade.

E já agora faz-me um favor e mantêm-te afastada da minha cabeça principalmente quando estou perto do Sergiu.

Podes ficar descansada.

Soube que vamos ficar todo o dia com o Lochan.

Que já deve estar fechado na cave. Esqueci-me por completo que os homens vão a Dublin comprar roupas para a viagem e que não nos querem por perto.

O que gostarias de fazer hoje.

Estava a pensar em dar um passeio pelos terrenos de Yggdrasil. Com todas as restrições que tivemos durante este último ano, nunca vi realmente tudo o que aqui existe.

Então prepara-te para uma surpresa, este terreno é maravilhoso e enorme. Sabias que em tempos tivemos cavalos?

Adoro cavalos. Talvez um dia os voltemos a ter? Maeve saltava de excitação aplaudindo a ideia.

Adoraria. Não me canso de te dizer Maria que casares com o meu primo foi o melhor que nos aconteceu.

Maria sorria.

Ainda parece um sonho. A verdade é que já não conseguia imaginar a minha vida sem vocês.

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Mesmo sem esse doido.

É sempre agradável ver que não vos saio do pensamento. – Fionn observava-as da soleira da porta com um sorriso trocista.

Claro que tinhas que estar aí a ouvir a conversa. A tia não te ensinou que devemos anunciar a nossa presença? – Maeve olhava-o cruzando os braços sobre o peito.

O que queres dizer é que tenho o passo leve de um ninja e falo baixo com a minha deslumbrante voz de rouxinol.

Maeve fazia esgares com a boca.

E para tua informação priminha fiz-me anunciar não tenho a culpa que parecessem duas galinhas a cacarejar.

Galinhas? – Maeve lançou-lhe a primeira coisa que lhe veio à mão, o saco do pão. – Cacarejar? Olha a lata do bicho.

Falhaste. E agora vens cá buscá-los que eu não apanho. E doido sou eu! – afastou-se rapidamente antes que voasse algo que o pudesse aleijar seriamente.

Este parvo dá comigo em doida. – Maeve apanhou o saco do pão voltando a colocá-lo em cima da bancada.

Onde é que íamos?

Numa aventura pelo terreno.

Por onde queres começar?

Só conheço a casa e o terreno circundante, para lá deste espaço não conheço mais nada, contudo não pude deixar de reparar que Yggdrasil se estende até um pequeno bosque.

E para além dele também.

A sério? Deve ser enorme.

Maior do que possas imaginar. Este local está cheio de histórias gostarias que tas contasse?

Mais do que tudo.

Mesmo mais do que eu a ghrá?

Rhenan aproximara-se abraçando-a por trás enquanto lhe beijava o lóbulo da orelha. Continuava a tremer cada vez que lhe tocava, não se conseguia saciar do seu toque, do seu odor, mas a maior provação para os seus já fracos nervos era o seu fantástico corpo ainda doirado pelo sol do Algarve fazia com que os seus olhos azuis parecessem o maior lago de promessas onde se queria perder. O homem era um Deus.

Voltou-se enlaçando-o pelo pescoço.

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A ghrá! Se me continuas a apertar não respondo por mim.

Têm que sair já?

Ainda temos tempo. Porquê?

Vem comigo, eu mostro-te. – pegou-lhe na mão arrastando-o atrás dela pela escadaria. Maeve parecia confusa.

Rhenan seguia-a sorridente, não era homem para lhe negar nada, seguiria atrás dela até ao fim do mundo, piscou o olho à prima.

Onde é que aqueles dois vão? – Sergiu entrava na cozinha. Maeve abraçou-o beijando-o.

Vão fazer o que nos faz falta. – piscava-lhe os olhos sedutoramente, enquanto se enroscava nele. Não era preciso dizer mais nada sabia ao que se referia. Infelizmente continuava a ser controlado pelos primos dela, não conseguia dar um passo sem que um deles aparecesse, mas o que realmente o impedia era a sua honra e a promessa que fizera tantos séculos antes para proteger aquela família.

Fionn entrou na cozinha ficando a olhar para a cena que se desenrolava à sua frente e para o irmão que acabara de subir a escadaria com cara de quem ia receber um presente. Não deixava de o espantar como a calma Maria conseguira naquele curto espaço de tempo desde que os conhecera adquirir o temperamento e maus hábitos dos homens do clã, no entanto Rhenan parecia adorar cada minuto.

Tossiu para se fazer notar.

Maeve ignorou-o continuando a apertar-se de encontro a Sergiu.

– Mas estão todas doidas? – voltou-se saindo. Tanto amor naquela casa era demais para os seus já frágeis nervos.

O terreno estendia-se até onde a vista alcançava.

De um dos lados delimitado pelas montanhas de Glendalough, do outro pelo lago de águas escuras. Reparou que por detrás da casa encostado a um frondoso freixo e tapado por espessas trepadeiras se encontrava um poço de pedra, parecia velho, porém pouco usado.

Não sabia que tinham um poço, mas a água da casa não é canalizada?

Claro que sim, somos pessoas evoluídas que se foram adaptando ao passar dos séculos. Apenas gostamos de preservar tudo o que já existia antes de nós e que de alguma forma faça parte da nossa história. Este poço por exemplo foi mandado construir pela minha avó Cãltuna, aliás, esta parte do terreno foi todo

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desenhado por ela. Queria ter aqui uma cópia do palácio onde nasceu em Arges. Mas ainda existe mais um poço.

Não o vejo. – olhava em volta.

Isso é porque não estás a olhar com atenção. – apontou o dedo para uma enorme sebe – Olha bem. Seguia atentamente com o olhar o local que Maeve lhe mostrava sem ver o que aparentemente lhe queria mostrar.

Anda comigo já vais ver. – pegou-lhe por uma mão até chegarem ao que parecia ser um muro de vegetação afastando-a um pouco para o lado. – Espreita, infelizmente não vamos conseguir entrar.

Porquê?

Simplesmente não conseguimos. Já tentámos inúmeras vezes até que acabámos por desistir.

Enquanto olhavam, as sebes movidas por uma mão invisível começaram a afastar-se permitindo-lhes a passagem.

Maeve olhava para aquele estranho milagre que se desenrolava diante dos seus olhos sem conseguir falar, era difícil acreditar no que estava a acontecer. A medo atravessaram as espessas sebes que por artes mágicas desapareciam sem deixar vestígios de ali terem estado.

O caminho estava novamente aberto.

À sua frente estava um mundo antigo, Maria soube de imediato que estava na cópia fiel do castelo de Arges onde a avó deles nascera. Apertou a mão fria de Maeve para lhe dar força pois parecia necessitar, começaram a caminhar em silêncio admirando aquele mundo que se abria para as receber. Nada as conseguia assustar ou demover ali a magia que sentiam era boa.

Passaram pelas casas dos Boiardos com os seus pequenos jardins, conseguia reconhecer-lhes o estilo bizantino, apesar de estarem há muito tempo abandonadas estavam intactas, mas a sua atenção foi atraída para a fabulosa réplica que se encontrava à sua frente, a casa toda construída em tijolo e pedra era magnífica na falta de palavras que a pudessem descrever em toda a sua grandeza.

– Estas pedras foram enviadas pelo nosso tio, o irmão da minha avó Cãltuna, a pedido dela foram retiradas do rio que corria perto da casa deles, infelizmente esta casa só ficou terminada após a sua morte e nunca a pode utilizar.

Maria apertou-lhe a mão, continuando a caminhar em silêncio a seu lado.

Aquela casa era mais ou menos do tamanho da casa principal onde viviam apesar de ter um aspecto mais antigo, retratando em todos os pormenores a cultura em que a avó deles fora criada. Tal como o palácio original

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a porta principal estava voltada a sudoeste, tinha uma torre do sino e outra que imitava na perfeição a torre de Chindia22, nem lhe faltava uma pequena ponte levadiça.

Não conseguiam falar absortas na beleza do que as rodeava, a única certeza que tinham naquele momento é que não queriam voltar a sair dali. Maria esticou a mão tentando sentir todas as pedras, escutar os segredos que tinham para lhe contar.

Maeve suspirou, não queria que aquele momento acabasse repentinamente. Ali continuava a sentir-se a magia de outros tempos, olhou para trás para confirmar que as sebes tinham definitivamente desaparecido o dia em que a vida voltaria àquela casa tinha finalmente chegado e sabia que se devia unicamente à presença de Maria.

Uma vez mais a sua presença provara ser a solução para resolver o quebra-cabeças que tinham sido as suas vidas. A verdade é que estava cansada de percorrer tantos séculos sem encontrar a felicidade e finalmente parecia haver esperança para todos. Olhou para aquela jovem mulher a seu lado e que já considerava uma irmã, era fascinante ver como admirava tudo o que a rodeava com indisfarçável admiração.

O leve vento que se levantava fê-la reviver o último dia que ali estivera.

“Estava uma tarde cinzenta, o vento ameaçando puxar chuva quando ecoando através do ar chegou o grito de dor de Rhenan, correra na direcção do som para o encontrar prostrado no chão em frente à casa grande a segurar nos braços o corpo já sem vida do seu gémeo. No mesmo instante em que a vida de Lochan se extinguia neste mundo, as sebes apareciam tapando a passagem para a casa da avó. Nunca mais nenhum deles lá conseguira entrar, só as conseguindo afastar o suficiente para olhar para dentro do terreno antes de se voltarem a fechar impedindo-lhes a passagem”.

Agora, tudo parecia ter voltado à normalidade, voltara à sua casa.

Olhou para a janela daquele que era o seu quarto uma réplica exacta do quarto da avó no palácio de Arges, lembrou-se como ali sempre se sentira protegida, feliz. Queria voltar a sentir-se assim, não pensou duas vezes apertando a mão de Maria puxou-a atrás de si para o interior da casa.

Vamos, quero mostrar-te tudo. – os olhos brilhavam de excitação.

Gostas mesmo desta casa, não gostas?

Adoro. Não sei explicar, mas sinto como se a minha avó ainda aqui estivesse. Maria apurou os sentidos.

Estaria ali verdadeiramente o espírito de Cãltuna?

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Ouvira com atenção o que Freya e Deirdre lhe tinham contado sobre a mãe e ao olhar para a excitação de Maeve não podia deixar de pensar que talvez fosse mais parecida com a avó do que julgava.

O forte temperamento e determinação de Cãltuna continuava bem vivo não só nas mulheres daquela família, mas também nela ao entregar-se ao amor incondicional que sentia por Rhenan quando ainda mal o conhecia, tal como Cãltuna fizera com o avô deles. Um sorriso aflorou-lhe aos lábios enquanto via Maeve colocar a medo a mão no manípulo da porta com receio de que não se abrisse para finalmente a empurrar com facilidade.

Anda Maria. – não conseguia esconder a emoção que lhe embargava a voz. Entraram para um largo e fresco salão.

Este seria no antigo palácio da minha avó o salão nobre, se seguirmos por aquela porta temos o salão dos banquetes que no nosso caso é uma sala de jantar com uma cozinha ultramoderna e a sala do trono. – Maeve não conseguia parar de falar tal era a emoção – Isto é tudo o que temos neste piso.

Acho delicioso que tenhas uma sala do trono. Vou espreitar.

Sempre me senti uma princesa aqui. – começou a rodopiar através dos salões enquanto ria de felicidade.

E não é que tens mesmo dois tronos, por incrível que pareça consigo imaginar-te ali sentada a dar ordens aos teus súbditos. Mas neste momento faz-te mesmo falta é o Lochan.

O Lochan?

Ele é que gosta de nos fazer rodar pela casa até ficarmos zonzas.

Eu sei.

Riram-se com cumplicidade.

Por onde seguimos? Para cima ou para baixo?

Para cima. – Maeve apontava com o dedo.

Boa escolha.

Maeve agarrou-lhe na mão arrastando-a atrás de si.

No andar de cima existiam diversas portas dos dois lados do longo corredor, ali pareciam existir o dobro dos quartos.

Isto são tudo quartos? Este local é enorme!

É lindo.

Trocaram um olhar cúmplice como se estivessem numa demanda por um tesouro há muito perdido, avançando determinadas, abriam as portas à sua passagem. Em cada uma das divisões permitiam que o ar

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estranhamente quente e a luz do exterior trouxessem de novo a vida àquela casa. Maeve saltitava pelos corredores cantarolando. Havia algo naquela música!

O que estás a cantar?

Uma melodia que a minha mãe e tia nos cantavam quando éramos pequenos.

Fica no ouvido.

A minha avó costumava-a cantar, de uma maneira especial e única conta a nossa história.

Gostava que ma ensinasses, quem sabe um dia posso cantá-la aos meus filhos e sobrinhos. Isto claro se não se assustarem com a minha melodiosa voz.

Maeve riu baixinho.

Eu acho que tens uma voz muito doce tenho a certeza que vão adorar ouvir-te. Sei que a minha avó ficará muito feliz se o fizeres, afinal és uma de nós.

Estou desejosa de ter esta casa cheia de crianças para as podermos mimar.

Estás a querer dizer-me alguma coisa?

Nem penses nisso! Depois do susto que apanhei no ano passado tenho o dobro do cuidado.

Infelizmente não nos estou a ver ter filhos tão cedo, enquanto tivermos estas malfadadas forças do mal em permanência atrás de nós não podemos arriscar-nos a colocar as nossas crianças em perigo.

Eu sei, mas ás vezes dou comigo a pensar como seria se a nossa vida fosse normal sem nada de sobrenatural a rondar-nos.

Monótona, além de que nunca terias conhecido o meu primo nem nenhum de nós pois já não existíamos.

Maria tremeu.

Nem quero pensar nisso. Temos mesmo que nos concentrar em encontrar as malfadadas chaves e encerrar as malditas portas.

Isso mesmo.

Quando planeiam partir? Continuo a achar pouco seguro ires.

Vou estar sempre bem protegida e se for necessário também sei lutar. Estamos só à espera que o pai do Sergiu nos confirme que está tudo preparado da parte deles. Agora segue-me, quero mostrar-te o meu local preferido em toda a casa.

Enlaçou Maria pela cintura empurrando a única porta ainda fechada sentiram de imediato uma lufada de ar quente envolvê-las e quase que podiam jurar ter ouvido uma voz sussurrar-lhes aos ouvidos dando-lhes as boas vindas.

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Este é o teu quarto?

Sim. – correu para a janela – Sabes que foi neste quarto no palácio da minha avó na Valáquia que a tia Freya nasceu?

Não sabia. Adoro o janelão.

Espreita para fora e diz-me o que vês. Maria fez o que lhe dizia.

Vejo o caminho por onde viemos, as casas dos Boiardos, os poços e a ponte levadiça.

Mas não vês a casa nem a entrada da propriedade.

Não.

E as sebes. Continuas a vê-las? Olhou para Maeve estupefacta.

Desapareceram! As sebes desapareceram por completo.

Também reparei, julgo que acabámos de quebrar mais uma maldição.

Maldição com esta casa?

Connosco. Não sei explicar, mas quando perdemos o Lochan a casa ficou envolta pelas sebes penso que de uma maneira retorcida foi uma forma de nos manter a todos seguros.

Não estou a perceber a tua lógica.

Se ficássemos todos na mesma casa era mais difícil apanharem-nos.

Talvez, mas isso não justifica o facto de não conseguirem aqui entrar. Quem teria o poder para fazer uma magia tão poderosa mantendo-vos afastados?

O meu primeiro pensamento foi para Morgaine, na realidade nunca sentimos que fosse algo de mau, era simplesmente uma força que não nos queria aqui, não nos queria separados.

Será possível que estivesse a proteger alguma coisa que não podia cair em mãos erradas.

Estás a pensar nas chaves?

Sim.

Não achas que o Lochan já teria pensado nisso?

Talvez esteja sob qualquer efeito mágico que não lhe permita lembrar-se.

Mas então se ele não o conseguir fazer como o conseguiremos nós?

Ainda não sei, mas tu sabes que estou sempre pronta para uma boa aventura.

Acima de tudo não quero que as sebes voltem a envolver este local. Gosto particularmente de aqui estar. – Então faremos tudo para que se mantenha assim.

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Claro que sim! Chegaste a viver aqui?

Sim e era aqui que estava no dia em que Lochan morreu. Quando tentei regressar as sebes já nos tinham vedado a passagem proibindo-nos o acesso. Não as conseguíamos transpor nem destruir por muito que tentássemos.

Mas a tua avó nunca viveu aqui!

A avó Cãltuna vivia no acampamento que estava montado perto do lago, onde foi construída a casa principal, no entanto deixou ordens e planos para que esta casa fosse construída, neste preciso local. O seu desejo foi cumprido, infelizmente não viveu o suficiente para ver o fantástico resultado.

Tenho a certeza que adoraria. De onde vieram estas pedras?

Foi o meu tio Vlad, esteve envolvido em todo o processo de construção enviando-as por barco para que Morgaine orientasse a construção.

O teu tio deve ser fantástico.

É mesmo.

Gostava de conseguir encontrar uma explicação para o desaparecimento das sebes, adorei literalmente o momento em que se afastaram para nos permitir a passagem.

Não consegues imaginar as vezes e o esforço que os meus primos fizeram a tentar deitá-las abaixo. Lembro-me particularmente de uma tarde em que ficaram tão cansados que já nem se conseguiram arrastar para casa ficaram a dormir onde tinham caído. Depois desse dia simplesmente desistimos de tentar.

Mas agora a casa quer-nos aqui, quer-te a ti Maeve.

Eu acho que nos quer às duas, gosto de pensar que é o espírito dos meus avós que nos ajuda.

A mesma corrente de ar quente que já tinham sentido entrou no quarto abraçando-as. Sim, eram eles e estavam a dar-lhes as boas vindas.

Sorriram, não eram necessárias palavras Maeve voltara a casa. Continuaram a exploração através dos corredores.

Na cave estava situada a adega e a biblioteca. Os olhos de Maria brilharam ali estava o seu espaço de eleição em toda aquela casa.

Dás-me autorização que venha para aqui?

Estás a pedir-me autorização? Mas enlouqueceste? Esta casa é tua.

Não esta é tua.

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Obrigada. Queres fazer uma experiência?

De que tipo?

Escuta. Abre o teu espírito. – falou para o ar – Cãltuna eu sou a mulher de Rhenan o teu neto mais velho, sinto o teu espírito connosco. Sou bem-vinda a esta casa?

Uma porta bateu, a mesma corrente de ar quente que as envolvera voltava a sentir-se. O vento pareceu sussurrar-lhe: – Bun venit fica mea. Femeie de nepotul meu. Aceasta casa este a ta.23

Ouviste?

Sim Maria, a minha avó estava a dar-te as boas-vindas, sabia que estava connosco.

Obrigada, Cãltuna. – Maria e Maeve abraçaram-se enquanto o vento quente as envolvia num abraço perdido nos tempos, ali encontravam-se duas gerações da mesma família. Cãltuna envolvia-as, protegendo aquelas duas jovens e determinadas mulheres, seriam elas com o seu poder e amor que ergueriam novamente a casa de Draculia elevando a honra do clã MacCumhaill.

Voltaram para o pátio, tentando limpar um pouco da área circundante, no entanto aquele era um trabalho que necessitava de mãos fortes. O calor que se fazia sentir bem como a sede fez com que se sentassem encostadas ao poço situado mais perto da casa.

Maeve este poço tem água potável?

Não te sei dizer, mas não me lembro de alguma vez termos tirado dai água.

Então porque o têm?

Como te disse esta é uma réplica do palácio onde a minha avó nasceu e cresceu e lá eles tinham um poço como este com ligação ao rio era dessa forma que conseguiam ter sempre água dentro das muralhas mesmo que fossem atacados e ficassem isolados.

E este poço está ligado ao lago?

Não que eu saiba, julgo que tem uma nascente natural por baixo, mas uma vez mais não posso garantir.

Importas-te que espreite e veja se tem água?

Vê, mas por favor não bebas.

Vou só espreitar. Olha que era triste escaparmos às tentativas de assassinato às mãos de seres sobrenaturais para morrermos com uma forte diarreia.

Maeve ria-se.

Maria tentou afastar a tampa de madeira que cobria o poço não a conseguindo mover.

Maeve ajuda-me é bem mais pesada do que pensava.

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Tentaram as duas ao mesmo tempo sem sucesso. Depois de várias tentativas já se preparavam para desistir quando Lochan apareceu por trás delas.

Precisam da ajuda de um homem forte e belo?

E onde sugeres que encontremos um? – Maria piscou-lhe o olho.

Por momentos parecias o Fionn e acredita quando te digo que essas parecenças não te favorecem. – Maeve deu-lhe um encontrão.

Queria abrir para espreitar, mas a tampa parece pregada não a conseguimos mexer nem um milímetro e olha que com a nossa força combinada devíamos ter sido capazes de pelo menos a mover, mas nada.

Afastem-se, deixem passar o homem forte que isto não é um trabalho para miúdas.

Não te esqueças de “belo”. – Maeve troçou.

Deixem-me experimentar. Mulheres! São só conversa.

Quando Lochan se aproximou do poço sentiram a mesma corrente de ar quente envolve-los, estendeu a mão para a tampa de madeira e com um único movimento conseguiu arrastá-la para o lado pousando-a no chão sem qualquer esforço.

Maria e Maeve entreolharam-se interrogadoramente. O que acontecera? Para Lochan fora tudo tão fácil. Quase como se fosse o único capaz de o fazer.

Isto foi muito estranho. – Maria olhava com a curiosidade aguçada – Muito mesmo! Maeve disseste-me que foi quando o Lochan morreu que deixaram de ter acesso à casa.

Achas que foi a presença dele aqui que nos permitiu novamente o acesso?

Não sei, mas algo se passa.

Agora sou eu quem não está a perceber nada do que estão para aí a falar. – Lochan olhava para Maria com a mesma curiosidade.

A Maeve disse-me que no dia em que morreste esta casa ficou-lhes inacessível, as sebes apoderaram-se dela e não lhes permitiam a entrada.

A sério? Porque não sabia disso?

Já cá tinhas estado antes?

Não. Confesso que com tanta coisa que nos tem acontecido neste último ano até me tinha esquecido de tudo o que existe na propriedade.

O quê? Há mais?

Maeve revirou os olhos sorrindo.

Não te esqueças que este terreno é nosso desde sempre acredita que vais ter muito tempo para descobrir todos os segredos aqui escondidos.

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Já me dava por satisfeita se encontrasse as chaves. Está decidido, não volto para casa vou acampar aqui.

Sua doida, tempo é o que não te falta.

Mulheres e se nos tentássemos concentrar! – Lochan continuava sem perceber o que tinha acontecido naquele local após o seu desaparecimento.

Isto é o que eu acho, com o meu aparecimento muita coisa mudou tu por exemplo ficaste visível e palpável. No dia em que venho passear para estas bandas as sebes desaparecem permitindo-nos novamente a entrada e o poço abre-se só para ti. O que pensas que possa significar tudo isto?

Não sei.

Tinhas alguma ligação especial com este sítio?

A mesma que o resto dos meus irmãos. Mas não estou a ver nada que me ligue em particular com este local ou com o poço.

Pensa, pois acho que talvez seja a solução para algo que nos está a falhar.

Tu sabes que eu penso sempre melhor de estômago cheio e que tal se voltássemos para casa e tragássemos qualquer coisa?

Se prometeres que voltamos. Maeve rodopiou satisfeita.

Para voltar para aqui estou sempre disponível.

Óptimo. Vamos lá então dar de comer a este homem antes que desmaie de fraqueza.

Assim é que é falar. – Lochan abraçou-a beijando-a na testa.

Maria ainda se debruçou uma última vez para observar o interior o poço podia ser uma passagem secreta afinal Yggdrasil parecia ter um pouco de tudo. Olhando bem lá para dentro constatou que na realidade não passava de um vulgar poço com água até ao rebordo.

Começaram a andar, necessitavam refrescar-se, estavam sujas de pó, suadas e sequiosas. Caminhavam lado a lado com Lochan no meio abraçando-as, adorava aquela sensação de poder caminhar livremente pela propriedade apesar de sentir a presença das Sombras a rondar no exterior, de ouvir o seu lamuriar ao final de cada dia, sabia que se mantinham por perto mais do que gostaria de pensar, mas pareciam evitá-los. Naquele momento toda a propriedade era zona interdita a Fadas e Sombras.

Depois de almoçar Lochan deitou-se no sofá da sala, de olhos fechados com um generoso copo de

Jameson. Pensava em tudo o que não vivera, em todo o tempo perdido, sentia a falta do calor de uma mulher.

Deu um longo trago sem abrir os olhos. Tinha-lhe sido dada uma nova oportunidade e desta vez não a desperdiçaria.

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Conseguia ouvir Maria e Maeve a conversar na cozinha, sorriu, sorvendo um longo trago. As doidas das

Fadas andavam em parte incerta não sabia se era um bom ou mau presságio, as Sombras também se

mantinham a uma distância segura. Naquele momento tinha dois assuntos que o preocupavam mais do que toda a loucura que os rodeava, o transporte do seu corpo em segurança de volta a casa e retirar Rhiannon de

Tara. Passava horas a ler e reler todos os documentos que encontrava na esperança de descobrir algo que lhe

dissesse como fazê-lo, porém, ainda não encontrara nada. Tragou o resto do Whisky sabia que não podia desistir.

Pousou o copo na mesa obrigando-se a sentar colocou a cabeça pendida entre as mãos arrepanhando bocados de cabelo, não gostava de se sentir um inútil queria poder voltar a fazer realmente parte da sua família deixar de ser a sombra do homem que fora. Sentia-se perdido num limbo entre o que era real e o que era a sua actual realidade. Suspirou. Não queria que as mulheres percebessem como se sentia, levantou-se, pegou na garrafa ainda meio cheia, ia para a cave.

Parou com a mão prestes a rodar o manípulo ao ouvir o som da gargalhada de Maria, a mulher que o irmão escolhera para companheira não cansava de o surpreender, era perfeita. Não invejava o seu gémeo, mas desejava poder um dia encontrar o mesmo tipo de felicidade.

Continuava parado com a testa encostada à porta.

Durante o verão e na ausência da família que viajara de férias

para o sul de Portugal sozinho naquela enorme casa deserta julgara que morria novamente, só que dessa vez de tédio.

Abriu a porta descendo as escadas parcamente iluminadas.

Nos últimos meses andava a ler alguns livros dos quais desconhecia a proveniência e que descobrira escondidos nas estantes da recém-aberta sala secreta da cave, infelizmente do que pudera ler nenhum deles esclarecia as inúmeras dúvidas que persistiam. Conversava com Maria sobre tudo, porém evitavam falar sobre o que os incomodava com o resto da família por ainda não terem respostas para lhes dar. Necessitavam de mais, de muito mais antes de levantarem falsas esperanças a todos.

Maria também não avançara muito com a tradução do Livro das Sombras e o pouco que conseguira tinha sido com a ajuda da avó Lena aquando da sua última visita a Lisboa. Mais do que nunca era necessária a ajuda daquela feiticeira cativa dos Tuatha Dé Dannan24.

Os irmãos tinham começado naquela manhã os preparativos para a viagem, partiam dentro de dias com Maeve que à última hora insistira em acompanhá-los. A viagem por si só já era demasiado arriscada, mas

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Maeve ainda exigira fazer um desvio, passariam primeiro pela Roménia e somente depois seguiam para a República Checa onde as mães os esperavam. Maeve mostrara-se irredutível na sua intenção de os acompanhar e tudo acontecera depois de voltar a aceder à casa da avó, metera na cabeça que lhe devia prestar uma homenagem na terra onde nascera e ninguém a conseguira demover, quando queria conseguia ser mais teimosa do que todos os homens da família juntos. Pelo que assim que a prima fizesse o que a levara a seguir naquela perigosa expedição com os irmãos partiam para Praga onde o seu corpo se mantivera resguardado através dos séculos perto da mãe e da tia.

Sergiu e o pai tinham tomado a seu cargo a segurança da família e estavam naquele momento a ultimar os preparativos, já só aguardavam luz verde por parte de Mihai. Ficara combinado que os planos finais da viagem só seriam transmitidos no momento do embarque como medida de segurança e que Mihai estaria à espera deles quando aterrassem na Roménia acompanhando-os na viagem até à República Checa.

Atirou-se para cima do velho cadeirão pousando o copo e garrafa no chão enquanto observava a pilha de papéis espalhados sobre a mesa.

Voltou a encher o copo pousando a garrafa vazia no chão. Finalmente regressaria a casa.

A viagem era longa e não lhe agradava a separação dos irmãos e da prima durante todo aquele tempo, sabia por experiência própria que nunca augurava nada de bom e naquele momento o seu maior receio recaia principalmente nos malfadados ataques das matreiras Sombras.

Contudo tinha que continuar a acreditar no poder da Deusa e na união da sua família. Já só lhe restava rezar e esperar pelo melhor.

Não podia garantir, mas suspeitava que se o seu corpo sofresse qualquer tipo de dano irreparável durante o transporte no regresso a casa nunca mais o poderia utilizar e temia deixar de existir no plano em que se encontrava actualmente. A sua família não superaria perdê-lo uma vez mais.

Suspirou desanimado.

Aquele não era o momento para se deixar levar pelas emoções agora que se encontrava tão perto de voltar a ser quem fora. Teria que confiar na Deusa, nos seus irmãos e em todos aqueles que se juntavam ao clã assegurando a concretização da Profecia.

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Três

E

ntraram no avião sentindo que não estavam sós, viajavam em primeira classe, as portas fecharam-se, sabiam que a partir do momento em que a família se separava começava o maior teste à sua capacidade de sobrevivência.

O avião estabilizou depois de alcançar a altitude de voo, o comandante saiu da cabine, o que não era de todo habitual, caminhando na direcção de Eoghan que cumprimentou com um aperto de mão e um discreto baixar de cabeça.

Os outros não conseguiam ouvir o que diziam teriam que esperar que Eoghan os informasse, pouco depois o comandante regressou à cabine quando as hospedeiras começaram os preparativos para o almoço.

Podiam ter sido mais discretos. – Eoghan virou-se para encará-los.

Como assim? – Fionn comia com os olhos a hospedeira que passava – Até acho que fomos educadamente discretos.

Como agora? – Maeve olhava para o primo enquanto a sorridente hospedeira se afastava.

Exactamente como agora. – Fionn sorria-lhe de volta. – O que te disse o comandante?

Que é dos nossos, a tia tinha falado com ele, foi tudo tratado para que seja o piloto que nos leva até à Roménia. Informou-me ainda que para evitarmos qualquer tipo de contratempo a tia reservou toda a primeira classe deste voo.

A minha mãe é doida. – Maeve falava com admiração.

Todos os nossos voos serão pilotados por um homem da confiança das nossas mães não temos com que nos preocupar estaremos sempre em boas e experientes mãos, além disso temos

Bruxas a bordo.

Mais protegidos é realmente impossível.

Naquele momento abateu-se sobre eles o peso da tarefa que tinham pela frente e na qual fracassar deixara de ser uma opção, em causa estava a possibilidade de uma nova existência para Lochan.

Não voltaram a falar, sentiam todos a crescente ansiedade no risco acrescido e desnecessário em que o desvio de última hora pela Roménia os colocava.

Maeve suspirou. Sabia que os primos pensavam que aquele não passava de mais um capricho seu. Porém, tal como eles conhecia bem todos os riscos e sabia que estes aumentavam quanto mais tempo durasse a viagem e se mantivessem afastados de Yggdrasil, mas depois do sonho que tivera

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com a avó no qual lhe pedira para ir buscar um baú escondido nas ruínas não conseguira ignorar a sensação de urgência em realizar aquela tarefa que até podia não dar em nada. Na altura quisera desabafar com Maria, pedir-lhe conselhos, sabia que se havia alguém entre eles que a compreenderia seria ela, mas evitara fazê-lo com receio de que contasse a Rhenan e que o primo a proibisse. Agora estava arrependida.

Comiam em silêncio e assim se mantiveram durante o resto do voo, imersos nos seus próprios pensamentos e preocupações.

Olhou de soslaio para Sergiu, a respiração ritmada dizia-lhe que dormia, com a cabeça recostada para trás, de olhos fechados, era um homem muito bonito. Recostou-se no seu assento inclinando-o, sabia que Sergiu a evitava desde a tarde em que se tinham amado pela primeira vez. Sorriu ao lembrar-se como tinham conseguido iludir os primos com a ajuda de Maria, esta tinha-lhes dado as mais diversas e incríveis tarefas de modo a conseguir-lhe o tempo de que necessitavam.

Desde esse dia que sentia Sergiu distante, já viviam ambos há tempo suficiente para saberem o que queriam, não questionava que a amava, mas não conseguia entender porque a evitava? Respirou fundo. Tinha mesmo que deixar as suas preocupações pessoais para mais tarde, durante o tempo que demorasse a viagem não iam ter muitas oportunidades para conversar sobre assuntos pessoais além de que tinham que se manter em alerta máximo. Pretendia mostrar-lhes que era mais do que os olhos podiam ver, não era só a priminha deles, não necessitava de homens fortes para a defenderem afinal o sangue que lhe corria nas veias era o mesmo. Com esse pensamento deixou que a mente descontraísse acabando por adormecer com a cara virada para a janela.

Sergiu fingira dormir ao aperceber-se que Maeve o observava, custava-lhe muito mostrar-se distante para com aquela mulher que era o seu mundo, não a queria colocar em risco qualquer distração seria o fim deles, fazia-o para a proteger.

Não deixaria que os seus sentimentos colocassem a missão em risco, tinha sido muito bem treinado pelo pai e pelos Boiardos para um momento como aquele, infelizmente não estava preparado para lutar contra os próprios sentimentos no que dizia respeito àquela mulher. Nunca pensara apaixonar-se e ainda lhe parecia mentira que Maeve sentisse o mesmo, não fora digno da linhagem dos seus Senhores, infelizmente já era tarde de mais para racionalizar afinal já lhe entregara o coração.

Sabia que era importante manter os seus sentimentos escondidos dos outros principalmente do pai, não queria que se apercebesse de que algo se passava, ia ser difícil, mas tinha que tentar. Agora que se encontrava naquela situação entendia como devia ser complicado para o pai tentar

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