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CINEMA BRASILEIRO NA ESTRADA

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Academic year: 2019

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DE SÃO PAULO

PUC-SP

Carlos Pereira Gonçalves

CINEMA BRASILEIRO NA ESTRADA

Identidade, Mitologia e Cultura Contemporânea no Gênero Road Movie (Anos 1990-2000)

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

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Carlos Pereira Gonçalves

CINEMA BRASILEIRO NA ESTRADA

Identidade, Mitologia e Cultura Contemporânea no Gênero Road Movie (Anos 1990-2000)

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca

Examinadora

da

Pontifícia

Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial

para obtenção do título de Doutor

em Ciências Sociais, área de

concentração em Antropologia,

sob a orientação da Profa.

Doutora Silvia Helena Simões

Borelli.

SÃO PAULO

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora Profa. Silvinha, pelo entusiasmo por este trabalho de jornada tão longa. Muito obrigado pelo carinho e dedicação!

À minha namorada Adriana que me acompanhou com tanto amor e compreensão.

Aos meus irmãos, Sílvia e Sérgio, pelo carinho de sempre.

Aos professores da PUC, em especial, Edgard de Assis Carvalho e Carmen Junqueira, por tantos ensinamentos inesquecíveis.

Aos professores da minha banca de qualificação, Bernadette Lyra e Edmilson Felipe, obrigado pela recepção positiva do trabalho e orientações tão valiosas.

Aos colegas da PUC e UNISA, um abraço de agradecimento pela força e dicas sempre bem acolhidas.

À minha família, Cris, Regina, Dona Bárbara, Débora, primos e tios, quanta vibração positiva!

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RESUMO

Esta pesquisa analisou a significação social e cultural que o gênero narrativo

road movie (filme de estrada) adquire na produção nacional Pós-Embrafilme (décadas de 1990-2000). O corpus da pesquisa compõe-se de 11 (onze) longas-metragens de ficção realizados nesse período, entre eles Central do Brasil, O caminho das nuvens, Cinema, aspirinas e urubus. O trabalho enfatizou a compreensão da noção de cultura contemporânea, suas articulações com o imaginário social e simbólico - mitologia, identidade cultural e alegorias, assimilado e expresso pela narrativa, com a perspectiva do entendimento da dimensão histórica do espaço social no qual esse cinema é produzido. A tese utiliza-se, em sua estruturação, de uma abordagem teórica das ciências sociais e, conforme conceitos, análises e interpretações que se propõe a realizar, apoia-se também nas áreas de conhecimento da comunicação social, cinema, literatura e música, buscando, assim, uma metodologia interdisciplinar de estudo. O eixo teórico central do trabalho articula-se por meio de duas correntes: os Estudos Culturais Ingleses e Latino-Americanos e a Teoria da Complexidade. Os resultados da pesquisa confirmam a configuração estilística do gênero cinematográfico road movie na filmografia nacional, a despeito da sua condição numericamente pouco representativa, semelhante à verificada, em pesquisa exploratória, na produção mundial. O gênero narrativo estudado possui mediação histórica com a chamada hipermodernidade, na qual a figura estrada é um dos seus elementos-chave de significação simbólica; estes, articulados em valores, discursos e imagens como mobilidade social, individualidade, fragmentação e reordenação do tempo e espaço. Identificou-se uma característica abordagem ontológica nos filmes pesquisados, bem como uma marcante criticidade social. As análises também afirmam a pertinência da temática da identidade cultural em plena era de globalização econômica e mundialização da cultura.

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ABSTRACT

This research has analyzed the social and cultural significance that the road movie narrative genre acquired in the Post-Embrafilme national production (between 1990 and 2000). The core of the research is composed of 11 (eleven) fiction motion pictures produced within this period, among them Central do Brasil, O Caminho das Nuvens, Cinema, aspirina e urubus. The paper has emphasized the understanding on the concept of contemporary culture, its articulations with the symbolic and social imaginary – mythology, cultural identity and allegories, assimilated and expressed by the narrative, considering the perspective of the understanding of the historic dimension of the social environment in which this cinema is produced. As to its structuring, the thesis utilizes a theoretical approach of social sciences and, according to concepts, analysis and interpretations that it aims to achieve, it also relies on the areas pertaining to social communication, cinema, literature and music, thus attempting an interdisciplinary approach of study. The central core of the theoretical work is presented in two main streams: Latin American and English Cultural Studies and the Complexity Theory. The results of the research have confirmed the stylistic configuration of the national road movie genre despite its numerical inferiority which was also verified in exploratory research in film production worldwide. The narrative genre which was studied possesses historic mediation with the so called “hypermodernity” in which the road figure is one of the key elements of symbolic significance: and these are articulate in values, speeches and images with social mobility, individuality, fragmentation and reordering of time and space. A characteristic ontological approach, as well as a remarkable social criticism, was identified in the films studied. The analysis also asserts the relevance of the theme of cultural identity in the era of economic and culture globalization.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

PARTE I: O LUGAR E O TEMPO DE PARTIDA

1. O CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO: CULTURA, MERCADO

E CARACTERÍSTICAS FICCIONAIS 22

1.1 Imagens do moderno, anos 1960-80: o nacional midiático, a mundialização da cultura e a produção Embrafilme 23

1.2 A recomposição do campo cinematográfico e suas mediações com a

nova filmografia brasileira, anos 1990-2000 37

1.3 Apontamentos temáticos e narrativos do Novo Cinema Brasileiro 55

PARTE II: MAPAS E ENCOMENDAS: A PREPARAÇÃO

2. CULTURA E IDENTIDADE NO SÉCULO XXI: A POLIFONIA SOCIAL DAS COMUNIDADES IMAGINADAS – O LOCAL, O NACIONAL E O GLOBAL

71

2.1 Identidades culturais em trânsito: em busca de uma definição

contemporânea do conceito 75

2.2 A revolução cultural e as novas identidades planetárias pós-1950 98

3. NA FLORESTA DA INDIVIDUALIDADE: A MITOLOGIA MODERNA E

O CINEMA DE ESTRADA 105

3.1 Narrativas da mitologia moderna 109

3.2 Itinerários do tempo: arquétipos e comportamentos míticos nos filmes

(9)

4. O GÊNERO ROAD-MOVIE: ORIGEM, FORMATO E FILMES DE

REFERÊNCIA 139

4.1 Breve história social do road movie no cinema norte-americano, anos

1930-2000 146

4.2 Definindo uma moderna tradição narrativa: o gênero filme de estrada

no cinema brasileiro, anos 1950-1980 172

PARTE III: RELATOS DA VIAGEM

5. A NOVA FILMOGRAFIA NACIONAL DE GÊNERO ROAD-MOVIE:

IMAGINÁRIO, MEDIAÇÕES COMUNICATIVAS E IDENTIDADE CULTURAL

194

5.1 O cinema brasileiro contemporâneo de estrada: autoria, enredos e

estruturas narrativas – anos 1990-2000 195

A década de 1990

5.1.1 A grande arte (Walter Salles, 1991) 200

5.1.2 Terra estrangeira (Walter Salles, 1995) 204

5.1.3 Os matadores (Beto Brant, 1997) 210

5.1.4 Central do Brasil (Walter Salles, 1998) 213

A década de 2000

5.1.5 Deus é brasileiro (Cacá Diegues, 2003) 224 5.1.6 O caminho das nuvens (Vicente Amorim, 2003) 228

5.1.7 Lisbela e o prisioneiro (Guel Arraes, 2003). 232

5.1.8 Diários de motocicleta (Walter Salles, 2004) 237 5.1.9 Cinema, aspirinas e urubus (Marcelo Gomes, 2005) 244

5.1.10 Árido movie (Lírio Ferreira, 2006) 249

(10)

5.2 À escuta dos sons e da poesia do lugar: as trilhas sonoras da

filmografia brasileira road movie 260

Viagem ao centro do sertão e outras paragens

5.2.1 Caminhos cruzados 266

5.2.2 O luar acústico e eletrônico do sertão 271

5.2.3 Distante, tão perto 276

5.2.4 Pedras verdes de agreste e mar 279

As duas margens do São Francisco

5.2.5 Nascentes à esquerda 286

5.2.6 Uma trilha de nuvens, cabelos e rosas 294

5.2.7 Matizes do Brasil popular 301

Fronteiras

5.2.8 O estrangeiro 308

5.2.9 Exílios de mar e terra 313

5.2.10 Caminhos mestiços do interior 315

5.2.11 Nuestro otro lado del rio 321

5.3 Mitos, identidades e alegorias: o imaginário social e simbólico no

cinema brasileiro de estrada – anos 1990-2000 328

5.3.1 O sopro-engenho do deslocamento 328

5.3.2 Chão e céu, água e terra: encantamento e realidade

nas narrativas de estrada 336

5.3.3 O ser e o lugar deslocado: as alegorias da filmografia brasileira

road movie - 1990-2000 348

CONSIDERAÇÕES FINAIS 364

REFERÊNCIAS 373

(11)

O mito é o nada que é tudo

O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo -

O corpo morto de Deus Vivo e desnudo Mensagem, Ulisses, Fernando Pessoa e começo aqui e meço aqui este começo e remeço e arremesso e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem o que importa não é a viagem mas o começo da por isso meço por isso começo escrever ...

Galáxias, Haroldo de Campos Confira Tudo que respira

Conspira Caprichos e Relaxos, Paulo Leminski

INTRODUÇÃO

As imagens do mar aparecem revoltas por aventura, temor, perda e liberdade. Ao som de uma gaita escocesa e de tambores, o personagem de função tutor no filme começa a contar à sua aluna adolescente, em inglês, a história de vida de Carlota Joaquina, da passagem de infanta espanhola a rainha de Portugal.

Esse narrador onisciente marca o ponto de vista pelo qual se organiza a trama do filme Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1995), de Carla Camurati: olhar de estranhamento, ironia, humor e proximidade. A exposição inicial, de tom quase solene, ganha logo os contornos nítidos de narrativa cômica, estilo dominante nessa leitura sobre um dos momentos fundamentais da formação do país: a vinda da família real ao Brasil.

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Terra Estrangeira (1995), de Daniela Thomas e Walter Salles, outro representante emblemático da fase inaugural do chamado Novo Cinema Brasileiro, primeira e segunda experiência em longa-metragem, respectivamente, desses cineastas, também alude à questão de nossa

identidade cultural, utilizando-se igualmente da referência histórica, porém, a partir de outros registros narrativos.

Nele, a história recente do país, a curta fase do governo Fernando Collor de Mello (1990-92), é apresentada por meio de uma narrativa híbrida composta pelos gêneros melodrama, policial e road movie. O filme tem como tema central as condições sociais dos migrantes brasileiros na Europa, fruto do deslocamento impulsionado pelo agravamento da crise econômica no Brasil, ocorrida a partir do final da década de 80 e acirrada com o insucesso do plano de controle de inflação de Collor.

As imagens do mar e da estrada aparecem, nesse filme, com marcante importância simbólica, remetendo tanto a questões existenciais dos protagonistas como a valores contemporâneos de nossa identidade cultural. Um mar que separa geograficamente dois territórios políticos e culturais: Portugal e Brasil. O primeiro, a Terra Estrangeira, que rejeita, na ficção, seus exilados próximos; o segundo, o Brasil, que nega aos protagonistas as condições mínimas de subsistência estimulando o seu périplo.

Trata-se de uma viagem a um dos territórios de origem que acaba em um fim trágico para os personagens principais do filme. Atravessando a cancela da linha fronteiriça em alta velocidade, o protagonista Paco (Fernando Alves Pinto) morre ao lado de Alex (Fernanda Torres), outra figura central do longa-metragem, no interior do veículo. Nesta penúltima sequência-chave para o desfecho do filme, vê-se o automóvel correndo pela estrada, num plano aéreo, e ouve-se a música Vapor barato, de Macalé e Waly Salomão, cantada por Alex, seguida da adição da interpretação emocionante de Gal Costa.

(13)

Na mencionada penúltima sequência do filme, a letra da música Vapor barato

retrata o famoso píer erguido na praia de Ipanema nos anos 1970 e o universo de valores de contracultura desse lugar, considerado um dos prediletos dos jovens cariocas da chamada geração desbunde: “[...] Com minhas calças vermelhas, meu casaco de general, cheio de anéis, vou descendo por todas as ruas e vou tomar aquele velho navio [...]”.

Os protagonistas do filme, Paco e Alex, não são necessariamente jovens rebeldes. Mas essa canção nostálgica de um certo período do Brasil, em que certa parcela da juventude vivia ainda uma aura de rebeldia e de utopia delineada nos acontecimentos culturais dos anos 1960 (movimento hippie,

feminismo, liberalismo nos costumes, etc.), geração contemporânea aos diretores, reflete ainda a inquietação política destes com a crise social e econômica da passagem das décadas 1980 e 1990.

Como se pode perceber nestes dois filmes representantes da primeira fase da produção Pós-Embrafilme – Carlota Joaquina e Terra Estrangeira –, apesar das diferenças de narrativas cinematográficas e propostas temáticas, a figura do mar e da estrada representam, simbolicamente, o processo existencial e antropológico da viagem, modo de descoberta ou reencontro com o “outro”, ou de autoconhecimento, não obstante as motivações arbitrárias de viagem para os protagonistas de ambos os filmes.

Segundo a pesquisadora do cinema brasileiro contemporâneo Lúcia Nagib (2002), apesar da diversidade de temas e estilos adotados pelos novos e veteranos diretores responsáveis por esse recente ciclo do cinema brasileiro, observam-se algumas características em comum. Os temas adotados demonstram uma nítida busca de uma identidade nacional/cultural por parte de seus realizadores; politicamente, afastam-se de um cinema de questionamento contundente às estruturas sociais; e, formalmente, mostram-se amplamente adeptos da narratividade, ou seja, do chamado cinema de gênero.

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cinemanovista de construção de uma identidade nacional, evidentemente, sem o mesmo caráter revolucionário característico da ideologia e das práticas políticas dos anos 1960. No âmbito da linguagem, o autor observa que a filmografia dos anos 1990/2000 articula uma hibridização entre as linguagens do cinema, televisão e publicidade, disseminando, assim, um novo imaginário audiovisual.

Mas por que essa busca da identidade cultural torna-se recorrente na nova filmografia brasileira? Como esse processo se desenvolve, tendo em vista o contexto das transformações socioeconômicas em andamento no país, na esfera da globalização e hipermodernidade, que se movimentam na direção da cultura-mundo? Esses são alguns dos questionamentos que nortearam a elaboração da presente tese de doutorado.

Desenvolvimento do tema

Rememorando os primeiros passos de concepção da presente tese, concentrada no estudo da significação social e cultural que o gênero cinematográfico road movie (filme de estrada) adquire nos longas-metragens realizados por diretores brasileiros após a extinção da Embrafilme (ano de 1990), observa-se que parte da motivação do tema nasce durante a elaboração do mestrado deste autor, realizada na virada dos anos 2000.

A pesquisa denominada Cinema brasileiro, anos 90: recepção, mediações e consumo cultural dos paulistanos (2001), sob orientação da Profa. Dra. Silvia Helena Borelli, apropriou-se da discussão teórica das mediações - desenvolvida por Jésus Martín-Barbero (1997), que se especializou no estudo de recepção do meio televisão -, adequando-a ao campo do cinema e, assim, concebendo uma proposta metodológica peculiar que levou em consideração as características de estruturação econômica e social desse mercado de bens simbólicos.

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comunicativa entre produção e recepção, realizou-se uma análise de fundamentação da obra desses diretores, recorte denominado, no trabalho, de

Mediações gêneros ficcionais, que, na época, dizia respeito aos filmes A grande arte (1991), Terra estrangeira (1995) e Central do Brasil (1997).

Apesar de o filme pesquisado - O primeiro dia – se tratar um drama social, narrando o universo urbano da cidade do Rio de Janeiro, identificou-se, no referido estudo preliminar das narrativas da obra dos diretores, o gênero de estrada. Criou-se, assim, um dos primeiros elos entre a concepção do tema e a tese, apesar da não-intenção, à época, de elaborar trabalho acadêmico sobre o assunto.

Nesse estudo preliminar do gênero, a partir da obra de Walter Salles em especial, foi observada a influência do diretor Wim Wenders. Personagens em crise de identidade e sua visão humanista de mundo ficaram retidas nesse inventário como características do diretor alemão no obra do brasileiro. Além disso, a referência do diretor alemão acionava uma memória afetiva geracional, compartilhada, também, por parte do presente autor da tese, reavivando a recepção de filmes contemporâneos muito significativos como o road movie Paris, Texas (1984) ou o poético Asas do desejo (1987).

Na primeira versão do projeto de pesquisa da tese, em 2005, propunha-se um estudo do cinema brasileiro contemporâneo, anos 1990-2000, em continuidade do período histórico e área de pesquisa iniciada no mestrado, porém, agora, focada na análise de produção, como ponto de partida da pesquisa. Nesse projeto, colocava-se a proposta de trabalho com foco no recorte identidade cultural. E nele as perguntas, os problemas de pesquisa, mencionados anteriormente, a respeito da reflexão do tempo e espaço contemporâneo e do entendimento da cultura brasileira nesse contexto.

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1990-2007, passou-se a pensar em outro recorte que pudesse dar cabo dos problemas elaborados sobre identidade cultural na primeira versão de projeto.

E dessa busca de definição de corpus de pesquisa em uma dimensão viável, com foco na investigação do conceito identidade cultural, somada ao conhecimento dos estudos de gêneros cinematográficos iniciado no mestrado, resolveu-se firmar a pesquisa na narrativa filme de estrada. A safra de filmes de estrada esteticamente interessantes lançados naquele período, como

Cinema, aspirinas e urubus (Marcelo Gomes, 2005), Árido movie (Lírio Ferreira, 2006), O céu de Suely (Karim Ainouz, 2006), também colaboraram para essa escolha.

A questão da mitologia e do estudo do imaginário simbólico por meio de outras representações do mundo social foi consequência do desenvolvimento do trabalho. Em especial, quanto ao estudo dos mitos tradicionais e modernos, cabe destacar a importância da disciplina realizada no doutorado sob responsabilidade da antropóloga Carmem Junqueira, focando tal abordagem. Encerrei a atividade, realizando paper que levantava a hipótese da leitura de temas e comportamentos míticos no cinema, especialmente, na narrativa road movie. Tal apontamento foi incorporado, assim, ao protocolo metodológico da presente pesquisa.

Objetivos, corpus de pesquisa e abordagem teórica

Esta pesquisa tem como objetivo principal analisar a significação social e cultural que o gênero narrativo road movie (filme de estrada) adquire na produção Pós-Embrafilme, que tem sido denominada de Cinema da Retomada ou Novo Cinema Brasileiro (décadas de 1990-2000).

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composição de imagens e sonoridades – com a perspectiva do entendimento da dimensão histórica do espaço social no qual esse cinema é produzido.

Para alcançar tal objetivo, outros específicos colocaram-se necessários:

• Pesquisar a origem e formação do gênero road movie, seus principais autores - estrangeiros e brasileiros -, sua história social e cultural de relevo, para delimitar um modelo de análise de caráter sociológico e antropológico para a narrativa;

• Investigar os principais temas e gêneros ficcionais que caracterizam o Novo Cinema Brasileiro produzido na última e na atual década, a fim de apoiar a elaboração de roteiro de leitura dos filmes road movie

selecionados e estabelecer conexões analíticas entre estes e seu universo;

• Analisar a recente filmografia brasileira no âmbito das transformações sociais e culturais em andamento no país, que dizem respeito às questões teóricas emergentes nos estudos das ciências sociais voltados à pesquisa dos meios de comunicação, tais como modernidade, hipermodernidade/modernidade líquida e globalização.

O corpus principal da pesquisa compõe-se de 11 (onze) longas-metragens de ficção realizados nesse período, quais sejam:

• Década de 1990: A grande arte (Walter Salles, 1991); Terra estrangeira

(Walter Salles, 1995); Os matadores (Beto Brant, 1997) e Central do Brasil (Walter Salles, 1998).

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2005); Cinema, aspirinas e urubus (Marcelo Gomes, 2005); Árido movie (Lírio Ferreira, 2006); O céu de Suely (Karim Aïnouz, 2006).

Esse rol de filmes foi levantado durante o processo de análise da filmografia de longas-metragens de ficção Pós-Embrafilme, ao longo do percurso de preparação do trabalho (2005-8), com base em dados oficiais de produção disponibilizados pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e pelo banco de dados da Cinemateca Brasileira. Eventuais filmes foram incorporados no período de redação da tese (2009-11), conforme ajustes dos critérios estabelecidos para definição e reconhecimento da narrativa nessa filmografia.

A tese insere-se no campo de conhecimento das ciências sociais – sociologia da cultura e antropologia cultural e urbana – e, conforme conceitos, análises e interpretações que se propõe a realizar a partir do corpus de pesquisa, apoia-se também das áreas epistemológicas da comunicação social, cinema, literatura e música, buscando, assim, uma metodologia interdisciplinar de estudo. O eixo teórico central do trabalho articula-se por meio de duas correntes: os Estudos Culturais Ingleses e Latino-Americanos (Williams, Hall, Martín-Barbero, García Canclini e Ortiz) e a Teoria da Complexidade (Morin).

O elo epistemológico entre essas escolas, tratado na estruturação do desenvolvimento da tese, diz respeito a dois aspectos metodológicos convergentes. O primeiro, o caráter interdisciplinar recorrente nos estudos voltados aos meios massivos, objeto predominante destas linhas de pesquisa (no caso de Morin, notadamente na primeira fase de sua obra) com ênfase na leitura da história, sociologia e antropologia.

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O segundo elo diz respeito à valorização da análise do imaginário social e simbólico, perspectiva de análise receptiva nos Estudos Culturais, porém mais central na obra de Edgar Morin, nas duas fases de sua obra, que se inicia a partir do seu trabalho sobre o imaginário do cinema e da produção massiva, desenvolvido nos anos 1950-1970, construindo um inventário próprio da mitologia moderna. Essa chave de valorização do universo simbólico apropriado na cultura contemporânea continuará sendo uma perspectiva importante para ele, dentro da construção da teoria da complexidade, de articulação de saberes múltiplos, arquitetada na obra O método. Essa fase foi iniciada nos anos 1970, na qual o pesquisador continua perseguindo a tese do

pensamento duplo, concebida na primeira fase de sua obra, numa clave de entendimento do homem e sua produção cultural e social.

O pensamento humano é definido como complexo, na medida em que se articula entre o simbólico/mitológico/mágico e o empírico/técnico/racional, caracterizando, assim, o conhecimento humano a partir da análise de diversos períodos históricos e de sociedades tradicionais ou primitivas ou modernas, em que as duas naturezas do saber são, ao mesmo tempo, o uno e o duplo. É essa articulação que justifica, na tese, o estudo da mitologia e as análises de articulação entre o universo tradicional dos mitos e do mundo contemporâneo.

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É, portanto, com Edgar Morin que articulo, no trabalho, e justifico teoricamente, dentro do campo das ciências sociais, a interpretação do imaginário simbólico, o mosaico de estudos mais amplo a que se propõe a presente tese, tendo em vista os recortes principais de relevo – mitologia, identidade cultural e alegoria –, utilizando-se de autores de campos de conhecimento e vertentes variadas como Mircea Eliade, Joseph Campbell, Carl Gustav Jung, Gaston Bachelard, Jacques Le Goff, Paul Ricouer, Walter Benjamin, entre outros.

Assim sendo, com base nas duas correntes teóricas – Estudos Culturais e Complexidade –, metodologicamente, o presente trabalho propõe-se a analisar os sistemas complexos de mediação social e histórica que se articulam a partir da materialidade social e nas representações simbólicas da cultura contemporânea. Tal conexão é articulada nas análises e interpretações do objeto de pesquisa – a produção do cinema de filmes brasileiros inseridos no gênero filme de estrada –, com recorte no período dos anos 1990-2000, enfatizando a narratividade expressa nos enredos, composições de imagens e sonoridades dessa filmografia.

Estruturação do trabalho

O trabalho foi organizado em três partes que articulam cinco grandes capítulos. A primeira parte: O lugar e o tempo de partida engloba o capítulo 1 – O cinema brasileiro contemporâneo: cultura, mercado e características ficcionais, no qual são estabelecidas análises preliminares do ciclo de cinema de referência neste estudo, a fase chamada, pelos pesquisadores do campo, de Pós-Embrafilme, Cinema da Retomada ou Novo Cinema Brasileiro.

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hipermodernidade (Lipovetsky) com o qual os filmes de estrada pesquisados dialogam intensamente.

A parte II: Mapas e encomendas: a preparação – trata-se da parte teórica nuclear da tese. Compõe-se de três capítulos que abordam três conceitos ou recortes de pesquisa fundamentais no trabalho, ou seja, identidade cultural, mitologia e gênero narrativo road movie (filme de estrada). Os capítulos que incorrem, respectivamente, nessas análises são: Capítulo 2 - Cultura e identidade no século XXI: a polifonia social das comunidades imaginadas – o local, nacional e global; Capítulo 3 - Na floresta da individualidade: a mitologia moderna e o cinema de estrada; e o Capítulo 4 - O gênero road movie: origem, formato e filmes de referência.

A parte III: Relatos da viagem, a despeito de registrar apenas um capítulo, o quinto, nomeado - A nova filmografia nacional de gênero road-movie: imaginário, mediações comunicativas e identidade cultural -, compreende a parte mais extensa, comparativamente às outras, uma vez que apresenta as análises e interpretações dos 11 (onze) longas-metragens em foco na tese.

Os subtítulos são 5.1 – O cinema brasileiro contemporâneo de estrada: autoria, enredos e estruturas narrativas – anos 1990-2000; 5.2 - À escuta dos sons e da poesia do lugar: as trilhas sonoras da filmografia brasileira road movie; e 5.3

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1. O CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO: CULTURA, MERCADO E CARACTERÍSTICAS FICCIONAIS

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1.1. Imagens do moderno, anos 1960-80: o nacional midiático, a mundialização da cultura e a produção Embrafilme

Oficialmente, as filmagens do mar e da orla do Rio de Janeiro, realizadas pelo italiano Affonso Segreto, em 19 de junho de 1898 – Uma vista da baia da Guanabara –, constituem-se nas imagens de iniciação dessa longa viagem do cinema brasileiro, percorrida nas ondas de inúmeros ciclos, crises e retomadas e que dialoga permanentemente com o desigual processo de modernização do país durante o século XX.

Um país nasce com as imagens do cinema. Do movimento geograficamente disperso dos chamados ciclos regionais das primeiras décadas (1910-30) ao esboço de seu projeto nacional, em que imperam inicialmente duas contingências locais (1940-50): o cinema carioca das comédias musicais, com destaque para a vertente denominada chanchada, da produtora Atlântida, cujo sucesso comercial está associado a Luiz Severiano Ribeiro, então dono do maior circuito exibidor brasileiro e futuro proprietário desta (AUGUSTO, 1989), e o cinema paulista de arquitetura industrial, da Vera Cruz (GALVÃO, 1981).

Duas filmografias criadas na concepção do cinema popular e na perspectiva de atingirem o mercado e a recepção nacional. Há um imaginário midiático de identidade brasileira em gestação, iniciado pelo rádio, com o qual tanto a Atlântida quanto a Vera Cruz passam a dialogar intensamente, e que será consolidado posteriormente com a televisão, sobretudo a partir da década de 1960. Uma modernidade de tom latino-americano fortemente mediada pela

tradição cultural popular (ORTIZ, 1985, 1988; MARTÍN-BARBERO, 1997 e GARCÍA CANCLINI, 1990).

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nacional é estruturada de modo estratégico durante o governo Getúlio Vargas, 1930-45 (ANDERSON, 2008; ORTIZ, 1988).

No final dos anos 1950, a identidade nacional elaborada no cinema produzido no país ganha novas perspectivas sociais e políticas: nasce a filmografia cinematovista, notabilizada por diretores como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Arnaldo Jabor, Cacá Diegues e Glauber Rocha, e vinculada ao realismo crítico e de forte influência marxista (BERNADET, 1978; AVELLAR, 1986; XAVIER, 1993).

Os tipos sociais retratados pelo cinema nacional ganham uma exposição ficcional e buscam uma interpretação que adentra na crítica direta ao modelo de desenvolvimento social do país. Não se pode esquecer que tal tema é pauta de circulação mais ampla na sociedade brasileira do período, evidenciando-se em metas e ações dos governos de Juscelino Kubitschek (1956-1961) ou João Goulart (1961-1964), não obstante, diga-se de passagem, por meio de perspectivas políticas bastante diferenciadas (FAUSTO, 1995).

Esse vetor ideário de crítica social, emergente no país ao longo das décadas de 1950-60, inseriu-se ao contexto mundial da Guerra Fria, pós-Segunda Guerra Mundial, que confrontou os impérios políticos e econômicos dos EUA e da antiga URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (HOBSBAWM, 1995), o então chamado, de modo cristalino, mundo capitalista versus socialista/comunista.

Tal momento histórico é retratado no filme de estrada Diários de motocicleta

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Imagem 1: Diários de motocicleta (Walter Salles, 2004)

Retomando a análise das transformações da Indústria Cultural nacional do período, ressalta-se que os dois referidos elementos característicos de formação da cultura moderna brasileira, a expressiva contribuição da tradição popular e o desnível acentuado entre classes socioeconômicas, atravessarão também a fase de sua consolidação a partir dos anos 1960-70. Trata-se de uma modernidade nascida de longo processo latino-americano de hibridação

cultural (GARCÍA CANCLINI, 2000), compondo o contraditório arranjo social de uma aberta mestiçagem étnica, ao lado da condição econômica díspar, de injusta distribuição de renda, entre grupos e classes sociais (RIBEIRO, 2001),

Desse modo, nota-se que a evolução dos meios massivos no Brasil contribui para criar um imaginário social moderno próprio, resultando na construção da narrativa do nacional e outras representações de mentalidade, na convivência simultânea do mundo arcaico e moderno – nosso moderno tropical. E vão elaborar configurações de produção cultural advindas de demandas desses grupos e classes sociais diversos, com posicionamento antagônico em termos de relações de poder e base econômica, porém, consumidos, compartilhados, muitas vezes, em igual espaço de apropriação, consumo.

(26)

de recepção notadamente interclasse. Tal enunciação da oralidade popular pode ser constatada, ainda, em formatos midiáticos de grande audiência, como os programas de auditório de rádio e as telenovelas.

Por outro lado, a criticidade do mundo letrado - das classes média e alta (ressalta-se, estamos analisando o Brasil de meados do século XX), provenientes da escola, do consumo dos jornais e livros, em sintonia com o arco planetário de ideias e projetos de embate político contestatório como o comunismo e socialismo, e dos, então, embrionários movimentos sociais -, ecológico, feminista, das minorias sexuais, entre outros, acaba por mediar, ainda, a produção cultural massiva, cujo ideário pode ser reconhecido com clareza na produção musical do tropicalismo ou no cinema novo.

O nacional político cinemanovista e a mundialização pop dos anos 1960

Diferentemente das chanchadas e da produção da Vera Cruz, a produção

cinematovista, firmada na década de 1960, mostra-se bastante envolvida, conforme mencionado acima, com certas demandas sociais, culturais e políticas que apontam para o aumento geral da escolaridade, da ampliação expressiva do meio universitário e da influência da mentalidade de esquerda, articulado por partidos e movimentos culturais.

Surge fortemente politizada e experimental em termos de proposta de linguagem, em comunhão com as vanguardas cinematográficas da Europa –

nouvelle vague francesa e o neo-realismo Italiano –, vinculando-se ao universo cultural de classe média com a qual dialoga também em termos de público, o de mesmo capital social e cultural, apesar de sua proposta de cinema de consciência “de” e “para” as massas.

(27)

do regime militar (1964-1985). Tendo em vista o claro posicionamento de cinema político, de esquerda, e a qualidade estética de boa parte da produção

cinematovista, ressalta-se que esta será, a partir de então, referência obrigatória de toda produção de cinema brasileiro posterior que enseja uma abordagem de crítica social.

Imagem 2: Árido movie (Lírio Ferreira, 2006).

Da safra recente, a marcante abordagem humanista desenvolvida nos filmes brasileiros de estrada dos anos 1990-2000, uma das suas características mais evidentes, ora irão traçar propostas de aproximação de ideário, ora serão ponto de partida para revisão de parâmetros políticos e culturais como ocorre nos longas-metragens O céu de Suely (Karim Ainouz; 2006) ou Árido movie (Liro Ferreira; 2006).

A marcante abordagem humanista desenvolvida nos filmes brasileiros de estrada dos anos 1990-2000, uma das características mais evidentes da safra recente, ora irá traçar propostas de aproximação de ideário, ora será ponto de partida para revisão de parâmetros políticos e culturais como ocorre nos longas-metragens O céu de Suely (Karim Ainouz; 2006) ou Árido movie (Liro Ferreira; 2006).

(28)

1990; JAIRO, 2000) –, que obteve circulação restrita, e o cinema juvenil-popde massa, protagonizado por Roberto Carlos (RAMOS, 1995).

O cinema marginal, dialogando com a filmografia europeia, sobretudo da

nouvelle vague francesa, e o cinema juvenil-pop, com os programas musicais de televisão, ambos captam, em comum, as transformações da cultura urbana no Brasil do período. Além disso são influenciados também pelo aumento da distribuição e recepção global da indústria de bens simbólicos norte-americana ao longo da década, notadamente cinema e música – esta representada pelos, então, novos gêneros rock e pop – o que ajuda a estabelecer um padrão planetário de cultura jovem a partir desse momento. Vale resgatar que essa produção massiva é marcada, à época, pelos movimentos de posicionamento contracultural que percorrem o mundo: hippie, feminista, homossexual, etc.

O cinema marginal e o cinema juvenil-pop de massa dos anos 1960, inseridos em universos sociais distintos, são exemplos, portanto, de uma tendência de

mundialização da cultura (Ortiz), que se torna muito visível nas décadas seguintes no país e que pode ser percebida em outros meios massivos, criando, assim, um novo modo de vida de cultura cosmopolita a ser compartilhado com outras formas de estilo de vida mais tradicionais ou de pertença nacional, dando o diverso tom da modernização cultural em processo.

(29)

1.1.2 Os anos Embrafilme (1969-1990)

A filmografia denominada de forma abrangente, aqui, de Embrafilme, desenvolvida ao longo dos anos 1970-80, incorpora tanto os diretores do

cinema novo como os do cinema marginal e os do cinema pop-juvenil surgidos nos anos 1960 e que continuaram a exercer a atividade, formando a nova geração de cineastas responsáveis por uma quantidade, nunca vista antes em território nacional, de longas-metragens produzidos – são lançados, em média, ao ano, 76 filmes ao longo dessas duas décadas.

Nos anos 1970, o público interno do cinema brasileiro atinge um crescimento muito expressivo, único para sua longa história, que acompanha o aumento de sua produção (ver gráfico 1 adiante), sintonizando-se com a consolidação da Indústria Cultural como um todo no país. Nessa década, em média, 20% do total dos ingressos emitidos estão relacionados à filmografia nacional. Em 1971, esta captação é inicialmente de 14% e passa para 29% ao final do período. Neste ano de 1979, são 56 milhões de espectadores voltados ao consumo do nosso produto cinematográfico.

Em termos das motivações que explicam tal desempenho, em primeiro lugar deve-se salientar que esse aumento expressivo do público de cinema brasileiro é consequência do sucesso da política de investimento estatal no setor, adotada pelo regime militar, bem como da aplicação de medidas de proteção ao mercado interno que foram propiciadas por entidades de investimento e regulamentação criadas nessa fase, como a Embrafilme (responsável pelo fomento e distribuição), a Fundação do Cinema Brasileiro e o Conselho Nacional de Cinema – (documentação e controle).

(30)

Gráfico 1: Produção de Filmes Brasileiros – 1950-2008 Valor absoluto total por década

Obs.: Os dados de 1950 a 1970 têm por base Silva Neto (2002). A década de 2000 foi aferida até o ano de 2008.

FONTE: Ancine/Abraplex/FilmeB/Embrafilme/Silva Neto (2002). 335

442

782

729

142

436

0 200 400 600 800 1000

1950 1960 1970 1980 1990 2000

%

Avaliando-se a primeira metade da década 1970-74, verifica-se que os grandes campeões de bilheteria são dominados por filmes infanto-juvenis e demonstram uma relação de star system audiovisual entrelaçando o cinema e a televisão (dinâmica de mercado que vai continuar no período Pós-Embrafilme): Robin Hood, Trapalhão da Floresta (74) captou 2.977.968 espectadores;

Independência ou Morte, 2.974.476; Roberto Carlos a 300 km por hora (71), 2.785.232; O grande xerife (72), 2.692.862; e Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (70), 2.639.174 (GONÇALVES, 2001).

(31)

Renato Ortiz (1988) reflete, em seu mapeamento da história da Indústria Cultural no Brasil, que a década de 1970 representa o ápice da expansão de certos segmentos de bens culturais, como o mercado fonográfico e o cinema nacional, e da enorme propulsão de outros – o mercado editorial e a televisão:

[...] Se tomarmos a curva de evolução de salas como correlata à frequência, observamos que é entre 1975 e 1976 que se atinge um pico de espectadores. Isto significa que o processo de expansão do público, que foi variado nos diversos países, atingindo um máximo em 1946 nos Estados Unidos, 1955 na Itália, 1957 na França, só ocorreu no Brasil em meados da década de 1970 (ORTIZ, 1988:26).

Uma das razões desse expressivo crescimento da Indústria Cultural no país encontra-se no aumento da população nas cidades, fomentado, à época, pelo

boom econômico desenvolvimentista – indústria, comércio e serviços. Durante a década de 1970, o PIB anual médio cresce 8,7%; em 1974, seu ápice: 14% (base de dados IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

No ano de 1970, o meio urbano supera o rural em termos de acolhida da população brasileira, 56% ante 45% de 1960. Comenta-se que, vinte anos antes, em 1950, as cidades abrigavam apenas 36% do total de habitantes do país. Veja-se quadro a seguir com informações de 1950-2005:

Quadro 1: População urbana e rural no Brasil – 1950-2005 População Brasil (em mil

habitantes) População Brasil (em %) Ano

Total Urbana Rural Total Urbana Rural

1950 51.944 18.783 33.162 100 36 64

1960 70.992 32.005 38.988 100 45 55

1970 94.509 52.905 41.604 100 56 44

1980 121.151 82.013 39.137 100 68 32

1991 146.917 110.876 36.042 100 75 25

2000 169.591 137.756 31.835 100 81 19

2005 189.820 158.453 31.368 100 83 17

Fonte: IBGE; Censo Demográfico; PNAD, 2005.

(32)

Jornal nacional, atingem picos de audiência nunca mais alcançados em décadas posteriores (BORELLI; PRIOLLI, 2000). Por esse meio, o imaginário nacional atinge uma cobertura massiva, compartilhando tal perspectiva com o rádio, com seu produto principal: a música popular brasileira.

A história de sucesso da Rede Globo está entrelaçada com o crescimento do mercado de televisão no Brasil e do sucesso de público do formato da grade de programação que lhe deu credibilidade no mercado publicitário, com a combinação, em seu horário nobre noturno, de novelas com seu produto jornalístico de maior audiência:

Uma análise histórica do telejornal mais popular do país evidencia a existência de alguns focos constantes de investimentos [...] a inserção do cenário e debate político nacional; a priorização do investimento tecnológico como padrão casado de qualidade e confiabilidade; e a promoção da identidade nacional (seja no que há nela de específico, seja em sua contextualização global). [...]

Ensanduichado entre novelas, no Jornal Nacional, a imagem do povo era aquela da nação brasileira integrada, falando em uníssono, ainda que não houvesse, de fato, qualquer pretensão ao bel-letrismo (Borelli; Priolli, 2000:50).

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Imagem 3: O road movieBye bye Brasil (Cacá Digues; 1979)

Independentemente das várias discussões e apontamentos políticos em que tal questão incorre, o fato é que o Brasil estava mudando, tornando-se urbano e industrial, e contemplando novos hábitos de cultura (o filme de estrada Bye bye Brasil – 1979 –, de Cacá Digues, capta, de forma brilhante, tal embate cultural).

Ver televisão, ao lado da audição do rádio, torna-se, inegavelmente, consumo dos mais acessíveis à população mais ampla a partir da década de 1970. Entre o primeiro ano desta e 1980, a penetração da televisão nos lares do brasileiro passa de 24% para 56% do total. Em 1990, 74%. E atinge o patamar de 91% em 2005.

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Quadro 2: Evolução de domicílios com televisão no Brasil - 1970-2005

Ano Domcílios Total de

Domicílios com TV (em mil)

Domicílios com TV

(em %)

1970 17.629 4.250 24

1980 25.210 14.143 56

1990 35.418 26.226 74

2000 44.777 39.060 87

2005 53.114 48.533 91

Fonte: Borelli; Priolli, 2000; IBGE; Censo Demográfico e PNAD.

No plano imaginário, a identidade nacional perde seu poder simbólico com as mudanças de sentidos que essa narrativa de sentimento de pertença construiu com os agentes envolvidos – o povo, classe dominante e Estado – nas últimas décadas, e que combinou tradição e modernidade com nacionalismo, notadamente do governo Juscelino Kubitschek à gestão militar, resultado de transformações profundas do país.

Esse declínio da representação social do nacional no Brasil é consequência dessa crise econômica interna e matizada pela ascensão do modo de vida mundializado. Tal condição se revigora com o novo ciclo de crescimento dos países desenvolvidos e no ritmo acelerado dos emergentes asiáticos pós-colapso da crise do petróleo de 1973-4, capitaneados, naquele momento, por Japão, Tigres asiáticos – Hong Kong, Cingapura, Coreia do Sul e Taiwan –, China, EUA e países europeus, com a geração do novo modelo econômico e social convencionalmente chamado de globalização e sua política denominada

neoliberal (prefiro o termo liberalismo conservador, uma vez que o liberalismo econômico foi dominante no planeta mesmo com a ascensão do comunismo, socialismo e social-democracia durante o século XX até o período).

(35)

também decresce, pois, dos 51 milhões de espectadores do início da década, passa-se a 20 milhões em seu final, sendo acompanhada pela crise do sistema exibidor, que passa de 2.354 salas para 1.520 cinemas durante a década (GONÇALVES, 2001).

Gráfico 2: Crescimento Anual do PIB Brasileiro - 1970-2008 por % média de cada

Obs.: A década de 2000 foi aferida até o ano de 2008. FONTE: IPEA.

8,7

2,9

1,6

3,7

0 5 10 15 20

1970 1980 1990 2000

%

Gráfico 3: Evolução do Número de Salas de Cinema no Brasil – 1971-2007

Obs.: Os dados de 1970 não estão disponíveis na base Embrafilme. FONTE: Ancine/Abraplex/FilmeB/Embrafilme.

1971 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2007 2.154

3.276

2.365

1.428

1.488

1.335 1.480

1.893 2.120

0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500

(36)

Gráfico 4 - Público de Cinema de Filmes Brasileiros - 1971-2007 Número de expectadores (em milhões) por ano

Obs.: Os dados de 1970 não estão disponíveis na base Embrafilme. FONTE: Ancine/Abraplex/FilmeB/Embrafilme.

1971 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2007 28

49 51

22

10 3

8 8 10

0 10 20 30 40 50 60

(37)

1.2 A recomposição do campo cinematográfico e suas mediações com a nova filmografia brasileira, anos 1990-2000

O processo de globalização, que tem como uma das características estruturais a marcante diminuição do papel do Estado no funcionamento da sociedade, pode ser observado no Brasil a partir das duas últimas décadas do século XX. A extinção da Embrafilme, em 1990, pode ser considerada um exemplo dessa tendência de redução da intervenção do Estado. Dado o seu forte impacto sobre o volume de filmes produzidos, esse acontecimento representa um divisor de águas para o campo cinematográfico brasileiro contemporâneo.

A essa medida, assinada por decreto pelo então presidente Fernando Collor e implementada de maneira arbitrária (demissão sumária de todos os técnicos da entidade, cancelamento de lançamento de filmes já concluídos, etc.), soma-se o fechamento de outras entidades de fomento e de fiscalização do cinema, além de várias outras instituições da área cultural, como a Fundação Nacional de Arte – Funarte.

Essa reforma profunda da estrutura estatal, responsável pela regulamentação e fomento do cinema nacional, resultou na queda da produção cinematográfica durante os cinco primeiros anos da década de 1990. Porém, dessa desorganização total do sistema produtivo e distributivo do cinema brasileiro, ocorrido no começo da década de 1990, surge, aos poucos, um novo modelo de gestão e fomento da atividade do setor. Trata-se dos incentivos fiscais à área cultural, intermediado pela iniciativa privada. Esse modelo é amparado por medidas protecionistas do Estado, com a aplicação indireta de recursos.

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presidente Itamar Franco, que prevê incentivos fiscais complementares ao cinema (KOSSOY, 1996).

A distribuição e o sistema de exibição são os segmentos econômicos do campo que mais se transformaram nessa fase Pós-Embrafilme:

A partir do início da década de 1990, a reorganização da infraestrutura da indústria cinematográfica brasileira tornou-se um marco histórico. Entenda-se que a distribuição e exibição são os ramos que mais foram alterados neste quadro, justamente por serem os mais dinâmicos da indústria no Brasil e os que se encontram conectados de maneira direta com o estágio de expansão do capital internacional naquele momento (GATTI, 2007:101).

Em relação ao novo formato do tripé do sistema produtivo de cinema – produção/distribuição/exibição – em construção durante os primeiros anos da década de 1990, cabe destacar o papel de acessibilidade e promoção do Novo Cinema Brasileiro efetuado pela distribuidora RioFilme e pelas salas de exibição Estação Botafogo, no Rio de Janeiro, e Espaço Nacional (atual Unibanco), em São Paulo.

A Riofilme é criada por meio de lei municipal da cidade do Rio de Janeiro em 1991, com o objetivo de constituir-se uma empresa exclusiva de distribuição do cinema nacional. Para se ter uma noção de sua importância para o desenvolvimento da filmografia Pós-Embrafilme, de 1992-2000, vale lembrar que a Riofilme foi responsável pela distribuição de 98 filmes, dos quais 94 eram títulos inéditos, representando, assim, mais de 50% de um total de 170 filmes brasileiros lançados no mercado durante esse período (GATTI, 2003).

(39)

Mas esse quadro é alterado ao longo da década, sobretudo em sua segunda metade. A partir desse período, afirmam-se dois circuitos de exibição. Um deles, o cinema de shopping, que nasce em 1966 e se desenvolve em larga escala a partir dos anos 1990, reformulado pelo formato multiplex trazido dos EUA. Esse sistema de exibição caracteriza-se por apresentar um número elevado de salas de cinema na mesma instalação, em torno de oito a quatorze salas, e boa qualidade técnica dos equipamentos de som e image. O outro é o

segmento de arte/alternativo, que surge nos anos 1940 com os cineclubes e cresce a partir de salas especiais do circuito comercial desde a década de 1960, sendo capitaneado pelos grupos Estação e Cinearte, respectivamente, situados em São Paulo e Rio de Janeiro neste período mais recente (GONÇALVES, 2001).

O Estação Cineclube Botafogo é criado em 1992 por um grupo de cineclubistas, conhecido no meio exibidor como grupo Estação, com a pretensão de exibir as filmografias contemporâneas de apelo menos comercial por meio de salas de exibição melhor estruturadas tecnicamente, em comparação às precárias instalações dos cineclubes do período (GONZAGA, 1996).

O atual Espaço Unibanco, à época Espaço Nacional, é inaugurado em 1993, tendo como objetivos, segundo seu fundador Adhemar de Oliveira, além de tornar mais profissional a atividade cineclubista, na tentativa de abandonar seu perfil de associação cultural para adotar uma estrutura empresarial e sobreviver no competitivo mercado exibidor (GONÇALVES, 2001)1.

São conjuntos de salas situados nas duas maiores cidades do país, que foram fundamentais para acolher a pequena produção de cinema brasileiro do período – meados da década anterior –, que já vinha passando por um

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processo de acentuada diminuição de seu público desde o final da década de 80, portanto, antes mesmo do fechamento da Embrafilme.

Imagem 4: Carlota Joaquina, princesa do Brasil (Carla Camurati, 1995)

Mas esse cenário negativo possui um ponto de inflexão ocorrido a partir do sucesso de público atingido por Carlota Joaquina, princesa do Brasil (Carla Camurati), entre outros filmes lançados no ano de 1995, conforme atesta Adhemar de Oliveira, em depoimento realizado em 1999:

Em 1994, o primeiro filme nacional que eu passei na sala foi “Era uma vez”, um filme infanto-juvenil, depois “Alma Corsária”, ”Lamarca”, e vai numa sequência de oito filmes brasileiros, passados naquele ano, que representaram um público de 35.000 espectadores. (...) Em 1995, começa a dar resultado o nosso trabalho. Porque 1994 representa um ano em que se conseguiu quebrar um pouco um fator negativo da mídia, principalmente, de oposição da mídia ao cinema brasileiro, que ainda estava deglutindo a questão da “Embrafilme”, de modelo de cinema que representou este órgão, até o começo dos anos 90. Isto ajudou a quebrar a resistência da classe média em aceitar novamente o cinema brasileiro. (....) Em 95, que acontece o “boom”, em termos do resultado, da quebra da rejeição (GONÇALVES, 2001:48).

Se forem analisados os dados de lançamentos anuais de filmes brasileiros ao longo da década de 1990, nota-se que o ano 1995 é o ponto de inflexão, o que motiva a criação do termo “retomada do cinema brasileiro“ para caracterizar esses primeiros anos de aquecimento do mercado cinematográfico, efetuado por meio de novas formas de financiamento: as leis de incentivo.

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curva decrescente de evolução negativa. No pior ano dessa fase, 1992, são lançados no mercado 4 longas-metragens. Em 1995, a produção atinge 12 filmes, perfazendo 3 milhões de espectadores. A partir desse ano, os números de filmes lançados crescem ano a ano e atingem 78 longas-metragens, pouco mais de dez anos depois, em 2007.

Boa parte dessa produção nacional é acolhida também no circuito nacional de shopping centers. O crescimento deste está diretamente associado à entrada, no mercado exibidor brasileiro, das empresas estrangeiras Cinemark do Brasil S.A. e UCI do Brasil S.A., que introduzem, em 1997, o padrão de instalação denominado multiplex.

A Cinemark do Brasil S.A. é a empresa que introduz, pela primeira vez no Brasil, em São José dos Campos, o sistema multiplex. Sob a ótica empresarial, visa à integração do consumo do cinema com outras atividades de entretenimento de shopping centers (praças de alimentação, boliche, jogos eletrônicos, etc.), além do consumo de suas próprias e amplas bombonieres.

É a terceira maior operadora de salas de exibição dos EUA e a maior da América Latina, e administra 272 salas em todo o país (2007). A UCI do Brasil S.A., pertencente ao grupo Universal-Paramount, é também uma das maiores redes de cinema do mundo. Em 2007, gerenciou 111 salas no território nacional.

Há duas mediações sociais e culturais que se pode apreender da análise do tripé econômico do cinema – produção, distribuição e exibição –, especificamente abordando o campo no Brasil a partir da década de 1990. Duas tendências que ilustram os valores circulantes de qualificação e identidade da cultura contemporânea e que potencializam novos rumos da sociedade como um todo.

Cultura e mercado tornam-se mediações permanentes em todos os segmentos do campo. Isso pode ser observado na formação dos chamados cinema de arte

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também ativa, do mercado de bens simbólicos – literatura, música, etc. – no sentido de sua autonomização (BOURDIEAU, 1992), contrastando propostas estéticas de distinção, como os modelos “arte pela arte” e “de mercado”. Assim sendo, quando se analisa essa polaridade da produção no campo cinematográfico, nota-se que ambas são diretamente atingidas com a aproximação do fator econômico e a configuração dos aspectos mercadológicos da produção artística.

No caso Pós-Embrafilme, a formação dos circuitos de cinema de arte/alternativo e de shopping, bem como a produção distinta representada por filmes de gênero com maior apelo comercial, comédia ou melodrama, ou daquela mais autoral e atenta com a inovação/experimentação de linguagem e sua criticidade, são, ao mesmo tempo, expressão de capitais culturais e simbólicos distintos em luta no campo cinematográfico.

Para compreensão deste vetor de estreitamento da relação cultura e mercado, deve-se ter em perspectiva a tendência mundial nos últimos anos da difusão da cultura de massa no planeta pós-1960. Mas é necessário atentar, nos casos brasileiro e latino-americano, para a influência maior desta sobre a formação cultural em comparação ao capital letrado de base escolar, se comparados com as sociedades mais desenvolvidas, sobretudo em países europeus – França, Inglaterra, Alemanha (ORTIZ, 1991,2006).

(43)

Quadro 4 – População com nível superior de instrução no Brasil – 1990-2007 Por número absoluto e participação % do total

Ano

População com nível superior de

instrução (em milhões)

Participação % no total da população

Brasil

1991 4.079 2,8

2000 5.911 4,3

2005 8.587 5,6

2007 10.333 6,5

Fonte: IBGE; Censo e PNAD.

Isso tem influenciado, certamente, o aumento do interesse por e consumo de bens culturais diversificados no país, como, por exemplo, revistas e jornais (a tendência geral de mercado deste meio em países desenvolvidos foi de retração de consumo nos últimos anos) ou livros não-didáticos. O consumo de cinema está dentro dessa conjuntura associada à referida elevação de renda e de capital cultural da população brasileira, especialmente nas décadas de 1990-2000.

Se avaliarmos a produção do cinema brasileiro, a partir de 1995 até o ano recente de 2007 (quadro 5), por gêneros – filme de ficção, documentário e animação –, vamos encontrar certos resultados que apontam para um cenário cultural complexo e que dizem respeito às mediações comunicativas e sociais do período discutidas anteriormente – a relação cultura/mercado e a elevação do capital cultural, sobretudo, e econômico da população – que influenciam tanto a produção como sua distribuição e exibição do campo Pós-Embrafilme.

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Mas se a produção de filmes de ficção compreende a maior parte do conjunto, como é de se esperar (68,5%), o volume de documentários criados no período é inusitado para a história do cinema brasileiro. São realizados 120 longas-metragens nesse formato, o que representa 26,0% do total. Em 2007, dos 78 filmes lançados no mercado, 32 longas-metragens são documentários, atingindo, portanto, 40% do total da produção nacional daquele ano.

Quadro 5 – Produção de filmes brasileiros – 1995-2007 Por gêneros - filmes de ficção, documentário e animação

Ano Filmes de Ficção (em %) mentários Docu- (em %) Filmes de Animação (em %) Total (em %)

1995 11 31,0 3 21,4 0 0,0 14 100,0

1996 17 72,2 1 5,6 0 0,0 18 100,0

1997 19 62,2 2 9,5 0 0,0 21 100,0

1998 21 66,3 2 8,7 0 0,0 23 100,0

1999 24 56,8 4 14,3 0 0,0 28 100,0

2000 21 66,3 2 8,7 0 0,0 23 100,0

2001 21 36,6 8 24,0 1 3,3 30 100,0

2002 19 29,9 10 34,5 0 0,0 29 100,0

2003 26 60,0 4 13,3 0 0,0 30 100,0

2004 33 41,0 15 29,4 1 2,0 49 100,0

2005 32 44,1 12 25,4 1 2,2 45 100,0

2006 46 42,8 25 34,1 1 1,4 72 100,0

2007 44 36,6 32 39,7 2 2,6 78 100,0

Total/

Média % 334 68,5 120 26,0 6 1,3 460 100,0

Fonte: ANCINE

(45)

Coutinho, 86.483. Uma análise mais detalhada dessa produção será efetuada no próximo capítulo.

Há outras questões de análise de campo que devem ser elucidadas. Na década de 2000, apesar do aumento ascendente de filmes produzidos, o número de público cresce pouco – de 7,2 milhões de espectadores no ano de 2000 para pouco mais de 10,3 milhões em 2007. Em contrapartida, como já frisado anteriormente, a produção cresce de modo expressivo – 225% - durante o período, principalmente a partir de 2004.

Afora os filmes de documentários, boa parte da produção de ficção também tem atingido um público muito restrito, o que demonstra, inicialmente, que o setor de distribuição tem sido negligenciado e recebido pouco investimento por parte do governo ou da iniciativa privada. Na fase Embrafilme, esta se encarregava tanto do fomento da produção nacional como dessa importante atividade do campo.

Mas, evidentemente, a demanda do cinema brasileiro tem sido pequena. A identificação do público de cinema geral perpassa por questões de ordem variada – econômica, social, cultural e ideológica –, debate antigo no campo do cinema brasileiro. Analisando o período 1995-2007 (quadro 6), observa-se que 2/3 da sua produção obtêm menos de 50 mil espectadores, ou melhor, cerca de 35% dos filmes lançados no período têm menos de 10 mil espectadores - 162 longas-metragens; e aproximadamente 28% ficam entre 10 e 50 mil espectadores – 128 filmes. Esses 290 longas-metragens representam 3,3% do total de público do período, contemplando apenas 3,5 milhões de espectadores.

(46)

uma complexa gama de mediações culturais e sociais e de caráter individual, que motivaram o interesse por filmes de perfil muitas vezes bastante distintos, como o mais visto Dois filhos de Francisco, de Breno Silveira, ou a segunda maior bilheteria, Carandiru, de Hector Babenco, que alcançaram, respectivamente, 5,3 e 4,7 milhões de espectadores.

Quadro 6 – Produção de filmes brasileiros – 1995-2007 Por faixa de público

Faixas de público longa-metragem Produção em longa-metragem Produção em (em%)

Público total por

faixa Público total por faixa (em%)

Acima de 1 milhão 30 6,5 68.799.428 63,9

De 500 a 1 milhão 25 5,4 18.341.045 17,0

De 100 a 500 mil 62 13,5 13.948.073 12,9

De 50 a 100 mil 45 9,8 3.083.660 2,9

De 10 a 50 mil 128 27,8 3.004.713 2,8

Abaixo de 10 mil 162 35,2 570.854 0,5

N.D. 8 1,7 - -

Total 460 100,0 107.747.773 100,0

Fonte: ANCINE

Mas o que há, em comum, nesses dois filmes de alta bilheteria do período, há a associação das produtoras responsáveis por cada película com a empresa Globo Filmes, no que concerne à promoção/divulgação e ao suporte comercial com as empresas distribuidoras envolvidas no aparato econômico. A maioria das 30 maiores bilheterias do cinema no período tem esse tipo de parceria comercial. Nota-se como o campo de cinema torna-se, desde a década de 1970, extremamente dependente da televisão, no caso da TV Globo, para viabilizar sua adesão a um público de maior amplitude.

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dessa recepção. Note-se, principalmente, o fato concreto de que as camadas baixas ficam praticamente fora do circuito comercial à medida que os cinemas de bairros desaparecem, desde a década de 1980, e o ingresso médio eleva-se de modo a tornar-se proibitivo para esse extrato social.

Se o prisma mercadológico restrito – qual filme dá mais audiência ou lucro? – é o que norteia os agentes do mercado, distribuidores, exibidores e outras empresas do setor, vale afirmar, mesmo que pareça uma obviedade à primeira vista, que é natural que assim assumam essa posição, tendo em vista o ambiente econômico capitalista. Mas não é possível admitir que os governos ditos democráticos ou sociais continuem pensando que fomentar a produção seja suficiente para uma política do setor, desconsiderando a criação de mecanismos afirmativos de democratização do acesso aos bens culturais, tendo em vista os aspectos socioeconômicos impeditivos desse consumo.

A empresa Globo Filmes foi criada em 1998 e, desde sua criação, tem participado do processo de comercialização de vários filmes com alta bilheteria, que podem ser exemplificados, além dos filmes já mencionados, por Cidade de Deus, Se eu fosse você, Lisbela e o prisioneiro, e Cazuza, o tempo não para,

entre outros. Ao todo, participa da produção de mais de 70 longas-metragens, formando parcerias com mais de 40 produtores independentes.2

Segundo a empresa, suas atividades pretendem apoiar produções de longas-metragens de ficção ou documentários sob certa proposta, que pode ser sintetizada no termo potencial comercial:

O objetivo da Globo Filmes, além de aumentar a sinergia entre o cinema e a televisão, é o de contribuir para o fortalecimento do mercado audiovisual brasileiro através da comunicação de massa, pois o crescimento do público de filmes médios, isto é, de 100 a 300 mil espectadores, é fundamental para o desenvolvimento do mercado3.

2 Ver Folha de S. Paulo, Ilustrada, 4 de março de 2009.

3 Ver Globo Filmes. Quem Somos. Globo Filmes. Disponível em:

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O outro aspecto de dependência do cinema brasileiro com a televisão para atingir grandes plateias está na formação do seu star system. Ao contrário dos EUA, que contam com um casting próprio do cinema, as nossas estrelas são normalmente oriundas de novelas ou programas infanto-juvenis da rede Globo, como Os trapalhões ou Xuxa, e têm uma identificação com o público, fundamental para consolidar o apelo comercial que essa produção de maior bilheteria obtém no período, uma aproximação desses meios massivos firmada no Brasil desde a década de 1970 durante a fase Embrafilme.

Imagem 5: Lisbela e o prisioneiro (Guel Arraes, 2003)

Imagem

Gráfico 1: Produção de Filmes Brasileiros – 1950-2008  Valor absoluto total por década
Gráfico 3: Evolução do Número de Salas de Cinema no Brasil – 1971-2007
Gráfico 4 - Público de Cinema de Filmes Brasileiros - 1971-2007  Número de expectadores (em milhões) por ano
Gráfico 5 – Evolução da Participação dos Filmes Brasileiros no Total de  Bilheteria  (Market Share): 1971-2007 – em % por ano

Referências

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