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RESPONSABILIDADE CIVIL: a reparação em casos de abuso sexual de crianças e adolescentes institucionalizadas | Anais do Congresso Acadêmico de Direito Constitucional - ISSN 2594-7710

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Anais do I Congresso Acadêmico de Direito Constitucional Porto Velho/RO 23 de junho de 2017 P. 645 a 666 RESPONSABILIDADE CIVIL: a reparação em casos de abuso sexual de

crianças e adolescentes institucionalizadas

Ana Carolina Gouveia Cardoso1 Carina Gassen Martins Clemes2

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo demonstrar a necessidade do Ministério Público e da Defensoria Pública em propor ação de reparação civil em face do agressor em nome da criança e do adolescente acolhidos institucionalmente, que foram vítimas de abuso sexual. Pois o Ministério Público e a Defensoria Pública fazem parte do Sistema de Garantia de Direitos, pertencente aos serviços da rede socioassistencial, que visa garantir a reparação de possíveis violações de direitos vivenciada por crianças e adolescentes acolhidas. Assim, tendo em vista as psicopatologias e alterações comportamentais decorridas do abuso sexual e as consequências que variam desde o desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental, até transtornos psicopatológicos de alta gravidade, faz-se necessário que o agressor seja apenas responsabilizado civilmente e não apenas penalmente.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Abuso Sexual. Criança e Adolescente.

Acolhimento Institucional.

ABSTRACT

The purpose of this article is to demonstrate the need for the Public Prosecution Service and the Public Defender in proposing a civil remedy against the aggressor, on behalf of the institutionalized child and adolescent, who have been victims of sexual abuse. Because the Public Prosecutor's Office and the Public Defender's Office are part of the System of Guarantee of Rights, belonging to the services of the social assistance network, which seeks to ensure the reparation of possible violations of rights experienced by children and adolescents. Thus, in view of the psychopathology and behavioral changes resulting from sexual abuse and the consequences ranging from cognitive, emotional and behavioral development, to

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Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. E-mail: anacardoso.mil@gmail.com

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Docente da disciplina de Direito Processual Civil do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. Orientadora do presente artigo. E-mail: carinaclemes@yahoo.com.br

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psychopathological disorders of high severity, it is necessary for the perpetrator to be only civilly responsible, not just criminally responsible.

Keywords: Civil Liability. Sexual abuse. Child and teenager. Institutional Hosting.

INTRODUÇÃO

Conforme relatório divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) a violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos. Nos três primeiros meses de 2015, foram denunciados 4.480 casos de violência sexual.

As consequências do abuso sexual variam desde o desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental, até transtornos psicopatológicos de alta gravidade. As vítimas podem apresentar alterações cognitivas como: baixa concentração e atenção, dissociação, refúgio na fantasia, baixo rendimento escolar e crenças distorcidas. Mas a psicopatologia mais citada como decorrente do abuso sexual é o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT).

As experiências sexualmente abusivas causam impactos nas crianças e adolescentes. Por isso, é necessário que haja tratamento em diferentes modalidades como individual, familiar, grupo ou farmacológico, bem como outros tipos de cuidados.

Entidades de acolhimento institucional e familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.

Diante de dados alarmantes e da exposição das inúmeras psicopatologias ocasionadas em razão do abuso sexual é necessário que o Ministério Público e a Defensoria Pública proponham ação de reparação civil em face do agressor, em nome da criança e do adolescente acolhidos institucionalmente, que foram vítimas de abuso sexual. Tema que será abordado ao longo do presente artigo.

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642 1. BREVE HISTÓRICO

As primeiras políticas de atendimento à população infanto-juvenil conduzidas pelo Poder Público ocorreram no início do século XX. Foi nessa época que a sociedade buscou, como forma de garantir o desenvolvimento da nação, dar atenção à tutela da criança. Anteriormente, o atendimento se limitava a entidade filantrópicas e religiosas (BARROS, 2015).

O Decreto n° 17.943-A/1927, conhecido como Código Mello de Mattos, representou o primeiro Código Sistemático de Menores do Brasil e da América Latina.

Foi a primeira legislação específica para questões referentes a crianças e adolescentes. Tal código estabeleceu medidas que outorgava ao Juízo de Menores a incumbência de organizar a assistência, fiscalizar as instituições e aplicar medidas protetivas ou repressivas (BARROS, 2015).

De acordo com Barros (2015), em 1979 o Código de Menores (Lei 6.697/79) substituiu o arcabouço jurídico dos direitos da criança e do adolescente. Esse decreto tinha como característica a fixação da situação irregular do menor.

Assim, o conflito com a lei ou com normas e regras, bem como a pobreza e o abandono, estavam igualmente inscritos como motivos para que alguém fosse considerado irregular pelo Estado e ficasse sob sua tutela (NUNES, 2015, p.34).

Quase dois anos após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

O Estatuto substituiu o antigo Código de Menores, cujo crianças e adolescentes eram vistos como objeto de tutela à luz daquele regramento. "Durante todo este período a cultura da internação, para carentes ou delinquentes foi a tônica. A segregação era vista, na maioria dos casos, como a única solução (BARROS, 2015, p.24).

“Criado pela lei nº 8.069 em 13 de Julho de 1990, é o resultado de lutas democráticas da década de 1980 no Brasil. Quando um forte movimento da sociedade civil recolheu milhões de assinaturas e mobilizou apoios significativos para que isso ocorresse” (NUNES, 2015, p. 34).

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Desde 1990, a norma jurídica brasileira conta com os pressupostos garantistas da chamada “doutrina da proteção integral”, totalmente distinta das ideias dos Códigos dos Menores instituído a partir de 1927, quando a primeira lei sobre a infância recebeu este nome no Brasil. Batizado da mesma forma, o Código dos Menores de 1979 – Lei 6697/79 – ainda era expressamente voltado à vigilância de quem se encontrasse em “situação irregular” (NUNES, 2015, p. 34).

Segundo Barros (2015, p.25), o ECA é formado por um conjunto de princípios e regras que regem diversos aspectos da vida, desde o nascimento até a maioridade.

Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente a comunidade internacional já falava sobre a necessidade de proteger o ser humano nas primeiras etapas de sua vida.

A inspiração de reconhecer proteção especial para a criança e o adolescente não é nova. Já a Declaração de Genebra de 1924 determinava "a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial"; da mesma forma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (Paris,1948) apelava ao "direito a cuidados e assistência especiais"; na mesma orientação, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José, 1969) alinhavava, em seu art. 19: "Toda criança tem direito às medidas de proteção que na condução de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado" (CURY, 2010, p. 18).

Sob o viés de seu artigo 1º, o ECA teve como objetivo criar normas que visam a proteção integral à criança e ao adolescente. Esse artigo é um reflexo direto da “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente”, adotada pela Constituição Federal de 1988, conforme artigo 227 e 228, a seguir:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 228. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, 1988).

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De acordo com Barros (2015), o Estatuto da Criança e do Adolescente não deve se limitar apenas cuidar de medidas repressivas contra seus atos infracionais, mas também tutelar os direitos da criança e do adolescente de forma ampla. Deve-se entender o significado de proteção integral como o conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente. A exemplo, o ECA dispõe sobre direitos infanto-juvenis, formas de auxiliar sua família, tipificação de crimes praticados contra crianças e adolescentes, infrações administrativas, tutela coletiva, etc.

A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou em 20 de novembro de 1989, a “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente”, por intermédio da “Convenção das Nações Unidas Sobre Direitos da Criança” (Resolução XLIV). O Brasil aprovou o decreto Legislativo nº 28/1990, de 14/07/1990, e promulgou o Decreto nº 99.710/1990, de 21/11/1990. Então, por força do disposto no art. 5º, §2º, da Constituição Federal, passou a ter plena vigência no País.

Nenhuma disposição estatutária pode ser interpretada e muito menos aplicada em prejuízo de crianças e adolescentes, servindo sim para exigir da família, da sociedade e, acima de tudo, do Poder Público, o efetivo respeito a seus direitos relacionados neste e em outros Diplomas Legais, inclusive sob pena de responsabilidade (cf. arts. 5º, 208 e 216, do ECA). [...] Ao se falar em “direitos da criança”, estamos falando de direitos humanos, razão pela qual é de se ter também em conta o disposto na “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10/12/1948, assim como o Decreto nº 1.904/1996, de 13/05/1996, que institui o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH (DIGIÁCOMO, 2010, p. 3).

Nesse sentido, o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente informa que as crianças e os adolescentes merecem proteção integral a fim de facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

2. ABUSO SEXUAL EM CRIANÇA E ADOLESCENTES

Segundo Deblinger & Helfin (1992/1995), citado por Habigzang (2006, p.14), a prática de abuso sexual contra crianças e adolescentes não é um episódio recente. Há registros em civilizações antigas e modernas alusões a atividades sexuais entre

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adultos e crianças. Esses históricos revelam reações sociais extremamente com sentidos opostos, variando desde a negação da existência de contato sexual entre adultos e crianças até a aceitação desse contato.

Para Amazarry & Koller (2006 apud HABIGZANG, 2006, p. 14), os meios de comunicação e pesquisas recentemente passaram a ter interesse sobre o assunto abuso sexual infantil, documentando o impacto psicossocial desta experiência no desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Dada a complexidade que envolve a questão do abuso sexual, ela deve ser compreendida nos seus aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos e jurídicos. Essa violência pode ocorrer tanto no ambiente doméstico, na relação de convivência familiar entre vítima e agressor, quanto no contexto extrafamiliar, quando não há proximidade entre vítima e agressor (FIGUEIREDO; BOCHI, 2006, p. 57).

De acordo com Habigzang (2011 apud FURLAN et al, 2011, p. 199) “a violência sexual infantil pode ser definida como qualquer ato ou contato de envolvimento com a criança em atividades de cunho sexual, no qual o adulto ou um indivíduo em estágio psicossexual mais avançado venha a usar a criança para sua estimulação sexual. Crianças abusadas sexualmente são usadas para gratificação sexual de um adulto, geralmente baseado em uma relação de poder, apresentando atos como “[...] carícias, manipulação da genitália, exploração sexual, voyeurismo, pornografia e exibicionismo, até o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência” (CONTI, 2008, p.65)”.

Define-se abuso sexual como o envolvimento de uma criança ou adolescente em atividade sexual que essa não compreende totalmente, que é incapaz de dar consentimento, ou para a qual a criança não está preparada devido ao estágio de desenvolvimento ou que viola as leis ou tabus da sociedade. Este é um dos grandes problemas de saúde pública na infância e na adolescência (HABIGZANG, 2011, p. 12).

O conceito de abuso sexual é amplo e também está relacionado desde palavras sexualizadas até o intercurso completo. Azevedo & Guerra (1989 apud HABIGZANG et al; 2008, p. 2) define o abuso sexual como todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual, que parte de um agente que esteja em estágio de desenvolvimento mais adiantado e/ou de mais poder que a criança ou

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adolescente vitimado. Tem por finalidade estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter prazer sexual.

O autor acrescenta, ainda, que tais práticas eróticas e sexuais são impostas às crianças ou aos adolescentes, em geral, por meio de violência física, ameaças ou indução de sua vontade. Podem variar desde atos em que não existe contato físico (toques, comentários e elogios com conteúdo sexual sedutor, assédio, voyeurismo, exibicionismo) aos diferentes tipos de atos com contato físico sem penetração (sexo oral, intercurso interfemural) ou com penetração (digital, com objetos, intercurso genital ou anal). Engloba, ainda, a situação de exploração sexual visando ao lucro como o envolvimento em prostituição e a pornografia.

Conforme Braun (2002) citado por Habigzang (2011, p. 12) “é dentro do contexto familiar que ocorre a maioria dos casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, perpetrados por pessoas próximas, que desempenham um papel de cuidador. Nesses casos, o abuso sexual é denominado intrafamiliar ou incestuoso”.

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) mantém o Disque 100 para registro e encaminhamento de denúncias. Conforme relatório divulgado, a violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos. Nos três primeiros meses de 2015, foram denunciados 4.480 casos de violência sexual, o que representa 21% das mais de 20 mil demandas relacionadas a violações de direitos da população infanto-juvenil, registradas entre janeiro e março de 2015.

Os casos de abuso de sexual estão presentes em 85% do total de denúncias de violência sexual denunciadas no primeiro trimestre. Em relação ao perfil, 45% das vítimas eram meninas e 20% tinham entre 4 e 7 anos. Em mais da metade dos casos (58%), o pai e a mãe são os principais suspeitos das agressões, que ocorrem principalmente na casa da vítima.

O Portal Brasil, canal de comunicação da Presidência da República, divulgou no dia 22 de maio de 2012, uma notícia com dados alarmantes sobre a violência sexual.

A violência sexual em crianças de 0 a 9 anos de idade é o segundo maior tipo de violência mais característico nessa faixa etária, ficando pouco atrás apenas para as notificações de negligência e abandono. A conclusão é de um levantamento inédito do Ministério da Saúde (...). A pesquisa mostra que, em 2011, foram

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registrados 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores de dez anos. A violência sexual contra crianças até os 9 anos representa 35% das notificações. Os dados preliminares mostram que a violência sexual também ocupa o segundo lugar na faixa etária de 10 a 14 anos, com 10,5% das notificações, ficando atrás apenas da violência física (13,3%). Na faixa de 15 a 19 anos, esse tipo de agressão ocupa o terceiro lugar, com 5,2%, atrás da violência física (28,3%) e da psicológica (7,6%). Os dados apontam também que 22% do total de registros (3.253) envolveram menores de 1 ano e 77% foram na faixa etária de 1 a 9 anos. O percentual é maior em crianças do sexo masculino (17%) do que no sexo feminino (11%) (BRASIL, 2012).

3. PSICOPATOLOGIAS E ALTERAÇÕES COMPORTAMENTAIS

As consequências do abuso sexual variam desde o desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental, até transtornos psicopatológicos de alta gravidade. As vítimas podem apresentar alterações cognitivas como: baixa concentração e atenção, dissociação, refúgio na fantasia, baixo rendimento escolar e crenças distorcidas.

As crenças distorcidas ocorrem devido a percepção de culpa pelo abuso, diferença em relação aos seus pares, desconfiança e percepção de inferioridade e inadequação.

Como exemplo de alterações emocionais podemos citar os sentimentos de medo, vergonha, culpa, ansiedade, tristeza, raiva e irritabilidade.

Há também alterações comportamentais:

Entre as alterações comportamentais destacam-se: Conduta hipersexualizada, abuso de substâncias, fugas do lar, furtos, isolamento social, agressividade, mudanças nos padrões de sono e alimentação, comportamentos autodestrutivos, tais como se machucar e tentativas de suicídio. O abuso sexual também pode ocasionar sintomas físicos, tais como hematomas e traumas nas regiões oral, genital e retal, coceira, inflamação e infecção nas áreas genital e retal, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez, doenças psicossomáticas e desconforto em relação ao corpo, conforme Sanderson (2005 apud HABIGZANG et al, 2008, p. 2).

A ocorrência de transtornos de humor, de ansiedade, alimentares, dissociativos, hiperatividade e déficit de atenção, assim como enurese e encoprese (vazamento involuntário das fezes na roupa íntima sem que a criança perceba) é comum em crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

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Mas a psicopatologia mais citada como decorrente do abuso sexual é o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT).

É estimado que mais da metade das crianças vitimadas sexualmente desenvolvem sintomas que o caracterizam (Cohen, 2003): (1) experiência contínua do evento traumático, ou seja, lembranças intrusivas, sonhos traumáticos, jogos repetitivos, comportamento de reconstituição, angústia nas lembranças traumáticas; (2) evitação e entorpecimento de pensamentos e lembranças do trauma, amnésia psicogênica, desligamento; e, (3) excitação aumentada, verificada por meio de transtorno do sono, irritabilidade, raiva, dificuldade de concentração, hipervigilância, resposta exagerada de sobressalto e resposta autônoma a lembranças traumáticas (American Psychiatric Association, 2002).

Conforme Habigzang (2006, p. 19), podem ocorrer alterações comportamentais, cognitivas e emocionais em crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. A conduta hipersexualizada, o abuso de substâncias, fugas do lar, furtos, isolamento social, agressividade, mudanças nos padrões de sono e alimentação, comportamentos autodestrutivos, tais como se machucar e tentativas de suicídio, são as alterações comportamentais que mais se destacam. Já o sentimento de medo, vergonha, culpa, ansiedade, tristeza, raiva e irritabilidade são exemplos de alterações emocionais.

De acordo com Azevedo, Guerra & Vaiciunas (1997); Rouyer (1997); Sanderson, (2005), citado por Habigzang (2006, p.19), “o abuso sexual também pode ocasionar sintomas físicos, tais como hematomas e traumas nas regiões oral, sexual e retal, coceira, inflamação e infecção nas áreas genital e retal, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez, dores e doenças psicossomáticas e desconforto em relação ao corpo”.

3.1 INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA PARA VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL

As experiências sexualmente abusivas causam impactos nas crianças e adolescentes. Por isso, é necessário que haja tratamento em diferentes modalidades como individual, familiar, grupo, ou farmacológico, bem como outros tipos de cuidados.

Daí a necessidade de haver um acompanhamento terapêutico, onde este deve buscar reverter os sentimentos de desespero, desamparo, impotência,

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aprisionamento, isolamento e autoacusação, frequentemente apresentados pelas crianças (HABIGZANG, 2006, p. 20).

Resgatar a autoestima e a esperança é importante, pois quando a criança é abusada ela visualiza de maneira distorcida aquilo o que a vida pode lhe oferecer. O acompanhamento do terapeuta consiste em transformar o ocorrido em uma influência para a vida, ao invés de ser obstáculo, motivando a criança a crescer e ver o futuro com esperança.

Estudos demonstram que quanto mais cedo iniciaram os abusos mais sessões de terapia foram necessárias.

Segundo Horowitz et al (1997 apud Habigzang, 2006, p. 21), “a psicopatologia decorrente do abuso também foi associada ao tempo de permanência em tratamento. Quanto maior a intensidade dos sintomas maior o tempo de tratamento, sendo que depressão e comportamento agressivo ou delinquente foram altamente correlacionados”.

Adicionalmente, um estudo de meta-análise dos efeitos do ASI revelou que as crianças abusadas sexualmente têm um risco aumentado em 20% para o desenvolvimento de TEPT, 21% para depressão e suicídio, 14% para comportamento sexual promíscuo, 8% para a manutenção do ciclo de violência e 10% para déficits no rendimento escolar (Paolucci et al.).

Ademais, estudos apontaram a prevalência de 30% e 40%, respectivamente, de sintomas de dissociação e TEPT (Collin-Vézina & Hébert, 2005), em meninas vítimas de ASI. Alta prevalência de ansiedade, depressão, TEPT e do transtorno de personalidade Borderline foi encontrada em mulheres que sofreram abuso sexual na infância (Grassi-Oliveira, 2005; MacMillan et al, 2001), indicando que as consequências do ASI podem persistir ao longo da adolescência e da vida adulta (BORGES, 2007, p.22).

4. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

Entidades de acolhimento institucional e familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade (artigo 101 §1º do ECA).

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Deve-se priorizar o convívio familiar, sendo medida excepcional o afastamento da criança ou do adolescente do seu convívio familiar, ocorrendo apenas nas situações de grave risco à sua integridade física e/ou psíquica.

Acolher é, então, estar aberto para proteger e educar, auxiliando na passagem rumo à família – original ou substituta. É bem diferente de recolher e guardar. Acolher faz parte das premissas da proteção integral, que é a estadia provisória, porém qualificada, para desenvolver o trabalho educacional que busca a reinserção familiar. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 20).

Conforme BERNARDI (cada caso é um caso p. 20), quando esgotadas as possibilidades de resolução no ambiente familiar e comunitário da criança e do adolescente em questão, o acolhimento institucional torna-se uma das respostas de proteção do Estado a situações específicas de violação de direitos

O abrigo tem a responsabilidade de zelar pela integridade física e emocional de crianças e adolescentes que, temporariamente, necessitem viver afastados da convivência com suas famílias, promovendo formas de cuidado e educação em ambiente coletivo, pequeno e dotado de infraestrutura material e humana capazes de proporcionar, ao acolhido, condições de pleno desenvolvimento (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 20).

Para garantir um atendimento de qualidade às crianças e aos adolescentes acolhidos, os serviços de acolhimento devem funcionar de forma articulada com os demais serviços da rede socioassistencial local. Como por exemplo as articulações junto ao Sistema Único de Saúde (que busca a promoção da saúde da criança e do adolescente acolhido), Sistema Educacional (com o objetivo de manter a criança e o adolescente na escola apesar da institucionalização) e o Sistema de Garantias e Direitos.

Os Serviços de Acolhimento integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), baseiam-se no princípio da incompletude institucional, não devendo ofertar em seu interior atividades que sejam da competência de outros serviços. A proteção integral a que têm direito as crianças e os adolescentes acolhidos deve ser viabilizada por meio da utilização de equipamentos comunitários e da rede de serviços local.

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Dessa forma, para que as intervenções realizadas junto às crianças e aos adolescentes acolhidos e suas famílias sejam efetivas, é necessário que haja uma estreita articulação entre os diversos órgãos envolvidos no seu atendimento. Assim, para fortalecer a complementaridade das ações e evitar sobreposições, é importante que esta articulação proporcione o planejamento e o desenvolvimento conjunto de estratégias de intervenção, sendo definido o papel de cada instância que compõe a rede de serviços local e o Sistema de Garantia de Direitos, na busca de um objetivo comum. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2009, p.44).

4.1. SISTEMA DE GARANTIAS E DIREITOS

O Sistema de Garantias e Direitos (SGD) é resultado da Doutrina da Proteção Integral e é composto por um conjunto de órgãos, entidades, autoridades, programas e serviços de atendimento a criança, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar, de forma articulada e integrada, na busca da proteção integral, nos moldes do previsto no ECA e pela Constituição Federal.

Conforme manual elaborado pelo Conselho Nacional de Assistência Social que expõe sobre orientações técnicas do serviço de acolhimento para crianças e adolescentes os órgãos que compõe o Sistema de Garantia de Direitos tem por objetivo garantir a reparação de possíveis violações de direitos vivenciadas por crianças e adolescentes.

Fazem parte do SGD o Conselho de direitos, Segurança Pública, Conselho tutelar, e, por fim, Sistema de Justiça composto pelo Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.

O sistema de Justiça oferece apoio na implementação do Plano de Atendimento Individual e Familiar, por meio da aplicação de outras medidas protetivas quando necessário; acompanhamento do processo de reintegração familiar; investigação e responsabilização dos agressores nos casos de violência contra a criança ou adolescente; investigação de paternidade e pensão alimentícia, quando for o caso; destituição do Poder familiar e cadastramento de crianças e adolescentes para adoção, nos casos em que não for possível a reintegração familiar; preparação de todos os envolvidos para colocação em família substituta e deferimento da guarda, tutela ou adoção; fiscalização do atendimento prestado nos serviços de acolhimento; acesso gratuito a serviços advocatícios para defesa de direitos, dentre outros. (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2009, p.49) (grifo nosso).

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Observa-se que é atribuído a órgãos que fazem parte dos Sistemas de Garantias e Direitos oferecer a responsabilização dos agressores nos casos de violência contra a criança ou adolescentes, bem como seu acesso gratuito a serviços advocatícios para a defesa de direitos.

O presente artigo propõe discutir a atuação desses órgãos do Sistema de Justiça na busca da reparação civil às crianças e adolescentes que foram vítimas de abuso sexual. Buscando que o agressor não seja apenas responsabilizado penalmente, mas também civilmente.

Observa-se, então, que o Ministério Público e a Defensoria Pública devem atuar em busca da garantia dos direitos das crianças e adolescentes institucionalizados.

Conforme artigo 127, da Constituição Federal, o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Atua como defensor dos direitos sociais e individuais intransponíveis, de crianças e adolescentes, principalmente no campo dos interesses difusos e coletivos. Os promotores da Infância e da Juventude exercem uma função importante na averiguação e acompanhamento dos fatos e ações que devem garantir os direitos da comunidade infanto-juvenil (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p.33).

A defensoria pública, instituída pela Lei complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, recebe a incumbência de orientação jurídica e a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados.

E, também, tem como funções institucionais a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente (Art. 4º, inciso XI).

Sendo assim, o Ministério Público e a Defensoria Pública possuem capacidade para propor em nome da criança em do adolescente, acolhidos institucionalmente, e, que foram vítimas de abuso sexual, uma futura reparação civil em face do agressor.

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653 5. RESPONSABILIDADE CIVIL

Conforme citado anteriormente, a violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos. Muitas dessas vítimas estão acolhidas institucionalmente.

Segundo o relatório do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, atualmente existem 44.332 crianças acolhidas no Brasil (dados atualizados em 9 de abril de 2017). Em Rondônia, o número diminui para 470.

Ainda, conforme o relatório disponibilizado pela Seção de Fiscalização de Programas Protetivos do 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Velho, foram abrigados em 2015 em torno de 80 (oitenta) crianças e adolescentes na capital. Utiliza-se a palavra “em torno” em razão do número ser estimado, uma vez que há infantes que ingressaram/ingressam nas unidades de acolhimento mais de uma vez.

A comarca de Porto Velho possui seis abrigos, sendo eles: Casa da Juventude, Casa de Passagem Cosme e Damião, Casa Família Anna Tereza Campello, Casa Moradia, Lar do Bebê e Casa Lar Suélen Félix (esta última localizada no município de Candeias do Jamari).

A sessão de assessoramento psicossocial do 2º Juizado da Infância e da Juventude de Porto Velho atendeu 72 processos referentes a estupro. Alguns deles estavam relacionados a crianças que estavam em instituições de acolhimento.

Ora, diante de dados alarmantes e da exposição das inúmeras psicopatologias ocasionadas em razão do abuso sexual, é necessário que haja alguma atuação dos Sistemas de Justiça na busca de realizar ações de reparação civil em caso de abuso sexual em crianças e adolescentes que estão em situação de acolhimento.

Na maioria dos casos o agressor responde apenas penalmente, livrando-se da responsabilidade civil.

Assim, a criança e/ou adolescente que está em situação de acolhimento e que antes de ir para o instituição foi vítima de abuso sexual deve também ter o direito de ser reparada civilmente. É dever do Estado analisar os casos individualmente para que possa propor a ação de reparação civil.

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Sendo assim, uma vez em que há a ausência dos pais, em razão do acolhimento institucional, e a criança estando sob responsabilidade do Estado, cabe, ao Ministério Público e Defensoria Pública propor ação de reparação civil em face do agressor em nome da vítima.

De acordo com Gonçalves (2014), qualquer atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Esta tem por objetivo restaurar o equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano, pois, o interesse que há em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano é o que constitui a fonte geradora da responsabilidade civil.

A responsabilidade tem como ideia a restauração do equilíbrio, de contraprestação, de reparação do dano.

5.1 DISTINÇÃO ENTRE OBRIGAÇÃO E RESPONSABILIDADE

A obrigação é quando o vínculo jurídico confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Pois há uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (cuja extinção ocorrerá após o seu cumprimento), e que tem por objeto consiste uma prestação economicamente aferível.

Obrigação e responsabilidade não se confundem. A responsabilidade ocorrerá caso o devedor não cumpra espontaneamente sua obrigação. Sendo assim, a responsabilidade é uma consequência jurídica patrimonial decorrente do descumprimento da relação obrigacional.

A acepção que se faz de responsabilidade, portanto, está ligado ao surgimento de uma obrigação derivada, ou seja, um dever jurídico sucessivo, em função da ocorrência de um fato jurídico lato sensu. (...) Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato (GAGLIANO, 2012, p. 46).

Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro. (...) Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo. E, sendo a responsabilidade uma espécie de sombra da obrigação, sempre que quisermos saber quem é o

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responsável teremos de observar a quem a lei imputou a obrigação de dever originário (GONÇALVES, 2014, p. 21).

Percebe-se, então, que a a responsabilidade civil faz parte do direito obrigacional, onde a consequência da prática de um ato ilícito gera a obrigação para seu autor de reparar o dano. Esta reparação é de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos.

Costuma-se conceituar a “obrigação” como o “direito do credor contra o devedor, tendo por objeto determinada prestação”. A característica principal da obrigação consiste no direito conferido ao credor de exigir o adimplemento da prestação. É o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações (GONÇALVES, 2014, p.22).

O Código Civil prevê como fonte das obrigações a vontade humana e a vontade do Estado. Entende-se como vontade humana os contratos, as declarações unilaterais da vontade e os atos ilícitos. A vontade do Estado refere-se à lei.

As obrigações derivadas dos “atos ilícitos” são as que se constituem por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, praticadas com infração a um dever de conduta e das quais resulta dano para outrem. A obrigação que, em consequência, surge é a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado (BRASIL, 2002).

A responsabilidade civil está prevista em poucos dispositivos do Código Civil. A regra geral da responsabilidade aquiliana e algumas excludentes estão previstas nos art. 186, 187 e 188, do Código Civil. A regra básica de responsabilidade contratual está prevista na Parte Especial, no artigo 389. O código também possui dois capítulos denominados “obrigação de indenizar” e “indenização”.

5.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O Código Civil, em seu artigo 186, definiu o que compreende ser o comportamento culposo do agente causador do dano, sendo este a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência. Tendo como consequência, o agente causador do dano fica obrigado a reparar o dano: “Art. 186 Aquele que, por

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ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Verifica-se, então, que existem quatro elementos essenciais da responsabilidade civil. São eles: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima.

5.3 RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONSABILIDADE CRIMINAL

Conforme o Código Civil, em seu artigo 935, a responsabilidade civil independe da criminal, sendo que não poderá mais questionar sobre a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor, quando essas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Percebe-se, então, que tanto a responsabilidade criminal quanto a responsabilidade civil são independentes. Mas tal independência não é absoluta, pois adota-se o sistema da independência relativa.

O Código Penal prevê, em seu artigo 91, inciso I, que a condenação criminal tem como efeito “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime”, em harmonia com a segunda parte do artigo 935, do Código Civil.

Assim, transitada e julgado a sentença criminal condenatória, poderá ser promovida a sua execução no juízo cível para o efeito da reparação do dano (art. 63 do CPP), onde não se poderá questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja seu autor (CC, art. 935). Se a sentença criminal for absolutória, poderá ou não ter influência no juízo cível, dependendo do fundamento da absolvição (BRASIL, 2002).

Se a infração penal houver acarretado dano, a sentença condenatória terá também o efeito de tornar certa a obrigação de indenizar.

Ainda que esteja prevista no art. 63, do Código Processo Penal, “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”.

Diferentemente da esfera penal, o Direito Civil não visa “punir” o culpado pelo ato, mas o Estado está interessado na reparação do dano, devido a violação de um direito subjetivo privado por meio da responsabilização civil.

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Na esfera Cível, o ato ilícito gera a obrigação de reparar o dano, conforme observa-se no artigo 186, do Código Civil, de acordo com Flávio Tartuce:

De início, o ato ilícito é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direitos e causando prejuízos a outrem, Diante da sua ocorrência, a norma jurídica cria o dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional. O ato ilícito é considerado um fato jurídico em sentido amplo, uma vez que produz efeitos jurídicos que não são desejados pelo agente, mas somente aqueles impostos pela lei (TARTUCE, 2017).

Assim, todo aquele que causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo, conforme preconiza o Código Civil de 2002, em seu artigo 927: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Ao observar os institutos da Reparação Civil que é resguardado tanto no aspecto civil quanto no penal, indispensável seria a propositura de ações no âmbito do abuso sexual em crianças e adolescentes.

Todavia, o que ocorre é a inexistência de ações de reparação civil quando se refere às crianças e adolescentes que encontram-se em situação de institucionalização. O agressor normalmente responde penalmente e livra-se das responsabilidades civis, rompendo, assim, um direito é resguardado no ECA:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis (BRASIL, 1990).

Conforme a Declaração Universal de Direitos Humanos, que prevê a proteção universal dos direitos humanos, em seu Artigo VII, todos são iguais perante a lei e têm direitos, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.

A não propositura de ações de reparação civil em casos de abuso sexual incorre em lesão a direitos fundamentais da criança constitucional e internacionalmente previstos.

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658 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e que estão institucionalizadas precisam da atuação do Poder Público para que tenham seus direitos resguardados. A violência sexual é a quarta violação mais recorrente contra crianças e adolescentes denunciada no Disque Direitos Humanos. Muitas dessas vítimas estão acolhidas institucionalmente.

Em Porto Velho, conforme relatório disponibilizado pela Seção de Fiscalização de Programas Protetivos do 2º Juizado da Infância e da Juventude de Porto Velho, foram abrigados em 2015 em torno de 80 (oitenta) crianças e adolescentes na capital. Utiliza-se a frase “em torno” em razão do número ser estimado, uma vez que há infantes que ingressaram/ingressam nas unidades de acolhimento mais de uma vez.

A sessão de assessoramento psicossocial do 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Velho atendeu 72 processos referentes a estupro. Alguns deles estavam relacionados a crianças que estavam em instituições de acolhimento.

Em razão das psicopatologias e alterações comportamentais decorridas do abuso sexual e as consequências que variam desde o desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental, até transtornos psicopatológicos de alta gravidade, faz-se necessário que o agressor seja responsabilizado civilmente, e não apenas penalmente.

Logo, diante de dados alarmantes e da exposição das inúmeras psicopatologias ocasionadas em razão do abuso sexual, é necessário que haja alguma atuação dos Sistemas de Justiça na busca de realizar ações de reparação civil em caso de abuso sexual em crianças e adolescentes que estão em situação de acolhimento.

Quando uma criança é acolhida ela fica sob a proteção do Sistema de Garantias e Direitos, que é resultado da Doutrina da Proteção Integral e que é composto por um conjunto de órgãos, entidades, autoridades, programas e serviços de atendimento à criança, adolescentes e suas respectivas famílias, que devem atuar, de forma articulada e integrada, na busca da proteção integral, nos moldes do previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Constituição Federal.

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O Sistema de Garantia de Direitos, pertencente aos serviços da rede socioassistencial, visa garantir a reparação de possíveis violações de direitos vivenciadas por crianças e adolescentes acolhidos.

O sistema de Justiça compõe o Sistema de Garantia e Direitos, e é formado pelo Poder Judiciário, Ministério Público e a Defensoria Pública, e tem dentre suas atribuições responsabilizar os agressores nos casos de violência contra a criança ou adolescente

Dessa maneira, quando uma criança for institucionalizada e que o Estado tenha conhecimento de esta ter sido vítima de abuso sexual, deve o Ministério Público ou a Defensoria Pública agir para que sejam protegidos seus direitos.

Pois, o Ministério Público e a Defensoria Pública possuem capacidade para propor em nome da criança e do adolescente, acolhidos institucionalmente, e, que foram vítimas de abuso sexual, uma futura reparação civil em face do agressor.

Portanto, a não propositura de ações de reparação civil em casos de abuso sexual, incorre em lesão a direitos fundamentais da criança, constitucional e internacionalmente previstos.

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