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Diversidade e convivência: no tom da palavra

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Academic year: 2021

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Texto

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Grupo

Diversidade

e

Convivência

No tom da palavra

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DIVERSIDADE E

CONVIVÊNCIA

no tom da palavra

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Reitora

Dora Leal Rosa

Vice-Reitor

Luiz Rogério Bastos Leal

Pró-Reitor de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil

Dirceu Martins

Coordenadora de Ações Afirmativas, Educação e Diversidade - UFBA

Rejane de Oliveira

Consultoria e Assessoria Pedagógica

Jaime Praseres

Produção

Efson Lima, Adriele de Jesus, Daniele Borges

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Diretora

Flávia Goullart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial

Titulares Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Álves da Costa, Charbel Niño El-Hani

Dante Eustachio Lucchesi Ramacciotti José Teixeira Cavalcante Filho

Suplentes

Evelina de Carvalho Sá Hoisel Cleise Furtado Mendes Maria Vidal de Negreiros Camargo

Comitê de Avaliação

Daniel Avelino, Rejane Fernandes de Oliveira, Jaime Praseres, Álamo Pimentel, Fernando Reis, Judith Karine

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DIVERSIDADE E

CONVIVÊNCIA

no tom da palavra

Grupo Conviver

(Org.)

Jaime de Oliveira Praseres Jr Efson Batista Lima

Rejane de Oliveira Fredson Oliveira

Salvador - Edufba 2011

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©2011 by Grupo Conviver Direitos de edição cedidos à EDUFBA.

Feito o depósito legal.

Projeto Gráfico / Editoração Eletrônica Joenilson Lopes / Alana Gonçalves de Carvalho Martins

Projeto Gráfico da Capa

Davide Junior Sousa de Araujo

Revisão

Flávia Rosa / Susane Barros

Financiamento – PNAES / Programa Permanecer

Sistema de Bibliotecas - UFBA

EDUFBA

Rua Barão de Jeremoabo, s/n, Campus de Ondina, 40170-115, Salvador-BA, Brasil

Tel/fax: (71) 3283-6160/6164 www.edufba.ufba.br | edufba@ufba.br

Diversidade e convivência : no tom da palavra / Grupo Conviver (org.). - Salvador : EDUFBA, 2011.

133 p.

ISBN - 978-85-232-0753-3

1. Poesia brasileira. 2. Contos brasileiros. 3. Crônicas brasileiras. I. Grupo Conviver.

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Sumário

Apresentação do Grupo Conviver..

Prefácio.. Poesias.. Contos.. Crônicas.. Histórias de Vida.. 7 9 13 61 105 121

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7. .

No tom da palavra

Apresentação do Grupo Conviver

O Projeto Conviver surgiu de uma iniciativa conjun-ta entre a Coordenadoria de Ações Afirmativas da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da PROAE e estudantes residentes que em 2008, eram representantes das Residências Universitárias da UFBA e membros das comissões de cultura. O objetivo do grupo foi desde seu início em dezembro de 2008, implementar de forma democrática e participativa ações na área da cultura para os estudantes assistidos pelos programas de Assistência estudantil da Universidade. O Conviver 2009 foi a primeira iniciativa deste grupo e se constitui em um evento cultural para 250 pessoas que envolveu: apresen-tação musical, espetáculo de dança através do Grupo GDC (Grupo de Dança Contemporânea da Ufba), exposição de obras artísticas de estudantes assistidos, e ainda o lan-çamento dos livros Diversidade e Convivência O evento teve duração de 4 horas. Foram publicados nos livros 13 artigos científicos de 20 autores diferentes e 17 textos literários divididos em Contos, Crônicas e Poesias.

Em 2010, o Conviver cresceu, foram 50 trabalhos científicos e 39 textos literários inscritos. Serão publica-dos no livro científico 18 artigos e no livro literário, desta vez serão 18 poesias, 9 contos, 2 crônicas e 2 histórias de vida, esta ultima, uma nova categoria incluída na livro da edição 2010.

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9. .

No tom da palavra

Prefácio

Um livro que é uma encruzilhada, um livro

que é uma ponte

O ingresso e a permanência de estudantes em situa-ção de vulnerabilidade socioeconômica nas universidades públicas brasileiras por meio dos Sistemas de Cotas e dos Programas de Ações Afirmativas permitiram a quem não era oferecido, sequer como projeto, a tão sonhada forma-ção universitária.

Milhares de jovens oriundos das camadas menos favorecidas da população brasileira fazem e têm feito seus cursos universitários, na certeza que contribuirão futu-ramente ao país como médicos, engenheiros, advogados, professores, cientistas e artistas. Esta é uma verdadeira revolução, pacífica e silenciosa, que ocorre diariamente.

As oportunidades que o ensino universitário oferece aos estudantes vão muito além dos conteúdos recebidos nas salas de aulas, laboratórios, auditórios, ateliês, estú-dios, quadras de esportes. Vão muito além das metas e objetivos que regem os cursos superiores. A convivência com os colegas, professores, funcionários e com a comu-nidade acadêmica em geral traz experiências que, mesmo que não diretamente ligadas às suas áreas de formação, enriquecem o futuro profissional e a pessoa.

Assim, cabe agora às universidades públicas brasi-leiras criar as possibilidades para que estas experiências possam ocorrer com todos seus estudantes.

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Diversidade e Convivência

Este livro é o resultado de uma iniciativa desta natureza. Universitários de cursos diversos da UFBA, como Geografia, História, Filosofia, Biblioteconomia, Ciências Contábeis, Administração, Direito, Pedagogia, Letras, Artes Plásticas, Educação Física, Enfermagem, Psicologia, Medicina Veterinária e dos Bacharelados Interdisciplinares em Humanidades e em Artes, arriscam-se como escritores em poemas, contos, crônicas e relatos autobiográficos. O que está em jogo aqui não é o valor literário destes escritos, mas a possibilidade do exercício artístico que se coloca. Universitários aproveitando com plenitude os dias de convívio com seus colegas, expressando suas alegrias e tristezas, satisfações e frustrações, prazeres e pesares. Se “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, como bem cantou o poeta baiano, também é verdade que “um mais um é sempre mais que dois” como afirma o poeta mineiro.

Este livro encontra-se nesta encruzilhada. A encruzi-lhada entre o “eu” e o “nós”. A encruziencruzi-lhada entre os desejos pessoais e os desejos coletivos. Mas este livro tam-bém é uma ponte. Uma ponte que une um país de desfavorecidos com seu futuro, agora realizável. Uma ponte que une um passado de interrogações e um futuro de exclamações. Uma ponte que nos é oferecida como tra-vessia e que agora todos poderemos fazer.

Pessoalmente torço por estes jovens e pelos que vi-rão. A Educação deve ser um exercício de construção de catedrais, de plantio de jequitibás, de semeadura de futu-ros, de sonhos. Um descortinar de possibilidades. Um

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No tom da palavra

exercício de riscos sim, mas de superações. Pessoais e coletivas. E quando digo coletivas falo não somente dos estudantes, mas de todos aqueles que se envolvem no pro-cesso educacional, alunos, professores, funcionários, fa-miliares. Este livro nos apresenta esta possibilidade.

Daniel Marques da Silva

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15..

No tom da palavra

A estrada do tudo

Mirian Gomes Conceição

Do nada começa a minha estrada, Na estrada encontrei vários obstáculos

Obstáculos que me fizeram pensar em desistir.

Desistência que deixei para trás, Pois a minha estrada não terminava ali. Ergui a minha cabeça com meus objetivos em mente,

Primeiro pensamento: não siga em frente.

O tudo era o meu objetivo, O nada era o meu companheiro. A ambição era o meu castigo, Tornando o tudo um desespero.

A estrada até o tudo custou tudo depois do nada, Mas o nada que faltou no tudo

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Diversidade e Convivência

..

Nascida na cidade de Salvador/BA em 1981. Graduanda em Ciências Contábeis pela Universida-de FeUniversida-deral da Bahia ( UFBA).

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17..

No tom da palavra

As mulheres contemporâneas

Francinalva Sousa Conceição

Todas querem status Todas querem um lugar Homens de carros importados Trajes de gala para impressionar

Euforia gritaria por alguém do outro lado da rua a passar

Elas querem perfumes distintos E estarem sempre jovens para ousar Um homem a cada semana

Em seus corações uma máquina de atirar Em suas palavras insinuações...

Suposições da nova forma de amar! Amar????

Elas desconhecem!

Apenas concentram-se em improvisar Usam todas as suas belas máscaras E se vão à noite para algum bar E assim me vou a meio a elas

Sem mascaras, sem lugar, sem carros importados Sem noites de luar

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Diversidade e Convivência

Olhando sempre em volta Para não ser descoberta

Ouvindo músicas romântica, em meu rádio particular

Às vezes chorando Ou às vezes procurando Por alguém que não está Alguém de verdade

Que elas não querem encontrar!!!! Ou no fundo querem!!!!

Mais não deixam demonstrar Mas,

Esse meu coração, que busca de toda forma se entregar!

Eu escondo delas

Pois elas querem impiedosas, Meticulosas,

Condicionar.

..

Graduando em Desenho e Plástica pela UFBA, ex-moradora da Residência Universitária 2, atual-mente participa do Projeto Permanecer, com arte te-rapia na classe hospitalar do Hospital das Clínicas

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19..

No tom da palavra

Da antropofagia e do consumismo

(da língua)

Felipe Lobo dos Santos

Se eu comer minha fome acabar com ela, eliminá-la, consumi-la,

o que me restará? o consumismo?

Exigência demais para um amador a gula do bom burguês

profissional que come os outros seis pecados, ao sabor picante do protestantismo, cristianismo primitivo. Diriam, a inveja não mata, é a mais esperta de todas as caçadoras.

Ela contrata a ira!

Puritanos com purê de batatas, vamos comê-los todos,

a moda inglesa,

vamos comer seus consumismos e ressuscitar nossas fomes,

que foram mortas por seus ancestrais, mas os tupinambás não os comeriam

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..20

Diversidade e Convivência

à mesa, o que fazer então para preservar nossas raízes, desde que não somos mais tamoios?

Que somos meros comensais sem nação. Vamos temperá-las

com um bocado de língua tupi, na extensão da Língua Geral do Sul e consumi-las com farinha,

mais uma vez.

..

Paulista da cidade de Guarulhos, estudante de Psico-logia na UFBA, mantém participação no Programa Permanecer como bolsista do projeto ‘Reorientação da formação em Psicologia’ da Prof.ª Mônica Lima. Neste, atua na equipe de acessibilidade e como asses-sor na implantação do programa do Governo Federal de aproximação dos cursos de saúde e o Sistema Único de Saúde, o Pró-Saúde. Residente, escolheu partici-par do processo de ocupação da Farmácia Escola em setembro de 2006. Através das comissões, partici-pou da implantação da infra-estrutura do Serviço de Hospedagem. Atualmente, acompanha a construção da nova Residência da Garibaldi. Interessado pela literatura e poesia desde a infância, participou da publicação, em 1997, pela Editora Gráfica da Bahia, de uma antologia poética intitulada Redescobrir-se

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No tom da palavra

Desabafo de um residente

Jeane Ferreira dos Santos

Onde estou? O que sou?

Por que deixei o meu lar, composto de amor e calor?

Por que o troquei por um ambiente tão “plural”, onde se tem a privacidade arrancada (por um abrir de porta um, visitas, hóspedes, ligar ou desligar de som, ascender de luz...).

Por que troquei sorrisos e lágrimas sinceros, por rostos e faces de fases diversas?

Por que troquei a cozinha da minha mãe pelo R.U.? Por que troquei o carinho dos meus irmãos por olhares que me ferem e enfraquecem?

Por que troquei o riso da minha mãe e alegria do meu pai, pelo Bom Dia! Seco que recebo?

Por que estar aqui?

Por que aguentar tanto barulho, tanto desconforto? Por que aguentar tantos “nãos”?

Por que ter que dar tantos “sins”? Por que conviver com tantos? Por que viver tantos?

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Diversidade e Convivência

Seria essa uma tentativa de fuga? Por que lutar, enfrentar, seguir, buscar? Por que guerrear por toda e qualquer melhora? Por que ter que correr atrás de tudo (frutas melhores, pão fresco...) se são coisas tão básicas? Por que aguentar os olhares de indiferença dos moradores da Vitória?

Será que ao final de quatro ou cinco anos valerá apena ter passado, sentido, vivido e morrido por tudo isso?

Tomara que sim...

..

Estudante de História, sertaneja, da cidade de Barra do Mendes, interior da Bahia. Atualmente faz pes-quisa sobre a produção intelectual de mulheres em biomedicina-1789/1945.

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23..

No tom da palavra

Há um garoto no portão

Dejanira Santana de Andrade

Mamãe! Disse a menina Há um garoto no portão

Tem na mão um saquinho de mercado Mas no saco não tem dentro nada não

Feche a janela e entre Disse a mãe impaciente Esse garoto filhinha

Só quer pedir o pão da gente

Pois então mamãe! Dai o pão Aqui tem e de montão O Pai nosso de cada dia Não nos deixa faltar não

Está bem minha filhinha Leve para ele um pão Mas entregue cá de dentro Não abra o portão não

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Diversidade e Convivência

A menina deu o pão O menino recusou Apontou na direção Viu seu pai ali no chão

Deu um grito de socorro A mamãe correu pra ver Pensou que fosse o menino

Com a vassoura nele logo quis bater

Não foi ele minha mãe É papai ali caído Quase perto de morrer

Vou chamar os empregados para ele socorrer

A menina disparou

Pra chamar os empregados levaram seu pai pra dentro Pelo médico foi consultado Foi infarto disse o médico Com cara de preocupado

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25..

No tom da palavra

O menino lá parado Do portão não quis passar A mamãe aliviada

Ao menino quis pagar

O menino não aceitou E saiu com seu saquinho

Nas alças do saquinho uma linha amarrada Dando jogo com dedinho

..

Mulher Negra, aos 54 anos cursa Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades (BI), no turno Ves-pertino do IHAC-UFBA. É oriunda de escola públi-ca. Sempre sonhou em ser aluna da UFBA e tornar-se escritora.

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No tom da palavra

Máquina em série para servir ao

sistema

Maria José Santos Oliveira

A noite pálida Envolve o dia,

O coração de quem ama Enche de nostalgia.

A vida é mesmo uma doideira Onde a gente nunca sonha, Nunca ama,

Amar é besteira.

Ninguém dá valor ao idiota que ama, No mundo moderno o que vale é dinheiro,

Celular e fast food para encher as burras das multis.

Pra que amar?

Amar é coisa de idiota,

O bom mesmo é ser filhinho de papai, Patricinha ou badboy.

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Diversidade e Convivência

..

Nasceu em 1987, de mãe analfabeta e pai lavrador, falecido aos 39, quando tinha quatro anos. É estu-dante de Administração pela UFBA.

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No tom da palavra

Mudanças

Jeane Ferreira dos Santos

Eu não era assim...

O que me fez mudar tanto?

A faculdade? A residência? Os “nãos”? Por que meu coração endureceu? Por que não sinto mais como antes? Por que não vivo mais como antes? Será que realmente vivo para mim? Serão essas tantas mudanças, o tal amadurecimento?

Depois daqui serei adulta? Ou só uma menina adulterada? O que fizeram comigo?

Já não sinto como antes...

Que turbilhão é esse na minha cabeça? Qual será o resultado disso tudo? Em que foi que me transformaram? Já não sinto como antes...

Será esse endurecimento uma forma inconsciente ou consciente de defesa?

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Diversidade e Convivência

Tenho medo!

Tenho medo de chegar em casa e não ser reconhecida por minha mãe.

Já não sinto como antes Tenho medo!...

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Estudante do Curso de História. Sertaneja da cidade de Barra do Mendes, interior da Bahia. Atualmente colabora na pesquisa sobre a produção intelectual de mulheres em biomedicina-1789/1945

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No tom da palavra

Saudade de você

Andréia Moro Maranho

Que saudade de você negra dos lábios carnudos.

Que mexeu e remexeu no meu corpo alvo, frágil de menina moça.

Que saudade de você negra dos lábios carnudos.

Que me tocava com gentileza, delicadeza arrancando de mim, suspiros cálidos. Que saudade de você

negra dos lábios carnudos. Que me fez gozar tantas vezes Entre o nascer do sol ao poente fazendo-me mulher.

Que saudade de você.

..

Estudante do Bacharelado interdisciplinar de Artes, desenvolve trabalhos nas áreas de literatura, música e artes visuais. Participa de projeto de pesquisa com o qual busca elaborar um roteiro cênico sobre a vida e obra de Milton Santos com a orientação da Prof.ª

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Diversidade e Convivência

Desde 2007, desenvolve trabalhos artísticos com foco na temática homoafetividade feminina, dentre esses trabalhos, esta a exposição Amor no Feminino - Gale-ria Jayme Figura – Teatro Gamboa, realizada no pe-ríodo de: 01/03/2008 à 02/04/2008, posteriormen-te seguiu para o Instituto Anísio Teixeira (IAT) parposteriormen-te integrante da I Conferência Estadual GLBT de 24 à 26 de Abril de 2008. Da poesia Saudade de Você, que compõe esse Livro, nasceu uma performance, apre-sentada em novembro/2009 na UFBA e 29/03/2010 no Evento Mesa de Diálogo sobre rede de pesquisa-doras Lésbicas no Estado da Bahia – Organizada pela Secretaria de Promoção da Igualdade (SEPROMI) – S.P.M.

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33..

No tom da palavra

Vinte e Poucos Anos

Patrícia Ferreira dos Santos

Fiz vinte e poucos anos, Muita coisa aconteceu, Desaconteceu

Muitos sonhos se perderam Desejos obscureceram Dei conta de mim De alguém Amei Desamei Fui amada Desamada Feliz E infeliz Alegre Desalegre Conheci Desconheci Apeguei Desapeguei

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Diversidade e Convivência

Aprendi Desaprendi

Mas tenho muito que aprender Falei inglês sem saber

Tentei francês Fracassei Ensinei Sabendo Não sabendo Lutei Cansei Chorei Não chorei Mas ainda Restam sonhos, Sempre restam, Novos sonhos, Saudades,

Muita coisa ainda falta, O medo ainda prevalece A tristeza também, Os amigos foram-se Sem mim

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35..

No tom da palavra

Com alguém

Será que tive amigos?

Ou amizade é uma passagem? Ele se perdeu

A estrela dos meus versos Sem mim

Sem Aurèlio Sem Marco Aurélio Eu perdendo noite Ele sonhando comigo Ele comendo balas Eu falando besteiras Ele alegre nos sonhos Eu chorando a perda Ele na certeza Eu na incerteza Eu cheia de medo Ele com receio Está sendo assim Cada dia,

Cada hora, Cada noite, Cada tempo

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Diversidade e Convivência

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A aluna do curso de Pedagogia da Universidade Fe-deral da Bahia, nasceu em Salvador-Bahia. Amante das artes, literatura, gosta bastante de trabalhar com crianças. Participou do Programa Permanecer durante dois anos. No último atuou no projeto Escritores do Futuro da professora Dinéa Maria Sobral Muniz. Nesse projeto exerceu atividades com leitura de dife-rentes gêneros textuais e produção de textos poéti-cos, com alunos do 4º e 5° ano do ensino fundamen-tal I de uma escola pública municipal de Salvador.

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37..

No tom da palavra

A menina do lápis colorido

Edson Conceição Silva

Lá vai ela pelas ruas Com sua bolsa vazia

Carregando apenas um lápis E uma borracha que não apaga

Longe da infelicidade que a cerca Sempre dando um passo a frente Para fazer o que tinha feito ontem Mas ainda continua feliz

Pensando em sua boneca de pano E sua família de lápis de cera Dando cores de sua bandeira Para não se lembrar da tristeza

Lá vai ela pelas ruas Pintando o que não conhece E dando nomes aos que já sabia Brincando de ser feliz

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Diversidade e Convivência

E quando as lágrimas descem E o sorriso desaparece Ela pega a borracha Que não apaga E borra tudo

Pra que ninguém saiba Que ela chora!

Porém as marcas enrugadas De cabelos ressecados E o rostinho amarelinho Da cor do sol

Foi culpa da borrachinha Que não apaga

Mas deixa marcas

Lá vai ela pelas ruas Que tem nome de doutor Pintando os muros de rosa E enchendo seus pulmões de cor

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39..

No tom da palavra

Procurando as cores da coragem Com sua face alongada

E cor pálida

Como se estivesse sendo puxada

No entanto ela caminha Para um algum lugar Que não é seu lar...

Mas quando ela não quer ver ninguém Tranca-se no quarto

Ela pega seu lápis E pinta tudo de preto.

..

Graduando em Ciências Contábeis UFBA, mora na Residência Universitária 1. Nasceu em Cruz das Al-mas.

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No tom da palavra

Da África? Eu sei

Dejanira Santana de Andrade

África! Mãe de todos os povos, muitos não sabem. Eu sei.

África! Lá está o jardim do Edem escondido. Muitos não sabem.

Eu sei.

O Jardim está cercado por Querubins. Muitos não sabem.

Eu sei.

O Senhor quando fez o homem, o homem Adão, fez do barro africano. Muitos não sabem.

Eu sei.

Este barro era propício para frutificação, era o barro mais fértil, barro preto com humodificação. Muitos não sabem.

Eu sei.

Fez a mulher, Eva, da costela branca de Adão, eles se multiplicaram, lhe nasceram filhos de cores diferentes. Uns pretos, uns brancos. Muitos não sabem.

Eu sei.

Mas muitos deles se achavam superiores e houve segregação, até aceitavam do outro ser primos, menos irmãos.

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Diversidade e Convivência

Mas todos têm sangue vermelho, não há um só sangue azul nem entre primos ou irmãos. Todos sabem.

Eu sei.

Por isso Ó homens! Respeitem a África, foi lá onde Deus primeiro pisou. Pisou para colher folhas e vestir os nossos pais quando pecaram contra o Senhor.

Pisou para esconder de nós o Paraíso onde moravam cujo caminho só quem sabe é o Senhor. Quem pretender lá entrar deve sempre se lembrar. Lá não entram primos só irmãos.

Eu sei.

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Mulher Negra, aos 54 anos cursa Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades (BI), no turno Ves-pertino do IHAC-UFBA. É oriunda de escola públi-ca. Sempre sonhou em ser aluna da UFBA e tornar-se escritora.

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No tom da palavra

De cotas

Maria Joana Dourado Guerra

Certo dia, ouvi alguém dizer:

“Você vai tirar a minha vaga na universidade, vai tirar a minha vaga no emprego,

e ainda vai se sentar ao meu lado nesta sala?” Tirei!

E como diria minha sábia Mãe: – Tirei e tiro!

Tirei por que cansei. Cansei de perder a vaga. Cansei de perder a história. Cansei de perder a estima. Cansei de perder a memória. Cansei de perder a família. Cansei de perder a glória. Cansei de perder por perder. Cansei de perder noites. Cansei de perder, sabe. Cansei!

E entre perder e tirar, Prefiro tirar.

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Diversidade e Convivência

Tirar o dia pra vencer. Eu quero o texto, Quero a vaga, Quero o emprego O espaço. Eu quero!

Quero o seu conhecimento pra criar outras coisas. Eu quero o poder que é bom e eu gosto.

Quero mesmo e daí?

Eu quero tirar a vaga do descaso. Eu quero tudo que você também quer...

Eu quero a minha cor em todos os espaços. Outras salas.

E a mulher me pergunta:

– Mas qual o problema das cotas?

Não é só a cota minha querida, mas a cor dessas cotas.

O penacho e o cocá que esta cota traz, na cabeça.

Eu quero. Você quer.

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45..

No tom da palavra

..

Baiana da cidade de Irecê, estudante de Letras Vernáculas na Universidade Federal da Bahia, parti-cipa como bolsista do Programa Permanecer no pro-jeto Línguas e escritas: produção de materiais didáticos

para a formação de professores indígenas da Profª

América César. Fez parte do Programa de Ações Afir-mativas, Conexões de Saberes, onde exercitou e reno-vou sua escrita

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47..

No tom da palavra

“Em busca da felicidade”

Brasil Alves

Viver bem

É estar onde quiser, Seja em qualquer lugar, É viver pra sempre.

Desejar é saber o que procura,

É plantar-se consciente que o futuro vem da gente, Seja alguém diferente.

Cedo ou tarde te desperta Descobrir que não mais quer, Esquecer o que passou, Faça tudo novamente.

Logo então verá

Que viver não é algo inalcançável, Pra falar ao coração basta ver O que tem dentro de você,

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Diversidade e Convivência

Todo amanhecer ou nada. Logo então verá

Que é só repetir pra chegar Ao seu lugar.

Acordar e despir-se de desejo, Seja com ou sem um beijo, É amar sem medo.

Quero estar em busca da felicidade, Hoje muito mais que antes,

Pra viver mais um instante, Vou me permitir.

..

Brasil Alves é o nome artístico e pelo qual é

reconhe-cido, Josenildo Alves Santos. É Bacharelando em Medicina Veterinária e morador da Residência Uni-versitária V da UFBA (Serviço de Hospedagem). É compositor e músico.

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49..

No tom da palavra

Já não sou o mesmo

Rômulo César dos Santos Gonçalves

Já não sou o mesmo Faz um minuto

Já se passaram dois minutos

A três minutos eu acabara de ler um livro Agora não sou o mesmo

Reflexões e valores Diamante lapidado Obra aperfeiçoada Outra edição

Agitadas ondas do mar Revelam-se parte do oceano Serenidade do conhecer Manhã na madrugada Já não sou o mesmo Faz um dia

Já se passaram dois dias Já não sou o mesmo...

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..50

Diversidade e Convivência

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Cursa Enfermagem na UFBA e atualmente é mora-dor da Residência Universitária V. Costuma apreci-ar a poesia e suas inúmeras possibilidades de expres-são.

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51..

No tom da palavra

Meu tempo

Fredson Oliveira Carneiro

Hoje eu pensei no tempo E vi que já não há mais tempo Não há mais a infância Passou a adolescência

Lembranças de minha família se amarelam qual um retrato antigo

Já me esqueci de tantas coisas...

Nem consigo lembrar todos os meus apelidos Me deram tantos,

afetuosos e não afetuosos

Muitos me preencheram de tanta felicidade Outros me trouxeram muita tristeza

Mas, lá vai o tempo

Corre tão rápido, que não consigo mais acompanhá-lo

Até me tornar o adulto que não sou o tempo passou e continua passando Agora mesmo, nesse exato momento,

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..52

Diversidade e Convivência

já não é o que fora há um instante

Acredito que ganho um pouco de vida a cada segundo Mas, também sinto que perco

Em troca das experiências do mundo, perco o eu que já fui um dia

Deixo de experienciar o que outrora foi meu tempo Da família que já não é tão minha, quanto foi um dia

Tenho medo do tempo

Fecho os olhos e o sinto em mim

Ontem fui uma criança, mas já não o sou. Não quero fechar os olhos ao tempo Tenho medo de não mais abri-los

..

Natural da cidade de Ibititá, no interior do estado da Bahia, atualmente mora na Residência Universitária 5. É estudante de graduação em Direito pela Facul-dade de Direito da UniversiFacul-dade Federal da Bahia (FDUFBA). Participa do Grupo de Estudos Direito e Movimentos Sociais (GEDMS). É integrante do Ser-viço de Apoio Jurídico (SAJU) da Faculdade de Di-reito da UFBA no Núcleo de Educação Popular (NEP). Faz parte dos quadros de pesquisadores do Grupo de Pesquisa “Direito e Cidadania” vinculado à Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). Integra também a Iniciativa UFBA Lati-na (INULAT) vinculada ao departamento de

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Ciên-53..

No tom da palavra

Olhar

Deusdete dos Santos Silva

Olhar nos teus olhos a verdade Olhar nos teus olhos a saudade Olhar nos teus olhos a lembrança Que um dia a verdade

do teu olhar

vai transformar a saudade em verdade. E a lembrança nunca é tarde

para te encontrar

nos teus olhos a lembrança de uma verdadeira saudade. Nos teus olhos a alegria de um dia te encontrar

A alegria com saudade vai mudar a minha alma e meu coração. Como a flecha do destino

que deixa meu coração perfurado e marcado -manchado- de sangue

Quando o teu olhar vê, me enxergar sofrer sem querer viver, é porque os meus olhos dizem: amo você.

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..54

Diversidade e Convivência

..

Natural de Pojuca foi morar em Catu logo após o seu nascimento, na comunidade rural Baixa de Areia, hoje mora em Salvador na R1-Residência Universi-tária da UFBA, desde 2009. É estudante de Filosofia e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Ini-ciação a Docência ( PIBID).

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55..

No tom da palavra

Talvez

Bruno Almeida dos Santos

Talvez seja paixão Talvez seja difícil Talvez seja fácil

Talvez este amor não seja correspondido Talvez ele possa ser meu destino

Talvez seja mais um em minha vida

Talvez seja iluminado, complicado, bem amado, ignorado, desrespeitado e abençoado

Talvez seja uma dor sem cura, um sofrimento, um lamento, um tormento ou uma grande maravilha Talvez seja apenas mais um grito que fica preso em minha garganta

Talvez seja uma chuva que não molhe

Talvez seja uma revolução que não se manifesta Uma primavera sem flores

Uma palavra jamais dita Uma canção nunca ouvida Uma doce ilusão

Mas mesmo assim acredito neste amor Nunca disse a ele uma só palavra Talvez por falta de coragem, por medo

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..56

Diversidade e Convivência

Mas é ele o dono dos meus sonhos É ele que eu penso vinte quatro horas É ele que me faz perder os sentidos É ele que eu quero ter ao meu lado Mas é ele o amor impossível para mim Talvez por sermos do mesmo sexo Talvez por sermos amigos

Talvez por este amor ser meu pra ele e não dele pra mim

Mas será tudo isso desilusão Será confusão

Será o começo de um amor

Ou será o fim do que não começou Talvez, talvez, talvez....

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Estudante de Biblioteconomia e Documentação da UFBA. Morador da Residência Universitária I, mili-tante do Grupo Gay das Residências-(GGR) e mem-bro do Projeto Conviver – atua na criação do Memorial das Residências Universitárias da UFBA. É oriundo da cidade de Santo Antonio de Jesus.

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No tom da palavra

Vivo

Shagaly Damiana Araújo Ferreira

Enquanto o mundo falece, eu vivo. Vivo, e os instantes novos me esperam. Quebro, hoje, os grilhões da escravidão. Desfaço tudo o que me tornava menor. Liberto-me!

Cansei de me importar com suas opiniões. Cansei de procurar respostas para as suas indagações.

Cansei de ser menos eu por sua causa. Cansei...

Hoje sou nova e viva, e vivo!

Não quero mendigar sua ajuda, seu respeito, seu amor.

Disseram-me que essas coisas eram minhas por direito.

Minhas por direito. Eram de graça... E o que você me deu?

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Diversidade e Convivência

Motivos fortes para chorar, Para desistir do mundo.

Não mais! Por hoje e sempre, não mais!

Não aceito o pouco de vida forçada vinda de você. Me nego a me subordinar, pois hoje eu vivo. Os instantes novos me esperam.

Deixe que as alegrias venham a mim, fiquem e durem.

Deixe-me namorar a felicidade e abraçar o tempo. Deixe-me provar desconhecidos sentimentos. Deixe-me voar!

Os instantes novos me esperam, E agora vivo.

Vou encontrar o vento,

Com seus braços longos e abertos, à espera do meu abraço,

Para com seu sorriso largo e corpo camuflado, Poder dizer que sou de tudo o que mais belo existe, E sussurrar aos meus ouvidos, simplesmente: Vive!

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No tom da palavra

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Natural de Oliveira dos Campinhos, distrito de San-to Amaro – Bahia. Ainda na infância, no recôncavo baiano, começou a escrever poesias, crônicas e músi-cas. Possui textos publicados em mídia eletrônica, além de outras produções teatrais, jornalísticas e li-terárias. Recentemente foi umas das vencedoras do concurso Bahia de Todas as Letras, na categoria cor-del, com o livro infanto-juvenil “O Mar de Luís”, do qual é co-autora. É estudante do curso de Letras Vernáculas da Universidade Federal da Bahia - UFBA.

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No tom da palavra

Expurgos para o mundo

Efson Lima

Você, leitor, estará diante de uma cidade interiorana. Mas não tão pacata como imagina. Nem tão pequena como muitos associam. Confesso que a cidade perdeu toda a calma com a chegada de milhares de trabalhadores ru-rais que passaram a morar aqui após a crise do cacau. Eram peões que ficavam a maior parte do tempo dentro das roças. Colhiam bravamente cabaça por cabaça do fruto e retiravam com as mãos caroço por caroço. Era um tem-po pródigo para a região.

Na safra temporã que passa exatamente pelo outono tro-pical, os fazendeiros complementavam os lucros e colhiam vaidades e poderio. Os trabalhadores ganhavam um tostãozinho. Estes enfrentavam as cobras e as fortes chuvas do período com uma boa e velha pinga. A cachaça é tão forte que queima tudo por dentro. Serve para encorajar a jornada. Tudo isso passou! O fruto de ouro desapareceu. A vassoura de bruxa chegou colocando medo. Impondo res-peito! A praga empurrou como enxurrada muitas pesso-as dpesso-as fazendpesso-as de cacau e dpesso-as cidadezinhpesso-as para Ilhéus, Itabuna. Estas cidades incharam de gente. Gente simples das roças de cacau. Pessoas que mal conseguem balbuciar algumas palavras. Gente que luta, agora, para vender seus picolés nas praias do verão ilheenses. Gente que trabalha na Central de Abastecimento. Gente que retira carangue-jo das profundezas da lama de mangue para seu sustento diário. Gente que os vende.

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Diversidade e Convivência

Essa gente foi cultivada na brabice. Homem é homem e mulher tem que ser de respeito. Não existe meio termo. Ainda é o povo do sim, sim e não, não! Os valores fami-liares são preservados como se preserva Deus.

Seu Zé Galindo quando viu a situação arruinar ficou preocupado. Esperava pelo pior e chegou a má notícia que tanto preocupava: o patrão percebeu a produção de-clinar, convocou seu Zé e deu o aviso de despedida.

Seu Zé, então, reuniu a família e partiu das bandas de Itaúna para Ilhéus. Era o inverno de 1987.

Convido-o para apresentar Dona Chiquinha, esposa de seu Zé Galindo, velha frequentadora dos sermões do Padre Filon. Aos domingos, logo cedo, acordava os filhos para arrumar e levá-los à capela da fazenda. Lá ouvia os mais duros sermões. O padre defendia a família. Para ele era uma instituição perfeita. E recomendava sempre que as mães tomassem cuidadosamente conta dos filhos, es-pecialmente das filhas mulheres. Dona Chiquinha, certa vez, reclamou do desleixo de Dona Carmélia com sua fi-lha de 16 anos. Para ela, quem já viu moça ir para escola sozinha. Escola era coisa que ensinava pouca coisa boa. Deixava as moças experientes. Dona Chiquinha ainda contava para sua filha que era o anjo que trazia pela noi-te o bebê para a mulher.

Os tempos mudaram. E ela teve que ir com Seu Zé Galindo para a periferia de Ilhéus. Foram morar em uma favela. Lá, observa que não somente eles estavam naque-la situação. Muita gente tinha saído das mais distintas cidades. Muita gente tinha ido de Aurelino Leal, Uruçuca,

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No tom da palavra

Una para Ilhéus. A vassoura de bruxa havia aplicado um duro golpe nos valores daquela gente. Era gente cor-rendo atrás de trabalho. Atrás de comida! Na comuni-dade, Dona Chiquinha procurou logo ir para igreja. En-controu uma líder comunitária. Por sinal, esta havia morado um bom tempo no Rio de Janeiro. Lá, estudou e entrou em contato com os mais diversos pensamentos. Na igreja sempre caminhou ao lado da ala progressista. Confessava-se quase que diariamente para o padre. Di-vergia muito das opiniões do vigário. Ficava com medo de morrer e ir para o inferno. Sabia que teria que passar pelo Fogo do Purgatório. Protestava muito dos sermões. Só não mudou de crença porque não queria abandonar as irmãs, não queria deixar de rezar para São Jorge. E gosta-va de frequentar o Terreiro de Odé. E momento outros gostava de falar com os mortos. Era polirreligiosa. E indo para a Lei dos Crentes tinha que ceder tudo isso. Ela amava cantar no coral das senhoras. Era uma senhora avança-da. Já havia defendido várias mulheres solteiras. Nunca se casou! Isso causava certo mal estar, mas a comunida-de nunca soube nada que abalasse a idoneidacomunida-de moral. Algumas pessoas perguntavam os porquês. Outras apressadinhas e quase donas da verdade respondiam os porquês.

Assim que a família chegou a Ilhéus, Dona Chiquinha aplicou um sermão nos filhos. Alertou para os perigos da violência e determinou que sua filha só poderia sair com ela ou acompanhada do irmão caçula. Era uma velha con-servadora, mas atenta como águia.

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Diversidade e Convivência

A filha ao descer do caminhão com a bagagem depa-rou com uma figura engraçadinha. Foi Jorge, um moleque vivido. Passava sempre pela porta de bicicleta. Não que-ria perder Flora. Claro, quem ficasse com a novata da rua! Desse os primeiros beijos. Era mais uma que ia para a contabilidade. O passar constante do menino por sua porta é coisa de gente treiteira. Inferiu Dona Chiquinha. E isso, não posso dizer que ela não sabe. Ela conhece muito bem! E como! Aí, tratou logo de falar para Seu Zé Galindo. Ele nem esperou a mulher terminar de falar. Apanhou Flora e desceu o rabo de boi nas costas da moça. Fez vári-as marcvári-as. Disse que estava batendo para prevenir. Era um aviso. A filha tinha que casar virgem.

No domingo, Dona Chiquinha foi à igreja e ao sair falou das constantes voltas do rapaz em frente da casa para a líder comunitária. Experiente! Ela rapidamente perguntou se Dona Chiquinha já havia falado de gravidez e do uso de camisinha. Dona Chiquinha quase foi ao in-ferno, voltou e suspirou profundamente e disse que isso é coisa do diabo. A sua filha não nasceu para essa vida. Moça é moça. Além do mais a camisinha era coisa para homens desonestos e mulheres safadas. Ela só conheceu um homem até aquele dia. E mulher só pode amar ho-mem depois de casada para ter seus filhos.

A líder retrucou dizendo que ela não estava mais em Itaúna. E naquela terra as coisas estavam mudando rapi-damente. Os jornais já falam de uma doença mortal. E os rapazes já não pensavam mais em se casar. As meninas estão ficando grávidas mais cedo e muitas morando nas

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No tom da palavra

casas dos pais. Dona Chiquinha saiu do salto, protestou e disse que a líder estava possuída. Era uma mulher que não tinha marido e que ela, Dona Chiquinha – mulher de respeito estava correndo risco de ser difamada pelas ou-tras mulheres. Rapidamente se benzeu. Partiu em dire-ção a sua casa e começou a rezar o terço.

Flora continuava a despertar a atenção de Jorge. Flo-ra já não eFlo-ra tão menina assim. Já tinha completado os seus 16 anos. Sua mãe havia se casado aos 15 anos. Ela pensava que estava ficando para titia. Tenho que confes-sar para vocês que ela ao ver Jorge se encantou pelo ra-paz. Era um jovem bonito mesmo. Dona Chiquinha vaci-lou e Jô moço entregou um bilhete para Flora. Marcava um encontro no sítiozinho. Ela aproveitou o vacilo nova-mente da mãe e foi ao encontro de Jorge.

Lá, o espírito de menina de roça foi embrulhado pelo espírito do jovem que soube lançar as palavras. Conven-cer uma menina virgem. Flora não aguentou, foi do beijo ao bom sexo no pé. Os cacauais sempre testemunharam fatos pitorescos na região. Cada um mais suculento. Com bastante mel. Flora não iria aguentar mesmo aquele fres-cor. Jorge beijava muito. Lançava toda a saliva no pesco-ço dela. Já escorria como mel.

Jorge era um menino vivido. Estava feliz. Iria falar para seus amigos a proeza. Os colegas não iriam acredi-tar e não acrediacredi-taram mesmo. De primeira, quem já se viu? Questionou o famoso namorador da área.

Dois meses depois, movimentos estranhos são perce-bidos por Flora em sua barriga. Ela começa a ficar

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Diversidade e Convivência

perada. Observa que o sangue que desce todo mês, no anterior não havia descido. Fica preocupada. Já havia percebido que o bebê não era enviado como contava sua mãe. Pressentia que alguma coisa estava errada.

E errado para sua mãe estava. Dona Chiquinha perce-beu o volume na barriga. Flora não conseguia mais esconder o crescimento. Ela amarrava com um pedaço de pano a bar-riga. Imaginava que o truque ia passar despercebido aos olhos de sua mãe e quando nascer o menino. Iria deixar no sítio. Dona Chiquinha certo dia, angustiada, chamou Flo-ra no quarto e pediu paFlo-ra ela retiFlo-rar toda a roupa. FloFlo-ra ficou nervosa. Começou a chorar! Disse que não iria fa-zer aquilo. Dona Chiquinha partiu para cima e retirou à força. Percebeu a barriga toda redondinha. Não aguen-tou. Deu um grito que a rua toda ouviu.

Gritou ao vento como ficaria a reputação dela frente ao seu pai e a sociedade. Como ela iria visitar seus paren-tes em Itaúna. Como ela iria encarar a líder comunitária. Como ela suportaria as vozes de Zé Galindo gritando aos seus ouvidos a educação oferecida. Certamente, iria dizer que ao chegar à cidade havia perdido a vergonha.

Não sabia o que fazer. Abortar. Pensou, ela. E os ensinamentos do Padre Filon? Não! Não podia fazer aqui-lo. Aceitar uma filha puta dentro de casa. Não! É uma ofensa à família. Disse: – Menina arruma as coisas e sai de dentro de minha casa. Comportava-se agora como um homem. Tinha que mostrar força.

Seu Zé chega e percebe que está muito estranho. Per-gunta e Dona Chiquinha responde – estou mandando Flo-ra pFlo-ra rua.

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No tom da palavra

– Por quê?

Sua mulher disse: – Olha que essa sujeita aprontou! Me colocou na lama.

– O que foi mulher?

Dona Chiquinha responde: – Está grávida! Seu Zé galindo se desespera: – O quê? Como isso? Profundas palavras são pronunciadas por Zé Galindo: – E você Chiquinha? Chiquinha do inferno! Não aprendeu criar filho diaba velha!

– Sai da minha frente. Ponha essa mocinha porta fora. O mundo que acolhe mulher safada. Lá ele oferece casa. É uma grande casa! Tem de tudo!

Seu Zé tentou filosofar, mas se via que o ódio estava no rosto dele. Ele sabia que não havia errado na educa-ção. Não é o papel de homem educar moças. Ele apren-deu que os homens aprendem com os homens. E as mu-lheres com as mumu-lheres.

Digo a vocês que a líder comunitária ao perceber aque-les gritos, correu para a porta e ficou observando. Matutou várias possibilidades. Não imaginava a da gravidez, ape-sar de já ter visto histórias parecidas no Rio de Janeiro e ali mesmo também. Observou Flora sair à porta com uma trouxa na mão. Tinha poucas roupas. E o choro no ros-to. Flora não teve tempo nem de conversar com Jorge, não teve tempo também de fazer a segunda noite de amor. A líder comunitária correu e recomendou a Flora um abrigo para mulheres. Para lá que Flora partiu.

Hoje, tenho algumas notícias. Darei em partes: Flora tornou-se mãe. O rapaz está terminando a Faculdade de

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Diversidade e Convivência

Medicina. Jorge reencontrou Flora em Salvador. E estão juntos. Dona Chiquinha tem 73 anos, continua nas pas-torais da igreja. Agora alerta aos jovens para a necessida-de do uso necessida-de camisinha. Antes era só a gravinecessida-dez e agora, alerta-os dos riscos da Aids! É uma doutora nesse assun-to. Mas continua a defender a família como elemento a ser preservado. Antes que esqueça, ela mudou tanto que é considerada uma mulher avançada pelas colegas.

Seu Zé não suportou a vergonha e a tristeza de ter perdido a filha para o mundo e se suicidou na mesma noite. O espírito circula nas fazendas de cacau. Quem se suicida, não entra no céu. Diziam os velhos mais sábios da região, nas longas noites depois do trabalho. Pensei o seguinte: os pais sempre falam com os filhos certas coi-sas, mas lá no fundo, eles querem mesmo é o melhor para os seus pupilinhos.

A líder comunitária só anda viajando aos 80 anos. A cidade de Ilhéus mudou muito. Os fazendeiros querem esquecer-se do dia que tiveram dinheiro e no outro que perderam tudo. Eles não sabem se foi sonho ou pesadelo.

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Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Membro do Centro de Estudos e Pesquisas Jurídicas (CEPEJ) e do Servi-ço de Apoio Jurídico (SAJU) e morador da Residên-cia Universitária II da UFBA. Nasceu em Itapé (BA) e aos 11 anos, foi morar em Ilhéus (BA)

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No tom da palavra

As Aventuras de Sapa Girl

Andréia Moro Maranho

Trinta e seis meses, três dias, duas horas, dezoito minutos, e os segundos se passando, eis que finalmente o sonho se realizava.

Depois de aguentar, mau humor de patrão pra pagar a prestação, televisão como diversão, e muita viagem de lotação, chego à conclusão, que nada foi em vão.

Insegura, mas feliz, subi na pequena moto azul com toda minha altura de 1,56m, fiquei apoiada apenas nas pontinhas dos pés, com os quais se fizeram presentes mostrando toda sua importância que muitas vezes não se é notada.

O vento frio de outono não me desanimou, ao contrá-rio, tornou o mundo ao meu redor aconchegante, pois no meu interior um vulcão acabara de entrar em erupção.

Realizada, porém, suando frio, capacete azul pra com-binar, engatei a primeira e prossegui com cara de quem dominava totalmente a situação.

Engano bem - Pensava, enquanto guiava a pequena gran-de máquina pelas ruas movimentadas gran-de Diagran-dema/SP.

Só eu sei, o esforço que fiz para demonstrar tama-nho domínio, no fundo pensava:

Sou uma fraude, mas quem não é? Reflexões à parte, o mundo me esperava.

Na moto envenenada de apenas cem cilindradas, segui com muita habilidade de segunda marcha até minha casa.

A mochila vermelha de viagem, aguardava minha chegada.

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Diversidade e Convivência

Um beijo carinhoso na compreensível mãe, que fez festa ao me ver chegar motorizada, outro em cada um dos também sonhadores irmãos que felizes pela minha conquista se mostraram vitoriosos, elos eternos, um gole rápido de chá de camomila, um aperto no coração, a ba-tida forte no portão, gritos de boa viagem e acenos da janela, ganhei o asfalto danificado pela força do tempo.

Guiada pela intuição, felicidade e pela tensão absur-da que é pilotar a 40 km/h em Sampa em pleno horário de pico, nos corredores apertados, deixados pelos carros, chego finalmente, sem nenhum arranhão aparente, cin-qüenta e sete minutos depois em mais um destino, rua da Consolação.

A minha espera, a mais bela das sapas, a minha. Depois da dificuldade notória para retirar o capace-te comprado com a numeração errada que não se cansa-va de apertar minhas bochechas e tornar um pouco inco-modo um dos meus maiores momentos, arrumei os cabelos, e ao levantar os olhos tranqüilizei meu coração ao avistar minha Japa-sapa por inteira.

Com seus olhos pequenos, porém com um sorriso enorme, aproximou-se, e na maior espontaneidade bei-jou-me na boca de língua.

Beijo quente, ardente, que me encheu de tesão, avermelhando em seguida meu rosto, e esquentando meu corpo.

No ponto de ônibus do outro lado da avenida, fize-ram festa os adolescentes que lá estavam com seus típi-cos uniformes escolares, em tons de azul e branco, nada originais, ao ver a cena do beijo, uns gritavam: sapatão,

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No tom da palavra

ou apenas assobiavam, outros insistiam no: mulher com mulher da jacaré e com tal algazarra, outros olhares fo-ram também despertados e lançados em nossa direção.

Os carros que passavam pela avenida também fazi-am questão de se manifestar, quanto ao ato visto ainda ao entardecer, verdadeira afronta diziam uns, pouca ver-gonha, gritavam outros.

Sem manifestar importância, Japa-sapa com sua rou-pa preta de couro rou-paraguaio e sua bota Luiz XV compra-da em um, dos muitos brechós espalhados pela cicompra-dade, subiu na garupa apertando-me pela cintura e empinando a bundinha ajeitou-se, e coaxou em meus ouvidos, frases gostosas, maliciosas, enlouquecedoras.

Senti-me a tal, delírios.

No cavalo alado de duas rodas partimos em direção a lua de prata que graciosamente nos aguardava envolta, por estrelas cintilantes, seguimos então, pela rodovia dos Imigrantes e logo avistamos a placa de sinalização do lado direito da pista que indicava: Baixada Santista.

Praia Grande, nosso destino, parada obrigatória antes da descida no posto de gasolina estrategicamente construído antes do pedágio para um xixizinho, tudo pronto para uma nova partida,continuamos nossa viagem.

A satisfação sentida ao ver no velocímetro 80 km/h marcado, foi algo inexplicável, fez lembrar o beijo que roubei da professora de história na biblioteca, que per-plexa com a situação vivenciada, apenas olhava-me com seus olhos de azeitona tentando se esconder atrás de seus óculos redondos de armação preta.

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Diversidade e Convivência

De volta ao presente, o cavalo alado voava alto, com ele, novos sonhos.

Na saída de um túnel para o outro, o vento trazia pelas frestas do nada amigo capacete o ar salgado do mar, estávamos próximas.

No quiosque combinado, a sapaiada, (é assim que na gíria de alguns grupos, se denominam as meninas que gostam de meninas “sapas”), nos aguardavam com seus hormônios enlouquecidos pela noite ofertada.

Enquanto umas se deixavam seduzir pelas loiras ge-ladas que eram servidas as dúzias, outras caçavam com os olhos, aguardando o melhor momento de se aproxi-mar de suas presas, e devorá-las.

Enquanto o brejo ia lotando, eu e minha Japa-sapa, sentadas na areia fofa e quente em frente ao quiosque, brindamos felizes com suco de laranja à conquista da li-berdade proporcionada pela moto de cem cilindradas.

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Estudante do BI de Artes, desenvolve trabalhos nas áreas de literatura, música e artes visuais. Participa de projeto de pesquisa com o qual busca elaborar um roteiro cênico sobre a vida e obra de Milton Santos com a orientação da Prof.ª Elisa Mendes. Desde 2007, desenvolve trabalhos artísticos com foco na temática: homoafetividade feminina, dentre esses trabalhos, esta a exposição: Amor no Feminino - Ga-leria Jayme Figura – Teatro Gamboa, realizada no período de: 01/03/2008 à 02/04/2008, posterior-mente seguiu para o Instituto Anísio Teixeira (IAT) parte integrante da I Conferência Estadual GLBT de

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No tom da palavra

A arte de conviver

Patrícia Ferreira dos Santos

Era uma vez, assim começam as histórias dos sécu-los passados que falavam sobre reis, rainhas, lobo mal, chapeuzinho vermelho e outras aventuras.

Mas esta história contada por mim uma escritora de outro tempo, é diferente. Era uma vez assim escrevo mais uma vez.

Era uma vez uma criança do mar, cantava com os peixes que o ensinou a nadar esta criança era diferente, não tinha pai nem mãe nem gostava de gente. Ela cresceu em uma ilha deserta de gente, conviveu com os peixes e aprendeu a ser gente. Comia crustáceo, bebia água salga-da, falava pouco ou quase nasalga-da, tinha medo de tubarão porque era grandão ele era pequeno do tamanho de um pintinho. Foi abandonado, pobre menino! Ainda peque-no aprendeu amar os peixes a vida e o mar.

Quando cresceu casou com uma sereia que o ensinou a namorar, saboreou dos frutos que o destino lhe ofere-ceu, não sabia ler nem escrever mais conhecia Deus. Teve filhos, peixe e sereia que moravam com ele no mar, junto com a mãe sereia que os ensinou a nadar.

Termino aqui a história que escrevi quem não gostou que conte outra e vá até o fim. Pois conviver é preciso embora seja difícil. Fantasie a vida e sorria a cada dia.

Dependemos dos outros para navegar. Ninguém constroe sozinho, até mesmo os tubarões e a estrelas do mar.

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Diversidade e Convivência

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Aluna do curso de Pedagogia da Universidade Fede-ral da Bahia, nasceu em Salvador-Bahia. Amante das artes, literatura, gosta bastante de trabalhar com cri-anças. Participou do Programa Permanecer durante dois anos. No último atuou no projeto Escritores do Futuro da professora Dinéa Maria Sobral Muniz. Nesse projeto exerceu atividades com leitura de dife-rentes gêneros textuais e produção de textos poéti-cos, com alunos do 4º e 5° ano do ensino fundamen-tal I de uma escola pública municipal de Salvador.

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Passos cansados de um solitário e

errante sertanejo

Washington dos Santos Oliveira

Andava, apenas andava; não sabia onde chegaria com aqueles passos errantes. Contudo, sabia que seus pés can-sados o levaria a algum lugar, onde pudesse descansar. O sol era ardente, mas o vento cálido secava o suor que es-corria de seu rosto, deixando-o com a aparência relativa-mente calma.

A sede abrasava sua garganta e sufocava qualquer esforço de grito de desespero. Por isso ele preferia calar-se e resignava-calar-se, silenciosamente, com sua desgraça. O silencio de sua resignação confundia-se com a aridez da-quela paisagem, orquestrando-se numa sinfonia monóto-na e mórbida.

E já o sinal de morte pairava por sua cabeça, na figu-ra de famintos urubus que realizavam seus vôos em bus-ca de bus-carniças ou de animais moribundos. E, naquele momento, qual dos dois infelizes papeis ele representa-va? Talais os dois ao mesmo tempo, pensou. Mas isso já não importava. Esse pensamento logo bateu asas, voou e foi embora. Talvez concentrar apenas em seus passos fosse uma maneira de não pensar.

E ele, exausto, continuava a andar, mesmo com suas forças já quase extintas e seu corpo desejoso por despen-car-se sobre aquele chão rachado. Porém sua esperança estava decidida. Enquanto houvesse forças, ele continua-ria sua tortuosa e incerta jornada.

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A morte não o assustava mais. Já se acostumara a andar léguas e léguas com a visão de carcaças e crânios de animais que, outrora, andaram ali também, errantes e aturdidos. Eles tiveram ali o seu início e seu fim como tantas outras criatura que pisaram naquelas paragens.

Passo depois de passo e respiração cada vez mais ofe-gante. E mais cansaço e mais angustia. Pensamento lento e uma rápida passada de olho no horizonte escaldante. E então, algo lhe exigiu o olhar. Uma imagem, ainda turva pelo mormaço daquele calor abrasador, surgiu, inespera-damente, diante de seus olhos incrédulos. Esta imagem acalentadora, que era um verdadeiro contraste em meio àquela paisagem tenebrosa, no entanto, se distanciava em léguas de suor e lágrimas.

Falou a ele assim o seu desejo: “mesmo que seja a ultima coisa que eu faça, a alcançarei!”. Esse pensamento abraçado àquela imagem enchia seus olhos e seu coração de um sentimento que ele há tempos não experimentava. A alegria, então, derramou-se em sua alma como água fresca. Extraindo, quiçá, desse sentimento a forca para caminhar ainda em direção àquela promessa, andou, pois, como se fosse à única coisa que soubesse e conseguisse fazer, exigindo de suas pernas passos um pouco mais ali-geirados.

E ao se aproximar, constatou que aquela imagem, não era só imagem. Tinha corpo e ocupava espaço, e a concretude dela era solidária ao cansaço de seus passos. Chegando debaixo daquele pequeno paraíso verde fosco, deitou-se esparramado, sobre o solo coberto de

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lhas secas, rindo-se no deleite daquele pequeno conforto que a natureza, finalmente, resolvera lhe proporcionar. Encostando sua cabeça cansada nas raízes que rasgavam o chão, ele pensou, pela ultima vez, em sua vida sofrida de andarilho e deixou-se abraçar pela imensidão de som-bra que agora o possuía. E com o olhar tresloucado de satisfação de quem pôde enfim se livrar de um grande peso, ele conseguiu, finalmente, descansar... dormindo eternamente.

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É sertanejo de Valente. Há quatro anos, mora na Re-sidência Universitária I da UFBA. Graduou-se em licenciatura pela Universidade Federal da Bahia no primeiro semestre de 2009 e neste mesmo ano, fez intercambio de seis meses na Universidade de Passau na Alemanha. No momento, está cursando habilita-ção em Bacharelado de Filosofia. Faz parte do Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias da Faced (Faculdade Educação da UFBA) onde desen-volve diversas atividades de pesquisa, ensino e ex-tensão.

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Rodas

Fernando Barros

I

“Você ainda tá aí?”

Deixou cair a toalha na cama. Os seus olhos esta-vam vermelhos e cansados demais para perceber o vazio do quarto. E talvez aquele quarto nunca mais tivesse aque-la presença tão encantadora, que o fazia ser um ambiente saudável e tranquilo. Embora fosse a sujeira e a desor-dem mais bem elaborada em um dormitório, que se tives-se registro.

Aquele silêncio constrangedor de uma resposta não dada pairava no ar, e aquele mesmo silêncio o machuca-ria por longas noites. Inconscientemente ele sabia que ela já tinha partido, a pergunta foi apenas um desabafo, ou no máximo uma esperança inocente. A sensação relaxante do banho já desaparecera e o que restava era um peso insuportável em suas costas.

Na cama havia uma carta.

Ler aquela carta seria abrir a última urna de uma eleição perdida desde a campanha. Então, por que adiar? O tempo não restabeleceria a ordem das palavras e nem reescreveria com tintas divinas o que já estava consuma-do. E por que alfinetar a última espada num peito tão rasgado? Quem sabe a agulha não estivesse mais leve... Não. Não quis pensar. Aquilo o estava perturbando. Sua cabeça já doía levemente desde o banho, porém a dor caiu

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Diversidade e Convivência

agora como uma chuva de verão, com fortes ventanias sufocantes e trovões que o fazia tremer. Era melhor sen-tar. Ficou sentado naquela cama tão íntima. Melhor seria ir para a rua agitada e não ver ninguém conhecido, ficar ali perto de lembranças tão cúmplices era cultivar a ideia de suicídio. “Ergueu-se” finalmente. Pegou cigarros. De-sesperadamente ascendeu um.

Saiu.

II

As pernas corriam incansavelmente. Tal as crianças que abandonam suas casas e peregrinam de quintal a quintal para colher diversão.

Rasgavam o vento desabotoando uma suposta liber-dade que pouco se experimenta. A rua estava vazia e se podia correr. Alguns caminhos estreitos entre o cascalho e a terra nua e rasa. Apenas uma presença silenciosa de algumas árvores que normalmente comportavam-se como violinos que o vento deslizava seu arco fazendo algumas folhas se desprenderem enfeitando o ar com sons e bandeirolas verdes de amendoeiras. Sim, ventava muito naquela época, o que causava um barulho insuportável para alguns moradores dali. O mundo parecia ter para-do naquele instante em que sentiu uma harmonia rara.

Um vasto sorriso se ascendeu. Esse foi o mais cons-ciente de todos os instantes. E que, provavelmente, ja-mais se repetiria. Presente em si, suas pernas revelavam através de sua corrida independente que desejavam

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No tom da palavra

tir o chão, sentir o vento, cada tendão, todos os múscu-los, por todos os centímetros.

III

Um odor estuprava suas narinas e desenhava um corpo deitado sobre uma cama. Lembrava uma mulher com um belo sorriso na cara, feito por muitos dentes bran-cos, e envolto por largos e vermelhos lábios. Um vulto que se desfazia. E se reconstruía como um choro na ma-drugada. Havia tudo de luzes, fumaça, carros e cores se esvaziando num azul terrível. Espectro de mulher que não se sabia quando, e nem onde. Partículas de trailers de películas antigas e empoeiradas. Sua cabeça cambaleava e o que poderia ser lembranças eram fragmentos de coi-sas desordenadas, trilhas e caminhos sonoros sem lógica. Após lentos segundos de um frio incalculável e uma dor robusta esqueceu-se de si e apagou.

Não demorou muito e a sorte severa o despertou para novos pensamentos a esmo. Há alguma espécie de segurança nesta coisa que pensa onde nos encontramos? Uma hora desta, um parafuso se larga e aí a gente abisma pra dentro e pra fora. Talvez não fosse ainda o caso do rapaz dessa história. Mas suas lembranças não estavam onde costumavam ficar. Teria perdido a memória? Ou queria se esquecer de algo. Relutou, refletiu. Não, aca-bara de nascer. Tinha certeza. Pensava. Estava vivo e lúcido. Só não sabia o que estava acontecendo. E objeti-vamente quem era.

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Diversidade e Convivência

IV

“Onde estou?”

A pergunta devia ser “Onde estão minhas pernas?”. Nem havia notado o que tinha acontecido. Perguntou sem saber se alguém poderia respondê-lo, mas dessa vez ha-via uma ouvinte. Que rapidamente chamou a equipe mé-dica. E antes disso, os olhos dela trataram de derrubar algumas lágrimas de dor e alegria. O novo motivava a dor. A alegria surgia de um sentimento de culpa que se amenizava. “Pelo menos não morreu”.

Não sei por que tão forte. A razão perscrutava tudo de que nela se mexia. Tornando suas mãos resignadas e decididas. Não obstante, vacilantes para manipular uma caneta que pode dizer em uma carta que um homem pode morrer entre as ferragens de um carro e que é melhor que ele fique em casa.

Um médico estava chegando para verificar o estado de um cara que acabara de sair de um coma de quatro semanas. Enquanto os seus sapatos promoviam um incô-modo barulho, o rapaz relembrava em forma de sonho-alucinação o inesquecível dia - que significou o início de sua vida - em que correu feito louco pela sua cidade na-tal, sentindo suas pernas e a si mesmo.

V

Estava como em um berço. Era a oportunidade de nascer.

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No tom da palavra

Teria que caminhar e correr com novas pernas. Onde elas estariam? Evitou pensar nisso, quis fumar um cigar-ro e sair.

Mas, estava preso à cama. E, sobretudo, ao corpo, que pode impor limites concretos se o sujeito permitir.

VI

“O que quer você comigo? Por que me procura?” Não houve resposta. Ela não se negou a responder. Apenas não sabia. Disse que estaria disponível para o que precisasse. “O que se precisa nessas horas?” Quis expulsá-la. Desejou não vê-la mais, queria desaparecer.

Ele ainda não sabia da gravidez. E tampouco, que o motivo da fatídica carta não era a terrível briga antes do banho, causada por suas frequentes traições.

Quando soube da notícia, não se animou em nada. Porém, já havia se decepcionado com as tentativas de ir junto com suas pernas. E decidiu ficar. Não havia muitas opções.

VII

Suas cadeiras de rodas estavam um pouco enferruja-das, mas ainda aguentavam girar, suportando todas aque-las voltas pelo jardim de flores brancas. O garoto empur-rava a cadeira com força, parecia querer que o vento os levasse. A praça fazia silêncio, a roda gigante girava...

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Diversidade e Convivência

As grandes rodas sempre giram e nos levam a mui-tos contexmui-tos... e não só os lugares são diferentes, como também são os passageiros - que ao mesmo tempo são sujeitos dessas mesmas rodas.

Silenciosamente a mãe sorria, emocionada, vendo a criança que crescia e a que aprendia a ver e a viver o mundo de outra perspectiva.

O filho estava radiante, tinha orgulho de ser o único na escola que tinha um pai que possuía uma cadeira es-pecial, com rodas.

Enfim, suas pernas tinham vida própria: morreram sozinhas.

O coração dava piruetas, vivo. Correndo de alegria feito pernas...

..

Licenciado e bacharelando em Geografia na UFBA. Foi bolsista do Programa Permanecer no Projeto Ta-buleiros Digitais, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias na Faculdade de Educação da UFBA. Compõe o Muzumba Produ-ção Colaborativa de Audiovisuais, integra a redaProdu-ção do Aperiódico Aroeira Pau Pesado, e participa do Grupo de Estudo Linguagens dos Audiovisuais.

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No tom da palavra

Conto de troféu

José Almeida Santos

Na África existia um viajante que não ia a lugar ne-nhum sem levar consigo o seu precioso Troféu.

Troféu não era um prêmio não! Era seu cachorrinho miudinho de estimação, parecia um ratinho de tão pe-queno, tinha orelhas pontudas e olhos esbugalhados.

Um dia, em uma de suas viagens pela selva africana, o viajante parou o seu carro para fotografar a paisagem antes de voltar para o acampamento, foi ai que sem que ele perce-besse Troféu saiu do carro, pois estava “apertado” para fa-zer xixi, entrou na selva para procurar uma “moitinha”, quando Troféu voltou o viajante despercebido de sua saída havia ido embora. Desesperado Troféu pensou:

– E agora, o que, que eu faço!

Foi quando ele percebeu as marcas dos pneus do car-ro na estrada, e resolveu segui-las.

Troféu andou, andou, e o sol escaldante o castigava, não havia ninguém por perto que pudesse ajudá-lo, mas ele continuava sem desistir. Ele já estava exausto, quan-do percebeu, que muito ao longe atrás dele, um leão se-guia o seu rastro. Aí o pobre cão pensou:

– É agora que eu morro mesmo! Se eu ficar ele me come, e estou com muita sede e cansado para correr, não vou conseguir escapar!

E de repente ele tropeçou em um bocado de ossos de um leão morto por caçadores, e teve uma grande ideia! Começou a gritar:

Referências

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