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Performances desobedientes compartilhadas com crianças: diário do professor-performer

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

Rita Tatiana Gualberto de Almeida

(Rita Cavassana)

PERFORMANCES DESOBEDIENTES COMPARTILHADAS COM CRIANÇAS: DIÁRIO DO PROFESSOR-PERFORMER

NATAL/RN

2019

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RITA TATIANA GUALBERTO DE ALMEIDA

PERFORMANCES DESOBEDIENTES COMPARTILHADAS COM CRIANÇAS: DIÁRIO DO PROFESSOR-PERFORMER

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas.

Área de concentração: Artes Cênicas. Linha de Pesquisa: Interfaces da cena: Políticas, Performances, Cultura e Espaço. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Naira Ciotti.

NATAL, RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes – DEART

Almeida, Rita Tatiana Gualberto de.

Performances desobedientes compartilhadas com crianças : diário do professor-performer / Rita Tatiana Gualberto de Almeida. - 2019.

166 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Natal, 2019.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Naira Neide Ciotti.

1. Performance. 2. Crianças. 3. Política. 4. Professor-performer. I. Ciotti, Naira Neide. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 792

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FOLHA DE APRESENTAÇÃO

A disertação do trabalho intitulado “Performance desobedientes compartilhadas com criança: Diário do profesor-performer.” De autoria da disente da Rita Tatiana Gualberto de Almeida contou com a participação da seguinte banca examinadora: .

___________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Naira Ciotti

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Orientadora

___________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Karyne Dias Coutinho

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Examinador Interno

___________________________________________________________ Prof. Dr. Glaucio Machado Santos

Universidade Federal da Bahia (UFBA) Examinador Externo

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Dedico este trabalho a Geraldo, meu pai, que se tornou estrela,

e a minha mãe Julia Cavassana. E as crianças que fizeram este estudo possível.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço às crianças que participaram desta pesquisa e a todas e todos ex-alunas e ex-alunos que são companheiras e companheiros e que impulsionaram esta pesquisa em minhas jornadas laboratoriais mesmo antes dela existir.

Às instituições parceiras: Projeto Motivar, em especial a Aline Mello, Casa do Bem, em especial a Aline Monique e a Jarionete Firmino Do Nascimento (Nethe), Fundação Casa Grande Homem - Memorial do Homem Kariri, em especial Fabiana Barbosa e Junior do Santos, e SESC Santo Amaro, em especial Rodrigo Cunha, Ailma Andrade e Patrícia Lima.

À minha mãe Julia e meu irmão Geraldo sempre presentes e incentivadores de minhas pesquisas artísticas.

À minha orientadora, Prof. Naira Ciotti, que acolheu esta pesquisa com afeto e competência.

Aos Professores Karyne Coutinho e Glaucio Santos pelas contribuições na qualificação e pela presença na defesa deste trabalho.

Ao amigo e artista Vicente Martos pela troca artística e pelas contribuições para esta jornada.

Ao artista Ieltux Ortueta por compartilhar seu trabalho tão preciso e encorajar esta pesquisa.

Aos artistas educadores das Fábricas de Cultura VNC Mônica Cardim, Jardélio Santos, Chelmi, Renato Cardoso, Thomas Holesgrove e Veronica Mello, Carolina Duarte, Thiago Meira, Rosana Antunes, Juli Mari Pamplona, Icaro Rodrigues e Adoni Assis.

Aos amigos artistas Paloma Klein, Fernanda Carla Machado, Marília Del Vecchio, Thiago Thuin, Mônica Augusto, Ivan Bernardelli, Melany Kern, Camila Florentino, Larissa Pretti, Glauber Pereira, Renato Campolino, Josy Panão, Luana Onha, Jaqueline Vasconcellos e Fernanda Mello.

Aos meus amigos e amigas potiguares dessa jornada Sanzia Pinheiro, Sofia Porto Bauchwitz, Elisa Elsie, Mariana do Vale, Edizita Sigoviva, Lara Ovídio, Juba Valverde, Mariana de Faria Cunha, Juliana Marta, Carmem Riveira Parra, Guga Medeiros, Bruno Silva, Natã Ferreira e Pablo Vieira.

Aos parceiros da turma de mestrado 2017 e aos professores da pós-graduação em artes cênicas.

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À Capes, pela bolsa concedida, que permitiu a realização deste trabalho. Ao programa de Pós-Graduação em artes cênicas da UFRN por proporcionar a realização deste trabalho e ajudar a financiar parte das viagens desta pesquisa.

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RESUMO

Este trabalho configura-se como um diário sobre o compartilhamento de performances com crianças de São Paulo (SP), Cunha (SP), Recife (PE), Natal (RN) e Nova Olinda (CE). Para tanto, se utiliza de uma linguagem que busca compartilhar com o leitor o processo de criação junto às crianças utilizando o método cartográfico (KASTRUP, 2015). O ponto de partida para compreender as crianças está conectado a conceitos oriundos da sociologia (SARMENTO, 2002) e da antropologia da criança (COHN, 2005), nos quais ela é compreendida como protagonista do seu meio cultural. O ato do brincar como performance desenvolvido a partir dos estudos da performance (SCHECHNER, 2003) e do Work in Process (COHEN, 2004), buscando refletir sobre a figura do professor-performer (CIOTTI, 2014) como um agente disparador de propostas e sobre a cena performativa. Para discutir o compartilhamento de ações, a pesquisa apresenta estudos sobre a Arte Participante e Virada Pedagógica na arte (BISHOP, 2012) e a Transpedagogia e Arte Social Engajada (HELGUERA, 2011). Foi verificado, neste estudo, que a desobediência pode ser um ato criativo, as performances desobedientes das crianças criam espaços de livre expressão como possibilidade de diálogo para repensar processos artísticos e pedagógicos e, para refletir sobre essas questões, relaciona-se os estudos das pesquisadoras e feministas negras como Ribeiro (2017), Berth (2018), os estudos sobre a caça as bruxas (FEDERICI, 2017), a perspectiva sobre infância e compartilhamento dos povos originário através de Krenak (2018), a ideia de Cultura Matrística (VERDEN-ZOLLER; MATURANA, 2015) e a contribuição de pensamento sobre a desconstrução da

colonialidade (QUIJANO, 2009) para que possamos rever conceitos acerca de

políticas para a infância a partir de pontos de vista que estão próximos à formação da cultura Latino Americana.

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ABSTRACT

This work is set up as a diary about sharing performances with children from São Paulo (SP), Cunha (SP), Recife (PE), Natal (RN) and Nova Olinda (CE). For this, a language is used that seeks to share with the reader the process of creation with the children using the cartographic method (KASTRUP, 2015). The starting point for understanding children is connected to concepts from sociology (SARMENTO, 2002) and child anthropology (COHN, 2005), in which they are understood as protagonists of their cultural environment. The act of playing as a performance developed from performance studies (SCHECHNER, 2003) and Work in Process (COHEN, 2004), seeking to reflect on the figure of the teacher-performer (CIOTTI, 2014) as a proposal triggering agent and performative scene. To discuss the sharing of actions, the research presents studies on Participatory Art and Pedagogical Turn in Art (BISHOP, 2012) and Transpedagogy and Engaged Social Art (HELGUERA, 2011). It was verified in this study that disobedient can be a creative act, children's disobedient performances create spaces of free expression as a possibility of dialogue to rethink artistic and pedagogical processes, and to reflect on these issues, relates the studies of black feminists and researchers such as Ribeiro (2017), Berth (2018), studies on witch-hunts (FEDERICI, 2017), the perspective on childhood and sharing of the original peoples through Krenak (2018), the idea of matrística culture (Verden-Zoller, Maturana, 2015) and contribution of thought on the deconstruction of coloniality (QUIJANO, 2009) so that we can review concepts about policies for childhood, from points of view that are close to the formation of Latin American culture.

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RESUMEN

Este trabajo se configura como un diario sobre el intercambio de performances con niños de São Paulo (SP), Cunha (SP), Recife (PE), Natal (RN) y Nova Olinda (CE). Para tanto, se utiliza un lenguaje que busca compartir con el lector el proceso de creación junto a los niños utilizando el método cartográfico (KASTRUP, 2015). El punto de partida para comprender a los niños está conectado a conceptos oriundos de la sociología (SARMENTO, 2002) y de la antropología del niño (COHN, 2005), en los cuales ella es comprendida como protagonista de su entorno cultural. El acto del juego como performance desarrollado a partir de los estudios de la performance (SCHECHNER, 2003) y del Work in Process (COHEN, 2004), buscando reflexionar sobre la figura del professor-performer (CIOTTI, 2014) como un agente disparador de propuestas y la escena performativa. Para discutir el intercambio de acciones, la investigación presenta estudios sobre el Arte Participante y Virada Pedagógica en el arte (BISHOP, 2012) y la Transpedagogía y Arte Social comprometida (HELGUERA, 2011). En este estudio verificó que la desobediencia puede ser un acto creativo, las performances desobedientes de los niños crean espacios de libre expresión como posibilidad de diálogo para repensar procesos artísticos y pedagógicos, y para reflexionar sobre estas cuestiones, relaciona los estudios de las investigadoras y feministas negras como Ribeiro (2017), Berth (2018), los estudios sobre la caza de brujas (FEDERICI, 2017), la perspectiva sobre la infancia y el compartir de los pueblos originarios a través de Krenak (2018), la idea de Cultura Matrística (VERDEN-ZOLLER, MATURANA, 2015) la contribución de pensamiento sobre la deconstrucción de la colonialidad (QUIJANO, 2009) para que podamos revisar conceptos acerca de políticas para la infancia, a partir de puntos de vista que están próximos a la formación de la cultura latinoamericana.

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LISTA DE IMAGEM

Imagem1 – QRcode dos videos ………….……….…………..14

Imagem 2 – Jogos para crianças (1560) de Pieter Bruegel...25

Imagem 2 – Bruegel passeando em Mãe Luiza, Natal/RN (2018)………32

Imagem 4 – Bruegel passeando em Nova Olinda/ CE (2018)………..……..….37

Imagem 5 – Fundação Casa Grande/Memorial do Homem Kariri, Nova Olinda, CE (2018)………..52

Imagem 6 – Laboratório de performance para criança. Condomínio Cultural, São Paulo,SP(2015)………57

Imagem 7 – Laboratório de performance para criança. São Paulo/CCA, Bela Vista (2016)………..60

Imagem8 – Projeto Chão /Cunha, SP (2017)………..……….63

Imagem 9 – Projeto Chão, Cunha/SP - Escola Bairro do Paraitinga (2017)……….68

Imagem 10 – Projeto Chão, Cunha/SP - Escola Bairro do Paraitinga (2017)………... 70

Imagem 11 – Projeto Chão, Cunha/SP- Escola Serra da Bocaina (2017)………….71

Imagem12 – ‘'PeneirAreia'' Praia de Ponta Negra Natal-RN (2017)………...74

Imagem 13 – Laboratório de Performance Para Criança, Recife/PE (2017)………..78

Imagem 14 – Laboratório de Performance Para Criança, Recife/PE (2017)…….….82

Imagem 15 – "Caça Palavras” FCG-Memorial Homem do Kariri, Nova Olinda/CE (2018)………...85

Imagem 16 – Laboratório de Performance Compartilhadas com Crianças Natal/RN (2018)……….….92

Imagem 17 – ''PeneirAreia'', Mãe Luiza, Natal/RN (2018)……….99

Imagem 18 – ''PeneirAreia'', Mãe Luiza, Natal/RN (2018)………..103

Imagem 19 – "Caça Palavras” FCG-Memorial Homem do Kariri, Nova Olinda/CE (2018)………110

Imagem 20 – Laboratório de Performance Para Criança, Recife/PE (2017)………116

Imagem21 – "La intención" Regina José Galindo (Novoli, Lecce, Italia. 2016)…..122

Imagem 22 – "Chorar os Filhos "de Nina Caetano no FIT BH/2018.……….127

Imagem23 – ''PeneirAreia'', Mãe Luiza, Natal/RN (2018)………...129

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Imagem 25 – "Caça Palavras” FCG-Memorial do Homem Kariri, Nova Olinda, CE (2018)………145

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………...………...1

1 CADERNO DE ESTUDOS: AS CRIANÇAS, O BRINCAR E O COMPARTILHAR NO PROCESSO CRIATIVO DA PERFORMANCE……….………15

1.1 A criança obediente e criança desobediente..………..15

1.2 O brincar e a performance………...26

1.3 O processo de criação do Work in process e o professor-performer………...33

1.4 Estudos sobre compartilhamento………..38

2 DIÁRIO DE BORDO: DA CRIANÇA À JORNADA DO PROFESSOR PERFORMER………....53

2.1 São Paulo: inquietações sobre os limites do Professor-Performer……58

2.2 Cunha/SP: antes disso habitar o hiato………...64

2.3 Caminho para além do concreto………..72

2.4 Ponta Negra: um Pollock tropical...75

2.5 Recife: encontro com crianças trelosas………..79

2.6 Cariri: as janelas do letramento……….…………...………...86

2.7 Mãe Luiza: pistas para a construção da relação com o laço social……93

2.7.1 Caça Palavras……….…94

2.7.2 PeneirAreia………..96

2.8 Pistas para construir novos mapas………..…100

3 ANTIMANUAL: QUATRO PASSOS PARA REPENSAR A DESOBEDIÊNCIA..104

3.1 Passo um: ser uma criança desobediente é resistir………..…104

3.2 Passo dois: brincar pode ser um ato de transgressão………..…111

3.3 Passo três: a desobediência do corpo feminino e a criança……..…..117

3.4 Passo quatro: para repensar a infância………130

APRECIAÇÕES FINAIS………..………..138

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Imagem 0 – Espaço para imaginar. Fonte: Rita Cavassana (2018).

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1 INTRODUÇÃO

Caros leitores, convido vocês à leitura deste diário e espero poder suscitar novas maneiras de pensar a criação para e com crianças e/ou recuperar imagens de lembranças de quando vocês eram crianças.

Esta dissertação é um processo de criação com crianças; é como uma festa de aniversário, é como se fosse um ritual no qual compartilhamos com outras crianças o nosso dia, na hora de cortar o bolo, é quando nosso eu criança encontra com outras crianças para compartilhar e brincar porque é no brincar que nós, crianças de todas as idades, podemos ser criativas e desenvolver nossas potencialidades. Partilho, então, as anotações e observações das festas/encontros, a relação das crianças com a linguagem da performance, como elas transformam os materiais, desobedecem e recriam a partir dos enunciados propostos para acionar as relações entre corpo, espaço e voz.

Para esta artista que vos escreve, quando criança, o pensar estava dormindo com a cara nos livros, a tarefa trazia o tédio para o corpo por detrás das carteiras escolares, o corpo preso encontrou nas aulas de dança as conexões que faltavam para entender que não é de uma única maneira que a criança aprende e conhece o mundo. A meninice foi um tempo de descobertas que a levou a pensar a arte como uma possibilidade de descobrir o mundo. Não encontrei na escola acolhimento e partilha para desenvolver meus conhecimentos. Encontrei a partilha de conhecimento nos momentos de lazer com amigos e familiares, ao jogar bola na rua, ao subir nas árvores e muros, ao correr nos campinhos de futebol e ao dançar, que foi o que trouxe-me a consciência e ditrouxe-mensões das reais potências do trouxe-meu corpo.

Os processos artísticos1 que vivi quando criança entre a dança, o teatro e o

desenho foram decisivos para que eu me tornasse a artista que sou hoje. A decisão de fazer esta dissertação de mestrado está contaminada pela inquietude das crianças

1 Nos últimos 5 anos que decorrem esta pesquisa, entrei em contato com o Projeto Carta a Renato

Cohen (2014), que é parte do Pós-doutorado da Prof.ª Dr.ª Naira Ciotti, que coordenou o processo artístico da performance de mesmo título, o qual proporcionou a troca artística e desencadeamento desta pesquisa. A partir desse primeiro encontro, surgiu o Projeto cartas (Naira Ciotti, Rita Cavassana e Vicente Martos), que seguiu com a pesquisa realizando outras ações artísticas e procedimentos performativos apresentados em congressos e encontros de performance.

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2 que, nos últimos seis anos de pesquisa artística e de educadora, me move a tentar realizar sempre novas maneiras de ver e estar no mundo. O interesse em investigar performance compartilhada com crianças nasceu em 2012, quando comecei a trabalhar como arte educadora no projeto do Governo do Estado de São Paulo “Fábricas de Cultura”2, no qual desenvolvi atividades nas linguagens de dança contemporânea, teatro e artes integradas com crianças e adolescentes. Nesse período, pude construir, junto aos aprendizes3, modos para experimentar e provocar novos olhares sobre o mundo através da arte. Após seis anos de experiências artístico-pedagógicas nas quais o legitimador e legislador do conhecimento estavam nas mãos das instituições públicas nas quais trabalhei, propus, no ano de 2015, a investigação fora do âmbito institucional. Então, surgiu o Laboratório de Performance

Para Criança no Condomínio Cultural. Sua construção e realização se deu em

conjunto com parcerias artísticas com o performer Vicente Martos4.

Este trabalho é realizado com uma paixão quase adolescente e o modo de sua escrita desenvolve-se como um relato poético. Uma vez que esta é uma experiência artística compartilhada, me parece que o formato de caderno de um artista, com a provocação de trazer anotações de seus estudos teóricos, trechos do diário de bordo e um antimanual de processo artístico, que contém imagens e dialogam com a poesia, é uma continuação da prática junto à teoria. Assim, avisos para o leitor como janelas que serão abertas no texto para propor uma forma de diálogo direta para abrir uma reflexão, contar um segredo afetuoso e/ou fazer um desabafo, acontecerão. Estabeleço um diálogo por vezes direto e em certos momentos indireto pois, para isso, chamo à conversa autores que esta pesquisa encontrou ao longo da jornada para

2As Fábricas de Cultura são centros culturais do Governo do Estado de São Paulo, que promove ateliês de diversas linguagens artísticas em regiões socialmente críticas da capital paulista. Disponível em:

<<http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.a6fb3609f46434416dd32b43a8638ca0/?vgn extoid=de8f810c04411410VgnVCM1000008936c80aRCRD&vgnextchannel=de8f810c04411410VgnV CM1000008936c80aRCRD#.WUV75scwyON >> Acesso em 17 jun. 2017.

3Termo usado no material norteador que desenvolveu o pensamento artístico pedagógico do programa Fábricas de Cultura para nomear as crianças e adolescentes que participavam das atividades dos ateliês. Contudo, não me identifico com o termo pois esse nome reflete o processo de precarização do sistema educacional em nossa educação, que a cada dia se torna mais tecnicista.

4Vicente Martos (Guarulhos/SP), artista da performance, pesquisador, produtor e gestor cultural.

Bacharel em Performance pelo curso de Comunicação e Artes do Corpo na PUC.SP. Investiga a relação entre performance, residências artísticas e a produção de poéticas autobiográficas. Disponível em: <<http://lattes.cnpq.br/8823818183520838>>. Acesso em 17 jun. 2018.

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3 repensarmos conceitos e apresentar-lhes minhas inquietações como artistas interessada em processo compartilhados com crianças.

Esta conversa com você, leitora/leitor, irá aparecer como forma de trazê-lo para a intimidade. Um diário é privado e, quando apresento este diário de artista a você, quero tornar esta partilha uma conversa. Isso porque mais que resolver uma problemática, o objetivo desta investigação é apontar pistas para continuar um diálogo aberto e partilhar um processo de criação.

Caros leitores, vou destacar a compreensão de que, nesta dissertação, criança não é objeto de investigação. As bases que direcionam a pesquisa compreendem as crianças como seres que produzem conhecimento e você vai encontrar, ao decorrer da dissertação, autores que discutem sobre isso, mas, há um outro cuidado que compartilho com você: ao longo da pesquisa, percebo que há crianças de vários contextos sociais. Penso em como abranger as diversas vozes que vi nesse processo e, então, quero aproximar o conceito de lugar de fala da filosofa e feminista negra Djamila Ribeiro.

A nossa hipótese é que, a partir da teoria do ponto de vista feminista, é possível falar de lugar de fala. Ao reivindicar os diferentes pontos de análises e a afirmação de que um dos objetivos do feminismo negro é marcar o lugar de fala de quem as propõe, percebemos que essa marcação se torna necessária para entendermos realidades que foram consideradas implícitas dentro da normatização hegemônica. (RIBEIRO, 2017, p. 59).

Este conceito, caros leitores, foi importante para que eu pudesse, na pesquisa, repensar como colocar as contribuições acerca de contextos diferentes do que eu estou normalmente inserida, posto que a artista que vos escreve, caros leitores, é uma mulher branca, latino americana, de 35 anos, cis. Não sou a voz e não quero ser a voz das crianças, mas, uma interlocutora; e, para ser uma mediadora das falas das crianças, toda escuta é necessária. Essa mediação é um desafio uma vez que há muitos manuais de conduta para crianças que sempre dizem o que elas são, como elas devem ser, como se portar, como criar crianças e tanto outros artifícios que tomam o espaço e o lugar de fala das crianças.

Para uma conversa dinâmica com as crianças nesse processo, tomo como persona a figura e o conceito do professor-performer (CIOTTI,2014). Essa é a base do pensamento nesta dissertação para descobrir novas maneiras de relação no processo de criação junto às crianças, posto que essa figura propõe formas

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4 desviantes no que se refere à prática das artes ligada a projetos artísticos pedagógicos. Isso porque

o professor-performer movimenta os conhecimentos que possui sobre a arte em direção ao seu aluno. Ele pode movimentar corpos de conhecimentos, além da representação e da técnica. Seus alunos estão, na verdade, em muitos lugares, não necessariamente no ateliê. (CIOTTI, 2014, p.61).

Esse deslocamento proposto pelo professor-performer vem de encontro a proposições que interessava desenvolver em aula quando trabalhava contratada como arte educadora, pois, em ação como professor-performer, via-me como catalisadora de proposições e processos artísticos com o intuito de que as participantes e os participantes pudessem vivenciar experiências estéticas, descobrir a potência do seu corpo singular e serem produtores de conhecimento.

A figura da criança desobediente e do professor-performer como protagonistas de um movimento desviante entre arte e educação em processos criativos instaurados pode ser uma desobediência à arte “infantil’’ ou mesmo a busca em identificar a criança obediente que a escola deseja construir. A desobediência é estudada nesta dissertação como um ato político e criativo que cria maneiras de relação nas artes e na educação. A desobediência relaciona-se às ideias de emancipação, autonomia e liberdade.

[…] Fazemos sociedade desobedecendo coletivamente, levando um projeto alternativo de viver-junto, fazendo vibrar uma promessa social: a urdidura de pluralidade, e não a construção de uma unidade de todos os preços da renuncia de cada um. (GROS, 2018, p. 143).

Caros eleitores, as investigações artísticas criadas têm o objetivo de criar esta

urdidura de pluralidade de que fala o filosofo Frédéric Gros5 na citação acima. As

performances desobedientes compartilhadas são maneiras de criar um espaço alternativo de viver junto uma experiência estética com a proposta de compartilhar processos abertos para que as crianças possam, juntas, experienciar sua potência criativa, não interessando a arte produzida pelo mercado de arte. O que move o compartilhamento dessas ações é saber que as proposições serão investigadas e

5Frédéric Gros, filósofo francês, estuda filosofia francesa contemporânea, é especialista em Michel

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5 experienciadas de forma a buscar resultados atrelados ao ato de brincar e à produção de conhecimento das crianças.

O que proponho nesta dissertação, como professor-performer, é apresentar propostas estéticas vivenciadas por crianças fora de instituições, por meio da arte como experiencia, nas quais a ação seja conjunta e dependa ativamente do participante para que ela aconteça e, por meio dessas ações, discutir a relação da performance e a produção de conhecimento que as crianças estabelecem ao entrar em contato com essas proposições.

Além desse objetivo central, podemos elencar os seguintes objetivos específicos: discutir questões que tangem a arte e a politica na infância; aprofundar, por meio do processo de criação, as relações entre a linguagem da performance e as crianças; repensar estratégias artísticas que estabeleçam algum vínculo com a educação.

Nesta introdução, vou apresentar a vocês, caros leitores, alguns artistas e pesquisadores interessados em processos artístico híbridos com crianças já que há em desenvolvimento, no país, projetos de artistas independentes que estão em consenso com as questões que tangem a esta dissertação em diversas linguagens artísticas. Posso, aqui, não enumerar todos os exemplos, mas, trago artistas que trabalham com a ideia de ocupar a esfera pública, que são interessados na partilha de saberes em diferentes comunidades e que têm desenvolvido trabalhos direcionados ao público infantil como Lagartixa na janela6, que existe desde 2010 e

iniciou como sendo um projeto de pedagogia de dança contemporânea para crianças e desdobrou-se para experimentações artísticas que relaciona assuntos como criança, performance e intervenção urbana e cujo núcleo artístico é coordenado por Uxa Xavier; o Projeto Viela 47, desde 2016 realiza troca de experiência artísticas, a

partir da relação estabelecida com moradores do bairro Jd Paulistano (ZN), criando um intercâmbio com outros artista e coletivos da cidade, oriundo do Graffiti, tornou-se um ateliê aberto que propõe ações de muralismo e experimentação das artes visuais ligadas às ações performativas e exibição de filmes nos quais todos podem colaborar nas ações desenvolvidas e cuja proposta foi impulsionada pelo artista Jardélio Santos,

6 Disponível em: <<https://lagartixanajanela.wordpress.com>> Acesso em 19 jun. 2017. 7 Disponível em: <<https://www.facebook.com/viela4/>> Acesso em 19 jun. 2017.

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6 que mora e atua na região do bairro do Jardim Paulistano, zona norte da cidade de São Paulo; e a Residência Livre Performativa8, que é um projeto do artista Performer

Propositor mineiro Fernando Hermógenes, que iniciou esse trabalho em 2014 dentro do programa mais cultura do governo federal na cidade de São Joaquim de Bicas (MG), mas, tem uma contínua pesquisa artística de compartilhamento em diferentes espaços e comunidades sobre criança e performance.

Lançadas as questões de pesquisa que norteiam esta dissertação, foi necessário mapear, também, outros estudos acadêmicos que dialogam ou se aproximam dessa escrita. As pesquisas encontradas em plataformas acadêmicas a partir das palavras chaves ligadas ao tema da dissertação e à linguagem da performance apontaram pesquisadores no campo da antropologia da criança como as antropólogas Flavia Pires (2010) e Clarice Cohn (2005).

A pesquisa desenvolvida pela Professora Doutora Marina Marcondes Machado9 em seu pós-doutorado denominado “Território do Brincar”, concluído em

2010 (USP/ECA), desenvolveu os artigos "A Criança é Performer” e "Dez passos adultos na direção da criança Performer”. A pesquisa de Machado não tem os mesmos eixos centrais desta dissertação por se ligar a outras áreas e diretamente estar interessada na arte educação e no teatro, mas, é uma pesquisa de excelência e seus artigos contribuíram como referência de investigação sobre a relação da criança e a cena das artes contemporâneas.

A investigação realizada pelo artista maranhense Gandhy Piorsky "Brinquedos

do Chão: A natureza, o imaginário e o Brincar" (2016) é uma importante contribuição

para quem pesquisa as relações da criança e a importância do brincar. Ela foi um feliz encontro que me auxiliou a refletir e a pensar o brincar e a subjetividade da criança em torno das brincadeiras populares. A pesquisa mapeou brincadeiras em regiões do sertão no Pará, Maranhão, Rio Grande Do Norte e Ceará, também integrando a equipe do Projeto Território do Brincar com co-realização do Instituto Alana, que se

8 Disponível em: <<https://fernandohermogenes.blogspot.com.br>> Acesso em 19 jun. 2017.

9 Marina Marcondes Machado é docente na graduação e pós-graduação da Escola de Belas Artes da

UFMG, na área de Artes Cênicas. Graduou-se em Psicologia na PUC/SP (1997), fez o Mestrado em Artes na ECA/USP (2001), o Doutorado em Psicologia da Educação na PUC/SP (2007) e o pós-doutoramento em Pedagogia do Teatro na ECA/USP (2010). Marina trilha um caminho profissional interdisciplinar no teatro e na psicologia, conectada nos fluxos entre arte e educação; estudos da infância e teatralidade; ensino universitário e cotidianidade. É líder do grupo de pesquisa

AGACHO/Laboratório de pedagogias teatrais. Disponível em:

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7 dedica a promover a proteção do direito da plena infância. O instituto também é co-produtor em produções de filmes junto à co-produtora Maria Farinha Filmes, que realizou o documentário "Tarja Branca: A Revolução que Faltava" (2014), dirigido por Cacau Rhoden. O filme é um manifesto sobre a importância do brincar com depoimentos de crianças e de vários especialistas e personalidades de áreas distintas como educação, artes, psicologia e medicina.

Caros leitores, um exemplo para pensarmos a experiência de compartilhamento nas artes é "Domingos da criação", uma experiência desenvolvida na década de 70, no Brasil, com curadoria de Frederico Morais, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma proposta de experiência livre a qual ocupava o espaço público do museu por meio de laboratórios interdisciplinares com materiais diversos e que eram considerados ordinários pelas artes plásticas pois eram encontrados no cotidiano, como fios de barbantes e linhas de costura, restos de materiais plástico e papel, terra e cascalho etc.

"Domingos da Criação: Uma Coleção Poética do Experimental Em Arte e Educação" (2017) é um livro arquivo das ações realizadas em 1971. Esse suporte

teórico, porém, não está relacionado diretamente com a criança, mas, com ações artísticas compartilhadas que envolvem várias idades em contexto público. O pensamento que fundamenta a investigação do curador Frederico Moraes é a compreensão de que "a arte não é propriedade de quem compra, a coleciona e, no limite de quem a faz. A arte é um bem comum do cidadão." (MORAIS, 2017, p.5). Desse modo, as performances compartilhadas com as crianças são ações que circundam na mesma intenção que os Domingos da Criação, mas, com um foco específico nas crianças.

Apesar da pouca bibliografia com foco na relação da criança e a linguagem da performance no campo das artes, a escrita desta dissertação constrói conexões com estudos de outras áreas como antropologia e sociologia da criança, psicanálise, filosofia, biologia e educação, constituindo-se com um caráter híbrido para abrir diálogo com a linguagem da performance.

Caros leitores, o estudo não defende nenhuma teoria ou mesmo adota um só autor para tratar sobre o processo de criação, nem mesmo fecha uma ideia sobre compartilhamento na cena. Na verdade, a investigação está interessada na relação entre arte e política. Portanto, ela é composta de estudos de campos distintos do

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8 conhecimento como historia, sociologia, filosofia, biologia, antropologia e artes. A linha de pesquisa à qual este estudo se relaciona no Programa de Pós-graduação do departamento de artes da UFRN é Interfaces da cena: Políticas, Performances,

Cultura e Espaço, que se destina a pesquisas que buscam novas propostas de

investigação artística.

As propostas artísticas desta investigação aproximam-se da educação para provocar o seu pensamento crítico e artístico e expõem as relações de arte em contextos de engajamento político, além de evocar o caráter anárquico e a vocação da arte da performance como uma linguagem, que instaura debates políticos para tratar questões da sociedade. Essa característica aparece em pesquisas de outros artistas e são apresentados no primeiro (1.4 Estudos sobre compartilhamento) e terceiro capítulos (3.3 Passo três: a desobediência do corpo feminino e a criança).

A artista que vos escreve, caros leitores, por meio da figura autônoma do professor-performer, toma a iniciativa de propor o compartilhamento de performance em direção às crianças, dialogando com as questões da arte e educação em um âmbito não formal. Não tenho o desejo separar e ou quantificar as crianças, apenas propor uma experiência estética que possa ser significativa para quem participa, quem assiste e quem propõe. Assim, estabeleço que a metodologia para esta investigação artística se dá por meio de três vias: a escolha estética que passa pelos conceitos do professor-performer (CIOTTI, 2014), Work in process (COHEN, 2004) e os estudos da

performance (SCHECHNER, 2003). Você pode conferir maiores detalhes no primeiro

e segundo capítulos.

Como já expressado, caros leitores, esta dissertação é uma proposta artística e se dedica a estudar as relações da performance com a criança por meio do processo de criação compartilhado e o Diário de Bordo (MACHADO, 2002), assim, estabelece-se como uma pesquisa qualitativa sob o viés da pesquisa participante, optando pelo estudo sobre cartografia.

Caros leitores, o método cartográfico é o que guia a organização do pensamento e dialoga com os conceitos da performance, posto que ele possibilita trabalhar com processos abertos de maneira a construir redes de conexão e se aproxima do conceito de work in process. Portanto, caros leitores, proporciona a construção de diferentes formas de escrita que contemplam esta dissertação, que passam pelo caderno de anotações, diário de bordo e antimanual. Assim, as bases

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9 para a compreensão da cartografia estão estruturadas na compreensão de que a cartografia contribui para pesquisas de campo e “no estudo da subjetividade se afasta do objetivo de definir um conjunto de regras abstratas para serem aplicadas. Não se busca estabelecer um caminho linear para atingir um fim” (KASTRUP, 2015, p.32).

A aproximação dos estudos cartográficos está embasada nas quatro variantes de atenção do cartógrafo desenvolvidas por Virginia Kastrup10: o rastreio, “que

acompanha mudanças de posição de velocidade, de aceleração de ritmo" (KASTRUP, 2015, p. 40); o toque, que se aproxima mais como uma exploração de uma ameba por ter um corpo flexível – "o movimento da ameba é regido por sensações diretas, por ações de forças invisíveis” (KASTRUP, 2015, p. 41) –; o pouso, “que indica a percepção, seja ela visual, auditiva ou outra, realiza uma parada e o campo se fecha, numa espécie de zoom (KASTRUP, 2015, p. 43) e implica em um modo diferente de presença para estar atento aos detalhes; e o reconhecimento atento, no qual “o que está em jogo é acompanhar um processo e não representar um objeto” (KASTRUP, 2015, p. 45) – o que indica essa variante ao cartógrafo é que ele não deve estar preso aos seus movimentos automáticos, mas, atento à construção de novos movimentos.

Meus caros leitores, vou agora apresentar as três partes que compõem esta dissertação: no primeiro capítulo, Caderno de estudos: as crianças, o brincar e o

compartilhar no processo criativo da performance, disserto sobre como a criança é

percebida nesta pesquisa, partindo de parâmetros para compreender a criança através da sociologia da criança (PINTO; SARMENTO, 1997) e da antropologia da criança (COHN, 2005), que entendem a criança como protagonista e concebem a criança do seu próprio do ponto de vista. Neste compartilhamento, proponho refletir sobre a imagem que a sociedade brasileira construiu da criança e os processos históricos que permeiam essa construção (PILOTTI; RIZZINI, 2009) bem como o conceito de infância e o fator da vulnerabilidade infantil (SARMENTO, 2002). Por meio dos estudos da antropologia e do contexto histórico brasileiro, trago reflexões sobre a compreensão de estigmas e o estereótipo da criança obediente e da criança desobediente.

10 Virgínia Kastrup é professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em

Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e as quatro variantes de atenção do cartógrafo desenvolvidas pela autora você pode encontrar, caro leitor, em “O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo” in Pistas do método da cartografia: pesquisa intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre: Sulina, 2015.

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10 A importância do brincar no desenvolvimento cognitivo da criança (VERDEN-ZOLLER; MATURANA, 2015) e a relação com o imaginário e a subjetividade (WINNICOTT, 1975) é apresentada nesse capítulo; nele, estabeleço quais os parâmetros e pares teóricos quando adoto a performance como linguagem artística para, por meio dos estudos da performance (SCHECHNER, 2003), propor uma ponte do brincar cotidiano com as performances do brincar, o qual auxilia compreender a cena performativa proposta junto às crianças, que desenvolve-se parte do work in

process (COHEN, 2004), que estimula e associa o trabalho em processo de criação

que propõe quebras de paradigmas para as artes da cena e "desconstrói" sistemas clássicos de narrativa, somado às rupturas e às transformações pedagógicas propostas pelo professor-performer (CIOTTI, 2014) e intensifica a instauração de processo de criação de perfomances desobedientes.

O estudo sobre processos artísticos compartilhados e suas implicações junto ao campo da educação serão apresentados a partir dos estudos Artificial hells:

participatory art and the politics of spectatorship (BISHOP, 2012) e Pedagogia no campo expandido (HELGUERA; HOFF, 2011). A relação da compreensão de

compartilhamento por meio da reflexão dos teóricos aproxima questões da arte educação e o engajamento da arte como um território de debates políticos fértil para a ensino. Aproximo, também, caros leitores, referências de artistas que trabalham com pensamentos consoantes ao conceito do professor-performer: Joseph Beuys, Lygia Clark e Tania Bruguera, os quais estão em diálogo com a reflexão sobre arte política que perpassa o pensamento crítico das ações artísticas realizadas neste estudo.

O Diário de Bordo: da criança à jornada do professor-performer é a segunda parte que compõe esta dissertação, na qual relato as experiências realizadas junto às crianças de São Paulo (SP), Cunha (SP), Recife (PE), Natal (RN) e Nova Olinda (CE). Neste diário, aproximo a figura do professor-performer e da criança tendo como ponto de partida a experiência enquanto artista contratada como arte educadora em projetos em instituições culturais e o início do projeto Laboratório de performance para crianças; a participação como colaboradora em residência no Chão-Laboratório de experiências performáticas para crianças em meio rural na cidade de Cunha (SP), a visita à Fundação Casa Grande – Memorial Homem do Kariri em Nova Olinda (CE), na qual realizei o procedimento Caça Palavras; a realização do Laboratório de performance para criança no Projeto Trella na unidade do SESC Santo Amaro na

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11 cidade de Recife (PE); e o compartilhamento das ações PeneirAreia e Caça Palavras realizadas nas ONG's Projeto Motivar e Casa do Bem na cidade de Natal (RN), que ocorreram a partir do mapeamento de organizações de ensino não formal na cidade de Natal. A ação de mapear instituições parceiras estava prevista no projeto de pesquisa. Para realizar as ações de campo, a pesquisa passou pelo comitê de ética da UFRN e, em virtude dessa demanda, não cita ou expõe os nomes das crianças.

Esta jornada do professor-perfomer mistura-se às minhas experiências de mudança para a região nordeste em busca de aprimorar a pesquisa sobre processos em artes com crianças. A investigação não tinha como propósito inicial acontecer em diferentes contextos, mas, seguindo o fluxo de um processo aberto, a pesquisa pode, caros leitores, refletir sobre arte e política e crianças em um contexto diverso haja vista a abrangência do território brasileiro e nossas singularidades culturais.

O capítulo também traz as reflexões e pistas sobre a importância da experiência (LARROSA, 2002), a investigação do brincar ligada ao imaginário (PIORSKI, 2016) bem como identifica a potência da desobediência no processo criativo.

Caros leitores, o terceiro capítulo é um antimanual, uma lista de passos para repensar conceitos e não uma ordenação sobre os passos de conduta. O que proponho nesses passos é repensar a infância. As pistas e conceitos apresentados nos capítulos anteriores são recuperados a fim de fomentarem a criação do antimanual e trazer luz à resistência das crianças que, apesar de desobedientes, continuam a frequentar os espaços obedientes como a escola, pois a educação é a forma de marcar as lutas pelo empoderamento (BERTH, 2017).

Conversaremos, neste antimanual, caros leitores, a partir de pressupostos teóricos que apontam as diferenças entre a cultura do patriarcado e trazem um contraponto à Cultura Matrística (MATURANA; VERDEN-ZOLLER, 2015) e como o ato de brincar pode ser transgressor pois, ao criarmos performances desobedientes por meio do ato de brincar em coletivo, as crianças empoderam-se uma vez que é parte importante para a produção de conhecimento das crianças.

Neste antimanual, convido você, caro leitor, a adentrar o território relacionado às teorias feministas e proponho a aproximação da pesquisa realizada sobre o período da caça as bruxas por meio do livro Calibã e a Bruxa: Mulheres corpo e acumulação

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12 do corpo feminino por artistas e ativistas, como Regina José Galindo e Nina Caetano, para refletirmos sobre a performance como um campo de engajamento político através de corpos femininos desobedientes e como a construção social da maternidade compulsória e a violência contra o corpo feminino refletem sobre as crianças.

Para repensar à infância e continuar o desenvolvimento de nossa conversa acerca da arte e política na infância, caros leitores, aproximo o panorama político no qual estamos inseridos na América Latina e relaciono essa desobediência às teorias de colonialidade a partir de Colonialidade do Poder e Classificação Social (QUIJANO, 2009) e o "A Potência do Sujeito Coletivo", entrevista de Ailton Krenak.

Caros Leitores, convidados ou curiosos que forem ler esta dissertação, vou dividir pensamentos que ocorrem não como uma conclusão da pesquisa, esta você encontrará ao final da dissertação, mas, como inquietações já que meu entendimento desse processo artístico não deseja se encerrar em conceitos ou métodos, mas, tem como proposta abrir uma janela para um pensamento em construção.

A desobediência foi descoberta no percurso deste estudo, mas, como um conceito importante foi identificada no Congresso Reperformar O Afeto: Professor-Performers11, encontro realizado pelo Laboratório de performance coordenado pela

professor-perfomer Naira Ciotti, que contou com a participação de professores da rede pública, estudantes de artes, artistas e professores convidados.

Caros Leitores, compreendo a desobediência como ato político e criativo após experiências como arte educadora e professor-performer de crianças e a partir de minha própria vivência como criança desobediente. Além disso, a compreendo também tentando seguir o percurso na vida adulta como um ser desobediente como feminista e performer – falar de desobediência é um ponto de partida para discutir e articular um dos interesses desta dissertação, que move campos entre arte e política na infância.

O que apagou a criança interior foi a obediência, a resignação de tornar-se um ser "adulto" capaz de aceitar as condições injustas. Confesso, caros leitores, que me pergunto como ser desobediente sem fazer com que os desafios da vida adulta nos

11Caros leitores você pode conferir no link as ações realizadas no congresso.

<https://www.researchgate.net/publication/328410298_REPERFORMAR_o_Afeto_professores_perfor mers_versao_beta> Acesso em: 15 jan. 2019.

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13 engulam. Talvez, compartilhar propostas artísticas que instauram uma rede de diálogos entre os membros de comunidades possa ser uma maneira de transformar essa cultura patriarcal que transborda dicotomias avessas à nossa livre expressão.

Hoje, caros leitores, o meu pensar está espalhado pelo espaço do quarto em que escrevo esta dissertação, com folhas de rascunhos, livros riscados e marcados com tirinhas coloridas. Não durmo mais com a cara no livro, durmo sonhando com a próxima desobediência que posso criar.

Leitora e leitor, como foi, até agora, nossa conversa? Apresentei um pouco do que você vai encontrar daqui em diante nesta dissertação e espero que não tenha sido monótona nossa conversa até aqui. Seguiremos, agora, nesta jornada para o caderno de artista.

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14 Vídeo Letramento Use o celular e o AAP de QRcode.

Vídeo PeneirAreia

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15 1 CADERNO DE ESTUDOS: AS CRIANÇAS, O BRINCAR E O COMPARTILHAR NO PROCESSO CRIATIVO DA PERFORMANCE

Há quem não goste delas Há quem ache tudo um exagero

Há quem ache muito arriscado Quem tem medo de criança? Quem tem medo da performance?

Caros leitores, vou apresentar-lhes meu caderno de estudos, o qual contém inquietações e pensamentos sobre a pesquisa. Ele foi construído por provocações oriundas da prática e relacionadas ao pensamento artístico pedagógico que escolhi traçar no percurso desta dissertação. As anotações deste caderno estão divididas em quatro partes: a criança obediente e a criança desobediente; o brincar e a performance; o processo criativo do work in process e o professor-performer; e estudo sobre compartilhamento.

O arcabouço teórico recorre a vários campos teóricos. Trago como referência autores para auxiliar na reflexão que proponho apresentar nesta escrita, a qual inicia sua trajetória com a pesquisa sobre a construção social da criança, as relações com políticas públicas e a problematização dessa relação a partir do ponto de vista da sociologia da criança (SARMENTO, 2002) e da antropologia da crianças (COHN, 2005) para apresentarmos a criança obediente e a desobediente. Apresento alguns pressupostos sobre performance e indico a possibilidade de leitura do ato de brincar como performance (SCHECHNER, 2003), anuncio a persona professor-performer (CIOTTI, 2014) como articulador do processo Work in process (COHEN, 2004) e relaciono ele à perspectiva do Mestre Ignorante (RANCIÉRE, 2013) como uma ponte para a construção de uma ação performática compartilhada com crianças que possa expandir o campo de ação das artes para a educação e o social a partir de conceitos como virada pedagógica nas artes (BISHOP, 2012) e a Transpedagogia (HELGUERA, 2011).

1.1 A criança obediente e a criança desobediente

As crianças não são vistas, nesta pesquisa, como uma figura a ser estudada ou compreendida. Caros leitores, as reconheço como agentes, propositores, artistas

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16 participantes da cena performática e das experiências transformadoras. A escolha de fazer performance com crianças ocorreu a partir da percepção e do contato direto com elas nos ateliês e na vida cotidiana; elas são inventivas, desbravadoras do desconhecido, autênticas.

Minha experiência como criança artista também está expressa nesta pesquisa já que fui por minha mãe incentivada à prática da dança com oito anos de idade. A princípio, era um atividade física para ocupar o tempo. Aos poucos, começou a tomar um lugar sério em meus compromissos além da escola. Minha relação com a dança, na verdade, me auxiliou muito na vida escolar, porém, a partir da dança, entrei em contato com outras linguagens artísticas, estudei desenho e teatro na adolescência e tive uma grande frustração ao tentar tocar violão. Minha relação com o corpo nas artes sempre foi a forma como consegui me expressar e perceber uma pessoa com um potencial criador.

Como arte educadora na linguagem de Dança Contemporânea, pude trazer todas as experiências que colecionei como artista criança e propor, para outras crianças, essas experiências somadas à minha formação artística, evidenciando o que quando criança percebia, mas não sabia nomear, e relaciona-se com a ideia de que as crianças são "seres difíceis de serem entendidos”, que produzem cultura de alta complexidade e, como tais, são agentes da sua transformação. A complexidade a qual me refiro está atrelada à ideia da teoria geral do sistema, em especial ao pesquisador Jorge de Albuquerque Vieira:

a arte ao explorar não somente a realidade mas suas possibilidades, trabalha alternativas quanto a realidades possíveis, o que – de uma forma menos otimizada que a científica – também garante a sobrevivência do sistema que cria [...] comum dessas atividades criativas, que é a interface desenvolvida ao longo da evolução entre o sistema cognitivo e a realidade. Uma interface que permite adequar as diferenças que surgem na realidade ao comportamento do sistema vivo, de modo que este último possa manter um comportamento coerente com as características do real e assim sobreviver ou permanecer. Um sistema complexo e adaptativo. (VIEIRA, 2008, p. 77).

Caros leitores, quando me refiro às crianças, nesta escrita, o critério para referência e indicação de faixa etária está relacionado à ideia de que a "instituição essencial na determinação da infância e dos respectivos limites etários é a escola” (PINTO; SARMENTO, 1997, p. 5). Assim, é a criança que frequenta a escola que está inserida nesta pesquisa.

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17 Vou aqui abrir uma janela para que eu e você, leitor, possamos conversar sobre uma inquietação que surge com o termo infância. Vamos à sua origem etimológica, que tem origem no latim infantia e vem do verbo fari, que é falar, no qual fan é falante e in constitui a negação do verbo. Portanto, infans refere-se ao indivíduo que ainda não é capaz de falar. Não me parece que essa palavra possa ser aplicada ao meu trabalho quando falo de criança e, portanto, vou usá-la com parcimônia. Gostaria de me deter ao ser em sua plenitude e, por isso, a palavra criança é utilizada com frequência.

Meu incômodo com o termo infância12 ocorre por ele carregar estigmas e

apresentar a criança como uma folha em papel em branco que não tem direito à palavra. Isso acontece porque a concepção moderna de infância é entendida como um déficit: "as crianças imaginam o mundo porque carecem de um pensamento objetivo" (SARMENTO, 2002, p. 2) ou "a construção social da infância pela modernidade: criança é o que não fala (infans), o que não tem luz (o A-luno), o que não trabalha, o que não tem direitos políticos" (SARMENTO, 2002, p. 2). Porém, a criança se expõe. O lugar dos enunciados, da troca de experiência e da palavra toma importância na infância já que o "filhote do homem é antes de qualquer outra coisa um ser de palavra" (RANCIÈRE, 2013, p. 29).

Assim, o ser de palavra é um ser exposto aos outros (e às suas palavras), que nos exigem algo e nos conduzem para fora de nós mesmos, nos instalando, não numa posição de domínio ou de independência (numa posição de adulto), mas numa posição de dependência indeterminável, de vulnerabilidade irrecuperável, numa ex-posição (na infância). Naturalmente, “o aluno” também se encontra numa situação de dependência, embora sua posição não seja uma ex-posição, mas uma posição bem definida e determinada (ou a determinar) pela pedagogia: na posição deficitária daquele que não sabe, não tem a competência. (MASSCHELEIN, 2003, p. 284).

O que identifico, caros leitores, é que o que conduz o pensamento hierárquico entre o adulto e a criança relaciona-se a ambos estarem sujeitos à exposição da

12Caros leitores, não vou me ater sobre o termo Tábula Rasa, criado pelo filósofo John Locke, ou

mesmo os estudos desenvolvidos por Steven Pinker, que contrapõem essa ideia, tampouco irei explicar profundamente conceitos sobre a infância. O que desejo partilhar nesta escrita do processo artístico relaciona-se com as razões que me levaram a escolhas neste processo a partir de uma perspectiva crítica sobre como a criança é inserida e apresentada para a sociedade. Por meio dessas ponderações é que irei realizar ações performáticas.

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18 palavra13. Contudo, o ser adulto encontra-se em um outro lugar de fala colocado pela

sociedade e pela cultura.

Com essas inquietações sobre as relações construídas sobre os conceitos que a modernidade vai criar de infância, escolho, para tratar dessas questões sobre a criança, os estudos da antropologia da criança que apontam mudanças na compreensão do lugar o qual a criança ocupa na sociedade e refere-se aos conceitos de cultura e sociedade partir do século XX. Assim, esse pensamento é contrário ao entendimento da criança tábula rasa como disserta Clarice Cohn em "Antropologia da Criança" (2005).

Ao contrário de seres incompletos, treinando para a vida adulta, encenando papéis sociais enquanto são socializados ou adquirindo competências formando sua personalidade social, passam a ter papel ativo na definição de sua própria condição. Seres sociais plenos, ganham legitimidade como sujeitos nos estudos que são feitos sobre elas, essas mudanças afetam os estudos antropológicos em três aspectos: a criança como ator social, a criança como produtor de cultura e a definição social da criança. (COHN, 2005, p. 21).

Essas importantes modificações em três aspectos, como aponta a antropóloga na citação acima, que entendem as crianças como agentes da ação, produtoras de cultura, e a compreensão de que a criança não é um folha em branco mas, que ela já carrega saberes próprios a elas faz com que sua participação na construção da sociedade como agente da ação junto ao adulto ganhe legitimidade. Esses pressupostos se aproximam de parâmetros frequentemente discutidos no campo da educação como autonomia, emancipação e protagonismo.

Essa mudança na compreensão sobre a criança faz, no entanto, com que o adulto adote uma outra postura frente às suas ações pois como o adulto pode emancipar sem ser emancipado?14 Ao olharmos com afinco a situação da criança na

sociedade e ao colocá-la como protagonista, todo o sistema tem de se readequar à sua construção para que a criança possa tomar o seu espaço. Contudo, sabemos que essa realidade ainda é algo a ser construído.

13Essa reflexão entre as hierarquias motivou o processo de indagação sobre o lugar de fala da criança,

que culminou na construção para a ação Caça Palavras, que será apresentada com maiores detalhes no Capítulo 2.

14A partir da leitura de Jacques Rancière em o Mestre Ignorante (2013), “o que pode, essencialmente,

um emancipador é ser emancipado: fornecer, não a chave do saber, mas a consciência daquilo que pode uma inteligência, quando ela se considera como igual a qualquer outra e considera qualquer outra como igual à sua." (RANCIÉRE, 2013, p. 64).

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19 O interesse sobre os estudos da infância tem tomado importância no debate social e espaço cada vez maior nas academias, de modo que há uma significativa preocupação sobre o porquê da emergência desse debate, posto que

as crianças são tanto mais consideradas, quanto mais diminui o seu peso no conjunto da população. Este indicador demográfico, particularmente presente nos países ocidentais, por efeito coordenado do aumento da esperança de vida e da regressão da taxa de fecundidade, constitui, na verdade, o principal e decisivo factor da importância crescente da infância na sociedade contemporânea. Dir-se-ia que o mundo acordou para a existência das crianças no momento em que elas existem em menor número relativo. (PINTO; SARMENTO,1997, p. 2).

Os indicadores demográficos da população infantil, como destaca a citação acima, não estão relacionados às campanhas de controle de natalidade, mas, à vulnerabilidade que essa população sofre com a negligência do Estado em relação a guerras, saúde, educação e direitos humanos. Caros leitores, para termos conhecimento sobre a situação atual dos índices de vulnerabilidade, vou fazer um recorte nos índices atuais relacionados ao direitos humanos e crianças no Brasil.

Segundo os últimos levantamentos da Unesco15, no Brasil, no ano 2017, em

média, jovens negros têm 2,71 mais chances de morrerem por homicídio do que jovens brancos. No país, os números referentes à violação de direitos humanos ligados à violência e exploração sexual entre o ano de 2012 e 2016 somou pelo menos 175 mil casos, o que representa quatro casos por hora. Apenas entre 2015 e 2016, 37 mil casos de violência sexual na faixa etária de 0 a 18 anos foram denunciados. Ao todo, 67,7% das crianças e jovens que sofrem abuso e exploração sexuais são meninas, contra 16,52% dos meninos. Os casos em que o sexo da criança não foi informado totalizaram 15,79%. A maioria dos agressores são homens (62,5%) e adultos de 18 a 40 anos (42%)16. Seguindo as estatísticas de indicativos de

vulnerabilidade infantil no Brasil, o número atual de crianças e adolescentes

15Maiores detalhes dos dados estão disponíveis em:

<http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/indice_de_vulnerabilidade_juvenil_a_violencia_2017_desig/>. Acesso em jul. 2018.

16Dados dessa estatística têm base no disque denúncia 100 dos direitos humanos e estão disponíveis

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20 trabalhando no Brasil representa quase 2% do existente no mundo: 152 milhões de pessoas, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT)17.

Podemos constatar, caros leitores, por meio dos dados estatísticos18 acima,

que apesar de mobilizações, sobretudo da sociedade civil e de movimentos como

Mães de Maio19, que surgiu a partir da mobilização dos Crimes de Maio de 2006 em

São Paulo, nos quais foram mortas 493 pessoas, das quais mais de 400 eram jovens negros, descendentes afroindígenas ou pobres, os números confirmam que ainda há muito trabalho para ser feito na área da politicas para as crianças e jovens.

Recorrentemente, esses índices são apresentados ao Estado que, como medida de atender a essa demanda, propõe políticas públicas para os jovens em situação de vulnerabilidade, a exemplo de equipamentos como as Fábricas de Cultura, em São Paulo, ou o Compaz, na cidade de Recife. Os índices de vulnerabilidade infantil e juvenil ainda estão elevados, conforme apontam as agências responsáveis pelos direitos das crianças e adolescentes, bem como a compreensão do Estado sobre alguns corpos é distinta. Basta ver a diferença entre as mortes de jovens negros e brancos, caros leitores. Faço um relato da incrível dissimulação do Estado com as políticas públicas de jovens da periferia, a exemplo da cidade de Recife, em Pernambuco, que tem dois equipamentos Compaz atuando como centros culturais de atendimento ao cidadão e que promovem oficinas e atividades para crianças e adolescentes. Uma dessas unidades, a Ariano Suassuna, está localizada em uma esquina da Av. Abdias de Carvalho enquanto na outra esquina há um prédio da Funase20 com muros altos e coloridos que ocupa um terreno muito maior: uma para

corpos obedientes outra para os desobedientes.

O Estado e outras tantas instâncias que lidam com políticas para a infância, ao considerarem a criança como ser em branco que precisa tornar-se obediente, que

17Os dados de estatística sobre o trabalho infantil estão no site do Fórum Nacional de Prevenção e

Erradicação do Trabalho Infantil, disponíveis em:

<http://www.fnpeti.org.br/arquivos//biblioteca/733226a82765a5a62fb2d30f8b40aa7b.pdf>. Acesso em jul. 2018.

18

Dados dessa estatística têm base no disque denúncia 100 dos direitos humanos < <http://www.childhood.org.br/numeros-da-causa>>. Acesso em jul. 2018.

19

Para saber mais sobre os crimes de maio <<http://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/participacao-social/old/cndh/relatorios/relatorio-c.e-crimes-de-maio>> Acesso em: 23.Jan.2019

20 Fundação de Atendimento Socioeducativo, nome do órgão de controle do menor infrator no estado

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21 aceita tudo, e ao acreditarem que ela pode se moldar ao adulto que será um dia é e foi uma falha de compreensão sobre o que pode ser a criança. É relegar à criança um lugar menor, no qual ela é indefesa, que tem de ser excessivamente protegida e até mesmo cerceada. Portanto, em certa instância, ela pode causar problemas à moral da sociedade, tornar-se desobediente, sendo considerada um caso de política e de polícia. Essa é uma discussão social construída por longo período.

Tanto as crianças “tabulas rasas” dos primeiros jesuítas quanto os expostos e desvalidos da antiga caridade, bem como os abandonados e irregulares da República aparecerão como rostos datados, em descontinuidade uns em relação aos outros- perpassados todos, no entanto, pela herança de exclusão que marca a história do Brasil desde o descobrimento. (ARANTES, 2009, p. 155).

A citação acima faz referência à imagem de rosto de criança que ao longo de anos foi incorporada na sociedade brasileira. Temos figuras emblemáticas construídas na ficção que tinham e têm o propósito de denunciar a realidade de desigualdade e conflitos da criança em desempenhar um papel que realmente lhe cabe na sociedade, exemplos disso são Pixote21, Querô22, Auxiliadora23, Dadinho24,

Maria Josué25, Miguilim26 e tantas outras meninas e meninos marginalizados em

situações urbanas ou nos sertões.

Essas crianças da ficção foram criadas a partir de suas realidades, haja vista o processo colonizador do país, que passa do genocídio indígena à diáspora dos negros escravizados, e faz com que a criança ora retirada de sua mãe ao nascer provoque o início do abandono generalizado promovido pelo colonizador que, em primeira instância, quer desarticular a sociedade ali encontrada.

O Evangelho, a espada e a cultura europeia estavam lado a lado no processo de colonização e catequização implantado no Brasil. Ao cuidar das crianças índias, os jesuítas visavam tirá-las do paganismo e discipliná-las, inculcando-lhes normas e costumes cristãos, como o casamento monogâmico, a confissão dos pecados, o medo do inferno.

21Pixote: a lei do mais fraco, de 1980, o protagonista do Filme de Hector Babenco está entre os 100

melhores filmes da filmografia brasileira.

22 Uma reportagem Maldita- Querô (1976), personagem central do Romance do dramaturgo e escritor

Plínio Marcos. Em 2007, o diretor Carlos Ferraz faz uma versão para o cinema com o mesmo nome.

23 Baixios das Bestas (2006), dirigido por Cláudio de Assis, o filme tem como protagonista Auxiliadora,

que é abusada e com 16 anos torna-se prostituta sendo explorada por seu avô.

24 Cidade de Deus (2002), do diretor Fernando Meirelles, faz um recorte entre a ficção e a realidade da

comunidades no Rio de janeiro. Traz o personagem Dadinho, que depois se tornaria Zé Pequeno.

25 Central do Brasil (1998), um dos personagens protagonistas do filme dirigido por Walter Salles. 26 Manuelzão e Miguilim (1964), personagem do romance de João Guimarães Rosa de 1964. Ganhou

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22 Com isso os “soldados de Cristo”, como eram também chamados os padres da Companhia de Jesus, perseguida um duplo objetivo estratégico. Converteram as crianças ameríndias em futuros súditos doces do estado português. (PILOTTI; RIZZINI, 2009, p.17).

Não posso me abster, no entanto, de mencionar em nosso processo colonizador a mácula da escravidão pois essa é uma questão social existente até hoje, como já citado. E vou pontuar de novo, caro leitor: em média, jovens negros são alvo de morte e têm mais chances de morrerem por homicídio do que jovens brancos no país, isto é, as crianças negras são as mais vulneráveis. Os índices de mortes são alarmantes e já chegaram a oscilar para números mais altos, porém, esses índices se relacionam à nossa realidade desde o período do Brasil colônia, ou seja, há mais de 500 anos, como indica a citação a seguir.

As crianças escravas morriam com facilidade, devido às condições precárias em que viviam seus pais e, sobretudo, porque suas mães eram alugadas como amas de leite e amamentavam várias outras crianças. Mesmo depois da Lei do Ventre Livre, em 1871, a criança escrava continuou nas mãos dos senhores, que tinham a opção de mantê-la até os 14 anos, podendo, então, ressarcir-se dos seus gastos com ele, seja mediante o seu trabalho gratuito até os 21, seja entregando-a ao Estado, mediante indenização. (PILOTTI; RIZZINI, 2009, p. 18).

Não vou me dedicar a traçar uma ordem cronológica sobre a história da criança ou me dedicar ao debate sobre o erro de pensar a criança como uma tábula rasa pois essas são questões extensas que exigem aprofundamento. O que prendendo, aqui, cara leitora/caro leitor, é expor questões relacionadas à construção social da criança participante desse processo artístico, é trazer a perspectiva da criança em nossa sociedade que, no meu entender, relaciona-se a questões que o movimento feminista luta durante décadas, que serão analisadas no terceiro capítulo. Portanto, a intenção é problematizar e mostrar os diferentes momentos históricos que construíram o imaginário sobre a criança em nossa sociedade e como a tomada de decisões políticas feitas pelo Estado, no percurso histórico, trata a criança como um problema.

A criança é uma adversidade para a sociedade pós revolução industrial e, por isso, nos grandes centros urbanos, as crianças passam a ser marginalizadas. O sistema político dá lugar de fala à elite da sua época, o que vai revelar que os costumes e pensamentos são hegemônicos e vão ditar pressupostos da boa moral e conduta. A partir de uma ordem estabelecida pelo estado no Brasil e pela classe dominante, a organização se pautará em controlar as classes baixas.

Referências

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