03460
1959
FL-PP-03460
,
..
~
.'
.
•
rNSTlTUTO'
AGRONÔMICO
DO
NORTE
(NOTAS SOBRE FARINHA DE MESA)
POR
MILTON
ALBUOUEROUE
Asst.da Secçê.o de Melhoramento de Plantas do IAN
BELÉM-PARÁ 1959
í
~
--- -'-~~
- "- "_~
f:
::t
APROVEITAMENTO
DA
MANDIOCA
~otas
s8Lre
farinha
de
~esa
\ »Ó, \
por
Milton
Albuqu~ruue
/I • As s t " daS ecç ã
o d e ~ e1h c r am~~I' t(Ide
Plantas
do
IAN
Be1é
m - Pa rá
1959
APROVEITAMENTO
DA
MANDIOCA
(Notas
s6bre
farinha
de mesa)
A chamada
"farinha
de
'
mesa"
é a 'forma
princi-pal
de
aproveitamento
da mandioca
na
Amazônia
e a
única
de caráter
industrial.
Mais
de noventa
por-cento
do seu
aproveitamento
é feito
dessa
forma.
Os
tipos
fabricados
e colocados
no
comércio
são:
Farinha
fermentada
ou
dágua;
Farinha
ralada
eu
sêca
e Farinha
do
Pará
(mistura
da
massa
das
outras
duas).
Todos
êsses
tipos
podem
apresentar
coloração
branca,
amarela
ou
in termedi
ári a,
dependendo
da
variedade
fornecedora
<
,
iamatéria
prima.
Dada
a
·sua
import~ncia,
por
ser
o
elemento
preponderante
do
-
regime
alimentar
da
maior
parte
da
populaç50
dar
e
g
iio,
procuro~
o
IftN estud6
"
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,
,
-
,
~
;
(
)
que
compr
e en
d
e :
Parte
I)
Estudo
individual
e comparativo,
ge-ral,
d~s
dois
tipos
de
farinha
de
mesa
usados
na
região,
sêca
e d
águ
a
, tomando
os
seguintes
csmi-nhos:
1°)
InfluPncia
da
idade,
varied
a
de,
preparo
e
tipo
s
êbr e:
a)
rendimento
b)
qualiclrde
c)
fa
b
ri
ca
ç
ão
d)
s
ub
-
p
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os
Parte
1
1
)
Estu
d
o
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a
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s
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s
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e
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e
6
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relada,
tal
como
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Pa
r
t
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Dê
sses
estudos
foi-no s
possí
v
el
'
t
i
r
a
r d
i
v
e
rs
as
conclusões,
tai
s
como:
a)
Rendimento:-a far
inh
a
ralada
~
sem
dá
v
id
a
supe
rior
à
fer
men
t
ada
ne
st
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particular,
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o.
E
m
m~d
i
B,
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12
e
18
m
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s
e
s
af
a
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rRlada
apresent~
u
m
rend
imento
de
25%,
e
nqu
Rnto
a
farinha
d6gua
r
en
d
e
a
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20
%
.
A
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ós
os1
8
meses
o aumento
de
fibras
afeta
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Pescada
Pin
d
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1
7
,
2
1
8
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A
marela
1
4
,6
1
8
,0
1
3,5
-
14,4
1
9,
7
27
,
8
Br
a
nc
a
19
,
2
22
,
9
A
marela
15
meses
"
"
"
lib)
Qualidade:-tomando
como
c
ri
t
é
rio
o
s
8bor
e
o as
pe
cto
,
p
ode
-
se
diz
e
r
q
ue
a
q
ua
l
i
d2
de
est6
con
dicionada
à idade
e ao tipo
de preparo
.
Na
reg1ao
a matéria
prima
(raizes)
deve
ser colhida
de plan
-tas entre
12
e
18
meses,
porquanto
ap6sessa
idade
o aumento
no·
teor de
'
fibras
afeta
o'
bom
aspecto
da
fe
ri nh a .
A operação
de
prepa ro
,
compreendendo
o
mod
o
e duração
da
v
f e
rmén taç ão ,naturez
a
dos
uten-silios,
a ss
ep
si
a ,
e
tc
.
,
influem
também
ma rcant
.
e
..
mente
sôbre
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e
saLor.
c)
Teor nutritivo:-de um modo
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a fari
n
ha
de mesa
é um
alimen
t
o
de
medíocre
valor
nutritivo,
respons'vel
em parte
pelas
deficiências
org~nicas
obs
e
rvadas
na maior
parte
.
da populaç~oda
planice.
Con
tr
i Lui
n
d
o
com mais
de 60%,
é o elemento
básico
do
seu regime
alimentar
.
Várias
análises
foram
levadas
a
efeito
no
Laborat6rio
de
Química
do
Instituto
ftgronômico
do
Norte
pelo
s
técnicos
Jaime
Almeida
e Gerson
Per
e
ira
Pinto,
.
~endo
sido
,
com
resultado
dessas
análises;
elaborado
o
Quadro
11
,
que
apre
s
entamos
na
página
seguint
e.
COJllose poder'
ver,
a
farinha
de
côr
é mais
rica que a farinha
branca
quanto
ao teor
em
gord~-ra
,
o que
evidencia
uma
superioridade
do ponto
de
vista
nutriti
v
o.
5
,
,'-..
QUADRO
II
ANÁLISES
DE
FARINHAS
QUANTO
AO TIPO
DE COLORAÇÃO
Côr
Variedades
Água
Amido
Proteinas
Gordura
Cinzas
_
Fibras
Branca
Pretinha
15,06
81,15
1-280
0
,
150
0,660
1,70
Cr
e
m
e
Mameluca
14
)
3
8
81
,
3
8
1
,
200
0,117
0,460
2;46
A
Creme
Jabo
tí
15
C3
82
,
80
9,640
0
,
084
0,65
0
e
,
86
Bran
c
a
Peáuí
15
,
11
82
.,
23
0,740
0,130
0,500
1,29
Am
are
la
Inambú
14
,
80
61
,
54
1
,
150
0,274
0
,
360
1
,
86
Amarela
Cachimbo
15,33
79
,
55
1
,
317
1,580
0,442
1
,
85
Amarela
Mi ri ti
15,34
80
,
19
1
,
156
9,478
0,642
2,59
~
Os qU1m1cos que realizaram essas análises, com
que se ~laborou o quadro anterior, apresentaram
também ~~ relatório do qual transcrevemos a seguir os trechos'de maior interesse.
/
"Nas farinhas an a Li s a
d
à
s {oramd
e t.ermi
n a -dos: Agua, amido (substinctas redutoras to-tais }, proteina, 1ípi des, cinzas e fibras. Despertaram um interêsse especial as amare-laa pois apresentavaM um teor de lípidesbem mais elevado que as brancas.
A
possível ocorrênci~d
e
provitaminas e vi-taminas, dada a intensa coloraçio amarela e o elevado tear em lípides nos levou a fazer os testes químicos ao nosso alcance.
A
fal-ta de certas drogas especializadas prejudi-cou em parte.o nosso esturlo.Concluimos no entanto a possível existência de provitaminas
A
e D. Os testes químicos.apesar de corresponderem paralelamente aos testes biológicos, nio sio ent.retanto segu -ros na identificaçio das vitaminas. Muitas substincias e grupos químicos, especialmen
-te lipocromos respondem aos mesmos testes, deixando a dóvida que só osbiol~gistas a
-fastam. Com o tempo, a coloraçio intens<" d'"s J«r.1nhas j, ."1)a rec em.
Sôbre o mesmo material ·fizen:osanálises .se··
me Lhant.e'às anteriores. De todas as fari..
nhas analisadas a Cachimbo parece-nos a m~is interessante, nio s~ pelas caracterís
-ticas químicas como sabar agradável.
Sendf" mandioca ou "mandiocas bravas" era de supor terem elevado tear de
HP~
.
Por determinaçio da Diretoria fizemos de -terminaçio de HCN sôbre material verde (re -cem colhido) ..
Obtivemos em m~dia para material com 69,37% de água, 0,01867% de
HC'N
(sôbre amostrasê-c a ).ti
Podemos dividir em dois ~rupos os elementos produtores de farinha na regj~o amazôniea: o nati
-vo e o nordestino.
d) Prefer'ncia:- o elemento nativo da região
prefere decididamente a farinha fermentada, ao contrário do nordestino que prefere o outro tipo,
O sabor característico, a tradiçio e a maior sim -plicidade de fabricação são os fatores determinan -tes dessa preferência. Gostando mais d€sse tipo de f ar i r.ha, habituado a ela desde o nascer, achan .. do fácil o seu preparo, e pouca importância dando ao fator lucro, compreende-se a pre~erência que lhe dá o elemento amazônico.
Com o homem n~rdestino isso já nio acontece, Para êle o lucro ~o aspecto mais importante a a
fabricação da farinha ~ feita por êle visando mBIS
ao interêsse comercial que o de sua pr6priasub· sistência~
Afora @sse aspecto, parece rtosacertado condi
-cional' as raz6es da preferência do elemento nor
-destino pela farinha ralada a certas circunstin·
cias geogr~ficas:
1)'É sabido qlJe a farinha sêca ~ o único tipo
fabricado no nordes~e brasileiro. onde se originou
e de onde posteriormente se espalhou para outros
pontos do continente;
2) ~ tamb~m conhecida a principal caracterís
-tica climática da zona em questão, de acentuada
pobreza de água;
3) A fermentação da mandioca em cacimbas impe
-de, por um largo espaço.de tempo, o seu aproveita
-mento para certos fins.
Correla
c
io
n
e
d
o
s
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s
es
iten
s
,
torn
a
-
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admitir
êsse
fator
(escassez
d
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a
a coloração
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farinha
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civilização
.
Por
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amarela
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e
,
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d
a
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.
N
o
s
cent
ro
s
populo
s
os
,
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c
avs
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,
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e
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ran
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e
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m
o
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e
fa
~
rinha
branca
.
Tendo
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vist
a
o
teor
nutr
itivo
,
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mais
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'
tada
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-giênica
que
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c
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ilizado
.
FABRICAÇÃO
Farinha d6gua:-
a ope
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ação
de
prepar
o
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m-ples
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de
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ase
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Retir
ada
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c
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sca
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agam
en
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d
a
m
a
s
s
a
Prensagem
Pene
i
ragem
Torraç ão
A
ferm
ent
a
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ão
pode
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,
dep6
-sitos,
rios
e igar
a
pés
,
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e
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a
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u
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a
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que
varia
segundo
as condiçõ
es
das
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aizes
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o l
ocal
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se p ro c e
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s a
.
Em
m
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a
•
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s
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u r a çã o é
de
três
dias
,
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s
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a
Águ
a
~
corrente
.
Considera
-
se
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q
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a
n
do
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das
.
raiz
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com
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e
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com
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a
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i
lidade
e a ma
s
s
e
p
e
rd
e
a
c
o
n
sistênc
i
a
.
ferro, lar. todo modo
A fase final da torraçio ~ feita em tachos de
cobre ou argila, de forma geralmente circu
-Esses ta~hos sio colocados sôbre um fogio
fechado, deixando apenas duas abertura& de
a conferir-lhe as características de um fornQ
A retirada das cascas ~ feita em seguida
à
fer~entaçio, passando-se a executar o esmagamento
da massa no "cocho", de onde passa para a prensa.
A prensagem ~ feita usualmente pelos pequenos
falricsntes de farinha, em prensas de fibras vege
-tais chamadas "tipiti". Afora ê s s e, qualquer ou··
tro tiP9 de prensa capaz de expulsar conveniente
-mente a água da massa, pode ser utilizada.
A~6s a'prensa~~m, a massa passa para as peneI"
ras que variam de graduaçio, podendo ser bem fina&
ou relativamente grossas.
D
o
seu emprego vai re··sultar o tipo de farinha, que po de ser grossa, fi
-na e mui to fina ou "suruí".
Assim que o tacho atinja uma certa temperatura,
porções da massa começam a se depositar j& sob a
forma meio granulósa com que saem da peneira. Com
pás de madeiras o material ~ revolvido continua
-mente at~ ganhar consistência e desprender o aroma
característico das coisas torradas, quando entio ~
retirado. Esse produto ~ a farinha.
Farinha slca:- difere da precedente na fabri
-caçio, apenas pela ~ubstituiçio na .primeira fase
do processo de fermentação pelo de ralagem. Essa
ralagem pode ser feita em rolos comuns, ou em ins··
trumentos, .vul.ga,rmf;Dtcchamados "caetetús" providos
de um rebolo revestido de pequenoE espig6es. Es
-ses "caetetús" podem ser manuais ou mecânicos.
Sem a utilizaçio de máquinas e caetetús a retirada
da casca das raizes e a ralagem tornam essa fEse
naturalmente n.ü i t.o m ais trabalhosa que a da fer
-mentação.
Farinha do Par6:-
essa
€uma
farinha
mista
.
Resulta
da mistura
da
massa
ralada
com
a
fermenta-da
.
.
Ess a mistura
se
pro
c
e
s
s
a no
"cocho"
antes
da
prensagem
.
A
percentagem
adotada
é desigual
,
sen
-do muito
maior
a
da m
a
ssa
ralada
.
Isso
em virtude
de
8sse
tipo
de
farinha
p~ocurar
aliar
o mal0r
rendimento
ao
melhor
sabor
.
A
proporçio
utilizada
é de 1/5 a 1/6 da massa
fermentada
.
~
uma
farinha
de muito
boa
qualidade,
podendo
Ja
o tipo
ser
considerado
preponderante
no
m
ercado de Bel
é
m
.
U
T
EN
S
I
LI
OS
Os
utensilios
mais
comum
e
n
t
e~
utilizados
na
fabricação
da
farinha,
e que
encontramos
nas
"ca-sas
de
farinha"
mais
modestas
da regiio
são
os
se-gu
i n tes
:
Cocho:-
é u
m
pedaço
de madeira
escavada
e lisa,
com
forma~o
'·
de
calha
,
e
medindo
,
cerca
de
2,5
xO,60m.
Nele
a massa
das
raizes
é esmagada
e
mis-tu ra
da ( n oca
s.ode
fa rinh
a
!TIi
s
ta)
a fim
de p
assar
para
a pren
s
a
.
Tipití:-
é uma
típica
e curIosa
prehsa
con
s
ti-tuida
de
fibre
s
Je
Jacitara,
planta
da
família
das
palmeiras
(Desmoncus polyanthos).De
forma
cilin-drica
possue
grande
elas
tic
ida
d
e
e
seu
tamanho
va-ria
bastante,
sendo
entretanto
mais
comuns
de
1metro
de comprimento
.
Ao
serem
distendidas
alcBL-~am
quase
o dobro
do comprimento
norm
a
l
.
Colocada
a massa
no
seu
interior
,
são
adaptadas
a
disposi~
tivos
simples
que
as
distendem
fazendo
uma
J.
'"",
\
pressio relativamente fortE que provoca a expuls~o
da ãgua pelo~ i~tersticjos de S~R~ nalhas .
.Tacho:-êste, como
j8
foi dito,é
U!l]Besp ecrede forno, geralmente circular, onde ~ feita D ter··
raçio. Os tachos de cobre s~o os wais utilizados.
Os demais utensilios sio as peneiras de diver
-sas graduações. as pás empregadas emv rev o Lv er a
far inha durante a torrefação e os recipientes t:tj,
li~ados durante toda a.operaçio.
Desses utensilios apresentamos alguns desenhos
elucidativos.
SUB-PRODU'IOS
Sã
o consider.ados C0lJ10 tais o "Tu cup í" e a"Cru
eire", Essa últimaé
o residuo da peneiragem,o qual se aproveita na confecçio de um produto a
-limentício a qual ChamBlJ1de carimi.
O tucupí , o suco da massa das raizes. ~ um
dos mais importantes elelJ1entosda cozinha paraense
sendo inúmeros os produtos culinários Feparados l
sua base. Desses, o mais conhecido li o te ca cá
cuja origem se.deve ao elemento africano escravo.