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Análise acerca da possibilidade de impetração do mandando de segurança para conferir efeito suspensivo no agravo em execução criminal

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IMPETRAçãO DO MANDADO DE SEGURANçA PARA

CONFERIR EFEITO SUSPENSIVO NO AGRAVO EM

EXECUçãO CRIMINAL

Marcelo Torres de Paula1

1. INTRoDuÇÃo

Não há como conceber a existência de um Estado Democrático de Direito sem a existência de uma sistemática recursal que seja capaz de con-ferir ao cidadão a proteção contra eventuais arbitrariedades praticadas por aqueles que são investidos do poder judicante. Nesse particular, a possibi-lidade de se suspender os efeitos de uma decisão judicial até que o recurso tenha o seu mérito analisado pode constituir a diferença entre uma prestação jurisdicional eficaz ou improfícua. Em termos processuais, esse instrumento é chamado de efeito suspensivo e sua possibilidade de aplicação tem sido cada vez mais difundida entre os vários meios recursais, sendo aplicado principal-mente quando a decisão tiver a potencialidade de provocar à parte um dano grave ou de difícil reparação.

A negativa do efeito suspensivo pelo legislador ao agravo em execução criminal constitui uma das mais ferozes críticas ao recurso, por ter a potencia-lidade de trazer, em determinados casos, grandes e irreparáveis prejuízos ao

1 Mestrando em gestão social, educação e desenvolvimento local – UNA; Pós-graduado em ci-ências criminais – Universidade Cândido Mendes/RJ; Graduado em Direito – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Professor dos cursos de graduação em Direito do Centro Universitário UNA e da Faculdade Novos Horizontes; Advogado.

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corpo social, mormente quando da concessão indevida de benefícios durante a execução penal. Uma vez constatada a irregularidade de uma concessão e in-terposto o recurso pelo Ministério Público (MP), a decisão guerreada passa a produzir, mesmo assim, os seus efeitos, podendo ocasionar, em alguns casos, até a liberação do condenado. Neste caso, mesmo que seja dado provimento ao recurso ministerial, a recaptura do condenado torna-se um fato incerto, e a sua liberação prematura, um perigo iminente para a coletividade.

Neste cenário aparece o mandado de segurança como instrumento efe-tivador dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos em face de ile-galidades ou abusos provenientes de autoridades públicas. Sua amplitude de atuação tem chamado a atenção do MP, que vem utilizando com frequência esta ação constitucional para tentar atribuir cautelarmente o efeito suspensivo ao agravo em execução criminal.

Por outro lado, a atribuição indiscriminada do efeito suspensivo a esta modalidade de agravo pode gerar violações ao direito do condenado que faz jus à concessão de um benefício durante o cumprimento da pena, uma vez que cumpridos os requisitos legais autorizadores, parece razoável que o con-denado usufrua imediatamente do permissivo legal, reavendo parte da liber-dade que lhe fora retirada por ocasião do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Tal situação tem, há anos, trazido profunda discussão no meio acadê-mico e, sobretudo, nos Tribunais, onde argumentos favoráveis e contrários à impetração do mandado de segurança com o escopo de conferir o efeito suspensivo ao agravo em execução criminal têm sido lançados.

Para muitos, o uso deste artifício processual desvirtua o objetivo prime-vo da ação constitucional, ocasionando verdadeira afronta ao princípio do devido processo legal. Para outros, a utilização deste expediente constitui um remédio eficaz para livrar a sociedade das consequências nefastas da conces-são indevida de benefícios durante a execução criminal.

O objetivo deste artigo não é outro senão buscar o equilíbrio entre inte-resses tão antagônicos. É preciso buscar meios de humanizar a execução penal de forma a dar aos condenados condições dignas de recuperação, proporcio-nando, sempre que possível, a concessão de benefícios, sem, contudo, expor a sociedade ao ataque de indivíduos que deveriam estar sendo exemplarmente punidos pelas suas transgressões às normas penais.

Por óbvio, não temos a pretensão de pôr fim a uma discussão que tem envolvido há anos o empenho de renomados juristas de todo o Brasil.

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Todavia, procuramos não fugir da discussão de qualquer ponto polêmico que tem envolvido a discussão deste problema. Para tanto, foram colecionados ar-gumentos contrários e favoráveis à utilização do mandado de segurança para suspender decisões benéficas aos condenados durante a execução criminal. Tudo com o objetivo de chegar a uma conclusão que melhor atenda aos inte-resses da coletividade, sem abrir mão dos direitos e garantias individuais dos condenados às penas privativas de liberdade.

2. ReCuRsos: eTImoLoGIA, FuNDAmeNTos e eFeITos

Ao se fazer uma análise etimológica do termo recurso, vemos que ele advém do latim recursus, que significa “cursar novamente”. No universo jurí-dico, quando a parte recorre de uma decisão judicial, o que ela procura é que outra instância do Poder Judiciário percorra novamente o procedimento que culminou com a decisão guerreada, visando a reforma, a anulação ou mesmo a integração desta, uma vez que contraria os seus interesses. Neste diapasão, recurso em sentido lato seria, em síntese, um direito constitucional de impug-nar uma decisão judicial.

Eugênio Pacelli analisa o fundamento dos recursos sob duas perspecti-vas distintas, quais sejam:

A primeira, do interesse do Estado no controle dos atos (jurisdicionais) por ele praticados, quando irá revelar-se público, se a orientação for pela preocupação com a qualidade e a regularidade da atividade jurisdicional. A segunda, vista sob o ângulo dos interesses dos jurisdicionados, ou seja, das partes que se submetem às decisões e aos demais atos processuais da jurisdição. (PACELLI, 2012, p. 849)

Ada Pellegrini Grinover (2005, p.43) concebe o processo como um ins-trumento de pacificação social. Portanto, deve-se ter um especial cuidado com o resultado dessa prestação, sob pena de colocar em cheque não só a instituição processual, como o próprio Estado enquanto disciplinador do con-vívio social.

Tal cuidado deve ganhar maiores proporções na medida em que a juris-dição não é exercida por supercomputadores imunes a qualquer tipo de equí-voco. Pelo contrário. É tarefa colocada ao encargo de seres humanos que estão expostos a todo tipo de influências, sejam elas de ordem familiar, cultural,

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econômica ou social. E ainda que tais homens e mulheres fossem dotados de toda a boa-fé que a função exige, estariam sujeitos à falibilidade inerente à sua condição humana. Assenta-se aí a necessidade de instituir um mecanismo de controle sobre os atos jurisdicionais.

Some-se a esta realidade, o inconformismo natural daquele que teve seus interesses contrariados por uma decisão judicial e teremos um forte funda-mento para a construção de uma sistemática recursal capaz de atender às duas perspectivas lançadas pelo autor citado.

No âmbito penal, a decisão proferida no processo criminal não está apta a gerar efeitos desde a sua publicação. Devido à própria garantia da possi-bilidade impugnação da decisão pela via recursal, o prazo estabelecido por lei para a interposição do recurso funciona como uma espécie de “período de vacância” da decisão. Destarte, a decisão judicial só está apta a gerar seus efeitos após o seu trânsito em julgado. Tal fenômeno ocorrerá somente após o decurso do lapso temporal para a interposição do recurso cabível ou pelo exaurimento de todas as vias recursais colocadas à disposição da parte.

Oportuna lição de Eugênio Pacelli dispõe que “o efeito será suspensivo quando a matéria decidida não puder produzir qualquer efeito, tão-somente em razão da interposição do recurso, isto é, do afastamento da preclusão.” (PACELLI, 2012, p. 865)

Nesses termos, o efeito suspensivo seria um prolongamento desse perío-do de vacância ao qual toda decisão está subordinada como consequência da existência de prazo para a interposição de recurso.

As implicações do efeito suspensivo poderão variar de acordo com a na-tureza da decisão proferida. Na hipótese de o réu se encontrar preso durante o curso do processo e este vier a desencadear uma sentença absolutória, deverá ser posto imediatamente em liberdade, ainda que seja interposto recurso da mesma. Todavia, em se tratando de sentença condenatória, esta não ensejará, por si só, a prisão do réu, razão pela qual uma vez interposto o recurso, os efeitos da decisão ficarão suspensos até que sejam esgotadas todas as possibilidades de recurso. Isso se deve ao estado de inocência consagrado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88) no art. 5º, LVII.

Contudo, nem todos os meios recursais admitem a possibilidade da atri-buição do efeito suspensivo. Nesses casos, ainda que a parte supostamente prejudicada interponha um recurso regularmente, deverá, em tese, arcar com os ônus da decisão enquanto o recurso tem o seu mérito analisado. Este é o caso de toda e qualquer decisão proferida pelo juízo responsável pela execução

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criminal. Nesses casos, o único meio recursal colocado à disposição da parte é o recurso do agravo, previsto no artigo 197 da Lei de Execuções Penais (LEP), o qual não é dotado de efeito suspensivo.

3. ANÁLIse ACeRCA DA PossIBILIDADe DA uTILIZAÇÃo

Do mANDADo De seGuRANÇA PARA CoNFeRIR eFeITo

susPeNsIVo No AGRAVo em eXeCuÇÃo CRImINAL

Questão que tem ganhado notoriedade pela sua reiterada discussão nos Tribunais trata da possibilidade de impetração do mandado de segurança para conferir efeito suspensivo no agravo em execução criminal.

A única disciplina processual no tocante à matéria dos recursos na exe-cução criminal é dada pelo art. 197 da LEP que afirma não ter o agravo, o efeito suspensivo.

Primeiramente, é necessário estabelecer as condições em que este fenô-meno vem ocorrendo.

Trata-se de uma manobra processual que vem sendo utilizada com fre-quência pelo Ministério Público para suspender os efeitos de uma decisão benéfica ao condenado proferida pelo juízo da execução criminal.

Devido ao artigo supracitado, diante de tal situação, o parquet deveria revelar seu eventual inconformismo interpondo o recurso de agravo. Todavia, a interposição deste recurso não suspenderia o cumprimento da decisão, que poderia implicar, dentre outras hipóteses, numa progressão de regime de cum-primento de pena, ou até mesmo no livramento condicional do condenado.

Por óbvio, tal artifício não é utilizado pelo condenado, uma vez que a CR/88 lhe reservou a utilização do habeas corpus, o qual pode ser manejado concomitantemente ao recurso sem quaisquer limitações.

3.1. O mandado de segurança contra ato jurisdicional

O primeiro problema a se resolver, diz respeito ao cabimento do writ contra decisão jurisdicional, ou seja, aquela proferida no curso de um proces-so judicial.

Tal situação não é vedada pela lei. O inciso II do art. 5º da Lei 12.016/09 permite a utilização da ação mandamental sempre que o recurso apto a im-pugnar a decisão não for dotado de efeito suspensivo.

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Em nosso sentir, o que quer a lei, senão a lógica, é que o recurso tenha efeito suspensivo propiciador de pronta reparação. Prevalece aqui o mesmo raciocínio aplicado ao recurso administrativo com o efeito suspensivo. Se o recurso judicial tiver esse efeito desarma o mandado de segurança, porque, sustada a fluência do ato, afastado implicitamente está o fato que comple-menta o direito líquido e certo, e à falta desse pressuposto fático não vinga o writ. Ao contrário, o recurso de só efeito devolutivo não neutraliza o ato danoso, consequentemente cimenta o pressuposto básico do mandado de segurança e lhe abre ensejo. (SIDOU, 2002, p. 168)

Entendemos que os argumentos ora apresentados vão plenamente ao encontro de algumas situações que podem ser vividas no curso da execução penal. Nesse particular, Julio Fabbrini Mirabete leciona:

Não concedeu a lei ao agravo em execução o efeito suspensivo sob o fun-damento teórico que, como regra geral, não haverá dano enquanto se aguarda a decisão do recurso atacável interposto pela parte. Entretanto, apesar da orientação em geral de que, sendo o despacho atacável por meio de recurso próprio, incabível é o mandado de segurança, tem-se admitido que, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, deve-se admitir o mandamus impetrado pelo agravante para dar efeito suspensivo ao agravo em execução. (MIRABETE, 2004, p. 820)

Alinhamos nosso pensamento ao argumento colecionado, uma vez que não há qualquer dúvida quanto ao fato do recurso ser o meio apropriado para a im-pugnação das decisões judiciais. Nesses termos, o mandado de segurança nunca poderá servir como substituto recursal, devendo objetivar somente a suspensão da decisão judicial até que o recurso cabível tenha o seu mérito analisado.

3.2. A legitimidade ativa do Ministério Público

Por se tratar de questão preliminar ao mérito do mandado de segurança, analisaremos primeiramente se o Ministério Público possui ou não capacida-de postulatória para o manejo da ação mandamental no fito capacida-de atribuir efeito suspensivo ao agravo em execução.

Existe uma corrente jurisprudencial que entende não ser o Ministério Público parte legítima para impetrar, nesses casos, o mandado de segurança.

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Tais argumentos devem ser considerados, uma vez que são majoritários nos Tribunais de muitos Estados e ganham coro no próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vale a pena destacar alguns desses acórdãos:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA - PENAL - BENEFÍCIO DA PRISÃO ALBERGUE - AGRAVO EM EXECUÇÃO - EFEITO SUSPENSIVO - MINISTÉRIO PÚBLICO - ILEGITIMIDADE - PRECEDENTES.

É firme a jurisprudência desta Corte no sentido da ilegitimidade do Ministério Público para impetrar ação mandamental com vistas a conferir efeito suspen-sivo a recurso de agravo de execução em matéria penal. Recurso desprovido. (STJ, ROMS 15290/SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 28.10.2003, pág. 304).

MANDADO DE SEGURANÇA – IMPETRAÇÃO MINISTERIAL QUE BUSCA AGREGAR EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO EM EXECUÇÃO - ILEGITIMIDADE DO MP AO MANDAMUS - PRECEDENTES DO STJ. PEDIDO INDEFERIDO DE PLANO. Assim, autorizado pelos incisos X e XI do artigo 169 do Regimento Interno, estou reconhecendo, de plano, por manifesta ilegitimidade ativa à demanda, o impetrante como carecedor da ação (mandado de segurança), com o que, amparado no artigo 295, inciso I e seu parágrafo único, inciso III, e artigo 267, inciso I, ambos do Código de Processo Civil, indefiro a petição inicial e declaro extinto o processo. (TJRS, MS 70021348347, 5ª Câmara Criminal, Rel. Des. Luís Gonzaga da Silva Moura, 12/09/2007)

MANDADO DE SEGURANÇA - PRISÃO DOMICILIAR CONCEDIDA AO CONDENADO - AGRAVO EM EXECUÇÃO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PENDENTE DE JULGAMENTO - IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO A CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO - IMPOSSIBILIDADE VIA AÇÃO MANDAMENTAL - ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MANDADO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO. O Ministério Público não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança objetivando a atri-buição de efeito suspensivo ao recurso de agravo em execução interposto, vez que não pode restringir o direito do condenado, além dos limites conferidos pela legislação. O agravo em execução não é dotado de efeito suspensivo, nos termos do artigo 197 da Lei de Execuções Penais. (TJMG, MS 451.077-7, 5ª Câmara Criminal, Rel. Des. Pedro Vergara, Data julgamento: 28/08/2007 Data da publicação: 22/09/2007)

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Como visto, o mandado de segurança, como qualquer outra ação, deve preencher as condições da ação estabelecidos pelo art. 267, VI do Código de Processo Civil (CPC). A primeira consequência processual em se reconhecer a ilegitimidade de parte do Ministério Público é o fato do processo ver-se extinto sem resolução do mérito por carência de ação.

Analisemos, pois, as situações apresentadas pelos precedentes citados. Registre-se primeiramente a infelicidade na fundamentação legal do voto do insigne desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), uma vez que entende ser manifesta a ilegitimidade de parte do Ministério Público e, ato contínuo, determina a extinção do processo por inépcia da inicial, apontando como causa da inépcia, a impossibilidade ju-rídica do pedido. Ora, se houve o reconhecimento de carência de ação por ilegitimidade de parte, a decisão de extinguir o processo sem resolução do mérito deveria fundar-se no art. 267, VI do CPC por estar aí a previsão da ilegitimidade de parte como causa de extinção do processo sem resolução do mérito.

Registrada a impropriedade, nota-se que o principal argumento para se determinar a ilegitimidade de parte do parquet no mandado de segurança é a ausência de previsão legal do efeito suspensivo para o agravo em execução, como se pode notar na decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Na nossa percepção, tal argumento nada tem a ver com o fato de o MP ser ou não parte legítima para impetrar mandado de segurança, uma vez que a ausência de previsão legal do efeito suspensivo poderia, quando muito, afetar a liquidez e a certeza do direito pleiteado, por serem estes requisitos autoriza-dores da ação mandamental. Todavia, esse tema será discutido mais adiante.

Entendemos que, para que a parte seja legitimada a pleitear em juízo, deverá ser a titular do direito pleiteado ou receber esta prerrogativa por lei.

Em que pese a cultura jurídica daqueles que concebem o MP como parte ilegítima, esta posição vai de encontro com vários permissivos legais, uma vez que a CR/88 dispõe no art. 127 que “o Ministério Público é instituição perma-nente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais in-disponíveis”. Nesse particular, torna-se necessário lembrar o evidente interesse público na efetivação do “jus puniendi”. Diante dessa necessidade, a própria CR/88 em seu art. 129, I, atribuiu ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública. Nesta mesma esteira, a Lei de Execução Penal (LEP), em seu

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art. 68, III, incumbiu o Ministério Público de recorrer das decisões proferidas pela autoridade judiciária, durante a execução criminal.

Vale dizer que ao executar tais atribuições, o parquet atua como parte, o que o autoriza a tomar, em nome próprio, todas as medidas necessárias à defesa dos interesses sociais.

Por último, o art. 32 da Lei 8.625/93 definiu o assunto por completo quando determinou:

Além de outras funções cometidas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei orgânica e demais leis, compete aos Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições:

I – Impetrar habeas corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes. (DESTAQUE

NOSSO)

Destarte, e sem ainda pretender entrar no mérito da discussão principal deste artigo, porquanto se trata de questão meramente preliminar, entendemos ser o MP parte legítima para utilizar-se da ação mandamental, uma vez que a Constituição e outras leis infra-constitucionais lhe atribuem tal prerrogativa.

Ora, em sendo o Ministério Público parte na relação processual, como ocorre nas ações penais públicas e no desenrolar da execução penal, tem, por conseguinte, legitimidade para impetrar mandado de segurança quando en-tende violado direito líquido e certo na busca do seu objetivo precípuo que é efetivar o interesse do Estado em punir o criminoso.

Nesse sentido, vale destacar a melhor orientação jurisprudencial:

MANDADO DE SEGURANÇA – IMPETRAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO REPRESENTANTE DO INTERESSE PÚBLICO PARA A EFETIVAÇÃO DO JUS PUNIENDI – LEGITIMIDADE AD CAUSAM E CAPACIDADE POSTULATÓRIA RECONHECIDA. É inquestionável a

legi-timidade ad causam e a capacidade postulatória do Ministério Público quando, como representante do interesse público, se investe no papel de parte credenciada à efetivação do jus puniendi. (RJTACRIM, 02/215).

3.3. O problema do “direito líquido e certo”

Como é sabido, o direito daquele que pretende a concessão de um man-dado de segurança deverá ser líquido e certo.

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A corrente jurisprudencial que nega a possibilidade do parquet servir-se do remédio heróico para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução, baseia-se na tese defendida por Hely Lopes Meirelles (2004, p. 37) e Cretella Júnior (2002, p.81), na qual para se aferir a certeza do direito, este deveria vir expresso em norma legal. Assim sendo, a negação expressa do efeito suspensi-vo ao Agrasuspensi-vo em Execução pelo art. 197 da LEP, constituiria verdadeiro óbice ao manejo da ação mandamental no escopo de atribuir tal efeito ao recurso.

Nesse sentido, o Desembargador Eli Lucas de Mendonça expõe de forma objetiva, ao proferir um voto fundamentado em caso análogo, o cerne desta teoria:

Data venia, vejo inviável a pretensão ministerial. Com efeito, a Lei expres-samente estabelece que o agravo em execução não tem efeito suspensivo (Lei de Execução Penal, art. 197 e item 175 de sua Exposição de Motivos).

Logo, não há previsão legal desse efeito e, não a havendo para a pre-tensão acusatória, onde estaria o substrato do alegado direito líquido e certo??? Ao Ministério Público não é vedado o manejo do mandado de

segurança na esfera penal. Contudo, seu cabimento está igualmente condi-cionado à existência de lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo. No caso em apreço, a ausência de previsão legal a socorrer a pretensão mi-nisterial, a meu sentir, desconfigura a certeza do direito alegado. (TJMG,

MS 436243-7, 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Ediwal José de Morais, Data julgamento: 28/06/2006 Data da publicação: 25/07/2006) (DESTAQUE

NOSSO)

Ao nosso modesto sentir, a teoria defendida pelo ilustre Desembargador apresenta um cunho extremamente positivista, pois ao se exigir a expressão do direito na letra da lei, estar-se-ia colocando fora do campo de proteção do remédio heróico, todo e qualquer princípio jurídico não positivado.

Ademais, estamos aqui a falar do procedimento judicial no âmbito de uma execução penal. De acordo com Plácido e Silva,

Uma execução significa assim o ato ou a ação, que não vem isolada. Surge como complemento, cumprimento ou conclusão de coisa ou de fato já exis-tentes anteriormente. Pela execução, assim, completa-se, conclui-se ou

cumpre-se o que anteriormente estava determinado, decidido ou proje-tado. (SILVA, 2004, p. 576) (DESTAQUE NOSSO)

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Por se tratar de uma execução, a privação da liberdade do condenado está fundada em um “título executivo judicial”, qual seja, a sentença penal condenatória transitada em julgado. Nela, apresentam-se revestidos de liqui-dez e certeza os exatos moldes em que a pena privativa de liberdade deverá ser cumprida.

O artigo 1º da LEP coloca como uma das finalidades precípuas da Execução Penal, a efetivação das disposições da sentença criminal, senão vejamos:

A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica

inte-gração social do condenado e do internado. (DESTAQUE NOSSO)

A evolução do direito processual civil, através da reforma promovida pela Lei 11.232/05, passou a chamar o processo de execução de título executi-vo judicial de “cumprimento de sentença”, termo este que expressa verdadei-ramente o significado e o objetivo dessa fase processual, que é dar efetividade ao provimento jurisdicional.

Nesses termos, qualquer decisão proferida pelo juízo da execução penal que venha alterar de forma ilegal ou abusiva os parâmetros estabelecidos pela sentença para o cumprimento da pena, poderá ter seus efeitos suspensos pela ação mandamental, repousando o direito líquido e certo no provimento jurisdicional que determinou a privação da liberdade do condenado e estabe-leceu, originariamente, em que termos se daria esta privação.

Em última análise, a certeza e a liquidez do direito pleiteado pelo Ministério Público não estão fundados num comando legal geral e abstrato, mas sim no provimento jurisdicional específico e concreto, a saber, a sentença. Como titular da ação penal pública, deve o MP velar pelo cumprimento do provimento jurisdicional, devendo levar a cabo, na execução penal, aquilo que foi anteriormente decidido. A alteração dos termos de cumprimento da sentença pelo juízo da execução é que deverá obedecer à autorização expressa da lei, sob pena de ser suspensa em consequência da concessão da segurança e, posteriormente, reformada com o julgamento do agravo interposto.

3.4. O devido processo legal

A corrente jurisprudencial que nega a possibilidade do MP servir-se do remédio heróico para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução,

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afirma que tal situação viola o princípio do devido processo legal.

Cumpre mencionar um trecho do voto do Desembargador Eli Lucas de Mendonça, onde ele expõe este argumento:

Merece reverência o argumento trazido pelos precedentes vários, oriundos do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o Parquet não pode bus-car restringir o direito do acusado fora do regramento processual penal, por observância ao princípio constitucional do devido processo legal. Ora, se a lei processual não prevê efeito suspensivo para a decisão combatida, é inviável a utilização do remédio constitucional pelo Ministério Público para obtê-lo, numa solução que, se aceita, constituiria clara afronta ao devido processo, delimitado em todos os seus termos pela legislação vigen-te. (TJMG, MS 436243-7, 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Ediwal José de

Morais, Data julgamento: 28/06/2006 Data da publicação: 25/07/2006)

Em primeiro lugar, não se está aqui fazendo uma apologia ao uso in-discriminado do mandado de segurança em matéria penal. Trata-se de um instrumento processual que deve ser usado somente em casos excepcionais.

Concordamos também que a ação penal deve revestir aquele que é acu-sado de todas as garantias possíveis, uma vez que é inocente até que sobre ele recaia uma sentença condenatória irrecorrível. Nesta fase do processo, vale o princípio in dúbio pro reo, onde qualquer dúvida na formação da culpa deve ser interpretada de maneira a viabilizar a absolvição do acusado.

Todavia, no curso da execução penal o mesmo não ocorre. Aqui, a culpa está materializada num título executivo judicial. É verdade que tal presunção de culpabilidade é iuris tantum, uma vez que pode ser refutada por meio de uma revisão criminal, desde que surjam novas provas que demonstrem a inocência do condenado. Assim sendo, qualquer controvérsia acerca da legalidade da con-cessão de um benefício, deverá ensejar a permanência do réu no regime mais gravoso, pelo menos até que a dúvida seja dirimida pela análise do recurso, uma vez que há uma sentença penal condenatória transitada em julgado, e, portan-to, uma determinação de ordem pública que delimitou um regime originário para o cumprimento da pena. Vale repetir que qualquer alteração nos termos de cumprimento da pena deve se limitar aos permissivos legais.

Nesse contexto têm atuado os Tribunais de todo o Brasil ao analisarem os mandados de segurança impetrados pelo MP com o escopo de dar ao agravo em execução o efeito suspensivo. Pesa, nesses casos, uma controvérsia acerca

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da possibilidade de concessão de um benefício que implica sempre da devolu-ção de uma parcela da liberdade do condenado. Se se tratar de uma progres-são de regime, a menor vigilância dispensada ao condenado poderá ensejar a sua fuga. Se a hipótese for de livramento condicional, correrá o risco de, dado provimento ao agravo em execução, a recaptura do condenado tornar-se inviável por se encontrar este em local incerto e não sabido.

O justo receio sentido pelo magistrado que se encontra diante dessa si-tuação em ver sua atividade jurisdicional tornada sem efeito, é que o autoriza, nesses casos extremos, a utilizar-se do seu “poder geral de cautela”.

Poder geral de cautela, de acordo com (THEODORO JÚNIOR, 2006, p.481), “é esse poder de criar providências de segurança, fora dos casos típicos já arrolados pelo Código”.

Embora seja claro que o código citado pelo autor é o Código de Processo Civil, o poder geral de cautela se aplica também ao direito processual penal, uma vez que o próprio Código de Processo Penal enumera algumas medidas assecuratórias do processo no art. 125 e seguintes.

Nesse sentido, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho em voto funda-mentado, sintetiza com absoluta propriedade o cerne desta discussão, razão pela qual vale a pena destacar longo trecho da sua explanação, onde assevera:

Diante disso, passo a análise da controvérsia invocada. De início, cumpre esclarecer que ainda lavra na doutrina jurídica e na jurisprudência dos Tribunais do País acesa controvérsia sobre a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo ao Agravo previsto no art. 197 da LEP, mas cabe

assi-nalar que o órgão julgador desse recurso detém o poder geral de caute-la, que o habilita a atribuir suspensividade a recurso dela desprovido.

Com efeito, independentemente da natureza do ato judicial ofensor, é cabí-vel o Mandado de Segurança, desde que ilegal e violador de direito líquido e certo e não haja possibilidade de coibição eficaz e pronta por outro modo. O princípio da estrita legalidade, vigente na seara penal, não é obstáculo a que o órgão julgador aplique os princípios jurídicos hoje consagrados como macro-vetores da atividade judicante, dentre os quais o da razoabilidade.

Não se deve elevar o princípio da legalidade ao ponto de obstar o Poder Judiciário evitar lesões iminentes a direitos emergentes, ainda que em desfavor do condenado, de modo que referido postulado não pode ser usado para conformar decisões judiciais flagrantemente destoantes do ordenamento jurídico pátrio.

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Conclui-se, portanto, que o efeito meramente suspensivo que se possa con-ferir a recurso que não o tem, é deferível, excepcionalmente, tanto mediante simples petição do recorrente, quanto por meio de pedido cautelar inciden-te ou pela via do mandamus, como, ainda, de ofício pelo órgão julgador. Em face disso, não vislumbro qualquer óbice a impedir o uso da ação de segurança para obter o MP a atribuição do almejado efeito em sede de execução penal, a fim de evitar eventual prejuízo que possa causar ao curso do processo de execução, inclusive, com repercussão no meio social.

Esta, aliás, é a tendência observável, tanto que o Projeto de Reforma do Código de Processo Penal (PL 4.206/01) já traz em seu texto a previsão do cabimento de Agravo de Instrumento contra a decisão proferida pelo Juiz da Execução permitindo, inclusive, que o Tribunal, verificando ser relevante a fundamentação do pedido recursal e vislumbrando que da decisão impugnada possa resultar lesão grave ou de difícil reparação, conceda efeito suspensivo ao referido recurso (arts. 583, XIII e 584 do PL 4.206/01) .

Não se trata aqui de dar eficácia a norma que ainda não está em vigor, mas apenas apresentar de antemão a tendência evolutiva da norma processual a confirmar o entendimento ora posto.

Outrossim, mesmo não havendo previsão legal expressa na norma pro-cessual penal atual, nunca é demais lembrar que o poder geral de cautela, autorizador de tal medida, é inerente a própria atividade jurisdicional. Ademais, cabe destacar que o Mandado de Segurança, in casu, tem apenas a força de um pedido cautelar, servindo tão-somente para atribuir efeito suspensivo ao Agravo em Execução, em nada interferindo, contudo, no mérito do julgamento do referido recurso.

Por óbvio que, como não poderia deixar de ser, a concessão da segu-rança com vistas a conceder o almejado efeito suspensivo ao Agravo em Execução Penal, ou a qualquer outro recurso a que se queira atribuir tal característica, fica vinculada à presença dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Desse modo, não se defere efeito suspensivo

ao recurso de Agravo em Execução Penal (art. 197 da LEP), quando o ato judicial questionado se reveste de aparente juridicidade e deu ao pedido de progressão de regime prisional a solução adequada, calcada, inclusive, na orientação do colendo STF.

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Dest’arte, cabe ao prudente arbítrio do Julgador, diante da análise casu-ística dos fatos e circunstâncias, aferir a real necessidade de se sustar os efeitos do ato judicial atacado, sem desconsiderar, por certo, a insegurança que pode ser gerada, caso tal suspensão não se dê de forma imediata. No

entanto, retirar o poder de cautela do Judiciário, quando acionado, de agir em face de uma situação teratológica, que, à toda evidência, pode ocorrer no âmbito criminal, seria engessar a máquina judiciária ao ponto de tornar inviável o próprio exercício da jurisdição. (STJ, HC 66604 / SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data do acórdão: 09/08/2007) (DESTAQUE NOSSO)

A prova de que tais argumentos não consistem em afirmações de mera conveniência ideológica, é que, no fechamento do voto, o Ministro concedeu o habeas corpus em questão determinando a cessação no constrangimento à liberdade do paciente, por entender no caso em tela que não estavam presen-tes os requisitos autorizadores da manutenção da segurança anpresen-tes concedida, ou seja, o fumus boni juris e o periculum in mora.

O que importa, no entanto, é a idéia de que o manejo da ação man-damental dentro das condições aqui estabelecidas, não representa, de forma alguma, uma afronta ao princípio do devido processo legal.

3.5. O mandado de segurança como garantia do cidadão

O mandado de segurança está previsto na CR/88 no Título II que trata acerca dos direitos e garantias fundamentais. Trata-se, portanto, de um direito que deve ser utilizado pelo cidadão em face do poderio do Estado, e não o contrário. Por este motivo, há a corrente que sustenta a existência de uma séria contradição quando o writ é impetrado com o fito de suspender uma de-cisão benéfica ao condenado, uma vez que a própria CR/88 consagra o direito à liberdade como um direito fundamental e, em última análise, o remédio heróico estaria se prestando à restrição do direito à liberdade.

O Desembargador Alexandre Victor de Carvalho a esse respeito se ma-nifestou ao proferir um voto em um caso com essas características:

Ressalto, ainda, que a construção filosófica do mandado de segurança aponta para um instrumento de proteção aos direitos dos cidadãos em face da ilegalidade eventualmente cometida pela autoridade, pelo que a hipótese

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da impetração pelo Ministério Público, pretendendo a suspensão da deci-são que concede liberdade provisória ao acusado até o julgamento do re-curso interposto, parece-me contrária ao espírito da Lei Maior. (TJMG, MS

413957-7, 5ª Câmara Criminal, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, Data julgamento: 28/09/2004 Data da publicação: 23/10/2004)

Este é, ao nosso sentir, o melhor argumento daqueles que são contrários à impetração do Mandado de Segurança para conferir efeito suspensivo ao agravo em execução criminal, todavia faremos algumas considerações.

Em primeiro lugar, é inquestionável a consagração do direito à liber-dade como um direito fundamental dos cidadãos, uma vez que é pressu-posto para o exercício de outros direitos constitucionalmente estabelecidos. Todavia, em se tratando de uma pessoa sobre a qual pesa uma sentença condenatória transitada em julgado, é inconcebível o exercício pleno desse direito. Mesmo que lhe seja concedido o livramento condicional, ainda assim a sua liberdade estará limitada ao cumprimento de certas condições estabelecidas pela lei.

Apenas para exemplificar, suponhamos que o juízo da execução defira um pedido de livramento condicional a um condenado que comprovadamen-te não cumpriu os requisitos subjetivos e objetivos imprescindíveis à sua con-cessão. Trata-se, portanto, de decisão manifestamente ilegal. Dado que o agravo proposto pelo MP não possui o efeito suspensivo, o indivíduo teria sua liberdade restabelecida prematuramente, mesmo sem apresentar condições de retorno ao convívio social. O provimento posterior ao recurso eventual-mente interposto seria inútil, tendo em vista que a recaptura do condenado seria um fato incerto. E nesse caso, as consequências desse ato poderão ser as mais nefastas para a sociedade.

Não se trata de tentar estabelecer aqui qualquer nível de hierarquia entre os direitos da coletividade e os direitos e garantias individuais do condenado, onde os primeiros devessem prevalecer sobre os segundos. Ambos são igual-mente assegurados pela Constituição e devem ser exercidos de acordo com o tratamento e com as limitações determinadas pela lei diante do caso concreto. Nesses termos, entendemos que o mandado de segurança com o

esco-po de suspender uma decisão ilegal que conceda qualquer tiesco-po de benefício

durante a execução penal, constitui verdadeiro remédio heróico, na defesa da liberdade, da vida e da segurança da coletividade em face do arbítrio do poder jurisdicional do magistrado quando este profere uma decisão teratológica.

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Destarte, a ação constitucional se mostra legítima, pelos mesmos argumentos apresentados pelo douto Desembargador.

4. CoNCLusÃo

A falta de sistematização da legislação processual brasileira tem trazido grandes dificuldades no meio acadêmico e, principalmente, entre os operado-res do direito. No âmbito dos recursos, esse fenômeno tem ocasionado várias polêmicas, como esta em que este trabalho acadêmico procurou adentrar.

Como foi discutido nesse trabalho, as diferentes influências do direito comparado e as épocas diversas de elaboração da nossa legislação processu-al, acabaram por fomentar esse total disparate entre as normas processuais nos âmbitos civil, penal e trabalhista. O resultado dessa falta de sintonia tem ocasionado toda sorte de dificuldades na aplicação do direito material e tem fomentado um vasto número de discussões doutrinárias e jurisprudenciais no âmbito dos Tribunais.

Se tomarmos como exemplo uma decisão interlocutória qualquer, tere-mos uma melhor dimensão do problema. No processo civil, esta será impug-nável através do agravo na forma retida ou por instrumento. Já no processo penal, outros elementos deverão ser levados em consideração, uma vez que o recurso em sentido estrito é o meio recursal apropriado para a impugnação de algumas decisões interlocutórias, mas não todas. Naquelas decisões para as quais não caiba o recurso em sentido estrito, caberá a apelação, que apresenta caráter residual. Se esta mesma decisão interlocutória for proferida no curso de uma execução penal, o recurso será o do agravo, mas o seu processamento se dará conforme o rito do recurso em sentido estrito. No direito processual do trabalho encontraremos outra diferença, posto que nesse âmbito, as deci-sões interlocutórias são, em regra, irrecorríveis.

Essa diversidade de tratamento em relação a temas semelhantes não encontra apoio em razões de ordem lógica. Pelo contrário. Encontra apoio em conveniências políticas das casas legislativas que, em nosso país, mudam muito rapidamente. Nesse diapasão, constatamos que falta um planejamento legislativo de longo prazo e que busque harmonizar nossa legislação proces-sual de forma a melhor atender o interesse público.

Ressalte-se que em se tratando de direito processual, entendemos que as regras deveriam ser as mais claras e uniformes quanto possível, uma vez que não se pode imaginar o processo como um fim em si mesmo, mas sim, como

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um instrumento para se chegar a um provimento jurisdicional que atenda aos imperativos da lei.

Quanto à utilização do mandado de segurança para atribuir efeito sus-pensivo ao recurso dele desprovido, temos que há poucos anos atrás esse pro-blema foi plenamente resolvido no âmbito do processo civil com a edição da lei 9.139/95. Antes da referida lei, o agravo de instrumento cível era desprovi-do de efeito suspensivo, o que ensejava a utilização desprovi-do mandadesprovi-do de segurança para atribuir tal efeito ao recurso com o escopo meramente cautelar.

Todavia, a previsão do efeito suspensivo pelo citado dispositivo legisla-tivo, encerrou a polêmica e deu condições ao recurso de garantir, por si só, a efetividade do provimento jurisdicional, mormente pela suspensão da decisão interlocutória até que o recurso tenha o seu mérito analisado. Sem dúvidas, esta foi a melhor solução até hoje encontrada para o problema no âmbito legislativo.

Contudo, até que esta tendência se concretize, o mandado de seguran-ça constitui meio hábil para suspender uma decisão ilegal no curso de uma execução criminal que, ao conceder indevidamente um benefício a um con-denado, coloca em risco toda a sociedade, expondo a mesma ao convívio de alguém que já se demonstrou incapaz de respeitar as mínimas regras de coexistência com os seus pares. Nesses termos, entendemos que a concessão da segurança apresenta caráter eminentemente cautelar, tendo o escopo de eliminar toda e qualquer incerteza quanto à legalidade da concessão de um benefício no curso da execução criminal. A eliminação dessas incertezas so-mente será possível com a análise meritória do recurso interposto.

Ao lado do mandado de segurança, existem outras manobras processu-ais que também podem ser utilizadas de forma eficaz para obter judicialmente o efeito suspensivo no agravo em execução criminal, dentre as quais podemos citar a ação cautelar inominada, onde a parte, através de mera petição, expõe a necessidade da providência cautelar para salvaguardar a efetividade da presta-ção jurisdicional. Embora seja este um procedimento disciplinado pelo CPC, não vemos qualquer óbice à sua utilização na execução penal, uma vez que o CPC é norma de aplicação subsidiária à legislação processual penal.

Em suma, entendemos que a prudência deverá pautar o comportamen-to do magistrado diante do caso concrecomportamen-to. Existindo fundadas controvérsias acerca da legalidade da concessão de um benefício, a devolução de qualquer parcela de liberdade ao condenado com base em um dispositivo conhecido pela sua total descontextualização com o restante do regramento processual penal, não parece encontrar qualquer apoio no princípio da razoabilidade.

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Pelo contrário. Atende somente à letra de um comando legal que carece de uma urgente reformulação.

É certo que são as dinâmicas relações intersubjetivas do cotidiano que levam à modernização do ordenamento jurídico. Este jamais conseguirá, pela própria burocracia do processo legislativo, acompanhar integralmente as ne-cessidades da coletividade. Destarte, cabe ao magistrado que está em plena in-terface com as demandas da sociedade, dar à lei uma leitura que melhor atenda aos interesses sociais sem violar direitos e garantias individuais, sob pena de transformar a lei num instrumento de opressão, e não de libertação popular.

ReFeRÊNCIAs

1. BRASIL. Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal, Lei 7.210/84 e

legis-lação correlata / organizador Luiz Flávio Gomes; obra coletiva de autoria da Editora Revista

dos Tribunais – 15ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. 2. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 66.604/SP. Agravo em exe-cução. Penal. Mandado de segurança para atribuir-lhe efeito suspensivo. Art. 197 da LEP. Legitimidade do Ministério Público para o postular. Crime hediondo. Progressão de regime prisional. Possibilidade. Afastamento do óbice. Diário de Justiça da União, Brasília, 10 de setembro de 2007. p. 1346.

3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso ordinário em mandado de segurança n. 15.290/SP. Recurso em mandado de segurança. Penal. Benefício da prisão albergue. Agravo em execução. Efeito suspensivo. Ministério Público. Ilegitimidade. Precedentes. Diário de Justiça da União, Brasília, 28 de outubro de 2006. p. 304.

4. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à lei do mandado de segurança – Rio de Janeiro: Forense, 2002.

5. GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo - 21ª ed. revista e atualizada – São Paulo: Malheiros, 2005.

6. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança – 27ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2004. 7. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Mandado de segurança nº 451.077-7. Prisão

domiciliar concedida ao condenado. Agravo em execução interposto pelo Ministério Público pendente de julgamento. Impetração de mandado de segurança objetivando a concessão de efeito suspensivo ao agravo. Impossibilidade via ação mandamental. Ilegitimidade do Ministério Público. Mandado de segurança não conhecido. Minas Gerais. Belo Horizonte, 22 de setembro de 2007.

8. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Mandado de segurança nº 413957-7. Mandado de segurança. Impetração pelo Ministério Público. Concessão de efeito suspensivo em re-curso de agravo em execução. Ausência de previsão legal. Direito líquido e certo. Falta de amparo legal. Inicial indeferida. Minas Gerais. Belo Horizonte, 23 de outubro de 2004.

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9. MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Mandado de segurança nº 436243-7. Comarca de Ribeirão das Neves. Impetrante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Minas Gerais. Autoridade coatora: Juiz de direito da vara de execuções criminais da comarca de Ribeirão das Neves. Minas Gerais. Belo Horizonte, 25 de julho de 2006.

10. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11 de julho

de 1984 –11ª ed. revista e atualizada – São Paulo: Atlas, 2004.

11. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado – 5ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

12. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal – 16ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2012.

13. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Mandado de segurança nº 70021348347. Impetração ministerial que busca agregar efeito suspensivo ao agravo em execução. Ilegitimidade do MP ao mandamus. Precedentes do STJ. Pedido indeferido de plano. Diário de Justiça. Porto Alegre, 12 de setembro de 2007.

14. SIDOU, J. M. Othon. Habeas corpus, mandado de segurança, mandado de injunção,

habeas data, ação popular: As garantias ativas dos direitos coletivos – Rio de Janeiro:

Forense, 2002

15. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2004. 16. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de

execução e cumprimento de sentença e processo cautelar v.2 – 39ª ed. - Rio de Janeiro:

Forense, 2006.

Recebido em: 24/06/2015 Aceito em: 30/06/2015

Referências

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