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Escola de palhaças: ser palhaça é brincadeira séria

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

KATHLEEN LOUISE COSTA MARTINS

ESCOLA DE PALHAÇAS: Ser palhaça é brincadeira séria

NATAL/RN 2019

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2 KATHLEEN LOUISE COSTA MARTINS

ESCOLA DE PALHAÇAS: Ser palhaça é brincadeira séria

Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em Teatro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do título de graduada em Licenciatura em Teatro.

Orientadora: Prof.ª M.ª Mayra Montenegro de Souza.

NATAL/RN 2019

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3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART Martins, Kathleen Louise Costa.

Escola de palhaças: ser palhaça é brincadeira séria / Kathleen Louise Costa Martins. - 2019.

39 f.: il.

Artigo (licenciatura) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Licenciatura em Teatro, Natal, 2019.

Orientadora: Prof.ª Mayra Montenegro de Souza.

1. Palhaçaria. 2. Palhaças. 3. Comicidade. 4. Feminina. I. Souza, Mayra Montenegro de. II. Título.

RN/UF/BS-DEART CDU 791.83 Elaborado por Kathleen Louise Costa Martins - CRB-X

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4 Agradecimentos

Ao Prof.ª M.ª Mayra Montenegro de Souza, minha orientadora, por todo carinho e sororidade durante toda minha graduação e por todo auxílio na organização e formatação deste trabalho. À Prof.ª Dr.ª Ana Caldas Lewinsohn, à Prof.ª M.ª Raiana de Freitas Paludo e à Profª Glênia Maria da Silva Freitas, por terem feito parte da minha banca e por todas as contribuições que me deram.

Ao colegiado do Curso de Licenciatura em Teatro, por me apoiar e me incentivar a concluir esta etapa da minha vida, em especial à Prof.ª Dr.ª Melissa dos Santos Lopes que foi de grande auxílio em muitas barreiras.

Ao Grupo de Dança da UFRN, o qual me propôs um enorme aprendizado e ampliação de conhecimentos teórico-prático a respeito do corpo, durante toda minha graduação.

A todos os entrevistados durante a pesquisa, que generosamente dividiram comigo suas vivências e carinhosamente me apoiaram e me encorajaram para que tudo fluísse bem.

Aos meus pais Maria Marcia Costa Martins e Carlos Airton Martins, por sempre me apoiarem para que eu pudesse enfrentar os obstáculos da vida. Agradeço também pela crença em meu trabalho como artista e professora.

A todas as mestras que tive o prazer de estar em sua presença e àquelas que me inspiraram mesmo sem eu conhecer pessoalmente.

A todas as palhaças que fizeram o Módulo I da Escola de Palhaças em 2018 comigo e me proporcionaram uma das melhores experiências da minha vida: Aline Reis (Palhaça Greta Garfo), Júlia Dusi (Palhaça Hortência), Priscila Danny (Palhaça Mirra), Amora Gasparini (Palhaça Chabeli), Clarissa Falbo (Palhaça Outra), Thais Foresto (Palhaça Zóia), Floriana Breyer (Palhaça Luminosa) e Mariana Alves (Palhaça Uni).

A todas aquelas e aqueles que pude dividir uma cena, em sala de aula, no palco, na rua, na escola, em todos os lugares e me fizeram compreender ainda mais o sentido de ser palhaça. A todas as mulheres palhaças e da comédia, que se dedicam e tem a coragem de enfrentar diariamente muitas barreiras, mas que sabem que tudo isso vale a pena para exercer o ofício da palhaçaria.

E, sem sombra de dúvidas, a todos os seres de luz que me rodeam e sempre me acolheram e me guiaram: Oyá, Iemanjá, bem como todos os meus orixás e guias espirituais, além de todos os mestres e brincantes da cultura popular nordestina que estão impregnados em meu corpo e mente, me dando o combustível para sempre seguir em frente!

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5 RESUMO

Há séculos a figura do palhaço é mundialmente conhecida, com suas diversas facetas e façanhas, porém com uma questão em comum: a arte de rir de si mesmo e com os outros. A bibliografia referente a este tema é extensa, mas são poucos os registros referentes especificamente à palhaçaria feminina, principalmente pelo fato de que há apenas alguns anos as mulheres vêm conquistando diferentes papeis sociais e compreendendo como influenciam toda a comunidade ao seu redor, inclusive quando se fala em comicidade. Por este motivo, esse artigo vem pautar sobre a metodologia de ensino na Escola de Palhaças (SP), uma das mais novas iniciativas de ensino da palhaçaria feminina, e sobre a importância da ampliação dos registros bibliográficos sobre esse tema.

Palavras-chave: Palhaçaria. Palhaça. Mulher. Comicidade. Feminina.

ABSTRACT

For centuries the character of the clown has been known worldwide, with many facets and exploits, but with a common question: the art of laughing at himself and with others. The bibliography on this subject is extensive, but there are few records related to female clown, mainly due to the fact that for only a few years women have been gaining different social roles and understanding how they influence the entire community around them, including comicity. For this reason, this article is about the teaching methodology in the Escola de Palhaças (SP), one of the newest initiatives for teaching female clowns, and about the importance of expanding bibliographic records on this topic.

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6 Lista de Imagens

Figura 1: Palhaço Xamego.

Figura 2: Palhaço Xamego.

Figura 3: Andrea Macera.

Figura 4: Palhaça Maçaneta.

Figura 5: Wladia Beatriz.

Figura 6: Lia Rossi no trapézio fixo.

Figura 7: Lia Rossi na Escola de Palhaças.

Figura 8: Aula introdutória de máscaras com Elisa Rossin.

Figura 9: Oficina das máscaras silenciosas com Elisa Rossin

Figura 10: Triangulação com máscaras

Figura 11: O bambuzal.

Figura 12: Treinamento pré-expressivo.

Figuras 13: Kathleen Louise criança.

Figuras 14: Kathleen Louise criança.

Figura 15: Exercício do Picadeiro.

Figura 16: Palhaça Margarida no Espetáculo “A-ma-la”.

Figura 17: Caco Mattos como palhaço Antônio Bello. Figura 18: “Absurdas”, Casa 407 Coletivo de Palhaças.

Figura 19: “O Estupendo Circo di Sóladies”, Circo di Sóladies.

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7 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

ESCOLA DE PALHAÇAS – SP ... 12

Mito, Riso e Imaginação ... 14

Estudo de Anatomia nas Artes Circenses ... 18

Corpo – Máscara ... 19

Introdução à palhaçaria feminina ... 24

Figurino I ... 29

Dramaturgia dos números clássicos aos contemporâneos ... 32

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 36

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8 INTRODUÇÃO

Hoje em dia, cada vez mais as mulheres estão se impondo e mostrando que estão compreendendo-se interna e externamente, fazendo com que muitas procurem formas de se abrirem para mostrar quem realmente são, sem medo ou preocupação de serem barradas pelo preconceito ou ignorância de outrem. Desse modo, muitas iniciativas são criadas de mulheres para mulheres, sempre utilizando a sororidade1 como o carro-chefe, ascendendo o movimento feminista, o qual a classe artística caminha em conjunto, seguindo um fluxo contra o machismo e uma sociedade patriarcal de mente aprisionadora.

No mundo circense, não foi diferente. A palhaçaria foi uma técnica restrita aos homens por muitos anos e as mulheres sempre ocupavam papéis onde expunham sua beleza, graça e sensualidade, mesmo as mais potentes na força física, como as trapezistas e acrobatas. É importante ressaltar que fora da cena, as mulheres circenses ocupavam as mais diversas funções de manutenção e formação dentro da estrutura do circo-família. Além de artistas, partners2 e atrizes eram também donas de circo (Junqueira, 2012). Dos noventa e um circos inclusos no levantamento realizado por MERIZ em documentos da Funarte, treze possuem proprietárias mulheres. (MERIZ, 1999. p. 265/269. Volume II).Mesmo assim, para alguns a mulher não tinha capacidade de executar algumas funções, inclusive a de ser palhaça, assumindo papéis secundários e até mesmo de assistentes de palhaço, chamadas de clownetes (nomenclatura que varia no nome clown3), as quais não tinham vieses cômicos, apenas estavam ali para auxiliar os palhaços do picadeiro como faziam as assistentes de mágicos.

Os primeiros registros de palhaços (como figuras que conhecemos hoje em dia), são de meados do século XVIII, com a figura de Philip Astley, considerado o “pai do circo moderno”, pois além dos números com cavalos, que era o mais comum neste período na Inglaterra, acrescentou novos números aos shows (entrada de malabaristas, acrobatas, equilibristas, etc.), onde fez-se necessária a participação de artistas que entretecem o público entre um número e outro. Esses artistas eram figuras cômicas que “costuravam” o show se apresentando entre as mais diversas atrações. Estas figuras cômicas conhecidas como clowns,

1

União entre mulheres com base no companheirismo, na empatia e altruísmo, em prol de um bem comum.

2 Parceira graciosa que acompanha e auxilia o outro artista durante a execução de seu número. 3

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muitas vezes com cenas curtas (entradas4), que poderiam acontecer entre eles apenas ou com participação ativa do público, podendo este até mesmo entrar no espaço cênico para colaborar com o espetáculo.

A partir deste período, o clown começou a assumir certa importância para a cena circense, no sentido de que ele agora é parte fundamental e responsável por não deixar a energia (veremos o conceito mais à frente) do espetáculo dissipar-se, pelo tempo existente entre um número e outro, nem muito menos que a ligação do espectador com os artistas se quebre. Então ele começa a fazer de tudo para que haja sempre um fluxo de encanto e magia circulando por debaixo da lona do circo. Posteriormente, na contemporaneidade, esse ser começa a ir por outros caminhos, um deles é o circo-teatro, além de iniciarem-se muitas pesquisas sobre o corpo cômico do clown, sobre a diferenciação e igualdade dos termos “clown” e “palhaço” (este que deriva do termo italiano paglia, que significa “palha”), como também, a criação de espetáculos solo, expandindo cada vez mais as referências sobre o tema. Nesse artigo utiliza-se do termo “palhaçaria” por estar ligado à palavra palhaço.

Numa breve explicação, os dois termos, “clown” e “palhaço”, assemelham-se no que se refere à prática corporal e ao efeito estésico que será causado público, mas diferenciam-se na questão espacial, onde se considera “clown” a figura trabalhada para o teatro e para o palco e “palhaço” a figura tipicamente circense, voltada ao picadeiro. Essa diferenciação há anos vem sendo discutida em congressos e encontros de palhaçaria, como por exemplo, na primeira edição do “Anjos do Picadeiro”(1986), o maior encontro de palhaços da América Latina, onde a mesma foi o tema central deste encontro. Mariana Rabelo Junqueira5, em sua dissertação, afirma:

Ricardo Puccetti e Carlos Simioni, referências como disseminadores da linguagem da palhaçaria no Brasil, afirmam que o espaço cênico é um fator fundamental e definidor para o trabalho. Ambos ressaltam que os ritmos individuais e coletivos se alteram de acordo com o espaço, o que altera a qualidade da energia e consequentemente, todo o espetáculo. Afirmam que no picadeiro, o clown trabalha de maneira completamente diferente do palco e da rua (MERIZ, 1999, p. 429). Vale observar que eles apontam diferenças na atuação e na energia de um mesmo trabalho quando apresentado em diferentes espaços, mas não utilizam nomenclaturas diferenciadas para separar os profissionais que atuam no palco dos que atuam no picadeiro. (JUNQUEIRA, 2012, p. 20)

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Uma entrada circense é um esquete curto, levado à cena pelos palhaços, com duração aproximada de 15 a 20 minutos, podendo estender0se a partir da interação com a plateia, em um jogo improvisado. (BOLOGNESI, 2003, p.103)

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Mas, e os registros sobre as mulheres que trabalham e pesquisam sobre a comicidade? E sobre a palhaçaria feminina? Esses, infelizmente existem muito poucos, porém, cada vez mais as mulheres estão construindo bibliografias que abordam sobre esses temas, e a partir desses, vão surgindo outros. Partindo desses poucos registros, sabemos que até a segunda metade do século XX, era rara a presença das mulheres no universo da palhaçaria e quando realizavam papéis cômicos, geralmente eram personagens secundários ou travestidos de homens, com o gênero do palhaço em segredo para o público.

O registro de mulheres palhaças começa, segundo Sarah Monteath dos Santos6, na segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos, com Aleia Butler em 1858 e Josephine Mattews em 1895, e na virada dos séculos XIX e XX na cena europeia. No Brasil não foi diferente, podemos constatar a atuação, como comediante no circo-teatro, de Guaraciaba Malhone, na dupla “Cocada e Guiomar”, identificada por Santos (2014) e de Maria Elisa Alves dos Reis, a primeira mulher negra a atuar como palhaço: o Palhaço Xamego. Sobre esta última, existe um documentário chamado “Minha avó era palhaço” (Gabriel e Minehira, 2016) que conta a sua trajetória na vida da palhaçaria.

Figura 1e Figura 2: Palhaço Xamego. Ambas as imagens foram retiradas do Blog do Xamego, foram restauradas e utilizadas para o filme “Minha avó era palhaço”.

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Alguns estudos sobre a palhaçaria feminina apontam que as estruturas construídas pela sociedade, influenciaram bastante na questão de existirem poucas mulheres ditas palhaças, principalmente pelo fato de estarmos em uma sociedade patriarcal, onde o preconceito e o machismo estão totalmente a postos para tentarem bloquear qualquer atitude onde a mulher possa ser independente e pensadora.

Remy7 (2002) até afirma que algumas mulheres não estão preparadas para exercer o ofício de palhaçaria e quando são bem-sucedidas, é porque esconderiam sua “feminilidade”:

Parece claro que a palhaça tem a medida das dificuldades de um papel para o qual ela não está preparada. O ofício do palhaço exige inúmeros conhecimentos profissionais. Seu aprendizado é longo e ingrato. [...] As atrizes, que têm uma melhor compreensão da vida, poderiam interpretá-lo. As artistas de circo que crescem em um ambiente fechado são pouco preparadas para esse fazer. [...] As mulheres se revelam, no circo e nas reprises, ótimas cômicas quando escondidas nas roupas ridículas dos augustos e sob maquiagens que disfarçam a feminilidade. (JUNQUEIRA

apud REMY, 2002. p. 438-439).

E se a mulher representasse o clown branco, podendo manter a “elegância feminina”? As virtudes deste clown poderiam estar mais próximas às mulheres? O clown chamado de “branco” tem a vestimenta bem cuidada, movimentação graciosa, mas é quem dita as regras – talvez o Remy, como outros artistas da época não concordassem com esse aspecto.

O clown chamado de “augusto” é o ingênuo, “malamanhado” e desajeitado, não condizendo ao comportamento adequado de uma mulher. Ou seja, se ela fosse representar este, o augusto, deveria esconder seu gênero. Mariana Rabelo nos diz em sua dissertação na p.51 que: Cezard8 afirmava que “A feminilidade definidora da identidade social das mulheres e suas conotações não correspondem ao esperado de um palhaço, não sendo provocadora de riso espontâneo”.

A sociedade condicionava, então, o status de palhaço à identidade e ao gênero masculinos. Automaticamente, quando se pergunta às pessoas se elas lembram-se ou conhecem algum palhaço, suas mentes encontram apenas figuras do gênero masculino (Bozo, Carequinha, Charles Chaplin...).

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Tristan Rémy: Escritor francês e historiador de circo.

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Para assumir o papel de palhaça a mulher teria que abandonar sua feminilidade e seu gênero por que não causariam um riso espontâneo? Ou precisariam esquecer sua identidade para poder explorar sua comicidade? Essas duas opções não seriam formas de limitar o conceito de feminilidade e do que seria risível?

A sociedade está em constante transformação, as mulheres estão mudando a visão que têm de si mesmas e o seu comportamento, e cada vez mais mostram que esses estereótipos sociais estão ficando ultrapassados. Cabe às mulheres palhaças seguirem esse fluxo de mudanças e evoluir seu pensamento artístico e social, tornando-se a partir disso, seres de mente aberta e livre de preconceitos e pensamentos destrutivos, para criar novas referências do que é ser mulher e ser palhaça.

Com este pensamento, de inovação na palhaçaria, foram criadas algumas escolas de circo pelo mundo. No Brasil, destacam-se: a ESLIPA/RJ9, a Escola de Palhaços do Circo Dona Bilica/SC10 e a Escola de Palhaças - SP, idealizada por Andréa Macera (Palhaça Mafalda Mafalda), para promover a inserção de mulheres na palhaçaria, construir novos pensamentos sobre a feminilidade na comicidade e novas dramaturgias direcionadas às palhaças. Com relação a esta última, abordarei sobre sua metodologia de ensino, focando no módulo I, o qual tive o prazer de cursar em Agosto de 2018.

ESCOLA DE PALHAÇAS – SP

Com o crescente número de mulheres adentrando no meio humorístico e da palhaçaria, a Escola de Palhaças é uma das iniciativas mais marcantes para a história da palhaçaria feminina. Surge a partir de um desdobramento da oficina11 de palhaçaria ministrada por Andréa Macera (2013), com o pensamento de ser um local de reflexão sobre o espaço da mulher na comicidade e de formação de mulheres palhaças.

Quando tomei conhecimento da existência da escola e do crescimento que poderia me prporcionar no ofício da palhaçaria, fiquei encorajada a articular minha ida a São Paulo, principalmente, porque como mulher, palhaça e nordestina eu sentia o desejo de realizar essa

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Instituto Cultural ESLIPA - Escola Livre de Palhaços, no Rio de Janeiro-RJ, iniciativa do grupo Off-Sina.

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Iniciativa de Pepe Nunez, palhaço espanhol radicado no Brasil e Wanderleia Will, sua esposa, conhecida como Dona Bilica

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conexão da cultura popular existente em minha prática e pesquisa com as outras regiões do Brasil. Então, com a ajuda e incentivo da minha família, dos meus professores e amigos artistas, inspirando-me em grandes mestras palhaças, fiz minhas malas e fui ao encontro da escola, levando comigo meu nariz, algumas roupas, uma câmera e uma vontade imensa de aprender e evoluir tanto como artista, quanto como mulher.

Andréa, a Palhaça Mafalda Mafalda, idealizadora e atual coordenadora da escola, bem como do Teatro da Mafalda e do Encontro Internacional de Mulheres Palhaças – SP, já trabalha há mais de 20 anos no ofício da palhaçaria (palhaça desde 1997) e considera Sue Morrison12 sua mestra, e segue seu método de ensino até os dias atuais.

Durante uma de suas aulas, em conversa13 concedida a nós, alunas deste módulo em agosto de 2018, Andréa Macera disse que:

[...] É um baita sonho criar uma escola só pra mulheres, porque eu sei o que eu passei nesses anos todos, dentro de uma profissão bastante realizada por homens. [...] Eu nunca fui uma palhaça engraçada. Eu nunca fui uma palhaça ‘hahaha’, ‘como ela é engraçada’, como ela é doce’. E isso foi me trazendo outro lugar também. [...] Eu tive dois mestres, mas a Sue Morrison, que eu considero como minha mestra, pois sigo o trabalho dela; no sentido que eu procuro estudar mais e compreender mais. Porque pra mim foi um divisor de águas no meu trabalho. Onde a figura do palhaço que ela traz tem um ofício, sua função na comunidade, uma função social bastante clara. E tem uma mitologia pessoal muito forte, mostrando-se a partir da figura que se constrói com o trabalho feito por ela. (MACERA, Escola de Palhaças 2018).

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Mestra de palhaçaria e bufonaria, que repassa os ensinamentos do seu mestre Richard Pochinko a respeito do processo “Clown através da Máscara”, à Andrea.

13 Todas as conversas, aulas e entrevistas mencionadas neste artigo foram registradas através de vídeos, imagens

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Figura 3: Andrea Macera na primeira conversa do módulo I, em agosto de 2018. Neste momento ela fala o que está descrito na citação acima. No meio do bambuzal, no Sítio Cultural Alsácia.

Seguindo alguns princípios e métodos, estudando cada vez mais a função social da palhaça, Andréa inicia sua jornada de cursos para mulheres que se interessavam pela prática. Posteriormente, ela levanta outros questionamentos, principalmente sobre a abertura de novas disciplinas e novos conteúdos para que o curso tivesse uma maior diversidade de técnicas para o entendimento e a organicidade14 da figura nos corpos das participantes. Foi então que surgiu efetivamente a Escola de Palhaças, que atualmente funciona no Sítio Cultural Alsácia15 e possui três módulos ativos, que duram aproximadamente um semana cada um, com uma grade diversificada de disciplinas, cada uma com sua/seu mestra/mestre e que segue sua metodologia de ensino, mas sempre voltada para a construção da figura cômica, que para elas, vai além do nariz vermelho.

Neste momento, darei ênfase às disciplinas do Módulo I (cursado por mim e outras sete mulheres, no ano de 2018) que são: Mito, Riso e Imaginação I; Estudo de Anatomia nas Artes Circenses; Corpo - Máscara; Introdução à palhaçaria feminina; Figurino I e Dramaturgia dos números clássicos aos contemporâneos. As quais serão descritas a seguir.

Mito, Riso e Imaginação

Nesta disciplina, pretende-se de promover o autoconhecimento, a partir de debates a respeito das mitologias femininas e sobre as energias que rodeiam a sociedade, além de associar essas estórias às questões internas e externas existentes em cada mulher palhaça. Com isso, o foco é direcionado à deusa grega Baubo16, sobre a qual falarei mais adiante.

Para que possa promover seu autoconhecimento, é importante que a palhaça conheça suas origens e o real porquê de existirem bloqueios, receios e atitudes que permitem ou não a

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Corpo orgânico para o teatro é aquele que possui técnicas e métodos que, de tão trabalhados, já estão naturais e fluidos. Ao realizar o treinamento técnico e energético, com repetições, o corpo vai absorvendo e construindo uma “memória corporal”, assim encontra formas de realizar determinadas ações mais rapidamente.

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Localizado na cidade de Ribeirão Pires – SP.

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Deusa do ventre, uma das deusas arquetípicas da sexualidade sagrada, também chamada de deusa da obscenidade. Não possui cabeça, mas um rosto que aparece no torso, alguns dizem que os olhos eram os mamilos e a vulva, a boca.

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sua movimentação e compreensão do seu papel social. Muitas vezes, deixam de realizar ações por diversos motivos e esses problemas têm a ver com o desconhecimento da origem deles ou até mesmo pela manipulação de escondê-los. Wladia Beatriz17 é a responsável por ministrar esta disciplina e em uma de suas aulas ela nos diz:

Não existe palhaça se você não se conhecer. Não tem conexão. [...] Tem uma frase no texto dela (Sue Morrison) que eu acho ótima, que é uma adaptação da frase ‘Conhece-te a ti mesmo’: Palhaça, conhece-te a ti mesma [...] E é muito difícil se conhecer, se saber, se ser (BEATRIZ, Escola de Palhaças, 2018).

Figura 4: Palhaça Maçaneta e seu cachorro invisível. Figura 5: Wladia no primeiro dia do módulo I na Escola de Palhaças, em 2018.

Conhecer-se é difícil, mas não impossível. Com essa afirmação, as mulheres estão se apoiando na sororidade e unindo-se para promover um mundo onde possam ser quem realmente são: com todas suas questões, vivências, gostos, vontades, sem se privar de tudo que as fazem estarem plenas em suas totalidades. Beatriz comenta que:

[...] A gente foi treinada pra mostrar só o que é belo, lindo e maravilhoso, mas a gente não tem só isso dentro de nós. Por isso é tão difícil se conhecer. Saber das suas complexidades, estar presente. Acho que a palhaça, o ofício de ser palhaça, ‘cura’, porque mantém a gente viva e em contato com nós mesmas. [...] Nesse curso e percurso, trabalharemos com imagens míticas que nos apresentam a imperfeição, o riso e o choro, como a possibilidade de

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16 cura, como estados arquetípicos da sociedade. (BEATRIZ, Escola de Palhaças, 2018)

Por essa questão, entende-se que trabalhar com energia e com suas origens é estar em contato com o invisível. Nossos corpos são compostos por energia18 e eles podem transmiti-la para outros seres, por isso, trabalhar esta energia significa trabalhar com o invisível, ou seja, saber que algo existe, que ele está ali e mesmo que não o veja, possa senti-lo. É compreender também que essa energia é permutada com outras pessoas e que a estesia (capacidade de perceber sensações) que ela provoca é extraordinária.

As mitologias de diversas culturas abordam a respeito do sagrado feminino19 e suas deusas que possuem histórias arquetípicas que muitas vezes ligam-se às das mulheres atuais. Deusas que lidam com a sexualidade e a obscenidade, que ainda são, nos dias atuais, vetadas pela sociedade, consideradas sujas e impuras. Tomando a psicologia como base e tratando-as de forma metafórica, pode-se reconhecer e, muitas vezes, solucionar problemas, acabando com certos bloqueios existentes.

Clarissa Pinkola Estés, em seu livro “Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem” ressalta:

Percebi como essa atitude de "boa educação" nas situações erradas realmente sufocava a mulher em vez de permitir que respirasse. Para rir, você precisa ser capaz de soltar o ar e inspirar de novo rapidamente. [...] No riso, a mulher pode começar a respirar de verdade e ao fazê-lo, ela talvez comece a ter sentimentos censurados. E quais poderiam ser esses sentimentos? Bem, eles acabam não sendo sentimentos, mas alívio para os sentimentos e, em alguns casos, curas para os sentimentos, como por exemplo a liberação de lágrimas contidas ou de lembranças esquecidas ou ainda a destruição das amarras que prendiam a personalidade sensual. (ESTÉS, 1994, p. 250)

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1 - Do grego έv, “dentro” e εργov, “trabalho”, ou seja, “dentro do trabalho”, em outras palavras: produto do corpo ao realizar um trabalho ou uma ação. Tudo no universo é composto por energia e a que está presente em nosso corpo pode ser ampliada de tal forma que o espectador consegue senti-la.

2- De acordo com Renato Ferracini na revista do Lume de 2012, p. 95: “A palavra energia vem do grego

energon, que significa “em trabalho”. No ocidente essa palavra é vista com certo receio no meio científico, e até

mesmo artístico, quando designada para nomear algo que emana do corpo humano. Já no Oriente ela é vista com naturalidade entre médicos, cientistas e profissionais de palco”.

19 Uma centelha divina existente dentro de cada mulher que é muitas vezes apagado ou adormecido dentro de

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Assim, precisamos nos conhecer cada vez mais, entendendo que algumas amarras existem em nosso interior precisam ser eliminá-las e prosseguirmos mais leves em nossa jornada.

Então, nessa disciplina, entramos em contato com o mito da deusa Baubo, que pode nos revelar muito sobre a comicidade e o feminino. Conta o mito que Deméter, deusa dos grãos e da colheita, considerada mãe-terra, teve sua filha (Perséfone), raptada por Hades, deus do submundo. Ela procurou sua filha, por um longo período de tempo, até começar a perder as esperanças e entrar em profunda depressão, colocando uma maldição em todo o território, para que nada mais tivesse vida. Com a terra totalmente esgotada e a morte espalhada por todos os lados, Baubo aparece para Deméter e começa uma dança, mostrando sua vulva e provocando risos na depressiva mãe-terra. Vendo que Deméter começara a melhorar seu humor, Baubo continua com suas graças e piadas sexuais, as duas começam a rir, fazendo a mãe ter alegria e forças para voltar às buscas por sua filha, encontrando-a posteriormente e acabando a maldição de morte.

A mitologia de Baubo é extremamente condizente ao ofício de ser palhaça, no que diz respeito a encontrar uma solução para os problemas, ou forças para enfrentá-los, é levar alegria a si mesma e às outras, mesmo sabendo que o corpo (físico, mental e espiritual) de uma para a outra é diferente, além de compreender que o corpo feminino é belo, mágico e poderoso, construindo uma ligação maior do que podemos imaginar. Wladia nos fala sobre imaginação:

[...] Imaginar é lançar-se a uma vida nova, porque não tem a ver com a vida que a gente ‘tava’ percebendo que era nossa vida. Pelo menos essa é a experiência para mim de ser palhaça: é sair um pouco daquilo que eu reconheço como o que eu sou, para eu me encontrar no mais profundo daquilo que eu sou (BEATRIZ, Escola de Palhaças, 2018).

Assim, mergulhando dentro de si mesmas, reconhecendo e acolhendo suas emoções, reconhecendo que podem errar, podem mostrar quem são e amar-se sem medo, podem auxiliar às outras a seguirem os mesmos passos de reconhecimento e libertação.

Esta disciplina me fez ver o quanto é importante valorizarmos nossas origens, saber de onde viemos, para podermos compreender onde queremos chegar. Aonde eu vou, sempre carrego comigo minha terra, minhas origens e propago o conhecimento que tenho a respeito

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delas. Assim, fortaleço meus laços com meu sagrado e aqueles que o representam aqui em vida, como os mestres e mestras populares, bem como seus brincantes, Matheus, Catirinas, Biricos e muitos outros seres cômicos da cultura popular nordestina, os quais admiro e me inspiro na alegria e conexão com a terra.

Estudo de Anatomia nas Artes Circenses

Além do reconhecimento de suas origens, da sua personalidade e do ser que é realmente, também é importante para a palhaça conhecer seu corpo físico e como ele se comporta e se movimenta, para que possa conhecer-se ainda mais.

A professora Lia Rossi20 é quem ministra a disciplina de Estudo da Anatomia nas Artes Circenses. Ela enfatiza que além da técnica de palhaçaria e do autoconhecimento psicológico, a artista deve cuidar de seu corpo físico e conhecer como ele pode agir perante determinados estímulos, saber quais são suas limitações e o que pode ou não danificá-lo durante qualquer tipo de atividade física, sendo ela processo de construção da figura cômica ou não.

Figura 6: Lia Rossi no trapézio fixo. Figura 7: Lia Rossi, no 2º dia do

Registro de Leonardo Santos. módulo I na Escola de Palhaças, em 2018.

20 Doutora pela Santa Casa de São Paulo (2010), mestra em Ciências (Biologia celular e tecidual), Pela

Universidade de São Paulo (1997), professora adjunta e coordenadora da Liga Acadêmica de “Sorrisoterapia” na Faculdade de Medicina de Jundiaí, professora assistente e coordenadora do curso de anatomia aplicada as atividades circenses na Santa Casa de São Paulo, proprietária do Negócio Social “Circo Viramundo” e formada em Neurolinguística pelo INEXH.

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A partir desta afirmação, ela traz para seu curso completo (ou de uma forma mais resumida para esta disciplina na Escola de Palhaças), uma série de estudos científicos da Anatomia Humana como: Histologia, Estrutura Muscular e Óssea, Sistema Digestivo, Sistema Cardiorrespiratório, Sistema Imunológico, Ciclo Menstrual, dentre outros; sempre realizando a conexão deste conteúdo com o corpo da artista circense; um corpo do qual se exige mais e que precisa muitas vezes de uma atenção maior para consigo.

Em sua introdução à disciplina, Lia Rossi afirma:

Nunca a gente (palhaças) está no eixo. E para gente se manter numa postura, seja qualquer uma delas, precisamos entender que existem células, existem estruturas que estão se conversando. [...] Quando eu levanto a minha perna, o que está acontecendo no meu corpo? Se vocês saírem daqui sabendo que existe uma complexidade no movimento, já é um grande passo. Porque isso dá um alento pra gente, de que ‘está tudo bem, eu não consigo ainda’. Não dá pra conseguir fazer todos os movimentos. Então a gente acaba entendendo que fazemos o movimento que o corpo permite. Saindo da Normose. O palhaço sai muito da Normose. E o que é a Normose? É quando todo mundo faz aquilo e você quer fazer também, só que seu quadril não deixa, sua coxa não deixa, seu braço não deixa, e aí arranja-se seu jeito de ser você mesma (ROSSI, Escola de Palhaças, 2018).

A palhaça (ou o palhaço) sempre tentará encontrar formas para passar por diversas situações, improvisará a partir das suas dificuldades e sairá da Normose, pois compreende que apesar de não ter capacidade pra algo ou de errarem, não se escoram nisso. Esta é a parte da disciplina que eu mais me identifico, pois acredito que conheço relativamente bem meu corpo físico, sei muitos dos meus limites, e com isso, tento seguir em frente sempre encontrando novos caminhos, mesmo quando tudo parece que não vai dar certo.

Da mesma forma, outras mulheres (ou artistas de qualquer gênero) devem iniciar uma jornada de elevar a sapiência que tem a respeito do próprio corpo, podendo saber até onde realmente pode ir com ele. A partir daí percebe-se uma maior facilidade em conectar-se ao seu ser cômico, pois há uma maior compreensão que mente e corpo não são entidades separadas, bem como uma maior aceitação de quem se é e do que é capaz de fazer.

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“O nariz de palhaço é a menor máscara do mundo, a que menos esconde e a que mais revela” (BURNIER21).

O nariz de palhaço é considerado a menor máscara do mundo e por este fato, não pode-se vestir, usar, ou inspirar (como alguns nomeiam a ação de colocar a máscara) o mesmo, sem ter tido anteriormente, uma vivência e um treinamento antecipados com a técnica de máscaras e todos os seus princípios.

Elisa Rossin22 ministrou esta disciplina. Com sua vasta experiência com a técnica de máscaras, tendo realizado estágio em uma companhia alemã (Familie Flöz, em Berlim) e participado de congressos e seminários internacionais, ela acrescenta ao curso diversos exercícios teórico-práticos, para promover uma maior expressividade, auxiliando na proatividade corpórea.

A vivência que eu tinha tido anteriormente com algumas técnicas de máscaras, foi com o nariz de palhaço, com máscaras larvárias (há alguns anos), em uma breve oficina promovida pelo grupo Clowns de Shakespeare (Natal/RN) e com a Profª. Drª. Ana Caldas Lewinsohn, na disciplina “Teatro de Rua” (em 2017, na UFRN). Nessa disciplina e seus diversos exercícios com diferentes máscaras, pude reviver as experiências anteriores e ampliar ainda mais meu repertório corporal e criativo.

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Luis Otávio Burnier, ator, diretor e pesquisador de teatro. Fundador do Lume (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp - SP).

22 Atriz, Mestra e Doutoranda em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo. Componente da Cia. Do

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Figura 8: Aula introdutória de máscaras com Elisa Rossin, no 3º dia do módulo I, na Escola de Palhaças, 2018. Na imagem existem algumas máscaras inclusive da Comédia Dell Arte, confeccionadas em sua maioria pela

própria Elisa.

Figura 9: Oficina das máscaras silenciosas com Elisa Rossin, no 3º dia do modulo I, da Escola de Palhaças em 2018.

A técnica da triangulação e a da improvisação são exemplos desses exercícios. A triangulação nada mais é do que entender que quem utiliza uma máscara nunca atua sozinho, ela (ele) deve mostrar ao público o que está acontecendo na cena, para que o espectador também tenha acesso ao que ele está pensando. Deste modo, já que o corpo tem a máscara como guia, o ator/atriz precisa locomover sua cabeça em direção ao seu foco (podendo ser

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outro ator, um objeto, etc) e depois para o espectador, formando a figura de um triângulo: foco – palhaça – espectador. É considerada uma boa triangulação quando a palhaça consegue transmitir a sensação que reverbera em seu corpo ao interagir com o objeto para o espectador.

A triangulação é uma técnica pouco comentada, e, na maioria das vezes, apenas citada. Fato é que, para o clown, é um dos principais artifícios para gerar o riso e a alegria no público. É quando se mostra falho e entende-se humano. Assim, nos identificamos com ele. Trata-se de uma intensa relação estabelecida entre ator e espectador e entre os próprios espectadores. O público compartilha de um mesmo chamado à cena. Ele comunica-se olhando para os demais, por vezes rindo porque o outro riu. É a comunhão entre sujeitos que nenhuma distância separa mais. É um evento intersubjetivo que produz alegria (PADILHA, 2011, p.4).

No caso da palhaça (e do palhaço), como a máscara localiza-se no nariz, considera-se que o corpo é guiado por ele e a sensação ao interagir com o que está em foco reverbera também na expressão facial. Rossin traz exercícios que trabalham diferentes estados (tristeza, alegria, raiva, medo), e eles precisam estender-se para a musculatura facial, ligando-a ao que o corpo está apresentando. Esses estados podem permanecer de forma rápida ou duradoura na situação a qual a palhaça se encontra, variando a partir do interesse que ela estiver demonstrando por determinado objeto ou situação e da troca com o espectador.

Figura 10: Triangulação com máscaras. Oficina de Elisa Rossin no 4º dia do módulo I, na Escola de Palhaças, 2018.

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23 […] é o seu olhar sobre o funcionamento das coisas pela perspectiva da curiosidade, como se fosse pela primeira vez. Ele descobre o erro, o desajuste, o fracasso. Não há um ridículo instituído, ele é resultado da inadequação entre o que se deseja ser e o que se é. Não há um personagem inventado, mas uma espécie de projeção pessoal de algo que está invisível e que é revelado no exercício do cômico (ACHCAR, 2016. p. 21).

Nos estudos de palhaçaria, considera-se que o “palhaço tem memória curta”, pelo fato de ele apresentar determinado estado e logo após algum estímulo, ele mudar totalmente o que estava sentindo. Isso dá-se tanto pela mudança de interesse, quanto pela percepção da troca com a plateia, porque se ele percebe que o jogo não está mais funcionando, é hora de seguir por um outro caminho. O Palhaço Biribinha, no livro Palavra de Palhaço (2016), afirma: “Um milésimo de segundo na pergunta, atrasando ou adiantando, pode causar um silêncio. Faça no tempo exato. Pergunta, resposta e explosão. São três tempos, meu filho. Decore isso.”

Os três tempos que Biribinha se refere são importantíssimos para a palhaçaria, mas para eles serem executados de maneira fluida, faz-se necessária a escuta por parte do(a) palhaço(a); o silêncio, a espera e até mesmo a repetição do movimento ou reação (muitas vezes, para afirmar algo, o(a) palhaço(a) repete no mínimo três vezes determinada ação), auxiliam na obtenção da resposta, para provocar a reação explosiva e lançar a energia novamente para o público. Ou seja, o público pergunta, o corpo produz a resposta e depois a libera.

Posteriormente a isso, experimentamos exercícios de estímulo à improvisação. Jogos de interação com objetos e com outros seres; jogos de observação e transformação do corpo no que foi observado (uma variação da mímesis corpórea23); jogos de transição de estados, dentre outros. Promovendo assim, um leque maior de possibilidades para a construção do corpo cômico, de dramaturgias e de abertura ao desconhecido. No livro “O Corpo Poético: uma pedagogia da criação teatral” Jaques Lecoq nos fala:

A pesquisa do clown próprio de cada um é, primeiramente, a pesquisa de seu próprio ridículo. Diferentemente da Commedia dell’Arte, o ator não tem de entrar num personagem preestabelecido (como o Arlequim ou o Pantaleone). Deve descobrir nele mesmo a parte clown que o habita. Quanto menos se defender e tentar representar um personagem, mais o ator se deixará surpreender por suas próprias fraquezas, mais seu clown aparecerá com força (LECOQ, 2010. Pag. 214).

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A Mímesis Corpórea é uma das linhas de pesquisa do Lume Teatro, uma metodologia de desenvolvimento de matrizes (ações físicas e vocais orgânicas) a partir da observação de pessoas, imagens, objetos, monumentos e também palavras. Esta última desenvolvida mais recentemente, chamada de Mímesis da Palavra.

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24 Introdução à palhaçaria feminina

Ministrada pela mestra Andréa Macera, este componente do curso tem como objetivo despertar a figura cômica que existe dentro da mulher, entendendo que pelo fato de ser mulher, possui um papel diferente na sociedade e os vieses para alcançar a comicidade são outros. Esta foi a disciplina que criei maiores expectativas, principalmente por ser ministrada por uma das mestras que eu mais admiro e por saber de toda a experiência e evolução que eu teria convivendo com ela nesses dias.

Além de promover uma permuta com as participantes, de conteúdos teórico-práticos a respeito da palhaçaria, adquiridos em sua vasta experiência ao longo dos seus 22 anos de atuando como palhaça, em vivências com o Lume e com sua Mestra Sue Morrison, palhaça canadense, ela (Andréa), promove uma disciplina que é movida à escuta. Escuta interna e deixar-se levar por ela, sem se privar de sentir determinadas sensações ou de movimentar-se de uma maneira a qual nunca se imaginou, despertando a figura cômica existente em suas entranhas e permitindo que ela se externe. Promovendo também uma troca energética, um jogo, entre esta figura e o espectador. Palavras de Andrea durante a mesma conversa inicial deste módulo: “O ator também. Mas o palhaço mais a máscara, que eu considero um refinamento desse trabalho corporal, exige muita escuta. E é difícil. Escutar também é um aprendizado... Demora... [...] O Palhaço não é palhaço se ele não conhece a si mesmo”.

Para promover uma melhoria no autoconhecimento e na aproximação com novas sensações, as práticas sempre são ligadas ao contato com a natureza e com gatilhos que possam despertar tudo isso, sempre se apoiando na sororidade, ou seja, todas as alunas se apoiavam e incentivam uma à outra a ultrapassarem as suas barreiras psicológicas e físicas. Um dos fatores que promove ainda mais essa questão é o local onde se localiza a Escola, o Sítio Cultural Alsácia, que possui quartos onde as mulheres ficam hospedadas, uma vasta floresta ao seu redor, além de um esplendoroso bambuzal, promovendo uma maior imersão ao processo. Devido a grande mudança climática (Natal/RN com a média 29ºC na época e em Ribeirão Pires/SP com média de 12ºC), passei boa parte do módulo gripada, o que fez meu corpo adaptar-se e reagir de diversas formas, mostrando-me como ele se transforma e o quanto essa transformação e adaptação têm a ver com a improvisação e não desistência da palhaça.

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Figura 11: O bambuzal. Localizado no Sítio Cultural Alsácia, Ribeirão Pires/SP.

Além de nortear-se pela técnica repassada por sua mestra, a professora deste componente, combina os estímulos dela com algumas práticas do treinamento pré-expressivo24 trabalhadas pelo Lume associando-as aos princípios de manipulação das máscaras e aos jogos que envolvem a triangulação, o improviso e a construção de dramaturgias próprias.

Nas primeiras práticas, são experienciadas formas novas de escutar, de locomover-se, de realizar ações físicas, de verbalizar, de sentir, a partir dos estímulos promovidos pela mestra e pelo contato com a sala de ensaio, com os objetos e com as outras figuras que estavam sendo liberadas no processo. Exercícios para promover uma maior tonificação corpórea e estar preparada a tudo o que possa acontecer, também são executados. Tendo como resultado desse trabalho, um corpo extremamente presente e completo, concentrado e que emana energia, jogando o tempo inteiro com a plateia. Corpo esse que é adquirido com muito trabalho e mesmo assim, permanece em constante transformação e aprendizado.

Em seu livro “Palhaços”, Mário Fernando Bolognesi fala sobre o corpo do ator em cena:

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Todo treinamento que acontece antes da execução da cena: exercícios de expressão, de respiração, de dilatação e contração muscular, de concentração e atenção, sempre com o intuito de preparar o corpo do ator para a obtenção do estado psicofísico necessário para os ensaios e espetáculos. O Lume trabalha bastante com o treinamento energético, este que busca “quebrar” tudo o que é conhecido e viciado no ator, para que ele possa descobrir suas energias potenciais escondidas e guardadas.

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26 [...] esse corpo que representa o mecanismo está integralmente promovido pela concentração, estado que é e deve ser controlado por seu espírito. O artista do picadeiro tem de tomar conta de uma série de situações: o roteiro dramatúrgico propriamente dito; o estado de atenção e desconcentração do público; o conhecimento de suas possibilidades corporais para a execução dos movimentos; uma atenção redobrada para os motivos e momentos que possibilitam o exercício da improvisação etc. [...] aquele ator deve estar em estado de alerta para acionar os requisitos da tensão e da elasticidade, não apenas no corpo, mas também no espírito do ator. Ele está ali por inteiro. (Bolognesi, 2003. Pg. 158-159).

Em diversas culturas e treinamentos corporais e vocais no mundo inteiro o centro vital e energético do corpo localiza-se na região da musculatura abdominal e pélvica, que envolve os três primeiros chakras25, que muitas teorias nomeiam de Koshi26. Por isso, boa parte do trabalho corporal vivenciado nessa disciplina tem a função de ativar essa região, porque é dela que reverbera todo o fluxo energético que percorre no corpo, nos movimentos e até mesmo na voz. Com o Koshi bem ativado, o corpo fica preparado para as diversas artimanhas as quais ele será exposto, como improvisar, além de elevar o nível de concentração, fazendo com que a artista possa absorver melhor o conteúdo teórico-prático, tornando tudo mais orgânico. É isso que se espera da palhaça. Um corpo orgânico, sincero e pronto para a ação.

Figura 12: Treinamento pré-expressivo. Ministrado pela Mestra Andrea Macera, no 3º dia do módulo I, na Escola de Palhaças, 2018.

A mulher, pelo fato de ter todo o seu sistema reprodutor nessa região, possui alguns ciclos que são mais propensos tanto à ordem, quanto à desordem energética na região do

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São centros de energia do corpo humano, possuindo sete principais que se distribuem iniciando na cabeça e percorrendo pela coluna vertebral.

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De acordo com Renato Ferracini na revista do Lume de 2012, p.106: Os atores, em seu longo aprendizado, conseguem, de certa forma, utilizar e manipular essa energia de maneira expandida, dilatada, quando em cena. Na Índia, essa presença que provém da manipulação da energia é chamada de prana ou shakt; no Japão koshi,

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Koshi. Sabendo disso, precisa conhecer seu corpo cada vez mais, ter mais consciência dos seus limites e utilizar a força ventral que possui a seu favor. Os ciclos do corpo feminino tem um poder energético muito forte e precisamos compreender como eles funcionam em nossos corpos para promover maior controle, fluidez e propagação das energias. Um desses ciclos é o cio e Estés, no capítulo 11, p. 249 nos fala:

Há um ser que vive no subterrâneo selvagem das naturezas das mulheres. Essa criatura faz parte da nossa natureza sensorial e, como qualquer animal completo, possui seus próprios ciclos naturais e nutritivos. É esse aspecto da mulher que tem cio. Não um cio voltado exclusivamente para a relação sexual, mas uma espécie de fogo interior cuja chama cresce e depois abaixa, em ciclos. A partir da energia liberada nesse nível, a mulher age como lhe convém. O cio da mulher não é um estado de excitação sexual, mas um estado de intensa consciência sensorial que inclui sua sexualidade, sem se limitar a ela. (ESTÉS, 1994, p. 249).

Da mesma forma que a mulher evolui e se transforma a partir de cada ciclo, a figura cômica também sofre modificações, porém nela permanecem a essência e os traços íntimos de cada uma. Deste modo, mesmo existindo palhaças brancas e augustas, sempre possuirão suas particularidades, seus gostos, suas angústias, seus anseios e seus talentos. Essas personalidades e particularidades, muitas vezes ficam encobertas por anos e isto pode ser notado numa simples observação de fotos da infância, onde a maioria dos traços daquelas meninas está contida nas palhaças atuais. Era uma época em que elas podiam ser elas mesmas, com sua inocência e pureza e até mesmo nos pensamentos e atitudes considerados ruins, pois nem toda palhaça é considerada “boazinha”.

Por isso, foram-nos apresentados exercícios onde buscávamos nossas memórias da infância, principalmente as que tinham relação com a curiosidade, o contato com o novo e com isso, realizar a ligação dessas memórias (inclusive a corporal) com a reação das palhaças e seu improviso a partir do que elas descobriam. Outra grande mestra de palhaçaria no Brasil, Karla Concá27, utiliza o seguinte exercício:

Com o lema “sua graça está na sua desgraça” o trabalho se propõe a identificar e aprofundar, em cada mulher a sua palhaça. O ponto inicial de pesquisa é a criança de cada uma e, nessa perspectiva, Concá orienta a buscar no álbum de família a foto que cada uma mais gosta, tirada em algum momento especial da infância e observá-la: reparar nos olhos, no sorriso e na pose. A palhaça estará lá (BORGES, 2017, p.5).

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Karla Abranches Cordeiro, a “Karla Concá”, uma das pioneiras na palhaçaria feminina do Brasil, fundadora do Grupo “As Marias da Graça”, grupo responsável pelo Festival de Palhaçaria Feminina “Esse Monte de Mulher Palhaça” e idealizadora do projeto Síndrome de Clown - Rio de Janeiro. Atriz, Palhaça, Diretora e formadora de palhaças e palhaços.

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Figuras 13 e 14: Kathleen Louise, com aproximadamente 6 anos, fantasiada para festa escolar pela mãe. Na imagem ela já está como palhaça, mas vai muito além da fantasia: a essência é o mais importante.

Após estes exercícios e com a maior parte da figura cômica exposta e disposta ao processo, iniciam-se as práticas com a máscara. Este momento é considerado sagrado na palhaçaria: onde a maioria dos mestres e mestras recomenda que para colocar o nariz, a atriz ou o ator deve virar-se de costas, abaixar a cabeça e ao posicionar o mesmo no rosto e “inspirá-lo”, como um ato de realizar a ligação entre ele, o centro vital do corpo e a sua personalidade.

Após dias de processos intensos com a prática da palhaçaria, as personalidades de cada figura cômica começam a aparecer e automaticamente exalam curiosidade, pedindo para conhecer estímulos e seres novos, promovendo a construção de dramaturgias clownescas, a partir dos exercícios de improvisação ou até mesmo de temas os quais as atrizes desejavam retratar a algum tempo. Surge também, a vontade de ter uma identidade, seu nome de palhaça. Então, a mestra promove o exercício do picadeiro28, onde cada palhaça demonstra algum talento ou especialidade sua esperando o aval da mestra de pista (neste caso Andrea) e após este, acontece o exercício batismo das palhaças (que cada mestra e mestre têm sua forma de realizar), onde se escolhe o nome para cada figura. Mesmo algumas já possuindo seus nomes, devido terem participado de oficinas e tido vivências anteriores com a palhaçaria, nada impede de sentirem o desejo de mudança e de serem “rebatizadas”.

No meu caso, toquei sanfona, dancei diversos passos de danças populares nordestinas e toquei percussão utilizando um copo que estava no canto da sala. Corporalmente, minha

28 A origem deste exercício é desconhecida, porém ele é realizado por diversos mestres e mestras, com a

inspiração na relação dos primeiros palhaços do circo moderno e com o mestre de pista, já que eles intercalavam os números com cavalos realizando suas entradas, que serão logo mais explicadas. Tem a intenção de fazer quem passar por ele (o exercício), demonstrar seus talentos e aprimorá-los, além de ser um de teste para saber se a entrada causa o efeito pretendido pela palhaça (ou palhaço).

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figura modificou um pouco sua forma de andar e de comunicar-se, também liberou uma personalidade um pouco diferenciada do que se mostrava ser desde o ano de seu nascimento (2013). Isso se deu pela minha transformação como mulher e artista, que me fez perceber, no decorrer do processo, que algumas questões da minha figura estavam sendo bloqueadas, por eu tentar trazer para o corpo referências que não eram orgânicas. Sendo assim, após o processo e minha abertura de mente com as disciplinas do curso, Marmita, minha palhaça, voltou à ativa com o mesmo nome, porém com uma cara nova. Foi então que ela ganhou sua primeira entrada, que é uma dança cômica a partir da combinação dos passos de danças populares nordestinas com outras vertentes da Dança (hip-hop, contemporâneo, jazz, ballet clássico, funk, etc.) e que a partir desta entrada, construí uma oficina de dança cômica, envolvendo a desconstrução dos movimentos, a utilização de ações físicas e o preparo físico através de danças populares nordestinas.

Figura 15: Exercício do Picadeiro. Na foto estão Kathleen, como palhaça Marmita, e a mestra Andrea.

Assim, com as mentes e corpos trabalhados, com suas personalidades à tona e sua identidade revelada, as palhaças agora partem para outra questão com a finalidade de enfatizar ainda mais todo esse trabalho: construir seus figurinos, suas segundas peles.

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Com vasta experiência e uma das mais antigas mestras palhaças brasileiras, com mais de 30 anos de palhaçaria, iniciada sob orientação de Burnier, Adelvane Néia29 ministra a disciplina de Figurino I, a fim de construir uma composição de uma vestimenta que se acople à personalidade da palhaça. Ela acredita que não adianta a figura cômica de cada mulher estar viva e vestir um figurino qualquer, este precisa estar em harmonia com ela.

No início, a mestra sempre dá um passeio pela história da indumentária, afim de que as mulheres possam ter contato com as vestimentas de diversas culturas, podendo assim, sentir-se familiarizadas e até mesmo tocadas por alguma estética. Isso se dá porque o mais íntimo o de cada mulher enxerga a si mesma em algumas imagens, fazendo com que siga este caminho para a composição da sua própria forma de se vestir.

A maioria das mulheres sempre leva algumas peças para iniciar esta composição com as orientações de Adelvane, que também disponibiliza materiais para auxiliar na ligação da personalidade à estética a qual a figura cômica se encontra. Boa parte delas propõem figurinos ou peças de figurinos às quais acreditam que serão causadoras de riso, como roupas escandalosas ou extremamente coloridas, porém, não necessariamente ficam orgânicas ao que a figura cômica é. Ou seja, não causa o efeito proposto pela atriz. Por este motivo, muitas acabam modificando uma parte (que foi o meu caso e de Marmita) ou a vestimenta no todo, para melhor organicidade e ficar condizente ao que a palhaça realmente é no seu íntimo.

Em entrevista à Mariana Rabelo Junqueira, Adelvane diz:

[...] cada um vai trazer uma maneira na sua vestimenta. [...]. Minha mãe sempre teve uma costureira fixa. Aquela costureira que ia em casa e ficava três dias costurando na sua casa. Então, desde criança eu escolhia meus modelos de roupa. Minha mãe nunca me limitou nesse sentido. Eu levei isso para a minha palhaça. Margarida, hoje talvez menos, sempre teve uma maneira de se vestir. Ela tem um certo glamour, um refinamento, quer dizer, “na maneira de ela olhar aquilo”. [...] E isso eu trouxe da minha infância, da minha maneira, da imagem que eu construo de mim mesma. Isso eu levo paro o palco como palhaça (JUNQUEIRA, 2012, p. 94).

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Palhaça Margarida, atriz da Cia Humatriz Teatro, formada em Artes Plásticas pela Fundação Miguel Mofarrej – SP, figurinista e diretora de teatro. Uma das pioneiras da palhaçaria feminina no Brasil e formadora de palhaças e palhaços.

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Figura 16: Palhaça Margarida no Espetáculo “A-ma-la”

Pelo fato de toda mulher ter sua maneira de se vestir, Adelvane propõe, como primeiro exercício prático desta disciplina, que as mulheres espalhem suas propostas de figurino pelo chão da sala de ensaio e depois se deitem com elas (em cima ou ao lado). E então, após um momento de meditação, com o objetivo de lembrar como é sua palhaça e externalizá-la com o corpo, vestem tanto o figurino quanto o nariz e começam a explorar o espaço interno e externo da sala, indo até partes da floresta próxima, interagindo com as outras figuras cômicas e outros que estiverem presentes.

Neste momento também, são percebidas dificuldades com relação ao deslocamento e à movimentação da palhaça, fazendo com que haja mais modificações no figurino. É importante enfatizar que esta é uma vivência inicial da palhaça com esta vestimenta, o que significa que não existe uma obrigatoriedade de ser este mesmo figurino por toda a vida dela, inclusive pode existir mais de um, para diversas ocasiões que ela passará, porém deve ser criado pensando na personalidade e particularidade da mesma.

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32 Dramaturgia dos números clássicos aos contemporâneos

Concluindo o ciclo de disciplinas do Módulo I, tivemos a disciplina Dramaturgia dos números clássicos aos contemporâneos, ministrada pelo ator, diretor e palhaço Caco Mattos30, até então o único homem-cis do corpo docente da escola. Este mestre proporciona às alunas uma vivência com a história da dramaturgia do circo, conhecendo números clássicos de palhaçaria e como eles podem modificar-se a partir do contexto o qual a palhaça vive.

Caco utiliza como base o livro “Entradas Clownescas, uma dramaturgia do clown” de Tristan Rémy, que ele mesmo traduziu juntamente com Carolina Gonzalez para o português. Além de possuir sessenta entradas registradas por Rémy, possui no prefácio um breve resumo sobre a história das entradas clownescas na França no século XIX, auxiliando na contextualização sobre a época que as mesmas foram criadas.

Os números clássicos foram criados a partir de um contexto social de uma época em que as palhaças eram quase inexistentes, como está explanado no início deste artigo, e por este fato, são abordados temas da vida masculina ou satirizando o papel da mulher. Inclusive, as entradas descritas nesta obra de Rémy, são provenientes do repasse oral ou da observação de apresentações de grandes palhaços como Rhum, Pipo, Poto, Loriot, os Fratellini, entre outros. Posteriormente a isso, os próprios palhaços foram inovando seus números, acrescentando acrobacias, músicas e outros artifícios para entreter o público, já que normalmente eram nascidos no circo e permaneciam por toda vida neles ou eram contratados por temporadas pelos donos, precisando sempre renovar suas apresentações.

30 Ator, palhaço e diretor, formado pela Fundação das Artes de São Caetano do Sul e Licenciado em artes

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Figura 17: Caco Mattos como palhaço Antônio Bello.

Com o surgimento de mulheres palhaças, as entradas começaram a ganhar uma nova roupagem, pois o campo do que é risível amplia-se, surgindo uma infinidade de possibilidades para entradas e números adaptados aos clássicos ou totalmente novos. E é exatamente o que acontece quando Caco apresenta às mulheres da escola algumas entradas: elas sentem-se instigadas a realizarem reprises dessas entradas, porém da sua forma ou até mesmo criam suas próprias, sempre levando em consideração a personalidade da sua palhaça, o contexto social e o público para o qual serão apresentadas. Rémy afirmava:

Os números valem o que valem seus intérpretes. Não devemos esquecer que o diálogo muda de um dia para o outro, segundo as reações dos espectadores, a memória do clown, o ambiente, a atualidade e imprevistos da improvisação (Rémy, 2016, p. 31).

Um dos grupos referência em palhaçaria com entradas feministas é a “Casa 407 Coletivo de Palhaças”, fundado em 2014 na cidade Rio de Janeiro/RJ, por um grupo de atrizes e palhaças. Elas utilizam o feminino na sociedade e o papel que é dado à mulher por uma sociedade opressora como objeto de estudo. O coletivo reproduz reprises circenses modificando-os para questões femininas, bem como possui números autorais, mas sempre levando em consideração situações e temas que envolvam a vida e experiência das mulheres. Seu mais novo espetáculo é o “Absurdas”, onde as palhaças expõem situações que são consideradas absurdas pela sociedade, que normalmente as mulheres passam e não sentem-se à vontade para falar sobre.

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Figura 18: Uma das fotos de divulgação da estreia do espetáculo “Absurdas” da Casa 407 Coletivo de Palhaças.

Outro exemplo é o “Circo di Sóladies”, da cidade de São Paulo-SP, que foi idealizado por Tatá Oliveira e Lilyan Teles em 2013, também partindo das ideias e discursões a respeito da desigualdade de gênero, além de entender que o espaço existente para a mulher na comicidade e na palhaçaria era menor ainda que hoje. Hoje em dia, além das duas fundadoras, Verônica Mello e Kelly Lima são integrantes do elenco e hoje possuem um repertório para diversos públicos. Um trabalho importante para ser comentado é o “Estupendo Circo di Sóladies”, por ser um trabalho que envolve o circo-teatro destinado ao público infantil, abordando contos de fada e a desconstrução deles, incentivando as meninas que elas são corajosas, podem ser quem eles quiserem e que não precisam ficar esperando príncipes encantados as salvarem.

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Figura 19: Espetáculo: “O Estupendo Circo di Sóladies”, do grupo Circo di Sóladies.

Por fim, a semana se encerra com mais um picadeiro, dessa vez na forma de Cabaré, onde todas as palhaças (uma a uma) apresentam suas entradas cômicas (reprises adaptadas ou autorais) para as outras e todas as pessoas envolvidas na Escola, confirmando o encerramento de mais um ciclo e abertura de outros para as mulheres e suas palhaças.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mulher está cada vez mais mostrando à sociedade que é um ser de coragem, de força e determinação e esse sentimento de transgressão está totalmente ligado à arte da palhaçaria. Ser palhaça é encontrar caminhos onde todos acreditam que não existam. É remar contra a correnteza de desafios. É exercer sua liberdade de expressão e não ter medo de ser quem realmente é.

A Escola de Palhaças é uma das iniciativas mais inovadoras e corajosas do meio artístico, feita por mulheres e para mulheres. Inovadora por não existir, até então, no Brasil, uma escola de palhaçaria voltada às mulheres e corajosa por enfrentar as barreiras do machismo de uma sociedade patriarcal e de uma técnica que há muitos anos é “governada” por homens.

Sou mulher, palhaça e nordestina! Orgulho-me de mim e de tantas outras! Andrea Macera, Karla Concá; Adelvane Néia; aproveito para mencionar também a Gena Leão, a palhaça Ferrugem31 que é nascida e precursora da arte circense no Rio Grande do Norte, pela qual eu tenho imensa admiração por estar firme e forte no mundo circense apesar de todas as barreiras existentes no incentivo à cultura em nosso estado; Lily Curcio32; entre outras mulheres pioneiras na palhaçaria feminina brasileira, mostram cada vez mais que ser palhaça não é “para qualquer uma” como muitos pensam. Elas demonstram o quanto esta arte deve ser olhada com um carinho maior, mas com a mesma intensidade de respeito e seriedade. Não é qualquer pessoa que consegue conhecer-se ao ponto de expor seu íntimo, seus medos, suas verdades, seu ridículo e estar vulnerável. Demonstrar a pureza, a inocência, a humanidade interna e tocar as pessoas de diversas formas, é um estado difícil de ser alcançado.

O Palhaço Pepin, em entrevista para o livro “Palavra de Palhaço” enfatiza que:

Ser palhaço não é pintar a cara, botar o nariz, botar o sapato e sair, não. Tem que levar aqui no sangue. [...] O circo é assegurado pelos mastros, e o espetáculo, pelo palhaço. Se o circo não tem palhaço está quebrado (ACHCAR, Palavra de Palhaço, 2016, p. 124).

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Gena Leão, nascida em Angicos-RN, palhaça e proprietária do Circo Grock juntamente com seu esposo, Nil Moura, o palhaço Espaguete.

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Lily Curcio, palhaça, atriz, titeriteira, antropóloga etnopsiquiatra e diretora teatral. Faz 25 anos pesquisa a clowneria clássica e os pontos em comum entre o xamanismo e o palhaço, assim como as convergências entre o teatro de animação e a linguagem do palhaço. Integrante e uma das fundadores do Seres de Luz Teatro.

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Como mulher, nordestina e palhaça, foi de extrema importância esta experiência com a Escola de Palhaças, bem como a participação no II EIPIM - Encontro Internacional de Mulheres da Ilha do Mel (Vitória-ES, em Julho de 2019), pelo fato de que aqui, no Nordeste, são escassas as iniciativas que envolvem a palhaçaria, mais ainda as que são direcionadas às questões femininas. Fui iniciada palhaça no ano de 2013, pela mestra Adelvane Néia, mencionada neste artigo, e desde então despertei interesse por este ofício.

Marmita, já nasceu com fome; fome de tudo. Seu nome veio por possuir além desta fome, caber uma infinidade de coisas dentro dela. Sempre escutei “Mulher, como aguenta fazer tanta coisa?” ou “O que tu não sabe fazer?”. Através da palhaçaria eu compreendi o porquê de eu sempre arranjar um jeito pra tudo e de correr atrás pra que tudo desse certo. Por isso, comecei uma busca de conhecimento para saciar um pouco essa minha fome (que era também de Marmita), passando por alguns mestres, até chegar à Escola de Palhaças como aluna e no II EIPIM como oficineira de dança cômica a partir de movimentos das danças populares nordestinas, que ampliaram de uma forma absurda a minha visão de mundo, como mulher e palhaça. Mas ainda é apenas o inicio de uma jornada que poderá ser cheia de obstáculos, mas que com certeza valerá a pena.

Tendo isto em vista, continuarei alimentando-me de estudos, treinos e vivências, inspirando-me nestas grandes mulheres palhaças para eu possa ser também sirva de inspiração para outras. Repassarei o que for vivenciado e absorvido, combinando sempre com o que há dentro de mim e de onde venho, porque assim, a palhaçaria, sobretudo a palhaçaria feminina, construirá uma rede de conhecimento forte e com propriedade. E para além disso: transformar vidas.

Ser palhaça é tirar você do sério. Ser palhaça é brincadeira séria.

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Figura 20: Marmita no final do pequeno cabaré realizado no encerramento do Módulo I da Escola de Palhaças em 2018. Na foto estão além de Kathleen Louise como Palhaça Marmita, Adelvane Néia e Andrea Macera.

Referências

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