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(1)FACULDADES DE HUMANIDADES E DIREITO MESTRADO EM EDUCAÇÃO. SUZI ALVES DA SILVA. DOS DILEMAS À ESPERANÇA: OS DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOS PROFESSORES DE TIMOR-LESTE. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2011.

(2) SUZI ALVES DA SILVA. DOS DILEMAS À ESPERANÇA: OS DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOS PROFESSORES DE TIMOR-LESTE. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado) da Faculdade de Humanidades e Direito, na Universidade Metodista de São Paulo, como exigência para obtenção do título de Mestre em Educação Linha de Pesquisa: Formação de Educadores Orientação: Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2011.

(3) A dissertação de mestrado sob o título “Dos dilemas à esperança: os desafios para a formação e atuação dos professores de Timor-Leste”, elaborada por Suzi Alves da Silva foi apresentada e aprovada em 18 de março de 2011, perante banca examinadora. composta. por. Profa.. Dra.. Zeila. de. Brito. Fabri. Demartini. (Presidente/UMESP), Profª Drª Maria Leila Alves (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Antônio Joaquim Severino (Titular/USP).. __________________________________________ Prof/a. Dr/a. Zeila de Brito Fabri Demartini Orientador/a e Presidente da Banca Examinadora. __________________________________________ Prof/a. Dr/a. Roseli Fischmann Coordenador/a do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Educação - Mestrado Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Formação de Educadores.

(4) O CROCODILO QUE SE FEZ ILHA 1. No fim das estações. das chuvas quando as águas começaram animais. a. secar,. procuraram. os seus. habitantes anteriores, mas o crocodilo velho, que nunca fez incursões para além das águas. Figura 1 - Acrílico sobre tela, O crocodilo que se fez ilha, 2006. paradas, decidiu ficar. Os pequenos crocodilos entenderam como sendo o fim de seu progenitor e afastaram-se em lágrimas, deixando-o a ali também a derramar lágrimas de crocodilos, que eram legítimas. Neste momento passa por ali uma criança a procura de seus pais e vendo o crocodilo chorando coloca-se para ajudálo, mas, dada a sua pouca força ela vai em busca de outros animais que se negam a ajudar o crocodilo e se afastam da criança, diante deste impasse o crocodilo tenta recompensá-la garantindo-lhe que sua amizade era verdadeira. Não era tão traiçoeiro como a fama de suas lágrimas: – Pula para o meu dorso! – disse o crocodilo em voz paternal. Anoitecera. E sem a vigilância de olhos de outros animais e a coberto da distância e da escuridão da noite, tencionava comer aquela criança. Mas, as forças dos músculos do velho crocodilo foram-se esgotando na jornada. Não conseguiu mover a cauda nem mesmo uma pata. Encalhou-o no seu trágico destino. Rendido a evidência da morte, quis a grandiosidade. As suas patas alongaram-se e cravaram-se profundamente nos corais. O corpo distendeu-se e as placas ganharam elevação formando montanhas atapetadas de densas florestas de sândalo. Uma voz surgiu do ventre do ainda crocodilo quase terra: - Sou velho e vou morrer. Tu és linda e habitarás este corpo onde foram enterrados os teus pais. Brevemente chegarão os estrangeiros. Uns príncipes em busca da tua beleza e outros mercadores de sândalo. Quando ouviu o último suspiro do crocodilo, respirou fundo como se quisesse dar à luz e viu o Sol nascer no mar iluminando a ilha inteira, finalmente livre do pesadelo da noite traiçoeira e chamou-lhe de Timor. (Conto sobre a formação de Timor - Luis Cardoso - Escritor timorense). VISÃO, Revista. Suplemento especial, edição comemorativa da independência. Portugal, n. 480, 16 de maio de 2002.. 1. Fonte Figura 1: http://anapintura.blogspot.com/2007/07/o-crocodilo-que-se-fez-ilha.html.

(5) Às crianças de Timor, que me dão muita esperança..

(6) AGRADECIMENTOS. "Todas as coisas vêm única e exclusivamente de Deus. Tudo vive por seu poder, e tudo é para sua glória. A Ele seja a glória para todo o sempre.” Romanos 11:36. À minha família amada, que é comigo em todas as conquistas; À minha querida igreja, Assembléia de Deus em Santo André e à AME – Associação Missão Esperança por acreditarem em minha vocação e pela parceria que me proporcionou vivenciar todas as experiências em Timor relatadas nesta pesquisa;. À professora Dra. Zeila de Brito Demartini, por ousar acreditar neste projeto e me acompanhar nesta trajetória, tornando-se para mim não apenas uma exímia orientadora, mas também uma pessoa admirável;. Aos professores doutores Antônio Joaquim Severino, Elydio dos Santos Neto e Maria Leila Alves, por participarem da banca de qualificação e defesa contribuindo deste modo de forma contundente para minhas reflexões;. Ao Mestrado em Educação da Universidade Metodista e todos os professores que participaram desta etapa tão importante em minha vida;. À CAPES minha gratidão pela confiança em financiar esta pesquisa;. A todos os professores e agentes da educação de Timor-Leste, que bondosamente partilharam comigo suas experiências tornando possível este trabalho, na expectativa que ele de algum modo se torne útil a eles mesmos;. Ao Ministério da Educação de Timor-Leste, que através de carta me autorizou a realizar a pesquisa em todos os departamentos ligados à educação do país;. À Fabi, Sérgio, Airton, Ricardo, e Regina (secretária do mestrado) amigos queridos que me proporcionaram tantas alegrias, tornando mais leve a tarefa do mestrado;.

(7) Ao Prof. Dr. António Barbedo Magalhães, que tão bondosamente me recebeu em Portugal, disponibilizando o acervo sobre Timor-Leste por ele organizado na Faculdade de Engenharia do Porto;. Ao Pr. Micaías Pascoal de Deus que apesar de suas muitas atribuições generosamente se ocupou da revisão deste trabalho;. Ao irmão Adelino e irmã Sônia, muito obrigada, só nós sabemos o quando precisei de vocês durante este tempo e vocês nunca se furtaram em ajudar-me;. Aos amigos de muitas partes do mundo, que de muitas formas estiveram presentes neste percurso. A lista seria enorme, por isso omiti-los-ei neste papel, mas estão em minhas lembranças diante de Deus..

(8) RESUMO. Esta pesquisa de mestrado analisa a educação de Timor-Leste, tendo como principal foco os professores, procurando identificar os principais desafios por eles enfrentados para a sua formação e atuação e suas implicações para o futuro educacional do país. Timor-Leste é um país do sudoeste asiático, que se tornou independente em 1999; deste então tem procurado se estabelecer como um país livre e democrático. Sua história pregressa é marcada por dominações, tendo sido colônia portuguesa por mais de quatro séculos e posteriormente invadido pela Indonésia. Esses distintos períodos históricos marcaram profundamente todas as instâncias da nação, sobretudo a educação, que sempre foi produto dos povos dominantes. Esta pesquisa, portanto, traz um panorama histórico, considerando sua importância para compreensão dos desdobramentos do sistema educacional hodierno, especialmente no que se refere à formação de professores diante dos dilemas herdados, tais como: evasão dos professores, que eram na sua maioria do país invasor, infra-estrutura precária, limitações linguísticas, entre outros. O método utilizado para a realização da pesquisa foi uma aproximação da etnografia, tendo uma abordagem qualitativa e quantitativa. As fontes foram diversificadas; utilizei documentos escritos, orais e iconográficos, alguns já existentes e outros produzidos no processo de pesquisa. Paulo Freire e António Nóvoa são as principais referências teóricas neste estudo, na reflexão sobre a formação de professores. Pude constatar que o caminho para a autonomia e para que haja uma boa qualidade no sistema educacional de Timor, dentro de uma visão realista e plausível, pode ser longo, há muito trabalho a fazer, e isto depende de muitos aspectos para que possa se concretizar. Ações conjuntas do governo, sociedade e organismos internacionais são extremamente necessárias, principalmente para o planejamento de uma política séria, significativa e contextualizada que servirá de base para o que se tornará a educação do país.. Palavras Chaves: Timor-Leste, História, Educação, Formação de Professores.

(9) ABSTRACT. This Master thesis analyzes the education of East Timor, with the primary focus teachers, seeking to seize on the key challenges they faced in their training and performance and their implications for the educational future of the country. East Timor is a country in Southeast Asia that became independent in 1999, since then, has sought to establish itself as free and democratic people. His past history is marked by domination, was a Portuguese colony for more than four centuries and subsequently invaded by Indonesia. These distinct historical periods have profoundly marked all instances of the nation, especially education has always been the dominant product of the people. This research, therefore, provides a historical overview, considering its importance for understanding the ramifications of today's educational system, especially with regard to teacher training to the dilemmas inherited, such as avoidance of teachers who were mostly from the invading country, poor infrastructure, language constraints, among others. The method used to conduct the study was an ethnographic approximation research was taking a qualitative and quantitative approach. The sources were diverse, used written, oral and iconography, some existing and others produced in the research process. Paulo Freire and Antonio Nóvoa are the main theoretical references in this study to reflect on teacher education. It was found that the path to independence and that there is a good quality education system in Timor, in a realistic and plausible, may be over, there is much work to do, and it depends on many aspects so that it can materialize. A joint action of government, society and international organizations are sorely needed, especially for planning a serious political, meaningful and contextualized as the basis for what would become the country's education.. Keywords: East Timor, History, Education, Teacher Training.

(10) LISTA DE FIGURAS. Figura 1 – Acrílico sobre tela, O crocodilo que se fez ilha. 2006 ..................(epígrafe) Figura 2 – Escola Infantil Fuan Domin .................................................................. 18. Figura 3 – Entre alunos da Escola Infantil Fuan Domin ........................................ 19. Figura 4 – 1º Treinamento de professores .......................................................... 23. Figura 5 – Tema da Aula: “O que é educação”. Recém chegada ao país, foi necessária tradução. ............................................................................................. 24. Figura 6 – 2º. Treinamento de Professores .......................................................... 25. Figura 7 – O sol incidindo sobre a Praia de Baucau ............................................. 37. Figura 8 – Mapa Múndi ......................................................................................... 38. Figura 9 – Mapa Sudoeste da Ásia ...................................................................... 38. Figura 10 – Mapa Timor-Leste ............................................................................. 38. Figura 11 – Pessoas de Timor.............................................................................. 39. Figura 12 – Liceu em Díli ...................................................................................... 48. Figura 13 – Tropas indonésias ............................................................................. 54. Figura 14 – Estudantes levando lenha para a escola ........................................... 60. Figura 15 – Estudantes e professores são responsáveis pela limpeza da escola. 79.

(11) LISTA DE TABELAS. Tabela 1 – Gênero ................................................................................................ 67. Tabela 2 – Faixa etária dos professores ............................................................... 69. Tabela 3 – Qualificação acadêmica ...................................................................... 70. Tabela 4 – Qualificações dos professores do ensino primário por distrito ............ 71. Tabela 5 – Estado civil .......................................................................................... 74. Tabela 6 – Saberes docentes ............................................................................... 98.

(12) LISTA DE SIGLAS. AID –. Assistência para Desenvolvimento Nacional. ANPED –. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. APODETI – Associação Popular Democrática Timorense (ou de Timor) ASDT –. Associação Democrática de Timor. CBN –. Central Braileira de Notícias. CPLP –. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. ECD –. Estatuto de Carreira Docente. EUA –. Estados Unidos da América. FRETILIN – Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente GERTIL –. Grupo de Estudo e Reconstrução de Timor-Leste. IDH -. Índice de Desenvolvimento Humano. IFP –. Instituto de Formação de Professores. INL –. Instituto Nacional de Linguística. MEBE –. Missão de Especialistas Brasileiros em Educação. MECJD –. Ministério da Educação Cultura e Jogos Desportivos. ONG –. Organização Não-Governamental. ONU –. Organização das Nações Unidas. PIB –. Produto Interno Bruto. PNE –. Plano Nacional de Educação. PNE (2) -. Política Nacional de Educação. PPI –. Professor Período Indonésia. PPP –. Professor Período Portugal. PPT –. Professor Período Timor (Independente). UDT –. União Democrática Timorense. UNESCO –. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a. Cultura UNICEF –. Fundo das Nações Unidas para a Infância. UNTL –. Universidade Nacional de Timor-Leste.

(13) ÍNDICE. INTRODUÇÃO. 15. 1. 24. A PESQUISA. 1.1 ESCOLHENDO O CAMINHO... ...................................................................... 24 1.2 TRAJETÓRIA PERCORRIDA ......................................................................... 29 1.2.1 Entrevistas e questionários realizados com professores e agentes educacionais: as muitas etapas ..................................................................... 31 1.2.2 Documentos Oficiais: os desafios para o acesso ................................ 34 2. A EDUCAÇÃO DE TIMOR-LESTE EM SEUS DISTINTOS PERÍODOS. HISTÓRICOS. 38. 2.1 A LOCALIZAÇÃO, O POVO E A LÍNGUA DA METADE DE UMA ILHA NO SUDOESTE DA ÁSIA ............................................................................................ 38 2.2 COLONIZAÇÃO PORTUGUESA: O DIFÍCIL ACESSO A EDUCAÇÃO .......... 43 2.3 INVASÃO INDONÉSIA: A EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO ................................ 54 2.4 PÓS-RESTAURAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA: OS DESAFIOS HERDADOS E OS CAMINHOS TRILHADOS ............................................................................. 59 3. OS DESAFIOS PARA A FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DOS PROFESSORES E. TIMOR-LESTE. 67. 3.1 PERFIL DOS PROFESSORES TIMORENSES .............................................. 67 3.1.1 A maioria constituída por homens....................................................... 68 3.1.2 Idade: predomínio dos quarenta .......................................................... 69 3.1.3 Qualificação: diversificada ................................................................... 70 3.1.4 O policulturalismo dos professores .................................................... 74 3.1.5 Estado Civil: solteiros ........................................................................... 75 3.2 PRINCIPAIS DILEMAS APONTADOS PELOS PROFESSORES ................... 76 3.2.1 As várias línguas ................................................................................... 76 3.2.2 Material Didático: a escassez ............................................................... 79 3.2.3 As precárias instalações das escolas ................................................. 80 3.2.4 Salários: o alto custo de vida em Timor .............................................. 82 3.2.5 Currículo: as necessárias adaptações ................................................ 82 3.2.6 Formação contínua ainda desejada ..................................................... 83 3.3 PROGRAMAS VIGENTES DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ............... 85.

(14) 3.4 UMA PALAVRA SOBRE A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A EDUCAÇÃO DE TIMOR-LESTE ........................................................................... 89 4. UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES. 93. 4.1 DIMENSÃO PESSOAL ................................................................................. 100 4.2 DIMENSÃO PROFISSIONAL ....................................................................... 102 4.3 DIMENSÃO COGNITIVA .............................................................................. 105 4.4 DIMENSÃO HISTÓRICA .............................................................................. 107 4.5 DIMENSÃO. ANTROPOLÓGICA. E. DIMENSÃO. ANTROPOLÓGICA. CULTURAL .......................................................................................................... 108 4.6 DIMENSÃO SOCIAL E POLÍTICA ................................................................ 110 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 114. REFERÊNCIAS. 118. ANEXOS. 123.

(15) INTRODUÇÃO. “Formar-se é aprender a construir uma distância face à sua própria experiência de vida, é aprender a contá-la através de palavras”. (Rémy Hess apud António Nóvoa, 1988, p. 115). No final de novembro de 2004, em uma noite que antecedia meu retorno para o Brasil, depois de três anos vividos em Timor-Leste, país do sudoeste da Ásia, viajei em meus pensamentos em busca de palavras que pudessem descrever plenamente meus sentimentos em relação a essa experiência. Confesso que diante do computador me senti desalentada em constatar que não tinha a habilidade de uma escritora. Cheguei a Timor no finalzinho de março de 2002, depois de ter ficado por dois meses na Indonésia estudando o Bahasa2. Como havia de ser, trazia muitas expectativas e curiosidades em relação ao povo, cultura, língua e ao próprio trabalho que seria realizado. À medida que o tempo ia passando, eu me deixava envolver nesse mundo e os primeiros obstáculos começaram a ser vencidos. Logo aprendi a língua, mesmo porque não é tão difícil, adaptei-me à falta de eletricidade durante todo o dia e a outros pormenores da infra-estrutura, ainda deficiente, e consegui superar a barreira do relacionamento com o povo. A princípio as pessoas são resistentes, pois estrangeiro é sinônimo de domínio (muitos deles, de fato, na maioria das vezes se colocam em uma atitude de superioridade em relação ao povo), fato que dificulta a aproximação. Até essa altura estava certa de que tal experiência havia deixado marcas indeléveis em minha vida, mas não poderia supor que me impulsionasse a trilhar caminhos antes inimagináveis. O caminho que outrora não imaginava trilhar, a que me refiro, era fazer mestrado em educação.. 2. Língua Indonésia.

(16) 16. Em algum momento de minha infância considerei fazer odontologia, depois, já na adolescência, me envolvi em atividades de ajuda à comunidade mediante projetos sociais, e, desta forma, me percebia como assistente social. Contudo, nunca antes me vi como professora. Portanto, pensar hoje em como me tornei professora e pesquisadora, sem dúvida me remete às lembranças da minha história como aluna, porque acredito que esses caminhos e descaminhos percorridos se constituem um dos aspectos moldadores de minha cosmovisão e formação. Meu primeiro contato com uma sala de aula foi numa comunidade rural, no sertão paraibano. Minha tia, professora do Mobral, me deixava assistir às aulas. Naquela época conheci a palmatória – que sempre estava ali para intimidar – mas nunca a vi sendo utilizada; o que me lembro com mais clareza era da paçoca oferecida na hora do recreio. Por volta de seis anos, tive aulas particulares na casa de uma senhora chamada Neta de Tetê. Tetê era sua mãe e auxiliava na tarefa de cobrir as letras da cartilha com o polegar, para avaliar se tínhamos decorado o alfabeto. O objetivo dessas aulas era prover alfabetização anterior ao ensino primário, já que naquela ocasião não tínhamos acesso ao ensino infantil, mas devido a um problema de bronquite, as aulas não duraram mais do que três meses. Houve um atraso em minha inserção na escola formal, pois, naquela altura, só aceitavam alunos com sete anos, ou bem próximos de completar essa idade e, pelo fato de ter nascido no mês de novembro, ingressei com quase sete anos e meio. Minha classe era denominada de primeiro ano forte (“forte” era a classe destinada a alunos um pouco mais velhos ou repetentes, no caso da minha classe, a segunda categoria predominava). Do que posso recordar, o sistema era, certamente, o dito tradicional; dos detalhes da metodologia me lembro vagamente, todavia não me esqueço da professora, tão amável, que me fez amar o convívio escolar, apesar de reconhecer a minha dificuldade para o estudo autodidata. Lembro também que tínhamos alunos na sala com sérios problemas de aprendizagem, pelo menos dois deles embora não tendo sido diagnosticados, notadamente tinham déficit psicológico, ainda numa época em que não se falava em inclusão! Tendo uma certa facilidade para o aprendizado, no primário acabei me tornando uma “assessora” da professora; depois de finalizar as minhas tarefas,.

(17) 17. ajudava aos meus colegas, isto ocorreu da primeira à quarta série. Minha professora da quarta série foi a mesma da segunda série. Ao passar do ensino primário para o ginásio, nomenclatura usada na época, minha professora pediu-me para continuar a ajudá-la nas aulas, já que estudaria em horário diverso ao que ela daria aula, o que fiz por várias vezes. Já no ginásio, minha experiência mais significativa, pelo fato de lembrar detalhes, foi a proposta da professora de História para elaborarmos uma aula sobre um tema proposto. Como a disciplina era nova para mim, o temor fez com que tivesse muito zelo na elaboração do trabalho e a apresentação foi um sucesso, a ponto de permitir a participação de alunos de outras classes e dos gestores da escola. Desde então sempre me interessei por atividades em que precisasse expor ideias em sala de aula. Concluído o ginásio, apesar da insistência de um tio para que fizesse um curso profissionalizante, no caso o magistério, chamado de pedagógico na Paraíba, relutei e fiz o ensino médio normal, chamado de científico, porque a esta altura já estava sedimentada em minha mente a ideia de fazer faculdade de Serviço Social. Havia a crença de que essa seria a melhor escolha para preparar-se para o vestibular. Ao final do ensino médio, as possibilidades de fazer o curso que desejava pareciam bastante remotas. Morava no alto sertão da Paraíba e o curso só era oferecido na capital, cerca de quinhentos quilômetros de distância. A faculdade mais próxima, que ficava na cidade vizinha, só oferecia cursos de licenciatura que eu rechaçava. Para não ficar sem estudar, já que não havia outra coisa para fazer na cidade, matriculei-me então no pedagógico, interrompi, contudo, o curso sem nem mesmo terminar o primeiro ano, pois tomei conhecimento de um seminário teológico que ficava na capital. Agora meu foco mudara completamente, desejava profundamente fazer teologia, porém, esbarrei em algumas dificuldades e vi também este desejo frustrar-se. Meses depois, surgiu a oportunidade de mudar-me para São Paulo a convite de uma tia, a aceitação centrava-se no pensamento comum a muitos sertanejos: trabalhar, juntar um pouco de dinheiro e voltar para minha cidade, onde pudesse começar algum comércio, talvez. Não me lembro de pensar, neste momento, nada mais sobre meu futuro educacional..

(18) 18. Em São Paulo, logo nos primeiros meses, inesperadamente surgiu a oportunidade de fazer teologia, que se configurou como minha primeira graduação e, embora tivesse como uma das atividades lecionar no contexto eclesiástico, não me sentia professora. Sentia-me vocacionada para obra missionária transcultural, por esta razão, enquanto fazia o curso de Bacharel em Teologia, com Concentração em Missiologia, sempre buscava me informar sobre as necessidades de diversos países, de modo que me mantinha atualizada sobre as necessidades dos povos menos favorecidos e dos países que demonstravam maiores carências. Sensibilizava-me com informações vindas de países da África, assim como da situação de certos países do Oriente Médio. Sobre Timor, como desde 1975 não se enquadrava na categoria de país, mas sim de uma província da Indonésia, demorou muito para que tivesse notícias a seu respeito. Todavia, as mudanças ocorridas no cenário político e as pressões internacionais sobre a Indonésia culminaram com o plebiscito em setembro de 1999, que suscitou vários confrontos, dando notoriedade a esta parte da ilha. Como muitas outras pessoas em todo o mundo, fiquei sensibilizada pela situação daquela gente, em especial por descobrir nossa história comum. Além de recortes de jornais que recebi de amigos, eu ouvi pela Rádio CBN (Central Brasileira de Notícias) uma entrevista com Xanana Gusmão, que veio a ser o primeiro presidente após a restauração da Independência de Timor. Ele solicitara professores brasileiros para a solidificação da língua portuguesa em sua nação. Neste período eles ainda tinham um governo de transição, mas as futuras autoridades do país já haviam se decidido pelo português como uma das línguas oficiais. No meio evangélico, por outro lado, muitas igrejas começaram a se mobilizar em favor de Timor, por entenderem que não poderiam ficar indiferentes, tendo em vista que a igreja evangélica brasileira é a mais expressiva na comunidade dos países lusófonos. Sendo assim, a comunidade evangélica sentiu a responsabilidade em dar sua contribuição para a reconstrução do país, o que acabou tornando-se um desafio para mim. Foi nesse contexto que a liderança da igreja da qual faço parte, decidiu que eu seria enviada para servir ao povo de Timor. De modo que, depois de concluir o curso de teologia no final de 2000, participei em 2001 de um treinamento transcultural intensivo com duração de três meses interna em uma chácara em Mogi das Cruzes. No início de 2002 segui viagem para Timor. A organização pela qual fui.

(19) 19. enviada saiu do Brasil com o objetivo de iniciar uma escola no interior do país, já que a maioria das organizações humanitárias (ONG‟s) estava se concentrando na capital. Como não tinha formação específica na área, ficou acordado que ajudaria na secretaria da escola e me concentraria nas atividades evangelísticas e de ensino teológico junto à igreja local. Oficialmente o país foi reconhecido pela ONU em maio de 2002. Estava lá neste momento histórico e era perceptível na população o misto de alegria por uma vitória conquistada com sangue, e a apreensão de um futuro incerto. Toda projeção sobre o progresso no aprendizado da nova língua oficial (português), estabilidade econômica e restauração da infra-estrutura seria feita em longo prazo, os mais otimistas apontavam uns 20 anos. Porém, constatava-se em todas as partes que o desejo comum era a reconstrução do país, que estava em cinzas. Como educação e progresso estão intimamente ligados, entendia-se que uma das áreas prioritárias que precisava de investimentos e atenção, seria a educacional que, como os demais setores, estava totalmente deficitária. Com o rompimento com. Figura 2 – Escola Infantil Fuan Domin Fonte: Arquivo Pessoal Suzi Alves, 2002. a Indonésia faltavam professores, estrutura física e materiais. Neste contexto, para podermos atender mais crianças, apesar de uma resistência inicial, acabei aceitando o desafio de dar aulas. Foi sofrível no início devido a minha insegurança, entretanto encarei o desafio e procurei aprender com os livros e com a prática..

(20) 20. Na sala havia comigo uma professora timorense para receber treinamento na prática (observe-se que parte de nosso projeto era dar autonomia ao povo local, o que tornava a tarefa ainda mais desafiadora). Além de dar aulas, tive algumas oportunidades de dar treinamento para capacitação aos professores do ensino fundamental ao médio. Essa experiência me fez descobrir não só o desejo, mas também o comprometimento com a causa país. educacional e. queria. do. poder. participar de forma mais efetiva.. Sabendo. precisava. me. que. preparar. para isso, decidi voltar ao Brasil. para. fazer. faculdade. A princípio pensei em. fazer. Letras,. Figura 3 – Entre alunos da Escola Infantil Fuan Domin. pensando em poder dar. Fonte: Arquivo Pessoal Suzi Alves, 2007. aulas de português em Timor quando de meu retorno ao país, porém verifiquei que o curso de pedagogia parecia ser mais abrangente e estava muito mais relacionado ao que desejava. Assim, ingressei no curso de pedagogia em 2006 na Universidade Metodista de São Paulo. Na graduação, o TCC. proporcionou-me a oportunidade de iniciar a. investigação sobre as questões educacionais de Timor que mais me instigavam, tendo concluído o trabalho como uma primeira aproximação do tema. Não acreditando que pudesse esgotá-lo, ao contrário, aprofundá-lo um pouco mais, é que surgiu o desejo, estimulado por minha orientadora Profa. Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini, de iniciar o mestrado, para o que fui aprovada no processo seletivo da Universidade Metodista no primeiro semestre de 2009. O trabalho apresentado, de certo modo é uma continuidade da pesquisa iniciada na graduação, que enfrentou como principal obstáculo as dificuldades para o levantamento dos dados, uma vez que estava no Brasil. Durante um primeiro momento da pesquisa foram identificados pouquíssimos escritos específicos sobre a educação em Timor, era possível encontrar muito mais a respeito dos aspectos.

(21) 21. linguísticos do país e sua participação na lusofonia. De certo modo, essa lacuna é compreensível quando verificamos a história do país e o lugar de pouca proeminência dado à educação. Uma das razões possíveis é que, estando sempre na condição de colonizados, a educação não previa o desenvolvimento da cidadania dos autóctones, mas servia sempre aos interesses do colonizador, conforme aponta Queiroz: “A educação, conscientemente dominada pela metrópole, passa a ser um instrumento voltado para a adaptação, cuja finalidade principal é destruir ou pelo menos amenizar os processos de resistência e de recusa”. (1976, p.1433). Mesmo com toda a dificuldade anunciada lancei-me ao desafio, e tendo oportunidade de retornar a Timor para a pesquisa em campo, tive acesso a outros materiais que permitiram um aprofundamente maior do tema proposto; outros documentos só chegaram na reta final, mas mesmo assim foram incorporados ao estudo. O trabalho nos permite ter um vislumbre da educação em seus distintos períodos históricos. Com o olhar neste passado cheio de alternâncias é que esta dissertação de mestrado foi pautada, tendo como principal foco os professores; por esta razão foi lhes dada voz, para que a partir deles mesmos pudessem investigar os principais desafios enfrentados para a sua formação e atuação, e suas implicações para o futuro educacional do país. Esta pesquisa torna-se, portanto, relevante tendo em vista que numa fase em que se pretende solidificar o país, repensar os caminhos da educação, considerando-se as situações vividas por esta gente, é vital para apontar quais as possibilidades de futuro. E este futuro será pouco compreendido sem o olhar adequado para o passado. “O novo não se constroi sem o velho e é a situação de tensão e conflito que possibilita a mudança”. (CUNHA, 1998, p. 25). As abordagens utilizadas foram a qualitativa e a quantitativa, pois concordo com Queiroz quando afirma que “a associação das duas abordagens possibilita um aprofundamento cada vez maior das facetas do objeto de estudo”. (QUEIROZ, 1999, p. 18). Neste sentido, tive acesso a um documento quantitativo produzido pelo MEC com o perfil dos professores quanto ao gênero, idade, formação e outras características, que foi muito útil na compreensão de quem são estes professores. As fontes utilizadas na pesquisa tiveram de ser diversificadas, devido a sua especificidade: utilizei documentos escritos, orais e iconográficos, alguns já existentes e outros produzidos no processo de pesquisa. Gostaria de destacar a.

(22) 22. importância dos relatos orais que corroboraram com os demais materiais a que tive acesso. Assim, inicio o capítulo um descrevendo o percurso metodológico usado nesta dissertação, remetendo às lembranças de uma trajetória de pesquisa que, de certo modo, foi iniciada inconscientemente. Tanto as escolhas de procedimentos para o levantamento de dados, as justificativas e as análises, quanto os acertos e os desacertos foram narrados por considerar importante expor as alternâncias e os desafios enfrentados no processo de pesquisa. O capítulo dois traz informações acerca do país, relacionadas a sua geografia e formação etnolinguística, a fim de servir como pano de fundo aos leitores pouco familiarizados com este país. Neste capítulo também é feito um breve levantamento dos distintos períodos históricos da educação de Timor, perpassados pela sua história social e política, pretendendo trazer à tona não só a história mas também reconhecer nela os pressupostos educacionais que se impõem como herança de dominação, seja portuguesa ou indonésia, e como as autoridades e todos os agentes da educação têm lidado com isto agora, depois da independência do país. O capítulo três, depois de feita a reflexão sobre a história, de posse dos dados sobre o perfil dos professores e dos principais problemas por eles apresentados para o exercício da docência, problematiza acerca dos dilemas que eles têm enfrentado para o exercício da docência e no processo de sua formação. Também são apresentados os principais programas de formação em desenvolvimento na atualidade. Também é abordado o papel da cooperação internacional para a educação de Timor, pois considero este um assunto que merece avaliação crítica e ponderada. No capítulo quatro, a partir dos escritos de António Nóvoa, procurei mostrar como a formação de professores tem sido considerada nos últimos anos e porque ela tem sido olhada atualmente com maior atenção, considerada como um fator preponderante para a qualidade no processo de ensino-aprendizagem. Também aponto princípios que devem nortear a formação de professores seja inicial ou continuada, a partir da elucubrações sobre dimensões em que acredito que os professores timorenses deveriam ser formados, tais como: Dimensão Pessoal, Dimensão Histórica, Dimensão Antropológica Cultural, Dimensão Profissional e Dimensão Social. Para tanto, tive a contribuição de diversos autores, entre os quais se destacam Paulo Freire, Antônio Joaquim Severino, António Nóvoa e Santos Neto..

(23) 23. Meu objetivo é pensar cientificamente e criticamente essas questões teóricas, de modo que sirvam como base de reflexões para que esses elementos possam nortear a prática vigente, no que se refere à formação de professores de Timor-Leste em seu contexto. Note-se que, de acordo com Dermeval Saviani “se a teoria desvinculada da prática se configura como contemplação, a prática desvinculada da teoria é puro espontaneísmo”. (1991, p. 141). O principal anseio desta pesquisa é contribuir para que todos os que participarão da construção do projeto educacional do país, sejam timorenses ou estrangeiros, não desconsiderem a história, fazendo uma análise crítica dela para ajustar-se às novas realidades, o que me remete à proposta pedagógica de Saviani, denominada “pedagogia histórico-crítica”, tendo como pressuposto a: Concepção dialética da história. Isso envolve a possibilidade de compreender a educação escolar tal como ela se manifesta no presente, mas entendida esta manifestação presente como resultado de um longo processo de transformação histórica. (1991, p. 93).. Além do aspecto histórico, é de igual relevância o dar voz aos professores, que expuseram os principais dilemas enfrentados para formação a atuação e o que esperam e almejam para o futuro, pois as condições reais da educação precisam ser vistas na base, de outro modo as propostas para uma educação de qualidade serão pouco efetivas. Ressalto que o propósito final não foi pesquisar apenas para identificar os problemas, mas que a constatação possa nos encher de coragem para superá-los, crendo que a mudança é possível, e este é o desafio: pensar a educação a partir dos dilemas à esperança! Pois no dizer de Paulo Freire, “não há mudança sem sonho como não há sonho sem esperança”. (1997, p. 47)..

(24) 24. 1. A PESQUISA. “enquanto no olhar e no ouvir „disciplinados‟(...) realiza-se nossa percepção, será no escrever que o nosso pensamento exercitar-se-á de forma mais cabal, como produtor de um discurso que seja tão criativo como próprio das ciências voltadas à construção da teoria social”. OLIVEIRA, 1998, p. 18. 1.1. ESCOLHENDO O CAMINHO.... O tema proposto para minha dissertação de mestrado, Dos dilemas à esperança: Os desafios para a formação e atuação dos professores de Timor-Leste, foi surgindo inconscientemente, durante os anos de 2002 a 2004, quando trabalhei em Timor, onde nossa ONG era convidada a realizar, especialmente nos períodos de recesso escolar, treinamento para os professores do distrito onde residíamos, pois como afirma Severino, “a primeira atividade do cientista é a observação dos fatos. Inicialmente, essa observação pode ser casual e espontânea”. (2007, p. 102). Figura 4 – 1º Treinamento de Professores Fonte: Arquivo Pessoal Suzi Alves, 2002. No primeiro treinamento, o número de professores excedeu a cem participantes e coube-me a fundamentação teórica sobre o tema: “O que é educação?”. Por não ter formação específica na área, considerei que um tema.

(25) 25. teórico seria mais fácil de desenvolver a partir do estudo sobre o assunto. No meu intento de aproveitar a oportunidade para praticar o tétun3, no qual estava em fase de aprendizado, aproveitei os intervalos para conversar com os professores, tendo deste modo oportunidade de conhecê-los mais de perto. Nessas conversas informais. Figura 5 – Tema da Aula: O que é educação, recém chegada ao país foi necessário tradução. Fonte: Arquivo Pessoal Suzi Alves, 2002. fui tomando conhecimento da grande lacuna que os professores apresentavam em relação a uma formação pedagógica inicial. O segundo treinamento ao qual fomos convidados tinha como foco as disciplinas curriculares e escolhi, por identificação, lecionar Geografia. Algumas perguntas me inquietaram depois de aceitar o desafio: dentro do tempo de que dispunha, o que seria mais importante a ser ensinado? Quais as áreas de maior interesse e de necessidade dos professores? Com estes questionamentos fui às escolas que participariam do treinamento e solicitei os dados dos professores daquela disciplina para que pudesse contatá-los previamente e assim sanar estes questionamentos. Foi muito enriquecedora essa experiência; meu contato com os professores revelou ao menos dois aspectos importantes: primeiro, que todos eles não tinham nenhuma formação na área, a ponto de um confessar que sequer sabia usar mapas; segundo, eles revelaram-se desolados com os treinamentos que eram dados pelos malai4, porque não levavam em consideração suas necessidades,. 3. Uma das línguas oficiais de Timor-Leste. 4. Palavra em tetun comumente usada para designar estrangeiros, considerada por alguns depreciativa..

(26) 26. trazendo sempre algo pronto, a partir do que entendiam ser melhor para os professores timorenses. Esse segundo treinamento foi mais uma oportunidade de aproximação da escola e dos professores timorenses, o que me fez identificar bastante com suas necessidades. Outros convites se sucederam, porém os rejeitei porque começou me incomodar mais profundamente a consciência de que eu mesma não tinha formação. Figura 6 – 2º. Treinamento de Professores Fonte: Arquivo Pessoal Suzi Alves, 2002. para tal, mas confesso que os dois dos quais participei se constituíram para mim um grande e oportuno desafio. Apesar desse interesse por entender o contexto educacional do país, especialmente os dilemas enfrentados pelos professores em relação a sua formação e atuação, durante este tempo não tinha a consciência de sistematizá-lo. Mas, certamente este momento pode ser definido como a gênese da pesquisa, uma vez que “a percepção de uma situação problemática que envolve um objeto é o fator que desencadeia a indagação científica”. (2007, p. 102). Todavia, ao ingressar na graduação em Pedagogia e deparar-me com o desafio do TCC, logo anelei atrelar meu interesse pessoal pelo tema à necessidade de fazer dele uma pesquisa científica. Pois o trabalho acadêmico é uma das muitas formas de se ver os acontecimentos e descrevê-los enquanto experiência vivida entre textos, livros, autores e com outros sujeitos sociais e ainda, meio pelo qual tudo isso se ordena naquilo que é escrito. (GUSMÃO, 2001, p. 73)..

(27) 27. O grande desafio de tornar minhas inquietações em escrita ordenada residia, sobretudo, no fato de que meu objeto de estudo agora estava muito distante da minha realidade e os meios para o levantamento de dados se colocaram como uma barreira significativa. Outra barreira foi o posicionamento de alguns dos professores que me desestimularam, pois acreditavam que esta pesquisa seria inexequível, pelos motivos já mencionados. Diante disto, no primeiro semestre, ao cursar a disciplina de iniciação científica tive de fazer meu projeto de pesquisa sobre a formação continuada de professores de educação infantil, que de alguma forma estava também relacionado às dificuldades educacionais vistas em Timor e a minha área de atuação enquanto servi naquela nação. No segundo semestre, fui aluna da Professora Dra. Zeila Demartini de Brito Fabri que, com a sua perspicácia de pesquisadora, prontamente aceitou o desafio de me acompanhar nesta trajetória. No final daquele semestre, dezembro de 2006, surgiu um convite para retornar a Timor em um projeto de curto prazo, mas infelizmente não havia na ocasião definido o meu objeto de investigação. Uma vez que a educação em qualquer país é um tema muito amplo, isto me fez deparar com o impasse de ter muitos caminhos a seguir dadas as várias possibilidades e necessidades, por isso tive muita dificuldade de encontrar o rumo da pesquisa. Ao ler um texto de Neusa. M. Mendes de Gusmão, cujo título é “Projeto de pesquisa: caminhos, procedimentos, armadilhas...”, entendi que a maior dificuldade consistia em minha postura de pesquisadora; a quase angústia que sentia diante da realidade educacional do país, fazia-me olhar para a pesquisa como um espécie de “salvador da pátria”, buscando através dela propor soluções que, na verdade, era incapaz de elaborar. Quanto a isto a autora afirma: “A freqüente confusão entre propósitos, alcance e limites de um projeto e da própria pesquisa, se dá, muitas vezes, no desejo de salvar ou revolucionar a ordem social”. (2001, p. 78). Chegando a Timor, apesar de dispor de pouco tempo devido às exigências do projeto, fui a campo com o objetivo de ouvir os professores e outros sujeitos da educação5. Os dados adquiridos foram muito úteis para a escrita do meu TCC e ainda de grande valor no presente trabalho, todavia insuficientes para uma dissertação de mestrado. Sendo assim, mesmo que esses dados e outros. 5. Refiro-me a este assunto com mais detalhes quando relato sobre as entrevistas e questionários aplicados..

(28) 28. documentos a que tive acesso durante a trajetória de pesquisa se constituíssem no ponto de partida, era necessário aprofundar um pouco mais o tema. Especialmente temia o fato de alguns dados já estarem obsoletos, haja vista as mudanças em Timor serem constantes, uma vez que o país está em fase de estruturação. Diante desta necessidade evidente, a instituição reconheceu a necessidade de uma nova incursão ao campo de pesquisa, permitindo-me então cursar todas as disciplinas obrigatórias em um ano para que eu pudesse me desobrigar da presença no programa e poder retornar a Timor. Foi uma decisão que demandou muito esforço, mas sábia. Sábia também foi a decisão da minha orientadora de submeter a pesquisa ao processo de qualificação antes, para que de posse das sugestões da banca pudesse estar com um olhar mais orientado. De acordo com Severino, o momento da qualificação é importante porque “poderá referendar os caminhos até então trilhados ou sugerir correções de rota”. (2007, p. 238). De fato, esta importância se confirmou nestes dois aspectos: um dos membros da banca afirmou que a pesquisa poderia manter “muita coisa da maneira como estava”, mas houve também uma mudança de rota, a mais significativa relacionada à reorganização dos capítulos. Seguindo um padrão mais comumente aceito de pesquisa, organizei os capítulos partindo do histórico para o teórico e por fim o empírico. Todavia, na concepção de um dos membros da banca, no que teve o apoio dos demais, não foi a minha teoria que deu base para explicar a realidade, mas a realidade observada que foi responsável pela construção teórica, portanto a organização dos capítulos exigiria outra formatação. Logo após a qualificação saí do Brasil com destino a Timor, antes, porém, fiz um curso de inglês durante três meses na Inglaterra, por reconhecer a necessidade de aprofundar o meu conhecimento desta língua, especialmente em relação à pesquisa, principalmente porque os relatórios sobre a educação do país se encontram neste vernáculo. Ademais, tendo tido conhecimento de que na Faculdade de Engenharia do Porto em Portugal havia um acervo sobre Timor organizado pelo Prof. Dr. António Barbedo Magalhães, aproveitei a proximidade entre os dois países e fui até lá. Além de conversar pessoalmente com o professor mencionado, estive dois dias inteiros na biblioteca consultando os livros e documentos ali dispostos certamente foi muito proveitoso, todavia especificamente sobre educação o documento mais significativo.

(29) 29. era o texto sobre a descolonização de Timor, do qual já dispunha, pois me fora enviado gentilmente via e-mail pelo seu autor, Professor Dr. Barbedo Magalhães. Chegando a Timor, uma informação obsoleta que dispunha era sobre o processo para obtenção do visto; o novo processo a qual tive que me submeter foi extremamente desgastante, arrastando-se por cinco meses para ter finalmente o seu desfecho. Além disto, também tive que cuidar do meu assentamento, o que dada a realidade de Timor, torna-se uma tarefa laboriosa. Reconheço que estes dois fatores foram um entrave cerceador de tempo para o desenvolvimento de minha pesquisa, no entanto o retorno ao contato direto com os professores e gestores da educação foi um momento muito prazeroso, fazendo-me sentir mais motivada à pesquisa.. 1.2. TRAJETÓRIA PERCORRIDA. Na trajetória já percorrida, conscientizei-me que meu trabalho se aproximava da abordagem etnográfica, que é definido por Severino como uma pesquisa que “visa compreender, na sua cotidianidade, os problemas do dia-a-dia em suas diversas modalidades. Trata-se de um mergulho no microssocial, olhando com lente de aumento (...), descritiva por excelência”. (2007, p. 119). Embora tendo havido um envolvimento direto com o objeto quando fiz observações in loco entre os anos de 2007 a 2010 acerca do tema pesquisado, elas serviram para melhorar a compreensão do tema pesquisado, mas faz-se necessário uma análise mais acurada e descritiva. As abordagens utilizadas foram a qualitativa e quantitativa, pois concordo com Queiroz quando afirma que “a associação das duas abordagens possibilita um aprofundamento cada vez maior das facetas do objeto de estudo”. (1999, p. 18). O acesso que tive aos dados quantitativos se restringiu a um documento produzido pelo MEC com o perfil dos professores quanto ao gênero, idade, formação e outras características, que foram muito úteis na compreensão de quem são estes professores. As fontes utilizadas na pesquisa, devido a sua especificidade, foram diversificadas: utilizei documentos escritos, orais e iconográficos, alguns já.

(30) 30. existentes e outros produzidos no processo de pesquisa. Gostaria de destacar a importância do relato oral, devido à escassez de material pré-concebido, o que na concepção de Queiróz, “está na base de toda sorte de informações e antecede a outras técnicas de obtenção e conservação do saber”. (2008, p. 38) e também porque este método possibilita um aprofundamento do tema, tendo em vista que muitas vezes o que está posto pela história institucional revela muito pouco. Como afirma António Nóvoa, “encontramo-nos perante uma mutação da cultura que, pouco a pouco, faz reaparecer os sujeitos face às estruturas e aos sistemas, a qualidade face à quantidade, a vivência face ao instituído” (2000, p. 18), e ainda, tendo em vista que a pretenção é desvelar sobre a formação de professores, é importante lançar questões de “como é que cada um se tornou no professor que é hoje? E por quê? De que forma a acção pedagógica é influenciada pelas caracteristicas pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor? As respostas levarnos-iam longe demais”. (NÓVOA, 2000, p. 18). Querendo chegar um pouco mais longe é que fiz a opção de trabalhar com os relatos orais. No caso dos documentos icnográficos, não foram usados como técnica na coleta dos dados a fim de serem analisados, mas apenas como ilustração, possibilitando ao leitor, especialmente aos que não estiveram em solo timorense, a oportunidade de maior aproximação do tema através deste recurso visual. Em relação à fundamentação teórica da pesquisa, no que se refere à formação de professores, fiz diversas leituras buscando nelas algo que entendesse poder tornar-se base que possibilitasse explicar a realidade enfrentada pelos professores timorenses. Fiquei um tanto desolada porque a literatura consultada, a meu ver, estava muito distante da realidade que eu enxergava. Gastei muito tempo na tentativa de achar o “fio da meada”, até que finalmente elaborei-a a partir da criação de dimensões, em que acredito que os professores timorenses deveriam ser formados, as quais são: Dimensão Pessoal, Dimensão Histórica, Dimensão Antropológica Cultural, Dimensão Profissional e Dimensão Social; para tanto utilizei diversos autores para sustentar minha idéia. Todavia, num primeiro momento não me sentia confortável, pois não me dei por satisfeita com o resultado, temendo ter perdido o rumo exigido de uma pesquisa científica. Sendo assim, busquei novas estratégias, que não se constituíram na minha perspectiva como base para refletir sobre a formação de professores especificamente para o contexto de Timor. Foram várias as tentativas; abandonando-as, finalmente retomei.

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