Microeconomia 2 – P´
os-Gradua¸c˜
ao – 2/2019
Notas de Aula 2 – Escolha Social
Prof. Jos´
e Guilherme de Lara Resende
Departamento de Economia, Universidade de Bras´ılia
1
Escolha Social
1.1
Introdu¸
c˜
ao
A teoria da Escolha Social lida com o problema de agregar preferˆencias individuais em uma preferˆencia social. Ela analisa a quest˜ao de como um grupo ou uma sociedade decide coleti-vamente. Normalmente essa decis˜ao ´e por meio de uma regra de agrega¸c˜ao das preferˆencias ou escolhas individuais. ´E desej´avel que essa regra satisfa¸ca certos crit´erios de car´ater nor-mativo. Por exemplo, podemos exigir que a regra de escolha social seja tal que se todos em uma sociedade preferem a alternativa x `a alternativa y, ent˜ao a regra social resulte sempre em x prefer´ıvel a y (crit´erio de unanimidade de Pareto). O principal resultado deste t´opico ´e o Teorema de Impossibilidade de Arrow.
Defini¸c˜oes:
• Alternativa: descri¸c˜ao completa de um estado social; • X: conjunto finito de alternativas, todas excludentes; • I: tamanho do grupo ou sociedade (n´umero de indiv´ıduos); • Preferˆencias individuais (denotadas ou por Ri ou por
i) completas e transitivas sobre o
conjunto de alternativas;
• Grupo (ou conjunto) de preferˆencias: lista das preferˆencias de todos os indiv´ıduos do grupo.
Defini¸c˜ao: Preferˆencia Social. Uma rela¸c˜ao de preferˆencia social S (ou RS) ´e uma rela¸c˜ao
bin´aria sobre X. Representamos por S (ou PS) e ∼S (ou IS) as rela¸c˜oes de preferˆencia estrita
e indiferen¸ca derivadas de S, respectivamente.
Relembrando a nota¸c˜ao de preferˆencias, temos que: 1) x S y: (a alternativa) x ´e socialmente
t˜ao boa quanto y; 2) x S y: (a alternativa) x ´e socialmente melhor que y; e 3) x ∼S y: (a
alternativa) x ´e socialmente indiferente a y.
Sabemos que axiomas sobre preferˆencias consistem em hip´oteses sobre o comportamento in-div´ıdual e cada axioma tem um significado preciso. Vamos supor que a preferˆencia i de todo
indiv´ıduo i satisfaz os axiomas de completeza e de transitividade.
Defini¸c˜ao: Regra de Escolha Social (RES). Uma regra de escolha social (ou mecanismo de decis˜ao social ) f ´e uma fun¸c˜ao que associa cada grupo de preferˆencias individuais a uma preferˆencia social. Logo:
1.2
Caso de Duas Alternativas: Teorema de May
Vamos seguir May (1952). Suponha apenas duas alternativas: x e y. Para cada indiv´ıduo i podemos ter trˆes casos apenas, x Piy, x Iiy e y Pix. Ent˜ao, cada indiv´ıduo pode ser descrito pela regra Di, onde:
Di = 1 se x Piy Di = 0 se y Iix Di = −1 se y Pix
Seja o conjunto U = {−1, 0, 1}. No caso de apenas duas alternativas, a regra de escolha social f pode ser definida como uma fun¸c˜ao com dom´ınio no produto cartesiano UI e contradom´ınio
U (f : UI → U ), de modo a associar cada grupo de preferˆencias individuais (D1, D2, . . . , DI)
`
a escolha social DS, de acordo com o que a regra f especificar: U × U × U × · · · × U
| {z }
I indiv´ıduos)
7→
f U
Exemplo: Vota¸c˜ao Majorit´aria. Seja αi ≥ 0, para todo i = 1, . . . , I, um sistema de pesos.
Definimos f como: f (D1, . . . , DI) = sign I X i=1 αiDi ! ,
onde sign : R → R ´e a fun¸c˜ao definida por sign(a) = 1 se a > 0, sign(a) = 0 se a = 0 e sign(a) = −1 se a < 0. Se αi = 1 para todo i, f representa a regra de vota¸c˜ao majorit´aria:
f (D1, . . . , DI) = sign I X i=1 Di ! .
Observe que para a regra de vota¸c˜ao majorit´aria vale que:
f (D1, . . . , DI) = 1 ⇔ #(i : xPiy) > #(i : yPix) f (D1, . . . , DI) = 0 ⇔ #(i : xPiy) = #(i : yPix) f (D1, . . . , DI) = −1 ⇔ #(i : xPiy) < #(i : yPix) ,
em que #(i : xPiy) denota o n´umero de pessoas que preferem estritamente x a y e #(i : yPix)
denota o n´umero de pessoas que preferem estritamente y a x.
Vamos discutir propriedades que podem ser impostas sobre a fun¸c˜ao f de bem-estar social. Cada propriedade tem um significado intuitivo de car´ater normativo. Por exemplo, o crit´erio Paretiano abaixo ´e simples e ´e razo´avel exigir que uma regra de escolha social o satisfa¸ca. Defini¸c˜ao: Crit´erio Paretiano (Unanimidade). f (·) satisfaz o crit´erio Paretiano se f (1, . . . , 1) = 1 e f (−1, . . . , −1) = −1.
O crit´erio Paretiano apenas exige que no caso em que todos na sociedade preferem estritamente a mesma alternativa, a preferˆencia social tamb´em ir´a preferir estritamente esta alternativa. A regra ditadorial, definida no exemplo abaixo, satisfaz esse crit´erio.
Exemplo: Defina f por f (D1, . . . , DI) = Dh. O indiv´ıduo h ´e chamado ditador, pois a sua
preferˆencia determina a escolha social (αi = 0, ∀i 6= h, αh = 1, no exemplo anterior). Observe
May (1952) elaborou 4 condi¸c˜oes que uma regra de escolha social f deve satisfazer quando existem apenas duas alternativas. Abaixo apresentamos essas condi¸c˜oes formalmente. ´E fun-damental entender o conte´udo econˆomico de cada condi¸c˜ao.
Condi¸c˜ao 1: Decisiva. A regra de escolha social f ´e bem definida e assume um ´unico valor para todo elemento de UI.
Condi¸c˜ao 2: Simetria ou Anonimato. f (D1, . . . , DI) = f (Dπ(1), . . . , Dπ(I)), onde π :
{1, . . . , I} → {1, . . . , I} ´e uma permuta¸c˜ao dos indiv´ıduos (π ´e uma bije¸c˜ao).
Condi¸c˜ao 3: Neutralidade entre as Alternativas. f ´e uma fun¸c˜ao ´ımpar: f (D1, . . . , DI) =
−f (−D1, . . . , −DI).
Condi¸c˜ao 4: Resposta Positiva. Se D = f (D1, . . . , DI) ≥ 0 e ˜Di = Di para todo i 6= i 0, e
˜
Di0 > Di0, ent˜ao f ( ˜D1, . . . , ˜DI) = 1.
Teorema de May (May, 1952). A regra de escolha social f ´e de vota¸c˜ao majorit´aria se, e somente se, for decisiva, sim´etrica, neutra entre as alternativas e de resposta positiva.
Observe que o Teorema de May n˜ao s´o garante que a regra de vota¸c˜ao majorit´aria ´e decisiva, igualit´aria, neutra entre as alternativas e de resposta positiva (parte mais f´acil de verificar), mas tamb´em que se uma regra de decis˜ao ´e decisiva, igualit´aria, neutra entre as alternativas e de resposta positiva, ent˜ao ela necessariamente ´e a regra de vota¸c˜ao majorit´aria (parte mais dif´ıcil de verificar). Logo, o Teorema de May constitui uma caracteriza¸c˜ao completa da regra de vota¸c˜ao majorit´aria.
O lema abaixo ´e fundamental para a prova do Teorema de May. Essencialmente, o lema diz que podemos descrever regras de agrega¸c˜ao que satisfazem a propriedade de simetria por meio do total de pessoas que preferem a alternativa x vis-`a-vis ao total de pessoas que preferem a alternativa y.
Lema. Sejam X(D1, . . . , DI) = #{i | Di = 1} e Y (D1, . . . , DI) = #{i | Di = −1}. A
propriedade de simetria implica a existˆencia de uma fun¸c˜ao G(X, Y ) tal que f pode ser escrita como f (D1, . . . , DI) = G(X(D1, . . . , DI), Y (D1, . . . , DI))
Ideia da Prova do Teorema de May:
Passo 1) Usar o Lema e a propriedade de neutralidade entre as alternativas para mostrar que para um grupo qualquer de preferˆencias (D1, . . . , DI) tal que X(D1, . . . , DI) =
Y (D1, . . . , DI), ent˜ao f (D1, . . . , DI) = 0.
Passo 2) Usar parte 1), simetria e resposta positiva a fim de mostrar que para um grupo qualquer de preferˆencias (D1, . . . , DI) tal que X(D1, . . . , DI) > Y (D1, . . . , DI), ent˜ao
f (D1, . . . , DI) = 1.
1.3
Paradoxo de Condorcet
No caso de apenas duas alternativas, o requerimento de a regra social ser transitiva n˜ao ´e relevante. Se tivermos trˆes ou mais alternativas, transitividade passa a ser importante. O requisito de transitividade exige uma coerˆencia na escolha social que nem sempre ser´a satisfeita, mesmo que todas as preferˆencias individuais sejam completas e transitivas.
Vamos estender a regra de vota¸c˜ao majorit´aria vista acima do seguinte modo. A regra de vota¸c˜ao majorit´aria aos pares estabelece que todos os pares poss´ıveis de alternativas s˜ao postos em vota¸c˜ao, um par por vez. Em cada rodada, o vencedor da vota¸c˜ao ser´a a alternativa socialmente prefer´ıvel. Logo, se colocarmos em vota¸c˜ao as alternativas x vs y, se x tiver mais votos, ent˜ao x S y. Se tiverem o mesmo n´umero de votos, x ∼S y. E se y tiver mais votos,
y S x.
Defini¸c˜ao: Vencedor de Condorcet. Dizemos que uma alternativa ´e um vencedor de Condorcet se ela ganhar de todas as outras alternativas na vota¸c˜ao majorit´aria aos pares. Se existir algum vencedor de Condorcet, ´e f´acil mostrar que ele ser´a ´unico. Portanto, pode existir no m´aximo um vencedor de Condorcet. O exemplo abaixo mostra uma situa¸c˜ao em que n˜ao apenas n˜ao existe vencedor de Condorcet, mas tamb´em em que a preferˆencia social n˜ao ´e transitiva.
Considere o seguinte exemplo bem simples, com apenas trˆes alternativas, x, y e z, e trˆes indiv´ıduos, 1, 2 e 3. As preferˆencias dos trˆes indiv´ıduos est˜ao resumidas na tabela abaixo:
Posi¸c˜ao Indiv´ıduo 1 Indiv´ıduo 2 Indiv´ıduo 3
Primeira x y z
Segunda y z x
Terceira z x y
Existem trˆes combina¸c˜oes de pares para a vota¸c˜oes majorit´aria, que levam aos resultados abaixo: x vs y ⇒ x S y y vs z ⇒ y S z x vs z ⇒ z S x ⇒ x S y, y S z, z S x | {z } Sn˜ao ´e transitiva!
Ou seja, mesmo que todas as preferˆencias individuais sejam transitivas, pode ocorrer que a regra de escolha social leve essas preferˆencias individuais a uma preferˆencia social intransitiva. Para o grupo de preferˆencias acima, n˜ao existe um vencedor de Condorcet. Regras de escolha social que levem a preferˆencias socias n˜ao transitivas podem trazer problemas de manipula¸c˜ao de agenda, como discutiremos a seguir.
Suponha que a regra de escolha social ´e tal que, no caso de trˆes alternativas x, y e z, se a agenda de vota¸c˜ao for (x, y, z), ent˜ao primeiro vota-se x vs y, e depois vota-se o vencedor dessa primeira vota¸c˜ao contra z. Podemos ter trˆes agendas de vota¸c˜ao diferentes, levando aos resultados abaixo para o caso das preferˆencias apresentadas na tabela acima:
(x, y, z) : x vs y ⇒ x ganha, x vs z ⇒ z ganha (y, z, x) : y vs z ⇒ y ganha, y vs x ⇒ x ganha (z, x, y) : z vs x ⇒ z ganha, z vs y ⇒ y ganha
Logo, para o grupo de preferˆencias descrito acima, quem define a agenda de vota¸c˜oes define a alternativa vencedora.
Observe que o exemplo acima exige que as preferˆencias dos indiv´ıduos sejam de conhecimento de todos. Isso possibilita vota¸c˜ao estrat´egica, em que n˜ao ´e mais do interesse de um ou mais eleitores revelar corretamente as suas verdadeiras preferˆencias, votando na sua alternativa preferida.
Por exemplo, suponha que o indiv´ıduo 1 define a agenda de vota¸c˜ao. Ele decide implementar a agenda (y, z, x), que leva a escolha de x, sua alternativa preferida. Essa ´e a pior alternativa para o indiv´ıduo 2. Se este decidir na primeira rodada de vota¸c˜ao, entre y e z, votar em z, z passa a ser escolhido em vez de y. Na segunda rodada de vota¸c˜ao, a alternativa x ser´a preterida e z ser´a escolhida. Logo, o indiv´ıduo 2, ao revelar incorretamente a sua preferˆencia, consegue afetar o resultado e fazer com que a sua segunda melhor alternativa, z, seja escolhida no lugar da sua terceira melhor alternativa, x.
Logicamente, a an´alise se complica: os outros eleitores podem tamb´em decidir votar estra-tegicamente, n˜ao revelando corretamente suas preferˆencias. Nesse caso, devemos analisar o problema de vota¸c˜ao como um jogo e procurar equil´ıbrios de Nash. Observe que a discuss˜ao acima mostra que a situa¸c˜ao em que o indiv´ıduo 1 define a agenda (y, z, x) e todos votam de acordo com suas preferˆencias verdadeiras n˜ao ´e um equil´ıbrio de Nash (mais especificamente, vimos que o indiv´ıduo 2 revelar corretamente sua preferˆencia n˜ao ´e a melhor resposta quando os eleitores 1 e 3 revelam suas preferˆencias verdadeiras).
N˜ao vamos nos aprofundar mais na quest˜ao de comportamento estrat´egico agora. O ponto principal que desejamos enfatizar ´e o de que, em situa¸c˜oes onde existam trˆes ou mais alternati-vas, a regra de vota¸c˜ao majorit´aria aos pares pode associar preferˆencias sociais n˜ao transitivas a determinados conjuntos de preferˆencias individuais que s˜ao todas completas e transitivas. Essas situa¸c˜oes podem gerar problemas como manipula¸c˜ao de agenda e vota¸c˜ao estrat´egica. Vamos investigar se existe alguma regra de escolha social que n˜ao incorra nesses problemas e satisfa¸ca certas propriedades, como levar sempre a preferˆencias sociais completas e transitivas. O Teorema de Arrow responde essa quest˜ao.
2
Teorema de Arrow
2.1
Condi¸
c˜
oes
O Teorema de Arrow (Arrow, 1951) verifica a existˆencia de uma regra de escolha social que agregue as preferˆencias individuais de “modo satisfat´orio”. As condi¸c˜oes do Teorema de Arrow s˜ao exigˆencias de car´ater normativo sobre a regra de escolha social f que gera a decis˜ao do grupo analisado, S= f (1, . . . , N). Note que f associa a cada grupo de preferˆencias individuais
uma preferˆencia social. Os pressupostos do Teorema de Arrow s˜ao discutidos abaixo.
Dom´ınio Irrestrito (ou Universal). O dom´ınio de f inclui todas as combina¸c˜oes poss´ıveis de preferˆencias sobre o espa¸co de alternativas X.
Essa condi¸c˜ao imp˜oe sobre a regra social f a capacidade de associar qualquer grupo de pre-ferˆencias individuais a uma preferˆencia social. Portanto, o mecanismo de escolha social deve ser v´alido para qualquer o grupo de preferˆencias individuais considerado.
Princ´ıpio Fraco de Pareto. Para qualquer par de alternativas x e y tal que x i y para
todo indiv´ıduo i, ent˜ao x S y.
Essa condi¸c˜ao imp˜oe um crit´erio de unanimidade na regra de escolha social. Podemos definir outros criterios de unanimidade (por exemplo, com preferˆencias fracas).
N˜ao-Ditadorial. N˜ao existe indiv´ıduo h tal que se x h y ent˜ao x S y, quaisquer que sejam
as preferˆencias dos outros indiv´ıduos que n˜ao h.
Essa condi¸c˜ao elimina a possibilidade de um ditador na sociedade. Isso n˜ao exclui o fato de que a escolha social coincida, para um certo grupo de preferˆencias, com a ordena¸c˜ao de algum ou de alguns indiv´ıduos.
Independˆencia das Alternativas Irrelevantes (IAI). Sejam dois conjuntos de preferˆencias individuais (1, . . . , I) e ( ˜1, . . . , ˜I), que s˜ao levados pela regra de escolha social f `as
pre-ferˆencias sociais S= f (1, . . . , I) e ˜S = f ( ˜1, . . . , ˜I) e sejam x e y duas alternativas
quaisquer em X. Se cada indiv´ıduo ordena x versus y em i do mesmo modo que ordena x
versus y em ˜i ent˜ao o ordenamento social de x versus y ser´a o mesmo em S e em ˜S.
A IAI ´e a mais sutil das condi¸c˜oes do Teorema de Arrow. Ela imp˜oe `a regra de escolha social a propriedade de que o ordenamento entre duas alternativas dependa apenas dessas duas alternativas, e que n˜ao seja afetado por nenhuma outra alternativa diferente de x e y. Vamos discutir um exemplo para deixar essa condi¸c˜ao mais clara.
Mecanismo de Escolha de Borda. A regra de escolha social de contagem de Borda pode tomar diversas formas. O mecanismo de contagem de Borda consiste em cada indiv´ıduo i reportar a sua preferˆencia, como numa vota¸c˜ao em lista. Da´ı associamos um n´umero ci(x) para
a alternativa x para cada alternativa x ∈ X e para cada indiv´ıduo i. Calculamos a pontua¸c˜ao de Borda c(x) para a alternativa x como:
c(x) =
I
X
i=1
ci(x)
Por exemplo, suponha que ci(x) = n, onde n ´e a posi¸c˜ao de preferˆencia de x para i. Por
exemplo, se c1(x) = 2, ent˜ao x ´e a segunda alternativa preferida do indiv´ıduo 1. Vamos supor
por enquanto que os indiv´ıduos ordenam todas as alternativas de modo estrito, para simplificar a exposi¸c˜ao. Neste caso, a regra de escolha da contagem de Borda ´e definida por:
x S y ⇔ c(x) = I X i=1 ci(x) ≤ I X i=1 ci(y) = c(y) ´
E poss´ıvel mostrar que regras de escolha social do tipo contagem de Borda: • Levam sempre a preferˆencias sociais completas e transitivas;
• S˜ao de dom´ınio irrestrito (podemos lidar com empates facilmente); • Satisfazem o princ´ıpio fraco de Pareto,
• N˜ao s˜ao ditadoriais.
Por´em, a contagem de Borda n˜ao satisfaz o crit´erio de independˆencia das alternativas irrele-vantes, pois o ordenamento social de duas alternativas pode depender do posicionamento de outras alternativas, como o exemplo a seguir ilustra.
Exemplo: Suponha dois indiv´ıduos, 1 e 2, e trˆes alternativas, x, y e z. Considere duas poss´ıveis situa¸c˜oes para as preferˆencias dos dois indiv´ıduos:
Situa¸c˜ao A: x 1 z 1 y ⇒ c1(x) = 1, c1(y) = 3 y 2 x 2 z ⇒ c2(x) = 2, c2(y) = 1 ⇒ x S y Situa¸c˜ao B: x 1 y 1 z ⇒ c1(x) = 1, c1(y) = 2 y 2 z 2 x ⇒ c2(x) = 3, c2(y) = 1 ⇒ y S x
Nas duas situa¸c˜oes, os ordenamentos individuais entre x e y s˜ao os mesmos. Por´em, o mecanismo de Borda resulta em ordenamentos sociais entre x e y distintos, devido `a presen¸ca da alternativa z. Logo, z n˜ao ´e sempre irrelevante quando definimos o ordenamento social de x e y segundo a regra de escolha social de contagem de Borda. Isso significa que essa regra n˜ao satisfaz a hip´otese de independˆencia das alternativas irrelevantes.
Arrow (1951) mostrou que o fato de a contagem de Borda n˜ao satisfazer IAI n˜ao ´e por acaso. O Teorema de Arrow prova que quando existem trˆes ou mais alternativas, n˜ao existe nenhuma regra de escolha social que leve sempre a ordenamentos sociais completos e transitivos e que satisfa¸ca as condi¸c˜oes elencadas acima.
Ent˜ao, supondo trˆes ou mais alternativas, como ´e poss´ıvel mostrar que o mecanismo de Borda leva sempre a preferˆencias completas e transitivas, ´e de dom´ınio universal, satisfaz o princ´ıpio fraco de Pareto e n˜ao ´e ditadorial, o Teorema de Arrow implica que esse mecanismo n˜ao pode satisfazer a condi¸c˜ao de independˆencia das alternativas irrelevantes.
2.2
Teorema de Arrow
Teorema da Impossibilidade de Arrow (Th. 6.1). Se existem pelo menos trˆes alternativas em X, ent˜ao n˜ao existe fun¸c˜ao de bem-estar social f que resulte sempre em uma preferˆencia social completa e transitiva e tal que satisfa¸ca as condi¸c˜oes dom´ınio irrestrito, princ´ıpio fraco de Pareto e independˆencia das alternativas irrelevantes e que seja n˜ao-ditadorial.
Corol´ario. Se existem pelo menos trˆes alternativas em X, ent˜ao a ´unica fun¸c˜ao de bem-estar social f que resulta sempre em uma preferˆencia social completa e transitiva e que satisfaz as condi¸c˜oes de dom´ınio universal, princ´ıpio Pareto fraco e independˆencia das alternativas irrelevantes ´e a regra ditadorial.
A Demonstra¸c˜ao do Teorema de Arrow pode ser feita de diversos modos. Geanakoplos (2005) apresenta trˆes provas simples para o Teorema. Vamos primeiro mostrar a prova cl´assica feita por Arrow (1951). Para isso, precisamos definir o seguinte conceito:
Defini¸c˜ao: Conjunto Decisivo. Dada a fun¸c˜ao de escolha social f , dizemos que o conjunto de agentes S ⊂ I ´e:
1. Decisivo em x sobre y se para todo i ∈ S, x i y e para todo j 6∈ S, y j x, ent˜ao x S y.
2. Decisivo se para todo x, y em X, S ´e decisivo em x sobre y.
3. Completamente Decisivo em x sobre y se para todo i ∈ S, x i y ent˜ao x S y.
A ideia da demonstra¸c˜ao cl´assica de Arrow consiste em mostrar o “cont´agio” da “propriedade de decis˜ao”, para ent˜ao mostrar que o menor grupo completamente decisivo ´e de tamanho um (ditador). Esta demonstra¸c˜ao pode ser dividida nos seguintes passos:
Passo 1: Se para algum par x, y ∈ X, S ⊂ I ´e decisivo em x sobre y, ent˜ao, para qualquer alternativa z 6= x, S ´e decisivo em x sobre z. Similarmente, para toda alternativa z 6= y, S ´e decisivo em z sobre y.
Passo 2: Se para algum par x, y ∈ X, S ´e decisivo em x sobre y e z ´e uma terceira alternativa qualquer, ent˜ao S ´e decisivo em z sobre w e em w sobre z, onde w ∈ X ´e tal que w 6= z. Passo 3: Se para algum par x, y ∈ X, S ⊂ I ´e decisivo em x sobre y, ent˜ao S ´e decisivo. Passo 4: Se S ⊂ I e T ⊂ I s˜ao decisivos, ent˜ao S ∩ T ´e decisivo.
Passo 5: Para qualquer S ⊂ I, ou S ´e decisivo ou I \ S ´e decisivo. Passo 6: Se S ⊂ I ´e decisivo e S ⊂ T , ent˜ao T tamb´em ´e decisivo.
Passo 7: Se S ⊂ I ´e decisivo e #S > 1, ent˜ao existe ˆS ⊂ S, ˆS 6= S, tal que ˆS ´e decisivo. Passo 8: Existe um h ∈ I tal que S = {h} ´e decisivo.
Passo 9: Se S ⊂ I ´e decisivo, ent˜ao para todo par x, y ∈ X, S ´e completamente decisivo em x sobre y.
2.3
Prova Gr´
afica do Teorema de Arrow
Vamos agora discutir a prova gr´afica do Teorema de Arrow feita no livro-texto e baseada em Blackorby, Donaldson, and Weymark (1984). Suponha que X ⊂ RK, K ≥ 1, ´e um conjunto convexo n˜ao-vazio e n˜ao-unit´ario e que para cada preferˆencia individual Riexista uma utilidade
ui : X → R cont´ınua que a representa.
Observe que abandonamos a hip´otese de dom´ınio irrestrito (por exemplo, se K ≥ 2, preferˆencias lexicogr´aficas sobre X foram descartadas). Queremos agregar essas utilidades individuais em uma fun¸c˜ao de bem-estar social f , que mapeia um conjunto de utilidades individuais u(·) = (u1(·), . . . , uI(·)) em uma utilidade social cont´ınua (note que isto tamb´em consiste em uma
exigˆencia mais forte do que uma preferˆencia social completa e transitiva). Denotamos por U o conjunto das fun¸c˜oes de utilidade cont´ınuas definidas em X:
U = {u | u : X → R ´e fun¸c˜ao de utilidade cont´ınua} . Portanto, queremos encontrar f :Q
i∈IU → U tal que para cada vetor de fun¸c˜oes de utilidades
individuais (u1(·), . . . , uI(·)), obtemos uma fun¸c˜ao de utilidade social:
fu(·) = [f (u1(·), . . . , uI(·))](·) ,
onde as condi¸c˜oes do Teorema de Arrow s˜ao satisfeitas. Observe que a utilidade social em x, [f (u1(·), . . . , uI(·))](x) pode depender de toda utilidade ui(·) de cada indiv´ıduo i, e n˜ao apenas
da utilidade ui(x) que i atribui `a alternativa x. Ou seja, f (u1(·), . . . , uI(·)) ´e uma utilidade
social e [f (u1(·), . . . , uI(·))](x) ´e a utilidade social atribu´ıda `a alternativa x. Para simplificar
a nota¸c˜ao, denote por fu a utilidade social f (u1(·), . . . , uI(·)) e por fu(x) a utilidade social
[f (u1(·), . . . , uI(·))](x) atribu´ıda `a alternativa x ∈ X.
Como uma utilidade ´e ´unica a menos de transforma¸c˜oes crescentes, vamos impor que f satisfa¸ca a seguinte propriedade de invariˆancia: sejam ψi : R → R, i = 1, . . . , I fun¸c˜oes estritamente crescentes e cont´ınuas. Ent˜ao:
fu(x) ≥ fu(y) se, e somente se, fψ◦u(x) ≥ fψ◦u(y) , (1)
onde ψ ◦ u = (ψ1◦ u1, . . . , ψI◦ uI) (consideramos ψi cont´ınua para que a utilidade ψi◦ ui seja
cont´ınua para todo indiv´ıduo i).
As condi¸c˜oes do Teorema de Arrow s˜ao facilmente adaptadas para esta situa¸c˜ao:
• Dom´ınio “irrestrito”: o dom´ınio de f ´e qualquer conjunto de fun¸c˜oes de utilidade cont´ınuas; • Princ´ıpio Fraco de Pareto: se ui(x) > ui(y) para todo i, ent˜ao f
u(x) > fu(y);
• N˜ao ditadorial: n˜ao existe indiv´ıduo h tal que fu = uh
• Independˆencia das Alternativas Irrelevantes: a compara¸c˜ao entre fu(x) e fu(y) depende
Considere a seguinte restri¸c˜ao adicional sobre f :
Princ´ıpio de Indiferen¸ca de Pareto (PI). Se ui(x) = ui(y) para todo i = 1, . . . , I, ent˜ao
fu(x) = fu(y).
Teorema (Sen, 1970). Se a fun¸c˜ao de utilidade social fu, induzida por f como:
fu(x) = [f (u1(·), . . . , uI(·))](x) ,
´
e cont´ınua e satisfaz as condi¸c˜oes de dom´ınio “irrestrito”, princ´ıpio fraco de Pareto, inde-pendˆencia das alternativas irrelevantes e o princ´ıpio de indiferen¸ca de Pareto, ent˜ao existe uma fun¸c˜ao W : RI → R cont´ınua e estritamente crescente tal que para todo x, y ∈ X, e todo
conjunto de utilidades cont´ınuas u(·) = (u1(·), . . . , uI(·)), temos que:
fu(x) ≥ fu(y) se, e somente se, W (u1(x), . . . , uI(x)) ≥ W (u1(y), . . . , uI(y)) (2)
A propriedade de invariˆancia (1) de f implica que W tamb´em satisfaz uma propriedade similar de invariˆancia:
Se W (u1(x), . . . , uI(x)) ≥ W (u1(y), . . . , uI(y)) , ent˜ao:
W ((ψ1 ◦ u1)(x), . . . , (ψI◦ uI)(x)) ≥ W ((ψ1 ◦ u1)(y), . . . , (ψI◦ uI)(y)), para qualquer conjunto de fun¸c˜oes ψi : R → R cont´ınuas e estritamente crescentes ∀ i.
Vamos discutir a prova gr´afica do Teorema de Arrow, supondo apenas dois indiv´ıduos. Vamos caracterizar as curvas de indiferen¸ca da fun¸c˜ao de utilidade social W , que satisfaz as hip´oteses do Teorema de Arrow. Considere um ponto ¯u = (¯u1, ¯u2) qualquer em R2
++. Este ponto divide
o quadrante positivo em quatro sub-quadrantes (que n˜ao incluem as fronteiras, denotadas em linhas tracejadas na figura), como ilustra a figura abaixo.
6 -u2 u1 s¯u I II III IV
Princ´ıpio fraco de Pareto: ¯
uP u, ∀u em III; e uP ¯u, ∀u em I
O princ´ıpio fraco de Pareto implica que a utilidade social atribu´ıda `as utilidades no sub-quadrante I s˜ao maiores do que W (¯u) e que a utilidade social atribu´ıda `as utilidades no sub-quadrante III s˜ao menores do que W (¯u). Portanto, a curva de indiferen¸ca que passa pelo ponto ¯u deve estar contida ou nos sub-quadrantes II e IV ou nas fronteiras dos sub-quadrantes. Considere agora um ponto arbitr´ario ˜u no sub-quadrante II.
6 -u2 su¯ I II III IV su˜ sˆu Trˆes casos poss´ıveis: W (¯u) > W (˜u), W (¯u) = W (˜u), e W (¯u) < W (˜u).
Suponha que W (¯u) < W (˜u). Como W ´e invariante a qualquer transforma¸c˜ao estritamente crescente e cont´ınua das utilidades. Considere (ψ1, ψ2) cont´ınuas e estritamente crescente tais
que:
ψ1(¯u1) = ¯u1 e ψ2(¯u2) = ¯u2
Como ˜u est´a no sub-quadrante II, ˜u1 < ¯u1 e ˜u2 > ¯u2. Como ψi ´e estritamente crescente, para
i = 1, 2, ent˜ao:
˜
v1 = ψ1(˜u1) < ψ1(¯u1) = ¯u1 ˜
v2 = ψ2(˜u2) > ψ2(¯u2) = ¯u2
ou seja, ˜v necessariamente est´a no segundo quadrante tamb´em. Como temos flexibilidade total na escolha das fun¸c˜oes ψi, qualquer ponto ˜u no segundo quadrante deve ser ordenado da mesma forma com rela¸c˜ao a ¯u. Racioc´ınio similar vale para os outros dois casos tamb´em, em que W (¯u) > W (˜u) e em que W (¯u) = W (˜u). Finalmente, observe que o ´ultimo caso, W (¯u) = W (˜u), n˜ao pode ocorrer, pois se W (¯u) = W (˜u), ent˜ao todos os pontos no segundo sub-quadrante seriam socialmente indiferentes entre si, mas se considerarmos ˆu no sub-quadrante II, com ˆu ˜u, ent˜ao o princ´ıpio fraco de Pareto implica que W (ˆu) > W (˜u) (ver figura acima). Portanto, temos que ou W (¯u) > W (˜u) ou W (¯u) < W (˜u), para todo ˜u na regi˜ao II. Vamos denotar o primeiro caso por W (¯u) > W (II) e o segundo, por W (¯u) < W (II).
Finalmente, podemos mostrar que:
1. Se W (¯u) < W (II), ent˜ao necessariamente W (¯u) > W (IV). 2. Se W (¯u) > W (II), ent˜ao necessariamente W (¯u) < W (IV).
Suponha que W (¯u) < W (II) (o segundo caso ´e an´alogo). Considere as seguintes fun¸c˜oes ψ = (ψ1, ψ2) cont´ınuas e estritamente crescente:
ψ1(u1) = u1+ 1 e ψ2(u2) = u2− 1 aplicadas `as utilidades (¯u1, ¯u2):
ψ1(¯u1) = ¯u1+ 1 e ψ2(¯u2) = ¯u2− 1 e `as utilidades (¯u1− 1, ¯u2+ 1):
ψ1(¯u1− 1) = ¯u1 e ψ2(¯u2+ 1) = ¯u2
Como (¯u1− 1, ¯u2+ 1) est´a no sub-quadrante II, W (¯u1, ¯u2) < W (¯u1− 1, ¯u2+ 1). A propriedade
de invariˆancia implica que W (ψ1(¯u1), ψ2(¯u2)) < W (ψ1(¯u1− 1), ψ2(¯u2+ 1)), ou seja, que W (¯u1+
1, ¯u2− 1) < W (¯u1, ¯u2). Observe que o par de utilidades (¯u1 + 1, ¯u2 − 1) est´a contido no
sub-quadrante IV. Por um argumento similar ao feito acima, podemos concluir que a propriedade de invariˆancia implica que W (¯u) > W (IV).
Logo,
ou 1) W (IV) < W (¯u) < W (II) ou 2) W (II) < W (¯u) < W (IV) .
No primeiro caso, temos que as curvas de indiferen¸ca social s˜ao retas horizontais passando por ¯u. Logo, o indiv´ıduo 2 ´e o ditador: W (u1, u2) = u2. No segundo caso, temos que as
curvas de indiferen¸ca social s˜ao retas verticais passando por ¯u. Logo, o indiv´ıduo 1 ´e o ditador: W (u1, u2) = u1.
2.4
Teorema do Eleitor Mediano
O Teorema de Arrow possui uma conclus˜ao negativa: ´e imposs´ıvel esperar que uma sociedade se comporte com a mesma coerˆencia que podemos esperar de um indiv´ıduo racional (no sentido de preferˆencias completas e transitivas). Esse problema de coerˆencia mostra que detalhes ins-titucionais e procedimentos do processo pol´ıtico s˜ao importantes. Ou seja, tomadas de decis˜oes em grupo podem gerar resultados arbitr´arios e manipula¸c˜ao. O processo instituticional pode ser uma restri¸c˜ao a esses problemas.
Diversos autores da ´area de ciˆencia pol´ıtica incorporaram o resultado de Arrow em suas an´alises (por exemplo, ver Shepsle and Boncheck (1995); Austen-Smith and Banks (1996)). Al´em disso, estes autores passaram a utilizar ferramentas como teoria dos jogos para auxiliar essas an´alises. Vamos agora discutir relaxamentos nas condi¸c˜oes do Teorema de Arrow que levam a algum resultado menos negativo.
Exemplo 1: Relaxar a Hip´otese de Transitividade. Podemos relaxar a hip´otese de transitividade e exigir apenas que a preferˆencia seja apenas quase-transitiva ou apenas ac´ıclica:
(i) R ´e quase-transitiva se a preferˆencia social estrita S induzida por S ´e transitiva. (ii) R ´e ac´ıclica se possui um elemento maximal em todo subconjunto n˜ao-vazio X0 ⊂ X (ie,
se {x ∈ X0 | x S y ∀ y ∈ X0} 6= ∅, para todo X0 ⊂ X n˜ao-vazio).
´
E poss´ıvel mostrar que uma preferˆencia quase-transitiva ´e ac´ıclica, mas que o inverso n˜ao vale em geral. Sen (1970) desenvolve modelos em que a preferˆencia social satisfaz um desses dois requerimentos no lugar de transitividade.
Exemplo 2: Relaxar a Hip´otese de Dom´ınio Irrestrito. preferˆencias de pico ´unico: existe algum modo de ordenar as alternativas em um espa¸co unidimensional tal que todas as preferˆencias tˆem pico ´unico nesta dimens˜ao.
Qu˜ao prov´avel ´e ocorrer o paradoxo de Condorcet em uma sociedade com trˆes indiv´ıduos e trˆes alternativas? Supondo apenas preferˆencias estritas, temos 216 (6 × 6 × 6) sociedades poss´ıveis. Dessas, 12 apresentam o paradoxo de Condorcet (pouco mais de 5% das vezes). Se as preferˆencias forem de pico ´unico, o Teorema do Eleitor Mediano (ou Teorema de Black ) (Black, 1948) garante que a alternativa preferida do eleitor mediano ´e um vencedor de Condorcet (n˜ao ´
e derrotada por nenhuma outra alternativa numa vota¸c˜ao majorit´aria aos pares).
Suponha que exista uma ordem linear (ou ordem parcial completa) ≥ em X, ou seja, uma rela¸c˜ao bin´aria ≥ que satisfaz as propriedades de reflexividade, completeza, transitividade e antissimetria (se x i y e y i x ent˜ao x = y).
Defini¸c˜ao: Preferˆencias de Pico ´Unico. A preferˆencia i ´e de pico ´unico com rela¸c˜ao `a
ordem linear ≥ em X se existe alguma alternativa xi com a propriedade de que i ´e crescente
com respeito a ≥ em {y ∈ X | xi ≥ y} e decrescente com respeito a ≥ em {y ∈ X | y ≥ xi},
Vamos ent˜ao restringir o dom´ınio das preferˆencias consideradas e admitir apenas preferˆencias de pico ´unico (e sem rela¸c˜oes de indiferen¸ca). Observe que as preferˆencias dispostas no paradoxo de Condorcet n˜ao s˜ao de pico ´unico.
Defini¸c˜ao: Eleitor Mediano. O agente h ´e o eleitor mediano para o conjunto de preferˆencias individuais (R1, R2, . . . , RI) se: #{i ∈ I | xi ≥ xh} ≥ I 2 e #{i ∈ I | xh ≥ xi} ≥ I 2.
Proposi¸c˜ao. Suponha que ≥ ´e uma ordem linear em X e considere o conjunto de preferˆencias individuais (R1, R2, . . . , RI) de pico ´unico com respeito a ≥ e seja h o eleitor mediano desse
conjunto. Ent˜ao a alternativa preferida do eleitor mediano ´e um vencedor de Condorcet em X (n˜ao ´e derrotada por nenhuma outra alternativa numa vota¸c˜ao majorit´aria aos pares): xhRx,
para todo x ∈ X.
Teorema do Eleitor Mediano (ou Teorema de Black (1948)). Suponha que o n´umero de agentes ´e ´ımpar e que ≥ ´e uma ordem linear em X. Ent˜ao vota¸c˜ao majorit´aria aos pares define uma FBES que leva sempre a preferˆencias sociais completas e transitivas quando consideramos apenas preferˆencias individuais de pico ´unico.
Al´em disso, neste caso, n˜ao h´a incentivos para representa¸c˜ao incorreta das preferˆencias, com o objetivo de manipular o resultado.
3
Mensurabilidade e Compara¸
c˜
ao
3.1
Hip´
oteses sobre a Racionalidade Individual
O Teorema de Arrow sup˜oe que as utilidades individuais s˜ao apenas medidas ordinais de bem-estar e que utilidades de indiv´ıduos diferentes n˜ao s˜ao compar´aveis. Podemos relaxar esta ´
ultima hip´otese, supondo que utilidades de indiv´ıduos diferentes s˜ao compar´aveis. Podemos tamb´em relaxar estas duas hip´oteses conjuntamente, supondo que utilidades possuam sentido cardinal e que incrementos nas utilidades possam ser comparados entre indiv´ıduos. Outras hip´oteses e combina¸c˜oes de hip´oteses podem ser feitas. Hammond (1976); D’Aspremont and Gevers (1977); Roberts (1980); Sen (1984) constituem referˆencias b´asicas dessa linha de pes-quisa. Observe que abandonamos ent˜ao a ideia de que utilidades individuais fornecem apenas informa¸c˜ao sobre a ordena¸c˜ao das alternativas.
Defini¸c˜ao 6.2: Mensurabilidade, Compara¸c˜ao e Invariˆancia. Dizemos que: 1. A fun¸c˜ao de bem-estar social f ´e invariante no n´ıvel de utilidade (ULI) se:
fu(x) ≥ fu(y) ⇔ fψ◦u(x) ≥ fψ◦u(y),
para qualquer ψ = (ψ, ψ, . . . , ψ), onde ψ ´e crescente.
2. A fun¸c˜ao de bem-estar social f ´e invariante para diferen¸cas de utilidade (UDI) se: fu(x) ≥ fu(y) ⇔ fψ◦u(x) ≥ fψ◦u(y),
para qualquer ψ = (ψ1, ψ2, . . . , ψI), onde ψi = ai+ bui, b > 0, ai ∈ R, ∀ i.
A hip´otese 1 permite compara¸c˜oes entre utilidades, pois assumimos ψ igual para todos os indiv´ıduos. A hip´otese 2 permite a valora¸c˜ao de incrementos em cada utilidade individual e a compara¸c˜ao desses incrementos entre utilidades diferentes.
Vamos supor que X ⊂ Rk ´e um conjunto convexo n˜ao-vazio e n˜ao-unit´ario. Vamos considerar apenas FBES que satisfazem U, WP, IIA (welfarism) e PI (strict welfarism, se adicionarmos PI `a welfarism). Vimos ent˜ao que vale o Teorema de Sen visto acima:
Teorema (Sen, 1970). Se a fun¸c˜ao de utilidade social fu, induzida por f como:
fu(x) = [f (u1(·), . . . , uI(·))](x) ,
´
e cont´ınua e f satisfaz as condi¸c˜oes de dom´ınio universal, princ´ıpio fraco de Pareto, inde-pendˆencia das alternativas irrelevantes e o princ´ıpio de indiferen¸ca de Pareto, ent˜ao existe uma fun¸c˜ao W : RI → R cont´ınua e estritamente crescente tal que para todo x, y ∈ X, e todo
conjunto de utilidades cont´ınuas u = (u1, . . . , uI), temos que:
Defini¸c˜ao 6.3: Hip´oteses ´Eticas. Considere as seguintes propriedades sobre a fun¸c˜ao W : Anonimato (A): Seja u = (u1, . . . , uI) um grupo de utilidades qualquer. A fun¸c˜ao de
bem-estar social W satisfaz a propriedade de anonimato se W (u1, . . . , uI) = W (uπ(1), . . . , uπ(I)),
onde π : {1, . . . , I} → {1, . . . , I} ´e uma permuta¸c˜ao (π ´e uma bije¸c˜ao).
Crit´erio de Igualdade de Hammond (HE): Sejam ¯u = (¯u1, . . . , ¯uI) e ˜u = (˜u1, . . . , ˜uI)
dois grupos de utilidades quaisquer onde ¯uk = ˜ukpara todo k 6= i, j. Se ¯ui < ˜ui < ˜uj < ¯uj,
ent˜ao W (¯u1, . . . , ¯uI) ≤ W (˜u1, . . . , ˜uI).
A propriedade de anonimato imp˜oe que a identidade do indiv´ıduo n˜ao tenha influˆencia sobre W , ou seja, que todas as pessoas sejam tratadas do mesmo modo. O crit´erio de igualdade de Hammond diz que dispers˜ao nas utilidades (ou seja, desigualdade com rela¸c˜ao ao bem-estar dos indiv´ıduos) diminui o bem-estar social.
3.2
Resultados
Teorema 6.2: FBES Rawlsiana. Uma fun¸c˜ao de bem-estar social W cont´ınua e estri-tamente crescente satisfaz o crit´erio de igualdade de Hammond se, e somente se, W (u) = min{u1, . . . , uI}. Mais ainda, W satisfaz a propriedade de anonimato e ´e invariante no n´ıvel de utilidade.
O Teorema 6.2 caracteriza totalmente a fun¸c˜ao de bem-estar Rawlsiana (formalizado por Hammond (1976), elaborado por Rawls (1971)). Mostrar que essa fun¸c˜ao de bem-estar sa-tisfaz as hip´oteses do teorema ´e f´acil.
Teorema 6.3: FBES Utilitarista. Uma fun¸c˜ao de bem-estar social W cont´ınua e estrita-mente crescente satisfaz a propriedade de anonimato e ´e invariante para diferen¸cas de utilidade se, e somente se, pode tomar a forma utilitarista, em que W (u) = u1+ · · · + uI.
Se anonimato n˜ao for requerido, ent˜ao existem n´umeros ai ≥ 0, i = 1, . . . , I, com algum aj > 0,
tais que W (u) = a1u1+ · · · + aIuI.
Quanto maior a possibilidade de mensura¸c˜ao das utilidades individuais e de compara¸c˜ao de utilidades de indiv´ıduos diferentes, maior a flexibilidade de fun¸c˜oes de bem-estar social. Por exemplo, se assumirmos que a FBES f ´e invariante apenas por transforma¸c˜oes afins crescen-tes iguais, do tipo ψi = bui, b > 0, para todo i, ent˜ao dizemos que f ´e invariante a mudan¸cas
percentuais (UPI ) nas utilidades individuais. As FBES Rawlsiana e Utilitarista satisfazem esse crit´erio. Mais ainda, as curvas de indiferen¸ca social neste caso devem ser negativamente inclinadas e radialmente paralelas. Isso significa que a FBES f ´e homot´etica.
Se adicionarmos convexidade e separabilidade forte (as TMSs entre duas utilidades quaisquer independem das utilidades de outros indiv´ıduos) `as hip´oteses WP e A, ent˜ao a fun¸c˜ao de bem-estar social deve ser do tipo CES:
W (u1, . . . , uI) = (u1)ρ+ · · · + (uI)ρ1/ρ , 0 6= ρ < 1 ,
onde σ = 1/1−ρ, a elasticidade de substitui¸c˜ao entre utilidades, mede a preferˆencia social por
4
Justi¸
ca
4.1
Harsanyi e Rawls
O que ´e um crit´erio de decis˜ao social justo? Duas posi¸c˜oes, formalizadas a partir de uma discuss˜ao filos´ofica antiga, tomando como base uma “posi¸c˜ao original”:
1. Harsanyi (1953, 1955, 1975) (“principle of insufficient reason”): probabilidade igual de vir a ser qualquer pessoa da sociedade. Gera uma fun¸c˜ao de bem-estar social do tipo Utilitarista.
2. Rawls (1971) (“v´eu de ignorˆancia”): gera a fun¸c˜ao de bem-estar Rawlsiana.
Arrow (1973) argumenta que a fun¸c˜ao de utilidade Rawlsiano ´e um caso particular do caso mais geral em que os indiv´ıduos, em sua posi¸c˜ao original, s˜ao infinitamente avessos ao risco. Para notar isto, basta lembrar que a FBES Rawlsiana ´e um caso particular da FBES do tipo CES, em que o grau de avers˜ao `a incerteza dos agentes ´e infinito.
5
O Teorema de Gibbard-Satterthwaite
Assumimos que as preferˆencias s˜ao observ´aveis ou que cada indiv´ıduo revela a sua preferˆencia verdadeira. Por´em, devemos considerar que as pessoas podem agir estrategicamente, de modo a n˜ao revelarem corretamente as suas preferˆencias, caso isso seja do seu interesse.
Vamos assumir que o conjunto de alternativas X ´e finito e que vale a hip´otese de dom´ınio irrestrito das preferˆencias individuais.
Defini¸c˜ao: Fun¸c˜ao de Escolha Social (FES). Para cada conjunto de preferˆencias individu-ais R = (R1, R2, . . . , RI), c(R) ∈ X denota a escolha da sociedade. Vamos supor que a imagem
de c ´e X (ou seja, para todo x ∈ X, existe um conjunto de preferˆencias R = (R1, R2, . . . , RI) tal que c(R) = x).
Defini¸c˜ao 6.4: FES Ditadorial. A fun¸c˜ao de escolha social c(·) ´e ditadorial se existe um indiv´ıduo i tal que sempre que c(R1, . . . , RI) = x, ent˜ao xRiy para todo y ∈ X.
Vamos denotar por R−ias preferˆencias de todos os indiv´ıduos da sociedade, menos o indiv´ıduo i. Fixe R−ie observe que se existirem x, y ∈ X distintos tais que c(Ri, R−i) = x e c( ˜Ri, R−i) = y,
i pode afetar a escolha social: se reportar Ri, a escolha social ´e x; se reportar ˜Ri, ´e y. Queremos evitar que a fun¸c˜ao de escolha social seja a prova de revela¸c˜oes incorretas de preferˆencias. Vamos denotar por (R1, R2, . . . , RI) as preferˆencias verdadeiras do grupo.
Defini¸c˜ao 6.5: FES Imune a Comportamento Estrat´egico. A fun¸c˜ao de escolha social c(·) ´e imune a comportamento estrat´egico (ICE) se para todo indiv´ıduo i e para todo par Ri e ˜Ri de preferˆencias, e para todo conjunto de preferˆencias R−i dos outros jogadores, se c(Ri, R−i
) = x e c( ˜Ri, R−i
) = y, ent˜ao xRiy.
A defini¸c˜ao acima garante que se a FES ´e imune a comportamento estrat´egico, ent˜ao todos os indiv´ıduos ir˜ao sempre declarar suas preferˆencias verdadeiras, j´a que nunca haver´a qualquer ganho em report´a-las de modo incorreto.
Queremos saber que FES s˜ao imunes a comportamento estrat´egico. O Teorema de Gibbard-Satterthwaite (Gibbard (1973); Gibbard-Satterthwaite (1975)) responde essa quest˜ao e mostra que so-mente a FES ditadorial satisfaz esse crit´erio.
Teorema 6.4 (Teorema de Gibbard-Satterthwaite). Se existem pelos menos trˆes alter-nativas, ent˜ao toda fun¸c˜ao de escolha social imune a comportamento estrat´egico ´e ditadorial. Para demonstrarmos o Teorema de Gibbard-Satterthwaite, usaremos as duas defini¸c˜oes abaixo (vamos seguir a prova feita por Reny (2001)).
Defini¸c˜ao 6.6: Fun¸c˜ao de Escolha Social Pareto Eficiente. A fun¸c˜ao de escolha social c(·) ´e Pareto Eficiente se c(R1, . . . , RI) = x sempre que xPiy para todo indiv´ıduo i e todo
y ∈ X distinto de x.
Defini¸c˜ao 6.7: Fun¸c˜ao de Escolha Social Pareto Mon´otona. A fun¸c˜ao de escolha social c(·) ´e mon´otona se c(R1, . . . , RI) = x implica c( ˜R1, . . . , ˜RI) = x sempre que para cada indiv´ıduo
A demonstra¸c˜ao do Teorema 6.4 pode ser dividida em duas partes:
Parte 1: A propriedade de imunidade a comportamento estrat´egico implica monotonicidade e eficiˆencia de Pareto.
Referˆ
encias
Arrow, K. (1951). Social choice and individual values. New York: John Wiley.
Arrow, K. (1973). Some ordinalist utilitarian notes on rawls’ theory of justice. Journal of Philosophy, 70 , 245-263.
Austen-Smith, D., & Banks, J. (1996). Positive political theory. Ann Arbor: University of Michigan Press.
Black, D. (1948). On the rationale of group decision-making. Journal of Political Economy, 56 , 23-34.
Blackorby, C., Donaldson, D., & Weymark, J. (1984). Social choice with interpersonal utility comparisons: A diagrammatic introduction. International Economic Review , 25 , 327-356.
D’Aspremont, C., & Gevers, L. (1977). Equity and the informational basis of collective choice. Review of Economic Studies, 44 , 199-209.
Geanakoplos, J. (2005). Three brief proofs of arrow’s impossibilty theorem. Economic Theory, 26:21 , 211-215.
Gibbard, A. (1973). Manipulation of voting schemes: A general result. Econometrica, 41 , 587-601.
Hammond, P. J. (1976). Equity, arrow’s conditions and rawls’ difference principle. Econome-trica, 44 , 793-804.
Harsanyi, J. (1953). Cardinal utility in welfare economics and in the theory of risk-taking. Journal of Political Economy, 61 , 434-435.
Harsanyi, J. (1955). Cardinal welfare, individualistic ethics, and interpersonal comparisons of utility. Journal of Political Economy, 63 , 309-321.
Harsanyi, J. (1975). Can the maxmin principle serve as basis of morality? a critique of john rawls’ theory. American Political Science Review , 69 , 594-606.
May, K. O. (1952). A set of independent necessary and sufficient conditions for simple majority decision. Econometrica, 20:4 , 680-684.
Rawls, J. (1971). A theory of justice. Cambridge, MA: Harvard University Press.
Reny, P. J. (2001). Arrow’s theorem and the gibbard-satterthwaite theorem: A unified appro-ach. Economic Letters, 70 , 99-105.
Roberts, K. W. (1980). Possibility theorems with interpersonally comparable welfare levels. Review of Economic Studies, 47 , 409-420.
Satterthwaite, M. (1975). Strategy-proofness and arrow’s conditions: Existence and correspon-dence theorems for voting procedures and social welfare functions. Journal of Economic Theory, 10 , 187-217.
Sen, A. (1970). Collective choice and social welfare. Amsterdam: North Holland.
Sen, A. (1984). Social choice theory. In K. Arrow & M. Intrilligator (Eds.), (Vol. 3, p. 1073-1181). North Holland.