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Um (Im)Possível Diáologo Entre a Moral da Igreja Católica Apostólica Romana e a Posição Ética dos Profissionais que Atuam nos Serviços de Aborto Legal

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Gênero e Religião – ST 24 Rosângela Aparecida Talib UMESP

Palavras-chave: aborto; gênero; religião.

Um (Im)Possível Diáologo Entre a Moral da Igreja Católica Apostólica Romana e a Posição Ética dos Profissionais que Atuam nos Serviços de Aborto Legal

1. O Aborto

Um dos temas mais polêmicos quando se fala sobre sexualidade, a questão do aborto foi inserida no Código Penal brasileiro em 1940 que no artigo 128 dispõe que a interrupção da gravidez é considerada um crime contra a vida passível de punição, considerando apenas duas exceções: quando a gravidez é resultante de estupro ou quando existe risco de vida para a gestante, sendo necessário o consentimento da gestante e/ou seu representante legal, no caso de incapacidade (Ventura. 2002).

Apesar da permissividade legal, a implantação do primeiro serviço público para o atendimento da interrupção voluntária da gravidez nos casos permitidos pela legislação viria a ocorrer quase cinqüenta anos depois da homologação da lei. O primeiro serviço do chamado “aborto legal”, nome pelo qual ficou conhecido esse tipo de atendimento, foi instituído através da Portaria municipal nº. 692/89 no Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro Saboya, em 24 de abril de 1989.

A regulamentação do serviço a nível nacional acabaria ocorrendo somente depois da Resolução nº. 258 expedida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em 06 de novembro de 1997, determinando ao Ministério da Saúde a regulamentação e a normatização do atendimento ao aborto legal no Sistema Único de Saúde (SUS). No ano seguinte, o Ministro da Saúde expediu a Norma Técnica que dispõe sobre a “Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual

contra mulheres e adolescentes”. Esse instrumento passou a ter eficácia jurídica plena para tratar do

tema, como ato normativo do gestor federal do Sistema Único de Saúde o que possibilitou a instalação de serviços de aborto legal em todo território nacional (Ibidem).

Nos últimos anos, o avanço ocorrido na implementação dos serviços de aborto legal tem sido significativo, porém não suficiente para mudar a realidade da saúde sexual das mulheres que dependem dos serviços públicos de saúde. Existem atualmente em todo território nacional apenas 37 serviços que realizam o aborto legal. Os Estados de Roraima, Amapá, Tocantins, Piauí e Mato Grosso ainda não têm nenhum serviço estruturado. Nas outras localidades, com exceção de São

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completa ausência de assistência às mulheres que residem no interior, segundo dados coletados até dezembro de 2004 (Talib & Citeli. 2005).

A punição jurídica que pode ser imputada à mulher brasileira que realiza o abortamento fora dos permissivos legais traz como significado a existência de um impedimento real ao exercício da sua autonomia como sujeito social. A existência desse controle social do corpo feminino tem sido relatada como responsável pela morte de muitas mulheres. Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), as condições de ilegalidade em que são realizados os abortamentos têm gerado cerca de oitocentas mil internações nos serviços de saúde e provocado cerca de seis mil mortes maternas, anualmente. Essas questões colocam na pauta das reivindicações feministas ainda, como a dez anos atrás, o “... planejamento familiar, assistência ao parto e pré-natal, diminuição da mortalidade materna por omissão e falta de recursos hospitalares, que provocam mortes evitáveis, além de tantos outros aspectos” (Oliveira. 1994:10).

Em vista dessa realidade a descriminalização do aborto tem sido uma das bandeiras levantadas pelo movimento feminista brasileiro, que conseguiu no ano passado incluir na pauta de discussão do legislativo, a revisão da legislação punitiva sobre o tema. A questão tem provocado muita polêmica com manifestações de diversos atores sociais, tendo a Igreja Católica Apostólica Romana (IC) como um dos principais opositores.

2. A Igreja Católica Apostólica Romana e o aborto

O aborto e a eutanásia sempre foram condenados pela Igreja Católica Apostólica Romana.

“Não matarás” é o quinto entre os dez Mandamentos que norteiam a fé cristã. O pressuposto de que

a vida é um Dom divino e a crença na existência de um sujeito de direitos - uma pessoa - desde o momento da concepção tem levada à igreja Católica a condenar veementemente o abortamento “... nenhuma circunstância, nenhuma finalidade, nenhuma lei do mundo poderá jamais tornar lícito um

ato que é intrinsecamente ilícito, por ser contrário a lei de Deus, escrita no coração de cada homem, reconhecível pela mesma razão, e proclamada pela Igreja” (EV. 1995: 62).

A crença em que desde o momento da concepção existe um sujeito de direitos, uma pessoa (V.S. 1993) tem levado a hierarquia da igreja católica a afirmar que o aborto é “... um infanticídio,

um crime abominável” (E.V.1995). Um ato criminoso e um pecado mortal, a prática do aborto

prevê como pena para a mulher que o praticar e para quem a auxiliar - a excomunhão. A única exceção permissiva é quando está em risco a vida da mãe e o procedimento a ser realizado para salvar a mulher é o aborto indireto, isto é, a realização de ações que não matam diretamente o embrião ou o feto.

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Para a Igreja Católica o aborto é condenável porque provoca a morte de um ser humano considerado inocente, constituindo uma tríplice injustiça: contra a soberania de Deus, único senhor da vida; contra o próximo, que é privado do direito de existir como pessoa; contra sociedade, que perde um de seus membros.O dado definitivo e inquestionável para a instituição religiosa é o de que desde a concepção há uma vida humana em gestação. Baseado em dados científicos que reconhecem a existência de uma realidade celular distinta do óvulo e do espermatozóide desde o momento da fecundação e que dispõe de um código genético próprio, o zigoto, e é indiscutivelmente vida humana. O zigoto possui um código genético complexo e seu desenvolvimento ocorre em um processo contínuo, sem interrupção e por auto-gestão, culminando na pessoa humana. O zigoto é um ser humano em “potência” com o mesmo valor e os mesmos direitos da pessoa humana “em ato” - indivíduo nascido.

Dois elementos que integram argumentos de ordem religiosa, moral e biológica são fundamentais para sustentar a posição da instituição religiosa: a sacralidade da vida humana e a condição de pessoa do embrião. A condenação do aborto se encontra fundamentada em uma proposição de fé - vida humana tem caráter sagrado porque é um dom divino e a crença na existência de uma pessoa humana desde a fecundação, como afirma magistério da Igreja, torna o aborto um ato moralmente inaceitável e condenável. Um atentado contra a vida e contra Deus, um pecado gravíssimo.

A idéia repetida pela Igreja Católica é que o aborto sempre foi um ato condenado. Segundo Jane Hurst (2000), a condenação só começou a fazer parte da disciplina oficial da Igreja em 1869 com o documento Apostolicae sedis de Pio IX.

De acordo com a doutrina oficial da Igreja o aborto não é matéria de magistério, mas de legislação eclesiástica sobre a penitência. Leis eclesiásticas são “regras morais segundo as quais as

pessoas católicas são chamadas a viver” (Hurst.2000: 9). As penalidades para as transgressões

estão compiladas no Código de Direito Canônico.

O aborto não é um dogma e não se rege pela infalibilidade Papal. Não sendo matéria dogmática “... apesar do aborto ter como penalidade à excomunhão – uma decisão legislativa - a

base teológica dessa pena ainda não foi adequada e <<infalivelmente>> elaborada como ensino da igreja” (Ibidem:10).

Segundo Rosado-Nunes (2002) desde Didaqué, um dos documentos mais antigos da Igreja Católica, depois do Novo Testamento, a concepção da Igreja Católica sobre o aborto vem sofrendo modificações. No início, a proibição do aborto estava ancorada na questão do adultério e da fornicação que o aborto escondia. O aborto condenado era aquele em que o feto estava completo, possuidor de alma - animado. Como há época não havia definição do momento da animação do

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Santo Tomás de Aquino, a posição da Igreja passa a considerar a teoria filosófica

aristotélica-tomista, nomeada hilemorfismo (Ibidem: 38) que admitia um desenvolvimento progressivo do

embrião. Essa visão implicava na concepção da hominização tardia.

Nos séculos XVI e XVII com as mudanças ocorridas no âmbito da moral o aborto indireto, conhecido atualmente como aborto terapêutico, passou a ser aceito como uma forma de salvar a vida da mulher. Durante os séculos XVII e XIX a discussão do momento em que ocorre a infusão da alma continua, e ganha força a corrente que defende a existência de uma alma racional desde a concepção. Em 1869 o Papa Pio IX adota explicitamente a teoria da personalização imediata, condenando todo o aborto em qualquer estágio da gravidez e determinando a pena da excomunhão a mulher que o praticasse e a quem a auxiliasse” (Ibidem: 40). A condenação vigora até os dias de hoje como posição oficial da Igreja Católica.

A Igreja Católica brasileira na Declaração sobre o aborto provocado (1974) reitera sua concordância com a posição oficial da Igreja e tem mantido uma atitude de contumaz oposição sobre qualquer discussão sobre o tema. A ingerência da esfera religiosa na esfera pública tem sido um fato na América Latina. Na sociedade brasileira a Igreja ao longo dos tempos tem colocado entraves ao avanço de políticas públicas referentes à saúde sexual e reprodutiva da população. A permissividade legal para a mulher brasileira realizar a interrupção da gravidez contraria a opinião da Igreja Católica e de uma parcela da população. Essas pessoas têm realizado lobby junto a deputados e senadores para apresentar projetos que visem “suprimir o artigo 124 do Código Penal

Brasileiro” (PL nº. 21/03) ou que “institui o dia do nasciturno a ser festejado no dia 25 de março de cada ano” (PL nº. 947/99).

Considerações Finais

Apesar de grande parte da hierarquia católica manifestar uma posição de concordância a respeito da vida a defesa moral defendida pela hierarquia da igreja existem algumas vozes discordantes no interior da igreja. Os argumentos utilizados pelos fiéis se referem a impossibilidade de afirmar a existência de uma pessoa humana desde os primeiros momentos da fecundação, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO). Essas instituições definiram que a gravidez começa com a implantação do zigoto. A gravidez é definida como “o estágio do processo reprodutivo, no qual o corpo da mulher

e o novo indivíduo em desenvolvimento se entrelaçam, ou seja, o período que começa com a implantação e termina quando ocorre um aborto ou nascimento” (Faúndes & Barzelatto. 2004: 51).

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A ciência tem mostrado que o início de um novo ser ocorre quando aparece o sulco primordial, aproximadamente 14 dias após a fertilização e a implantação ter se completado.O zigoto pode ser a origem de mais de um indivíduo, o que pode ocorrer até duas semanas após a fertilização, logo a fixação da individualidade só se dá após a nidação. Há que se levar em consideração também a crença na existência da consciência humana como critério para o estabelecimento da existência ou não de uma pessoa.

Diferentes autores/as e teólogos/as também se contrapõem ao discurso oficial da Igreja Católica Apostólica Romana, mostrando a inexistência de uma posição única e definitiva sobre o aborto. Essa atitude propicia que os/as fiéis católicos/as discutam o tema porque a existência de autoridades da teologia moral católica com posições divergentes sobre um determinado assunto, segundo a tradição católica permite aos fiéis o uso de sua própria consciência esclarecida para tomada de uma decisão. Uma obrigação que não é “completamente imutável” não pode ser imposta como indiscutível.

Essa dinâmica propicia entender porque alguns poucos profissionais tem se engajado nos serviços de aborto legal e porque são ainda em pequeno número. Apesar da legislação favorável, a realização da interrupção da gravidez para muitos profissionais da medicina é um procedimento além de suas posssibilidades. Alegando motivos de objeção de consciência religiosa esses servidores da saúde tem se furtado a prestar atendimento as mulheres. Essa realidade denota ausência de implementação de políticas públicas que respondam as necessidades da população e total falta de empenho político de alguns gestores da saúde.

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Referências

CARTA ENCÍCLICA EVANGELIUM VITAE, Roma, 25 de março de1995.

CARTA ENCÍCLICA VERITATIS SPLENDOR, Roma, 06 de agosto de 1993.

CNBB. Ata n. 10 da 22ª. Assembléia Geral da CNBB (25.04-04.05.84) sobre a defesa da vida, Comunicado Mensal da CNBB, Brasília, 1984.

_____. A Despenalização do aborto, Votação 07 da 31ª. Assembléia Geral da CNBB,

Comunicado Mensal da CNBB, Brasília, 1993.

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, FRANCISCO CARDEAL SEPARE E JERONIMO HAMER. Apresentação da declaração sobre o Aborto provocado. Declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Comunicado Mensal da CNBB. Brasília, CNBB,18/11/1974.

FAÚNDES, A., BARZELLATO, J. O Drama do Aborto:em busca de um consenso, Campinas, ed. Komedi, 2004.

GEERTZ, Clifford. O saber Local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ, Vozes, tradução de Vera Mello Joscelyne, 1997, 366 pgs.

HURST, Jane. Uma história não contada: a história do aborto na Igreja Católica, São Paulo, Cadernos CDD nº. 1, 2000.

____________. A história das idéias sobre o aborto na Igreja Católica, In Hurst Jane e Rose Marie Muraro, Uma História não Contada, Montevideo, Católicas por el Derecho a Decidir, 1992.

Norma Técnica para Prevenção e Tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes (revisada e ampliada), Brasília, Ministério da Saúde, 2005.

ROSADO-NUNES, M. J., JURKEWICZ, R. Aborto: um tema em discussão na Igreja Católica, In

Aborto Legal:implicações éticas e religiosas, São Paulo, publicações CDD, 2002.

VENTURA, Miriam. Direitos Reprodutivos no Brasil, São Paulo, The John D. and Catherine T. MacArthur Foundation, 2001.

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