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IX Colóquio Internacional Marx Engels - CEMARX GT3 Marxismo e Ciências Humanas (1ª opção) O DISCURSO TRABALHO NA SOCIEDADE MODERNA 1

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IX Colóquio Internacional Marx Engels - CEMARX GT3 –– Marxismo e Ciências Humanas (1ª opção)

O DISCURSO TRABALHO NA SOCIEDADE MODERNA1

Maria Virgínia Borges Amaral Doutora em Linguística Professora - Universidade Federal de Alagoas

A produção realizada à margem da sociedade pelo indivíduo isolado – [...] – é uma coisa tão absurda como o seria o desenvolvimento da linguagem sem a presença de indivíduos vivendo e falando em conjunto. Karl Marx ([1859]1983, p. 202)

Introdução

Embora seja fato que só em sociedade o homem pode “isolar-se”, também é fato que em sociedade o homem institui seu estado de dependência dos outros homens. Esta relação de fusão entre o ser individual e o social implica formas específicas e necessárias de organização repletas de sentidos apenas compreendidos por meio da linguagem. Na acepção de Marx e Engels ([1845 – 46] 1986), a linguagem nasce, como a consciência, da necessidade que tem o homem de estabelecer relações nas várias instâncias (social, econômica, política, todas interdependentes) com os outros homens. Onde existe uma relação, aí existe a linguagem.

A linguagem é um complexo que se materializa da várias formas, sendo a língua uma delas. A palavra (seja escrita, oral ou gestual), como uma das materialidades da língua, revela o sentido que a sustenta na função de conceito, categoria e discurso. A palavra “trabalho” pode ser “usada” em produções teóricas ora como conceito, ora como categoria, não se observando as distinções de cunho epistemológico entre essas ocorrências. Importa acrescentar que além de ser concebida como conceito ou como categoria, a palavra “trabalho”, em virtude da complexidade teórica, filosófica e política que a configura, medeia a relação indissociável que se estabelece entre conceito e categoria. Nesse sentido, a palavra “trabalho” também pode ser discurso. É o que se

1 Agradecimento ao CNPq – Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e à

FAPEAL– Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas – pelo apoio às pesquisas realizadas pela autora deste artigo.

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propõe demonstrar neste estudo:– trabalho como discurso. Parte-se da assertiva de que a noção discurso trabalho é a forma mais complexa da expressão “trabalho”.

Não estão em jogo aqui as argumentações em torno de uma postura teórica sobre o que vem a ser conceito, categoria e discurso2; tampouco se quer defender a superposição de um desses elementos aos outros. Antes, procura-se entender que os conceitos carecem de atualização, para que não fiquem à parte da realidade que expressam; que as categorias carecem dos conceitos para a sua realização como forma de “reprodução do real no pensamento”, assim como entende a teoria marxiana; que os discursos encerram na sua complexidade a capacidade de mediar a relação do pensamento com o real. Um conceito pode ficar caduco se não acompanhar a dinâmica e as transformações da realidade. Logo, um conceito é historicamente formulado, e sua natureza é sócio-histórica. Na constituição de conceitos, a palavra, o significante, pode até ser a mesma, embora haja muitas tentativas de mudá-la para referir a uma mesma realidade.

Dissemos em estudo anterior (AMARAL, 2007) que mudanças de palavras não mudam a realidade que autoriza o sentido; e mais, as palavras podem ser fiéis à realidade ao apreendê-la, mas também poderão distorcê-la, conforme os interesses de quem as emprega, sendo, pois, conduzidas pela força da formação ideológica (do capital ou do trabalho) que representam. Vê-se, nesta sociedade, o paradoxo do discurso trabalho: “a liberdade prometida para o trabalhador o impele para o aprisionamento”. De sorte que:

[...] o trabalho é uma atividade de homens não livres. Os trabalhadores são designados como servidores porque servem a outro; como funcionários, porque funcionam em um sistema de normas e regras; como operários, porque operam, produzem mais-valia; como empregados, porque empregam sua força de trabalho.

A designação de empregado para a pessoa que é paga por um “senhor” para trabalhar pertence a uma prática discursiva historicamente produzida para fazer funcionar as relações de venda e compra da força de trabalho. [...]. Qualquer que seja a designação para o homem que trabalha, pois, tem em sua memória discursiva o sentido de servidão. [...] a reestruturação produtiva nos países desenvolvidos, teria implicado a re-significação do termo “empregado”, que passou a designar pessoas prestadoras de serviço a organizações, ou através destas. Essas pessoas [...] passaram a ser os trabalhadores orientados e administrados por uma gerência; de maneira que a relação do processo de trabalho, representada pela relação capital e trabalho, passou a ser representada pela relação “gerência e trabalhador”. (AMARAL, 2007, p. 47).

2 Em um estudo mais completo, de autoria desta pesquisadora (2017/2018, no prelo), intitulado Trabalho: conceito, categoria e discurso, discutem-se as noções de conceito, de categoria e de discurso, tomando-se

por base a noção de trabalho, considerando-se o seu emprego em análises da realidade sob parâmetros teóricos diversos.

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Ao mudar-se a palavra que nomeia a condição do trabalhador, há a pretensão de que a realidade seja outra. Contudo, a palavra que constitui o conceito remete à revisão do “contexto” em que ela é empregada, o que, certamente, conduzirá à apreensão do sentido que é produzido no processo da realidade sócio-histórica. Assim também é exigida no processo de conhecimento a compreensão de categoria e de discurso como “fenômenos” da relação do pensamento com o real, considerando-se a sua historicidade.

1 – Da palavra ao discurso

No discurso, a palavra suplanta a característica de “unidade da língua” à medida que se mantém em relação com uma realidade efetiva, com uma situação social na qual é proferida com expressividade, ganhando sua condição de discurso. A palavra, por si só, não tem expressividade; somente o discurso tem sentido, pois só ele, enquanto particularidade, poderá expressar o que está posto no real, no mundo objetivo, no qual se inclui o próprio sujeito que enuncia. (AMARAL [2005] 2016).

O discurso é um complexo ideológico3 e expressa, numa elaboração sistemática, a relação de uma singularidade com a universalidade, ou seja, o discurso é uma particularidade que cumpre sua função na processualidade social de mediar a relação entre o singular e o universal. O discurso se realiza no processo da relação social. Constitui-se no processo da organização social4, pelas condições efetivas em que se dá uma determinada organização. O discurso, enquanto produto da consciência – “consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo de vida real” (MARX, 1986, p. 37) –, é definido em relação às particularidades de uma dada formação social. O discurso é, pois, uma particularidade, um campo de mediações que possibilita o acesso à realidade objetiva consubstanciada pelo entrelaçamento da singularidade com a universalidade.

A Análise do Discurso oferece elementos conceituais que permitem estabelecer as conexões entre o objeto (o discurso) e o real efetivo em que se constitui. Nesta esfera de saber tornou-se indispensável o conhecimento da ideologia como função social representada no e pelo discurso. Na concepção do materalismo histórico, a ideologia é

3 A concepção de linguagem em Lukács ([1984] 2013, p. 223), aproxima-se do que concebemos como

discurso, dada a sua complexidade social – “A linguagem está em condições de satisfazer essa necessidade social [função social] porque não apenas é capaz de transformar a consciência dinâmica e progressiva de todo processo social de reprodução em portadora da relação viva entre os homens, mas também porque acolhe em si todas as manifestações de vida dos homens e lhes confere uma figura passível de comunicação”.

4 Por organização social entende-se aqui determinada formação social, modo de produção que resguarda

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uma forma específica de resposta às necessidades e às situações conflituosas postas pelo desenvolvimento da sociabilidade. A ideologia tem, em sua gênese, a função básica de dirimir conflitos sociais, de regular a práxis coletiva, bem como permitir ao indivíduo a compreensão do mundo em que vive, justificando a sua cotidianidade, tornando-a aceitável, natural, desejável. É isso que configura a ideologia como sendo/tendo uma

função social.

Ao se proceder a uma análise materialista do discurso, tem-se claro que a singularidade linguística deverá ser superada para atingir a complexidade do discurso –, estabelecendo-se a sua natureza contraditória e a relação concreta entre quem diz, o que

diz e a quem diz. Nesse sentido, compreende-se também o discurso como produto de um

processo de relações entre indivíduos; é o resultado de um amplo e complexo trabalho interindividual “expresso” de forma oral ou escrita por uma singularidade (CHASIN, 1982, p. 66), que pode ser um indivíduo ou um grupo social. O discurso como produto de relações entre indivíduos organizados a partir das determinações sociais inerentes à formação social regida pelo capital evidencia a necessidade de conhecimento do em-si discursivo, daquilo que verdadeiramente é e que só se põe em relação a este mundo; implica considerar suas respostas às exigências dessa mesma sociedade, logo sua capacidade de exercer alguma influência na existência e na estrutura dos grupos sociais que a constituem.

Em um discurso, as palavras, enunciados e formas de expressão linguísticas correspondem ao processo histórico e à fase do desenvolvimento da formação social em que foi engendrado; inscrevem-se em uma formação discursiva que representa uma formação ideológica5. As formas ideológicas e as formações discursivas, considerando-se as circunstâncias concretas que as unem, aparecem como discursos singulares ou universais atravessados pelos ditames da ideologia. Desse modo, formações ideológicas e formações discursivas formam uma unidade no discurso e só se separam para efeito de análise.

Vale dizer que as palavras ultrapassam o âmbito da natureza puramente cognitiva das expressões da língua, por isso, não pertencem ao sujeito, não são exclusividade

5 Formação social, formação ideológica e formação discursiva são conceitos revistos no âmbito da teoria do

discurso a partir da base teórica do materialismo histórico. Uma formação ideológica caracteriza-se como “um elemento [...] suscetível de intervir como força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social em dado momento” (PÊCHEUX e FUCHS [1975], 1993, p. 166). Em AD chama-se formação discursiva “àquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado na forma de uma fala, um sermão, um panfleto, uma exposição, um programa etc.)” (PÊCHEUX, [1975] 1988, p. 160).

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daquele que enuncia; elas adquirem expressividade na processualidade discursiva, que é constituída pela unidade complexa dessa tríade: formação social, formação ideológica e formação discursiva. De maneira que, sem a consciência possível do sujeito acerca do “mundo real” não há discursos (AMARAL, 2016). Assim como diz Marx, citado por Lukács ([1984] 2013, p. 122): “[...] os homens fazem a sua historia, mas não podem fazê-la nas circunstâncias escolhidas por ele. Os homens respondem – mais ou menos conscientemente, mais ou menos corretamente – às alternativas concretas que lhe são apresentadas a cada momento pelas possibilidades do desenvolvimento social.” Para expressar aquilo que alcançou, ou não, a cada vez que procurou respostas às suas necessidades, o sujeito empreende atos singulares que denotam aceitação, aprovação,

recusa ou negação da realidade6. Esses atos singulares se concretizam, também, por meio das expressões de linguagem que surgem no processo de comunicação necessário à sociabilidade – porque “os homens tinham algo para dizer um ao outro”, assim como diz Lukács (2013, p. 127) lembrando Engles. A linguagem que medeia a relação dos indivíduos ou dos grupos, em função dos interesses e necessidades, sejam individuais ou coletivas, é a que dota os homens da capacidade de se distanciar do objeto e, ao mesmo tempo, de abstraí-lo. Amplia-se, assim, a possibilidade de domínio do objeto pelo sujeito. Nesse processo, a linguagem vai adquirindo tal complexidade intelectual e ideológica que a eleva do predomínio dos signos para o discursivo. O discurso é, pois, a forma mais complexa da linguagem da qual se valem as formações ideológicas para orientar, controlar e dominar a sociedade em desenvolvimento, em função das ideias dominantes da classe dominante da época7.

2. A forma complexa da noção de trabalho: o discurso trabalho

O discurso é uma forma elevada de expressão do pensamento em relação à realidade. Isto nos leva a compreender o trabalho como discurso e o discurso trabalho como a forma mais complexa da expressão do real no pensamento que se concretiza em linguagem. Fala-se em discurso do trabalho quando o objeto é o fundamento de trabalho

6 Considera-se a questão da singularidade na forma explicitada por Lukács (2013, p. 469): “A unidade da

pessoa tem (...) um duplo caráter objetivo (...) de um lado, a unidade social do homem, a sua existência como pessoa é revelada no modo pelo qual ele reage às alternativas que lhe são postas pela vida; (...) é na cadeia das escolhas-decisões de sua vida que se exprime a verdadeira essência da singularidade social, o caráter pessoal do homem. (...). O homem, portanto, é pessoa enquanto ele mesmo realiza a escolha entre estas possibilidades”.

7 Como diz Marx (1986, p. 72): “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominnate; isto

é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”.

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nas suas expressões práticas objetivas, ou discurso sobre o trabalho quando o objeto são as variadas concepções de trabalhos expressadas em diferentes formações discursivas para representar a formação ideológica que as domina. Vemos o trabalho como um discurso – daí a expressão discurso trabalho.

Há uma multiplicidade de sentidos produzidos no movimento discursivo em que o trabalho é o objeto. Assim, na teoria social marxiana, o trabalho é um discurso

fundador8 da sociabilidade. Na sociedade capitalista, o sentido ontológico de trabalho,

da esfera determinante do ser social9, desloca-se para o sentido burguês: “é degradado a um estratagema de exploração por meio do domínio da propriedade capitalista” (KURZ, 1997, p. 272). E, assim, o trabalho se constitui em ideal burguês que responde ao processo de acumulação de riqueza. De uma forma geral, o trabalho cumpre a função social de reprodução da ordem capitalista, por isso, é discurso, por ter incorporado a complexidade discursiva de uma prática social. A forma singular de trabalho como uma atividade humana que sempre foi realizada para a reprodução da vida adquire, na sociedade moderna, outras funções sem, contudo, perder as suas propriedades condicionantes da existência do homem em sua relação com a natureza. Entretanto, apenas na sociedade moderna o trabalho alcança uma dimensão abstrata social (KURZ, 1997), não se limitando apenas à produção dos meios de subsistência do homem em relação à natureza, porquanto atinge outras esferas da sociedade: a cultura, o esporte/lazer, e até a vida privada. Estimulado pela indústria da diversão, serve à ideologia dominante para reproduzir a sociedade à qual se acha submetido.

Na sociedade moderna, o termo “trabalho” é uma abstração de vários significados. Incorporando a contradição da sociedade capitalista, ganha a condição de positividade/negatividade, pois tanto é condição para a reprodução da vida como a destrói, subsumido à lógica da exploração do homem pelo próprio homem. É ser fundamentalmente contraditório, nesta relação que o configura como positivo e negativo; não é apenas a sua negatividade (a de exploração do homem) que pesa.

8 Em Orlandi (1993, p. 24), discurso fundador é o discurso verdadeiramente novo, o que instaura uma

ruptura e cria um novo sítio de significação. Consideramos que o discurso trabalho seja um discurso fundador por instalar a sociabilidade do ser, por ser um elemento fundante do ser social, conforme a concepção ontológica marxiana/lukacsiana.

9 Na teoria do pôr teleológico do trabalho exposta por Lukács (2013, p. 104), tem-se: “Se quisermos

compreender bem a gênese inquestionável, segundo o nosso modo de ver, do dever-ser a partir da essência teleológica do trabalho, devemos recordar de novo que já dissemos do trabalho como modelo para toda práxis social, [...]. A essência ontologia do dever-ser do trabalho dirige-se certamente ao sujeito que trabalha e determina não apenas seu comportamento no trabalho, mas também seu comportamento em relação a si mesmo enquanto sujeito do processo de trabalho”.

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A formação ideológica que repassa e impõe as ideias dominantes da classe dominante – a dos capitalistas – faz preponderar a positividade do trabalho: ele permeia as relações, produz coisas que satisfazem às necessidades dos homens ou aos seus desejos “mais estranhos”, induzindo ao prazer, forma saber e produz discurso. Por sua natureza, também contraditória, permite fazer circular os efeitos de positividade e de negatividade do trabalho. A positividade do trabalho o nega como uma “atividade daqueles que perderam a liberdade” (KURZ, 1997, p. 274), como se via em sociedades passadas, marcadas pela “servidão” (não digo escravidão, porquanto esta é ressignificada na sociedade moderna).

Trabalho produz discurso e, como uma “categoria complexa”, pode ser discurso. Como discurso o trabalho incorpora traços gerais de função social e abriga traços de natureza tanto objetiva quanto subjetiva. A objetividade regula o processo de trabalho e o seu discurso, agindo sobre o sujeito e modificando-o10. No ser do trabalho estão incorporadas funções ideológicas indissociáveis, amarradas umas às outras, e que só existem uma em relação às outras. Por ser discurso, o trabalho possui traços específicos além daqueles que o põem como uma atividade primeira da prática social, como o primeiro ato histórico, conforme diz Marx (1986, p. 39): “a produção dos meios que permitem a satisfação destas necessidades [‘comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais’], a produção da própria vida material”, o que confere ao trabalho a sua função produtiva. Às atividades materiais se entrelaçam os traços simbólicos, caracterizados pela linguagem em geral, incluindo os signos linguísticos, que permitem aos homens dar concretude ao pensamento, dar forma à consciência e estabelecer o intercâmbio e a comunicação entre si.

A produção da vida material engendra relações necessárias à reprodução social, implicando a organização social entre os homens e, por conseguinte, a consciência de que vive em sociedade. Disto decorrem as formas de consciência (religiosa, moral etc.) que fazem emergir as formações ideológicas que ganham concretude no discurso – discurso religioso, discurso moral ou ético, discurso político, discurso trabalho e muitos outros. Pode-se dizer, pois, que o discurso trabalho produz efeitos fundamentais na sociedade moderna, onde opera por meio das funções produtiva, simbólica e disciplinar11.

10 Acerca da força reguladora da objetividade sobre o trabalho, ver Lukács (2013, p. 104).

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A função produtiva, representada pela produção da mais-valia, pelo excedente para a acumulação de capital, para o lucro, é a primordial do discurso trabalho no sistema capitalista. A função simbólica é constituída pela “linguagem” de todos os signos que representam um complexo imaginário construído sobre o trabalho, como é o caso, sobretudo, do papel simbólico representado pelo dinheiro, salário que paga trabalho. A função disciplinar se estabelece a partir das normas e das leis a serem obedecidas pelas partes que firmam um contrato; normas para a organização e controle da força de trabalho; para a minimização dos conflitos comumente gerados numa sociedade dual, constituída por grupos (menores) que mandam e por grupos (maiores) que obedecem (AMARAL, 2007). Todas as funções são orientadas e fortalecidas pelas formações ideológicas que o discurso trabalho representa, pondo-se como mediação, por ser uma particularidade.

Essas funções do discurso trabalho são particularidades do trabalho na sociedade de classes condicionadas pela divisão do trabalho – propriamente dita quando “surge uma divisão entre o trabalho material e o espiritual” (MARX, 1986, p 45) –, divisão entre quem produz, os trabalhadores, e os que detêm os meios de produção, os proprietários capitalistas. O discurso trabalho na sociedade moderna – sob a dominação da classe burguesa – silencia essas funções, principalmente a de disciplina, e constrói evidências de uma política de ganho e produtividade a partir das adesões ditas “voluntárias” dos sujeitos “livres”, que, paradoxalmente, funcionam em relações de dependência. O discurso trabalho tem entre as características que o constituem a de silenciar o sentido de “exploração” suscitado na relação capitalista. No discurso

trabalho, o silenciamento do processo de exploração produz efeitos convenientes à

manutenção da ordem e da classe dominante, sobretudo o efeito de liberdade – trabalhador livre –, de autonomia – trabalhador autônomo – e de democratização – trabalho democrático –, entre outros efeitos que sustentam o discurso trabalho na reprodução da ordem vigente.

Por fim, concluímos lembrando que na sociedade moderna, sob a regência das ideias liberais, o discurso liberal lança mão do discurso trabalho e se fortalece deslocando sentidos sedimentados na memória discursiva do trabalho (AMARAL, 2016). Como exemplo tem-se o sentido de “servidão”, que desliza para o sentido de “liberdade” neste espaço discursivo. Com esse estratagema discursivo, os sujeitos são cooptados pelos ideais de “liberdade” e os reproduzem no senso comum: “o trabalho

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liberta”. O discurso liberal se apropria do discurso trabalho e o converte em meio para atingir seus fins de dominação na ordem burguesa.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Maria Virgínia Borges. O Avesso do Discurso. Maceió: Edufal, 2007.

____. Discurso e Relações de Trabalho. [2005]. Maceió: Edufal, 2016.

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FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

KURZ, Robert. Os últimos combates. Rio de Janeiro, Vozes, 1997.

LUKÁCS, Georg. Para uma ontologia do ser social. [1984]. V. 2. São Paulo: Boitempo, 2013.

MARX, K & F. ENGELS. A ideologia alemã. [1845 – 46]. São Paulo: Hucitec, 1986.

____. O manifesto do partido comunista. [1848]. São Paulo: Cortez, 1998.

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. [1959]. São Paulo, Martins Fontes, 1983.

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PÊCHEUX, M. e FUCHS, C. A propósito da Análise Automática do Discurso: Atualização e Perspectiva [1975]. In: F. Gadet & T. Hak (orgs.). Por uma análise

automática do discurso. Uma introdução á obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora

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