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O regime processual da nova acção administrativa: aproximações e distanciamentos ao Código de Processo Civil (*) (**)

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Academic year: 2021

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1. Considerações iniciais

O Código de Processo nos Tribunais Administra-tivos (CPTA) constituiu um inegável avanço na tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos e, por isso, um passo de gigante assumido pelo legislador portu-guês. No contexto da reforma do CPTA, é de elemen-tar justiça afirmar o avanço legislativo e garantístico que este código representou, constituindo um marco na evolução do sistema da justiça administrativa. De-corridos doze anos da sua vigência são assinaláveis as alterações imprimidas ao contencioso administra-tivo, seja pela mudança do quadro legislaadministra-tivo, seja pela natureza dos litígios que se colocam perante os tribunais administrativos.

Apesar de o ordenamento jurídico contar com um bom código de processo administrativo, esta-vam já detectadas as situações que careciam de cla-rificação de regime ou que, de todo, já não se ajus-tavam às opções dominantes assumidas pela dou-trina e pela jurisprudência administrativas, nos ter-mos em que globalmente foram assinaladas no preâmbulo do DL n.º 214-G/2015, de 2/10 (1).

Tal justificou a necessidade de se proceder à re-visão do direito processual administrativo sem que existisse a necessidade de uma revisão profunda,

ao contrário do que se verificou com o direito pro-cedimental, que deu origem a um novo código.

A reforma do direito processual administrativo surge para dar resposta a três grandes imperativos: o primeiro, como uma resposta do legislador ao disposto no art. 4.º da Lei n.º 15/2002, de 22/2, que previa que devesse existir a revisão do CPTA no prazo de três anos, a contar da data da sua entrada em vigor; o segundo, como uma exigência decor-rente da entrada em vigor do novo Código de Pro-cesso Civil (CPC); e o terceiro, como uma conse-quência necessária da aprovação de um novo Có-digo de Procedimento Administrativo (CPA).

Perante estes imperativos, existia o receio que esta reforma se viesse a traduzir a final num novo CPTA, o que não sucedeu, assumindo-se global-mente com a medida certa, não rompendo com a estrutura e a sistematização do CPTA, nem com as suas principais soluções, mas adoptando os aspec-tos parcelares de regime que, na sua maioria, já eram reclamados. Em alguns casos, porém, são in-troduzidas alterações desnecessárias e em relação às quais não se vislumbra qualquer vantagem, além de nem todas serem claras, suscitando novas dificuldades e controvérsias.

Constituindo o regime da acção administrativa uma matéria nuclear na revisão do direito proces-sual administrativo, nela focaremos a nossa atenção.

2. Regime da nova acção administrativa: espe-cificidades em relação ao processo civil?

Adquirido por todos que uma das principais al-terações introduzidas na lei processual administra-tiva é a que põe fim ao regime dualista da acção

ao Código de Processo Civil

(*) (**)

(*) O presente texto serviu de base à intervenção proferida no II Congresso de Direito Administrativo, intitulada “O novo re-gime da acção administrativa”, realizado no Hotel Altis, em Lis-boa, em 15 de Outubro de 2015.

(**) Por vontade expressa da Autora o texto segue a grafia an-terior ao novo acordo ortográfico.

(1) Antes, já o anteprojecto de revisão, a Proposta de Lei n.º

331/XII, o Decreto n.º 417/XII e a Lei de Autorização Legislativa n.º 100/2015, de 19/8, assinalavam as situações carentes de revisão.

(2)

administrativa comum/especial, passando todos os processos do contencioso administrativo que te-nham uma tramitação não urgente a correr termos sob a forma única da acção administrativa, en-quanto forma de tramitação processual para pro-cessos que não se encontrem submetidos ao regime de urgência, é nosso objectivo identificar as reper-cussões processuais desta opção na reconfiguração do processo administrativo.

Sobre as razões que no passado determinaram a adopção do modelo dualista, sobre a crítica que então surgiu por parte de um sector, então minori-tário, da doutrina e as razões que conduzem agora à opção pelo modelo unitário da acção administra-tiva, existem já abundantes contributos doutriná-rios, emergidos no contexto da reforma do contencioso administrativo de 2002/2004 e também da discussão pública do anteprojecto de revisão do CPTA (2). Por isso, atento esse debate, não nos ire-mos debruçar sobre essas razões, tanto mais que a opção legislativa de unificação dos meios

proces-suais principais não urgentes já foi assumida pelo legislador, com largo apoio e consenso. O que im-porta dizer é que, além de obter um consenso alar-gado, a opção agora tomada considera-se preferível no actual estado de evolução do contencioso admi-nistrativo (3).

O caminho faz-se caminhando e o que agora pa-rece preferível tem por base uma realidade que não é a mesma que se verificava no final do século pas-sado, quando se iniciou o debate para a construção de um novo regime processual administrativo, em que não existiam tribunais administrativos instala-dos por todo o território nacional, nem existia o mesmo quadro normativo que temos hoje, seja substantivo, seja processual.

As alterações que testemunhámos na evolução do contencioso administrativo permitem afirmar que o que ocorreu foi uma verdadeira revolução, em que todos, na sua exacta medida, foram obrei-ros. Por isso, o bom e o mau que actualmente existe no contencioso administrativo é fruto da interven-ção de todos: legislador, juízes e advogados.

A propósito da reforma do direito processual e da opção pela forma única da acção administrativa, não existe unanimidade sobre a questão da espe-cialidade do processo administrativo e se a mesma, a existir, justifica a autonomia em relação ao pro-cesso civil. Perante o debate público realizado, quer por força da entrada em vigor do novo CPC, quer no âmbito da revisão do CPTA, consideramos que a opção agora desenhada enfrenta todas as ques-tões, quanto a proceder a aproximações ao CPC, mas, simultaneamente, delas se distanciar, redese-(2) Cfr. SÉRVULOCORREIA, que escreveu antes, a explicar as

ra-zões que presidiam ao modelo dualista da acção, como agora, sobre as razões que motivam a solução inversa, “Unidade ou plu-ralidade de meios processuais principais no contencioso admi-nistrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa (CJA), n.º 22, 2000, pp. 23-35, e “Da acção administrativa especial à nova acção ad-ministrativa”, in CJA, n.º 106, 2014, pp. 49-60; VASCOPEREIRA DA SILVA, “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena ju-risdição”, in CJA, n.º 34, 2002, pp. 24-32; JOSÉMÁRIOFERREIDA DE ALMEIDA, “Algumas notas sobre a aproximação do processo ad-ministrativo ao processo civil”, in CJA, n.º 102, 2013, pp. 24-33, “O fim do dualismo das formas do processo declarativo não ur-gente e outros (previsíveis) impactos da reforma da acção admi-nistrativa”, in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos

Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, Carla Amado Gomes/Ana Fernanda

Neves/Tiago Serrão (coord.), AAFDL, 2014, e “As reformas do processo civil e do contencioso administrativo: autonomia e con-vergência”, in CJA, n.º 106, 2014, pp. 61-68; DINAMENE DEFREITAS, “Unificação das formas de processo – Alguns aspectos da trami-tação da acção administrativa”, in E-pública – Revista Electrónica

de Direito Público (2), 2014; ANASOFIAFIRMINO, “O fim do regime dualista das acções administrativas no Anteprojecto de revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, in O

An-teprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administra-tivos e do Estatuto dos Tribunais AdministraAdministra-tivos e Fiscais em Debate, ob. cit., pp. 11-38; MIGUELASSISRAIMUNDO, “Em busca das especi-ficidades processuais das formas típicas de actuação (a propósito da eliminação da distinção Acção Comum – Acção Especial no CPTA)”, in JULGAR, n.º 26, 2015, pp. 121-133.

(3) Cfr. dois exemplos vivenciados de decisões judiciais sobre

a delimitação das formas da acção administrativa comum e es-pecial: os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6/2/2014, P. 10575/13, em que estava em causa uma relação jurí-dica emergente da celebração de um contrato de trabalho em fun-ções públicas, cujo núcleo de direitos e de deveres emerge da lei e do contrato celebrado entre as partes, sendo meio adequado a acção administrativa comum, e de 12/7/2012, P. 8510/12, em que se enfrentou directamente a questão da distinção entre formas processuais, num processo em que era pedida a correcção dos ín-dices remuneratórios para efeitos de actualização extraordinária da pensão e o correspondente recálculo da pensão, julgando-se inidónea a acção administrativa comum.

(3)

nhando uma lei processual administrativa, que se assume com verdadeira propriedade e autonomia.

A reforma do direito processual administrativo, emergido após o novo CPC e um amplo debate doutrinário, assume nos seus aspectos normativos verdadeira especialidade em relação ao processo civil, constituindo um corpo normativo próprio, que ora se aproxima, ora se afasta do direito pro-cessual civil, segundo opções que se prendem com as particularidades do direito administrativo.

Deste modo, tendo o legislador português há muito assumido a opção de natureza político-legis-lativa de aprovar um código de processo adminis-trativo, vem através da sua reforma acentuar os traços da sua especificidade em relação ao processo civil, justificando a autonomia do direito proces-sual administrativo.

Assim, apesar de nos últimos anos terem exis-tido algumas aproximações, não deixam de ser sig-nificativas as diferenças de regime.

Neste contexto, ocorre-nos perguntar se não terá igualmente o processo civil se aproximado lenta e algumas vezes disfarçadamente do processo administrativo, não só agora com o novo CPC, mas já antes, com a reforma do regime dos recursos ju-risdicionais (4) e de outros regimes processuais par-celares.

Não será de olvidar a influência recíproca que ambos os direitos processuais exercem um sobre o outro, em termos que permitem afirmar que, não só o novo CPC acolhe certos aspectos de regime já antes previstos no CPTA (5), como a reforma do CPTA, ao assumir expressamente certas soluções previstas no CPC, opera uma remissão directa para este Código. Enfrentando todas as questões que a revisão de tão importante quadro legislativo pode suscitar, será de questionar se o ordenamento jurídico

por-tuguês deve caminhar para um código de processo único, que consagre um grande tronco comum do direito processual, seguido de todas as especifici-dades que existam em relação aos vários ramos do direito ou até questionar se se justificam manter essas especificidades.

Sendo essa uma opção de natureza político-le-gislativa, que nos parece pelo menos temporal-mente muito distante, é imperioso que se ressalvem as distinções de regime que assegurem a autonomia e a especificidade do corpo de normas processuais administrativas, acompanhando a consagração constitucional da autonomia jurisdicional dos tri-bunais administrativos, enquanto tritri-bunais especia-lizados que aplicam um conjunto cada vez mais vasto de normas e de princípios jurídicos específi-cos, que integram um ramo de direito próprio, o di-reito administrativo.

Caso a evolução aponte para esse caminho, será ele longo, do mesmo modo que se percorreu um grande caminho desde a LPTA até ao CPTA e agora, ao ritmo frenético do século XXI, até esta revisão do direito processual administrativo.

A evolução faz parte de qualquer processo e é assim que olhamos a revisão do CPTA, como pre-vendo as alterações de índole processual, global-mente necessárias e justificadas pela realidade prática, que advém do próprio crescimento do con-tencioso administrativo.

Sem prejuízo, também são introduzidas altera-ções que não obedecem a este pano de fundo, por antes radicarem em concepções próprias do que deverá ser ou transformar-se o contencioso admi-nistrativo, em que, ao contrário das primeiras que assumem natureza técnica, assumem natureza eminentemente política.

O caminho percorrido permite afirmar maiores aproximações ao processo civil, embora em alguns casos exista um afastamento claro, em virtude das especialidades existentes, não só em relação ao pro-cesso civil, como no próprio seio da acção adminis-trativa única, em face das diversas pretensões que no seu âmbito podem ser deduzidas e que obede-cem a disposições particulares.

Por isso, apesar de adoptar a forma única, a acção administrativa comporta um conjunto ex-(4) Cfr. a alteração ao CPC introduzida pelo DL n.º 303/2007,

de 24/8.

(5) Cfr., a título de exemplo, a possibilidade que o CPC hoje

confere ao juiz de diferir a fase de instrução da causa para mo-mento ulterior, por aplicação conjugada dos deveres de gestão processual e de adequação formal, previstos nos arts. 6.º e 547.º, e a possibilidade de cumular pedidos que revistam formas pro-cessuais diferentes, nos termos dos n.os2 e 3 do art. 37.º.

(4)

pressivo de normas especiais, que apontam para uma unicidade imperfeita ou incompleta, apeli-dada de “matriz unitária atenuada” (6).

A opção seguida quanto à unificação das formas de processo inspira-se no CPC, na acção do processo comum de declaração, previsto e regulado nos arts. 548.º e segs., que segue a forma única.

Desde a entrada em vigor do CPC, em 1 de Se-tembro de 2013, que esse Código se aplica ao con-tencioso administrativo, pelo que, desde essa data, muitas das soluções agora previstas na revisão operada ao CPTA já vigoram no processo adminis-trativo, não só por via da aplicação subsidiária à acção administrativa especial, mas sobretudo por força da recepção directa que foi operada no to-cante à acção administrativa comum.

Por isso, a reforma do contencioso administra-tivo não começou com a revisão do CPTA, mas de forma silenciosa, com a entrada em vigor do novo CPC e a aplicação de muitas das suas soluções de regime, sobretudo no tocante à tramitação da acção administrativa.

Embora constitua traço da reforma do direito processual administrativo a influência da lei proces-sual civil, numa aproximação de regimes, existem casos pontuais em que ambos os Códigos evoluíram em relação às soluções neles consagradas, mas man-tendo as diferenças entre si, regulando em termos divergentes os mesmos aspectos de regime, como iremos em seguida explicitar.

Existindo uma única acção administrativa, não se uniformizou todo o regime, pelo que, sob a capa de uma única forma de processo e de um conjunto de disposições gerais, existem disposições particu-lares para cada uma das principais actuações admi-nistrativas, sendo o regime da acção administrativa diferente consoante a pretensão requerida.

Significa isto que passará a existir uma única forma processual não urgente, que obedece a uma tramitação comum, mas com normas específicas para cada uma das pretensões deduzidas, exigindo que se conheçam essas particularidades, sob pena

de a acção poder não prosseguir, por falta de algum pressuposto processual específico.

Adopta-se uma nova sistemática do Código, o qual dedica o Título II à “Acção administrativa”, com três capítulos, previstos nos arts. 37.º a 96.º (7): o pri-meiro, com as “Disposições Gerais”; o segundo, refe-rente às “Disposições particulares”, o qual se encontra dividido em quatro Secções, relativas às principais pretensões deduzidas no contencioso administra-tivo – impugnação de acto administraadministra-tivo, condena-ção à prática de acto devido, impugnacondena-ção de normas e condenação à emissão de normas e acção relativa à validade e execução de contratos –; e o terceiro, re-ferente à “Marcha do Processo”.

Não sendo possível percorrer todo o regime da acção administrativa especial, dedicaremos a nossa atenção às questões centrais da marcha do processo.

3. Contestação: ónus de contestar, dever de im-pugnação especificada e prazos

Questão essencial no âmbito do novo regime da acção administrativa prende-se com o regime esta-belecido em torno da apresentação da contestação e com as consequências processuais da falta dela.

No contexto da compreensão da amplitude da defesa a cargo da entidade demandada e dos ónus que sobre ela recai de contestar e de impugnar es-pecificadamente os factos alegados pelo autor, im-porta ter em consideração o regime previsto no art. 83.º, do qual resulta:

a) o dever de apresentar a defesa de modo

arti-culado – corpo do n.º 1 do art. 83.º;

b) o dever de apresentar toda a defesa na

con-testação – n.º 3 do art. 83.º;

c) o dever de expor as razões de facto e de

di-reito que se opõem à pretensão do autor – alínea b) do n.º 1 do art. 83.º;

d) o dever de expor os factos essenciais em que

se baseiam as excepções deduzidas, especificando--as separadamente – alínea c) do n.º 1 do art. 83.º;

e) o dever de tomar posição definida perante os

factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor – n.º 3 do art. 83.º.

(7) Quando outra referência não existir referimo-nos ao CPTA.

(6) Cfr. SÉRVULOCORREIA, “Da acção administrativa especial

(5)

Por outro lado, do n.º 4 do art. 83.º extrai-se o seguinte regime:

i) a falta de impugnação especificada nas acções

relativas a actos e a normas não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta;

ii) a contrario senso, a falta de impugnação

especi-ficada – e por maioria de razão, a falta de contestação –, nas acções relativas a contratos e responsabilidade civil, importa a confissão dos factos articulados pelo autor;

iii) a falta de contestação importa a confissão

dos factos alegados pelo autor.

Este último ponto é o mais controverso, por não resultar claramente da lei e não existir inteira coe-rência entre o disposto nos arts. 82.º e 83.º e as suas respectivas epígrafes, numa matéria em que é exi-gível que exista suficiente clareza jurídica.

Tendo o art. 82.º como epígrafe “Prazo de

contes-tação e cominação”, não se encontra previsto em

ne-nhum dos seus números a cominação para o des-respeito do prazo de contestar ou para a falta de contestação e no art. 83.º, cuja epígrafe “Conteúdo e

instrução da contestação”, altera-se a redacção do seu

n.º 4, que antes referia que “a falta de contestação ou a

falta nela de impugnação especificada não importa confis-são dos factos articulados pelo autor”, prevendo-se

agora que “a falta de impugnação especificada nas acções

relativas a actos administrativos e normas não importa confissão dos factos articulados pelo autor”.

Para a interpretação do regime relativo ao ónus de contestar importa confrontar a redacção primitiva e a que ora se dá ao n.º 4 do art. 83.º, por deixar de se prever que a falta de contestação não importa con-fissão dos factos articulados pelo autor, assim como atender ao ponto 3 do Preâmbulo do DL n.º 214--G/2015, de 2/10, que refere expressamente o “ónus

de contestar” (8). Por isso, ao contrário do regime que vigorou no contencioso administrativo, em que a falta de contestação em processos relativos a actos e normas não acarretava a confissão dos factos

alega-dos pelo autor, consagra-se agora e pela primeira vez o ónus de contestar nos processos administrativos, independentemente das pretensões nele deduzidas, sob pena de se produzirem os efeitos da revelia.

A única distinção de regime que é introduzida prende-se com o ónus de impugnação especificada, que não existe no caso de a acção ser relativa a actos e a normas, pois quanto ao ónus de contestar ele passa a vigorar no contencioso administrativo, independen-temente do tipo de acção.

Significa o regime traçado que passa a prever--se a revelia no contencioso administrativo, exigindo que se compreenda esse regime, previsto e regulado nos arts. 566.º e segs. do CPC. Não obstante a comi-nação processual para a falta de contestação ser a re-velia, traduzida na confissão dos factos articulados pelo autor, que poderá ou não conduzir à condena-ção da entidade demandada no pedido, assim como conduzir à sua absolvição da instância ou do pe-dido, consoante o caso (9), enunciam-se no art. 568.º do CPC as exceções aos efeitos da revelia. Não se pro-duzem os efeitos da revelia (revelia inoperante): a) quan-do, havendo vários reús, algum deles contestar rela-tivamente aos factos que o contestante impugnar (10);

b) quando o réu ou algum dos réus for incapaz,

si-tuando-se a causa no âmbito da incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situa-ção de revelia absoluta (11); c) quando a vontade das partes for ineficaz para produzir o efeito jurídico

(8) Cfr., “… n.º 4 do artigo 83.º, que preserva a solução tradicional

da não imposição do ónus de impugnação especificada, mas impõe o ónus de contestar…”.

(9) Interpretando e aplicando o direito aos factos constantes

da petição inicial, a sentença tenderá à procedência do pedido, mas pode ser julgada procedente alguma excepção ou conhecida ex officio alguma questão, ou pode acontecer que os factos glo-balmente considerados como confessados não determinem, à luz do direito, aquela decisão, conduzindo à absolvição da entidade demandada da instância ou do pedido.

(10) A defesa apresentada pelo contestante aproveita aos não

contestantes, afastando-se a revelia em relação aos factos im-pugnados, mantendo-se o efeito da revelia em relação aos factos não contestados. Assim, os mesmos factos dar-se-ão como pro-vados ou não propro-vados em relação a todos os réus.

(11) A lei protege o incapaz da revelia, tenha ou não sido

constituído mandatário judicial, além de proteger quem não foi citado pessoalmente, ressalvando do regime da revelia a citação edital, que não oferece as mesmas garantias de conhecimento da acção, salvo se tiver constituído mandatário judicial no prazo da contestação, pois nesse caso há a certeza do conhecimento da instauração da acção, não havendo revelia absoluta.

(6)

que pela acção se pretende obter (12); e d) quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito (13). Além disso, importa o disposto no art. 453.º do CPC, relativo ao regime da prova por con-fissão e declarações das partes, nos termos do qual o depoimento de representantes de incapazes, pes-soas colectivas ou sociedades só tem valor de con-fissão nos precisos termos em que possam obrigar os seus representados. Por isso, não vale, nos mes-mos termes-mos, no processo administrativo, o disposto na segunda parte do n.º 1 do art. 283.º do CPC, se-gundo o qual o réu pode livremente confessar todo ou parte do pedido. Em termos idênticos quanto à admissibilidade do facto por acordo, apenas permi-tida se for admissível a confissão como meio de prova (14). Assim, se a parte não puder confessar, também não pode admitir por acordo.

Neste contexto importa questionar os poderes do Ministério Público para confessar no âmbito dos processos administrativos respeitantes a actos e nor-mas. Não encontrando resposta directa na lei, não vislumbramos razões para dar resposta diferente de qualquer outra entidade demandada, valendo o re-gime supra delineado, que impõe especialidades em relação ao processo civil.

Este regime tem ainda de ser conjugado com o n.º 6 do art. 84.º, quando ocorra a falta de envio do processo administrativo, sancionado pelo legisla-dor com a prova dos factos alegados pelo autor, se a falta de envio tornar a prova impossível ou de considerável dificuldade.

Poderá questionar-se se em processos referentes a actos e normas, o envio do processo

administra-tivo, desacompanhado da apresentação de contes-tação, não será suficiente para obstar aos efeitos da revelia, pois sendo apresentada prova documental que contrarie os factos articulados pelo autor, o prin-cípio do inquisitório permitirá ao tribunal socorrer--se da prova apresentada. Sendo esse o regime que decorria da versão primitiva do n.º 4 do art. 83.º, em que a falta de contestação não impunha a confissão dos factos, importa reafirmar que foi dada diferente redacção a esse preceito, importando distinguir a natureza do direito ou da relação jurídica e o enqua-dramento ou não no regime da revelia. Devendo a decisão final ser orientada para a busca da verdade material, através de todos os meios disponíveis, não deve recair sobre o juiz o ónus de indagar no acervo de documentos que integram o processo adminis-trativo, alguns dos quais de grandessíssima exten-são, composto por várias pastas ou dossiers (15), os factos contrários aos alegados pelo autor, pois em alguns casos, sem qualquer alegação dos factos pelas partes, será muito difícil descortiná-los por mera consulta do processo administrativo. Esse será,

prima facie, um ónus da entidade demandada, nos

termos em que decorre do disposto no art. 83.º, mas cujo incumprimento deve impor ao juiz o dever de orientar o processo para a descoberta da verdade

real ao invés da mera verdade ficta.

No respeitante aos prazos para contestar, o art. 82.º institui o prazo regra de 30 dias, a contar da ci-tação, prevendo ainda o prazo suplementar de 15 dias, para os casos de ter sido citado um órgão dife-rente do que praticou ou devia ter emitido a norma ou o acto e quando não tiver sido facultada, em tempo útil, a consulta do processo a um contra-in-teressado.

Além disso, consagra-se a possibilidade de pror-rogação de prazo não superior a 30 dias, a pedido fundamentado do Ministério Público, prerrogativa que, desde que devidamente fundamentada, deve ser estendida a qualquer outra entidade deman-dada, por igualdade processual entre as partes. (12) Quando a vontade das partes seja ineficaz para produzir

o efeito jurídico visado pela acção, por respeitar a direitos ou re-lações jurídicas indisponíveis, não se produz o efeito da revelia. Nestes casos, existe a indisponibilidade do objecto do processo, sendo a vontade irrelevante para produzir efeitos sobre o objecto da causa, segundo a alínea b) do art. 354.º do Código Civil.

(13) Nas situações em que a lei exigir documento escrito para

a prova do facto, a falta de contestação é insuficiente para se dar por provado o facto alegado pelo autor.

(14) Há a distinguir a confissão ficta, prevista na lei

proces-sual, assente na falta de contestação, que não constitui um meio probatório, com a confissão expressa, enquanto meio de prova, cfr. ANTUNESVARELAet alii, Manual de Processo Civil, Coimbra Edi-tora, 2.ª ed., 1985, pp. 345-346.

(15) A complexidade do processo judicial administrativo

também se repercute no processo administrativo, nem sempre devidamente organizado ou paginado e algumas vezes, apenas em suporte digital.

(7)

4. A reconvenção e os novos articulados: ré-plica e tréré-plica

Ao contrário do que constituiu a posição seguida em muitos casos, de o CPTA seguir muitas das re-gras previstas no novo CPC, afastaram-se as respec-tivas leis adjecrespec-tivas, administrativa e civil, em ma-téria de articulados das partes.

Tendo o CPC reduzido o papel que até então cabia à réplica e eliminado a tréplica, é substancial-mente diferente o regime que foi seguido no CPTA. As razões que presidem a opções tão diferentes devem-se à circunstância de o processo civil ter eri-gido como objectivos centrais da sua reforma, a ce-leridade e a simplificação processual, na ideia de que o menor número de articulados das partes e o acentuar da oralidade, seja das partes, seja do tri-bunal, seria favorável a obter esse resultado.

No processo administrativo, o CPTA não acen-tua estas finalidades, pois não obstante se reconhe-cer que a justiça não é tão célere quanto deveria, não se reconhece que estas medidas sejam adequa-das à obtenção de uma melhor justiça administra-tiva, seja na vertente da obtenção de uma decisão temporalmente justa, seja na perspectiva de uma melhor justiça material.

A complexidade associada a muitos dos proces-sos administrativos não é compatível com a orali-dade que se pretende imprimir à justiça cível, pelo que se apresenta mais ou menos consensual que não será através dos mesmos meios que se alcan-çarão os desejados resultados de eficiência e de efi-cácia da justiça administrativa.

Já no demais, a flexibilização processual intro-duzida pela aplicação do princípio da adequação formal aproxima ambas as legislações processuais, a que não constituirá óbice a circunstância de a ar-rumação sistemática e a normatividade conferida no processo administrativo não o prever como dever geral, por em ambas as leis processuais o seu objecto ou âmbito de aplicação residir na tramitação da acção (16). Por isso, essa diferente configuração

não deverá traduzir-se numa diferente aplicação desse princípio processual por parte dos tribunais administrativos.

No que se refere à apresentação de réplica, dis-cutia-se essa possibilidade no contencioso dos actos administrativos e das normas, vigorando o regime da notificação do autor para se pronunciar sobre a matéria de excepção suscitada na contesta-ção, sendo admissível a apresentação desse articu-lado nas acções de contratos e de responsabilidade civil, por aplicação directa do CPC.

Dado o peso e a importância que a matéria de excepção assume no contencioso administrativo, considerando quer o número de excepções (17), quer as especificidades processuais de regime, agora constantes nas disposições particulares, era muitís-simo frequente o despacho do juiz para o autor se pronunciar sobre a matéria de excepção deduzida na contestação. Por isso, na prática, a acção admi-nistrativa especial não dispensava o despacho do juiz a ordenar a notificação do autor para exercer o contraditório em relação à matéria de excepção, o que não corresponde à apresentação da réplica, por não depender do impulso processual do autor.

No novo CPC a opção foi reduzir o número de articulados das partes, limitando a réplica para a res-posta ao pedido reconvencional deduzido na con-testação e nas acções de simples apreciação negativa, nos termos do art. 584.º, e eliminando a tréplica.

Significa que a lei processual civil reduziu o papel que cabia à réplica, associando-a à reconven-ção, pois apenas se esta for deduzida poderá ser apresentada réplica.

A função que antes cabia à réplica, de assegurar o contraditório relativamente à matéria de excep-ção alegada na contestaexcep-ção, cabe agora nas finali-dades próprias da audiência prévia, segundo a alínea b) do n.º 1 do art. 591.º do CPC, visando fa-cultar às partes a discussão de facto e de direito quando caiba ao juiz apreciar as excepções

dilató-(16) Cfr. art. 547.º do CPC, incluído nas “Disposições gerais”

das formas do processo, aplicável quer ao processo comum, quer aos processos especiais, e o art. 87.º-A, n.º 1, alínea e), e n.º

2, do CPTA, incluído na “Audiência prévia”, prevendo-o não como um dever, mas como um princípio.

(17) Além das excepções previstas no CPC, o direito

proces-sual administrativo conta ainda com um conjunto de excepções próprias.

(8)

rias, cabendo essa pronúncia oral na audiência final, quando a audiência prévia não se realizar.

Por isso, à luz do CPC, a réplica traduz-se num articulado eventual e meramente residual, por não se destinar a servir de meio de resposta às excep-ções deduzidas na contestação.

De modo inverso, o direito processual adminis-trativo, que não contemplava a réplica, embora previsse um segundo articulado para resposta à matéria de excepção, institui a regra de que a res-posta à matéria de excepção se faz através da apre-sentação de réplica.

Isto significa que o CPTA adopta o regime an-terior ao novo CPC e que este código eliminou, evoluindo ambos os regimes processuais, mas em sentido oposto.

No processo administrativo, a réplica passará a concentrar todas as finalidades que no processo civil se encontram divididas entre a audiência prévia e esse articulado, quando ele for admitido, isto é:

a) deduzir a defesa em relação à reconvenção; b) responder às excepções deduzidas pelas

par-tes ou as excepções peremptórias que forem invo-cadas pelo Ministério Público;

c) impugnar os factos constitutivos alegados

pelo demandado nas acções de simples apreciação negativa e alegar os factos impeditivos ou extinti-vos do direito invocado pelo demandado – art. 85.º--A, n.os 1 e 2.

No processo administrativo, além da réplica passa também a admitir-se a tréplica, a qual será de apresentação residual, por apenas ser admitida para responder às excepções deduzidas na réplica em relação à matéria da reconvenção, segundo o n.º 6 do art. 85.º-A.

Significa que no CPTA só há tréplica se tiver exis-tido réplica com a finalidade de responder à recon-venção, pelo que, sem reconvenção não há tréplica. Assim, não só o processo administrativo adopta um regime diferenciado do CPC, como se rompe com o regime que desde 1 de Setembro de 2013 vi-gorava para a acção administrativa comum.

As opções normativas assumidas revelam que a desejável harmonização dos regimes processuais não deve servir de entrave à consagração das melhores soluções, importando a propósito de cada instituto

ou fase processual adoptar o que melhor serve os in-teresses e finalidades do contencioso administrativo. Embora o CPTA adopte um regime que se afasta do previsto no processo civil, é o mesmo ins-trumental não só à celeridade, como à eficácia da justiça administrativa, pelas seguintes razões:

i) ao substituir-se a apresentação de um

articu-lado para resposta à matéria de excepção pela ré-plica, ganha-se na celeridade, já que não só é eliminado o despacho judicial com essa finalidade, como o prazo para a sua apresentação se começa a contar imediatamente com a notificação da contes-tação, num duplo ganho de tempo;

ii) institui-se a concentração do contraditório no

contencioso administrativo, já que a réplica tanto servirá para responder no caso de ter sido dedu-zida reconvenção, como apenas no caso de ter sido deduzida matéria de excepção na contestação (di-latória ou peremptória no caso das partes e pe-remptória no caso do Ministério Público);

iii) soube o legislador processual administrativo

adaptar as finalidades de concentração e de celeri-dade, ao consagrar prazos diferentes para a apresen-tação da réplica, consoante vise servir de resposta à reconvenção ou de resposta à matéria de excepção, sendo de 30 dias e de 20 dias, respectivamente, se-gundo o art. 85.º-A, n.º 3;

iv) esta é a solução de regime mais consentânea

com a complexidade do contencioso administrativo, assumida também no elevado número e na comple-xidade das excepções e questões prévias deduzidas;

v) em muitos casos a complexidade dos

proces-sos é incompatível com a prolação de despachos orais pelo juiz e de pronúncia oral pelas partes (18);

vi) é este o regime que melhor se adequa à

natu-reza do contencioso administrativo, mais incidente sobre a discussão das questões de direito e a defini-ção do direito, do que sobre a discussão das ques-tões de facto ou da instrução da causa, a que não é alheia a circunstância de muitas vezes os factos re-sultarem dos documentos que integram o processo

(18) Veja-se, infra, o regime da apresentação de alegações

fi-nais pelas partes, em que se institui a possibilidade da sua apre-sentação escrita potestativa.

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administrativo e em que, portanto, a oralidade é menos eficaz.

A estas vantagens não se deve opor o eventual argumento de que nunca estará ao alcance do juiz dispensar a réplica, com o consequente ganho de tempo, pelas razões seguintes:

Primo, na grande maioria dos casos é deduzida

matéria de excepção, sendo excepcionais os casos em que não é deduzida pela entidade demandada ou pelos contra-interessados;

Secundo, aferir, caso a caso, as situações em que

se impõe a regra do contraditório e em que se ad-mite, excepcionalmente, a sua dispensa, traduzir-se--ia em menor celeridade no contexto da tramitação processual, por exigir que o processo fosse concluso ao juiz e fossem analisados exaustivamente os arti-culados das partes, para se poder concluir pela dis-pensa do contraditório – apenas nos casos em que a matéria de excepção fosse de julgar improcedente, mas em que se deve assumir se, mesmo em alguns casos, não existirá utilidade na audição do autor.

Em face do regime delineado, é possível afirmar as diferenças existentes ao nível dos articulados e das finalidades da audiência prévia, assumindo esta muito menor relevo no direito processual ad-ministrativo.

Afigurando-se que o regime ora consagrado as-segura ao juiz administrativo um maior conheci-mento sobre os termos da causa, é duvidoso que não satisfaça igualmente as finalidades de celeridade, já que quando chegar à fase de audiência prévia estará em boas e em melhores condições para prosseguir as finalidades prescritas na lei.

5. Fase de pré-saneamento e saneamento: des-pacho pré-saneador, audiência prévia e desdes-pacho saneador

Analisada a fase da apresentação dos articula-dos, segue-se a fase de saneamento, onde se inclui o pré-saneador, a audiência prévia e o despacho sa-neador.

Findos os articulados o juiz poderá proferir des-pacho pré-saneador para qualquer das finalidades previstas no n.º 1 do art. 87.º e, após, pode ou não realizar a audiência prévia.

Assim, concluídas as diligências que cabem no âmbito do despacho pré-saneador, se a ele houver lugar, é convocada a audiência prévia para o con-junto das finalidades prescritas nas alíneas do n.º 1 do art. 87.º-A.

A audiência prévia, que segue, em traços gerais, o regime da anterior audiência preliminar (19), di-fere do que se instituiu no processo civil, porque sendo obrigatória no CPC, no CPTA é facultativa, segundo os arts. 87.º-A e 87.º-B.

Não há lugar a audiência prévia nas seguintes circunstâncias elencadas na lei (n.os1 e 2 do art. 87.º-B):

a) quando o processo deva findar no saneador,

pela procedência de alguma excepção dilatória;

b) quando a acção deva prosseguir e a audiência

se destinasse apenas a proferir o despacho sanea-dor, ou a determinar a adequação formal, a simpli-ficação ou a agilização do processo, ou quando se destine a identificar o objecto do litígio, os temas da prova e a decidir as reclamações que sejam apre-sentadas pelas partes.

Fora destes casos, deverá ser convocada a au-diência prévia.

Tal como no CPC, no caso de não se realizar a au-diência prévia quando a acção deva prosseguir, con-cede-se às partes a faculdade de requerer a realização de audiência prévia – a audiência prévia potestativa prevista no art. 87.º-B, n.º 3 –, a qual pode ser alargada à discussão da posição das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio e a suprir as insuficiências ou imprecisões na matéria de facto, assim como a alterar os requerimentos probatórios. No que respeita ao despacho saneador, o dis-posto no art. 88.º não coincide inteiramente com o art. 595.º do CPC, já que permite que o saneador se des-tine a conhecer total ou parcialmente do mérito da causa sempre que a questão seja apenas de direito ou, sendo também de facto, quando o estado do pro-cesso permita, sem necessidade de mais indagações, (19) Cuja designação consideramos preferível, atenta a

con-fusão que pode existir entre a audiência prévia prevista no CPC e no CPTA, isto é, no direito adjectivo, com a audiência prévia prevista na lei substantiva, no CPA, algumas vezes patenteada nos articulados das partes.

(10)

a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.

A principal diferença prende-se com o caminho percorrido até esta fase processual, pois, segundo o art. 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC, antes terá sido convocada a audiência prévia para o contraditório das questões que podem ser apreciadas no despa-cho-saneador, por não poder o juiz conhecer do mérito da causa e dispensar a audiência prévia.

No âmbito do CPC, sem a audiência prévia não se poderá conhecer do mérito da causa no despa-cho-saneador, o que se extrai da interpretação dos arts. 591.º, n.º 1, alínea b), e 593.º, n.º 1, mas de outro modo se estabelece no CPTA, não só porque o con-traditório é assegurado através da réplica, como a audiência prévia não é obrigatória.

Considerando a realidade do contencioso admi-nistrativo, nenhuma censura há a extrair do regime delineado na revisão do CPTA, em face das razões que justificam a apresentação da réplica, como da possibilidade concedida ao juiz de decidir logo o fundo da causa, quando o estado do processo o permita, o que tenderá a acontecer em todos os casos em que se prescindirá da fase autónoma de instrução, não se designando data para a produção dos meios de prova.

A distinção entre questão de direito e questão de

facto, relevante para efeitos da alínea b) do n.º 1 do

art. 88.º, quanto à possibilidade de prolação de des-pacho-saneador, não deverá suscitar dúvidas, con-siderando a densificação dos conceitos que há muito é feita pela doutrina processualista e pela ju-risprudência dos tribunais superiores, designada-mente, para efeitos de delimitação das questões que os Supremos Tribunais podem conhecer, por a estes só caber conhecer de questões de direito (20). No tocante ao despacho-saneador mantém-se o efeito preclusivo do conhecimento das excepções não decididas, conforme previsto no artigo. 88.º, n.º 2. Embora esta norma seja criticada, passou no crivo

do legislador, por razões que se prendem com a própria ordenação processual, exigindo do juiz um estudo do processo a fim de não prolatar uma de-cisão de forma no final do processo.

Parecendo-nos que se justifica a manutenção deste regime e que não existem razões que deter-minem uma distinção de soluções consoante a na-tureza da pretensão material deduzida em juízo, por serem razões de natureza processual e não de natureza substantiva que ditam a consagração da regra preclusiva do conhecimento ulterior de ma-téria de excepção, constata-se que o legislador nem sempre assume esta orientação de fundo.

O efeito preclusivo do não conhecimento da matéria de excepção na fase de saneamento da causa tem por escopo impedir que se releguem para mais tarde excepções cujo conhecimento deva caber numa fase anterior, salvo se para a sua deci-são for necessária a produção de meios de prova, o que, de acordo com a tramitação prevista para a acção administrativa, o juiz deverá relegar expres-samente para momento ulterior.

Porém, nem sempre esta posição quanto à or-denação sequencial dos actos processuais é seguida no processo administrativo.

Quer em algumas situações de apresentação de articulado superveniente, a que se refere o art. 86.º, quer na situação do diferimento da instrução da causa, a que se refere o n.º 4 do art. 90.º, quer ainda no caso previsto no n.º 3 do art. 95.º, quando o juiz pretenda conhecer na sentença de causas de invali-dade diversas das alegadas pelas partes, a tramita-ção da actramita-ção, segundo as suas várias fases, pode vir a não ser ordenada sequencialmente, demonstrando que o princípio da ordenação sequencial dos actos processuais não é absoluto.

Como princípio fundamental deve partir-se da maior linearidade possível do processo e da adop-ção de uma tramitaadop-ção sequencial, mas sem que o processo deva ser insensível aos desvios que se im-ponham em defesa de interesses de valor superior.

6. Instrução e alegações

O regime da instrução tende a ser diferenciado entre o processo administrativo e o civil, em grande (20) No tocante aos recursos interpostos para o Supremo

Tri-bunal Administrativo, cfr. o disposto no n.º 2 do art. 150.º, o n.º 1 do art. 151.º e o n.º 1 do art. 152.º, relativos ao recurso de re-vista, ao recurso per saltum e ao recurso para uniformização de jurisprudência.

(11)

parte pela natureza estritamente documental da prova produzida no contencioso administrativo e da existência do processo administrativo.

O regime associado ao processo administrativo é desconhecido no processo civil, sendo esta a maior especificidade no âmbito da prova entre ambos os direitos processuais.

A principal novidade no respeitante à audiência final é que, salvo em tribunal superior, ela passará a decorrer perante juiz singular, segundo o n.º 2 do art. 91.º.

No tocante às alegações finais, a sua finalidade é a mesma no processo administrativo e no pro-cesso civil, consistindo na exposição das conclusões de facto e de direito extraídas da prova produzida.

Quando estiverem reunidos os pressupostos previstos no art. 88.º para se decidir sobre o mérito da causa no saneador, não será concedida às partes a possibilidade de apresentação de alegações finais.

Tal aspecto de regime acentua a opção do CPTA em concentrar nos articulados iniciais a alegação de facto e de direito, sendo a apresentação de ale-gações uma fase processual de verificação incerta, que dependerá do estado em que o processo se en-contrar na fase do despacho-saneador.

A fase de apresentação de alegações finais con-tinua a estar na dependência da vontade das par-tes: antes, ao permitir-se ao autor prescindir da apresentação desse articulado, com a anuência da contraparte, à luz do n.º 2 do art. 83.º; com a revisão do CPTA, havendo instrução, quando qualquer das partes não prescinda da sua apresentação, segundo o n.º 5 do art. 91.º.

Existirá toda a vantagem para as finalidades próprias do processo, de busca da verdade material e de justa decisão do litígio, que as partes concen-trem toda a matéria da acção e da defesa nos arti-culados iniciais, ao invés de a relegar para as alegações, cuja apresentação dependerá da realiza-ção de diligências de prova, sendo, por isso, de apresentação eventual.

As diferenças de regime prendem-se com a sua apresentação, pois no CPC as alegações são produ-zidas de forma oral e com tempos limitados, se-gundo a alínea e) do n.º 3 e do n.º 5 do art. 604.º, ao passo que no CPTA a sua apresentação está

condi-cionada à abertura da fase de instrução, sendo apresentadas tendencialmente sob a forma oral, sem consagração de limite de tempo.

Assim, no CPTA, a apresentação de alegações finais depende de ter havido instrução e de se rea-lizar audiência final, sendo apresentadas oralmente no seu final, segundo o art. 91.º, n.º 3, alínea e).

Por motivos de complexidade da matéria ou quando nenhuma parte prescindir, poderá existir a apresentação de alegações escritas pelo prazo simul-tâneo de 20 dias, nos termos do art. 91.º, n.º 5, pelo que, tendo havido instrução, a apresentação de ale-gações escritas depende da vontade das partes. Sig-nifica este regime que a lei consagra o direito potestativo às partes de apresentar alegações finais escritas, estando essa apresentação dependente uni-camente da sua vontade e sem necessidade de in-vocação de motivo.

Por sua vez, havendo lugar a diligências de prova, sem que se realize a audiência final (21), ha-verá também a apresentação de alegações escritas, segundo o art. 91.º-A, pois mantendo-se as razões que determinam que as partes apresentem as con-clusões de facto e de direito extraídas da prova pro-duzida, não existe o momento processual da orali-dade da audiência que permita que as alegações possam ser prestadas sob essa forma.

Assim, embora o regime delineado no processo administrativo aponte para a apresentação de ale-gações orais, permite-se a apresentação de alega-ções escritas quando se não tiver realizado a audiência final ou quando essa audiência se tiver realizado e a causa for complexa, ou qualquer das partes o requerer.

Resulta do regime previsto que, em paralelo com o CPC, só haverá apresentação de alegações no caso de serem realizadas diligências de prova, atenta a sua finalidade de apresentação das conclu-sões de facto e de direito extraídas da prova

pro-(21) Determina o art. 91.º, n.º 1, que há lugar à realização da

audiência final quando haja prestação de depoimento de parte, inquirição de testemunhas ou prestação de esclarecimentos ver-bais pelos peritos, pelo que, no caso de haver a produção de ou-tros meios de prova, a audiência final não se realizará.

(12)

duzida, sendo a principal distinção entre os dois regimes, a apresentação sempre oral das alegações no processo civil e a apresentação oral no processo administrativo, mitigada com a possibilidade muito ampla de apresentação de alegações escritas.

O regime processual administrativo concede uma maior prerrogativa às partes na apresentação de alegações, concedendo-lhes o tempo necessário à valoração das provas e à formulação das conclusões.

Assume-se o contencioso administrativo como um contencioso de partes, em que, em função dos seus interesses, a apresentação de alegações escri-tas depende do seu juízo, a formular caso a caso, sobre a preponderância da maior garantia, em de-trimento da celeridade.

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