A Importância da Avaliação no Contexto das
Políticas de Saúde no Brasil
A década de 90 é marcada pelo avanço dos processos de descentralização do setor de saúde no Brasil, com as mudan-ças desencadeadas com a implantação do SUS. O processo de descentralização envolve novos atores e contextos locais diversos. Transforma relações, reorganiza serviços, realocando o processo decisório. Refl exos destas mudanças se explicitam na transição de modelos estratégicos tradicionais em controle de processos endêmicos para modelos inovadores, dos quais o Programa Nacional de DST/Aids brasileiro é um exemplo. Um dos grandes desafi os para a saúde pública, no Brasil, são as situações endêmicas, especialmente aquelas que acometem a população urbana e economicamente ativa. O impacto eco-nômico das doenças infecciosas, por exemplo a infecção pelo HIV e a Aids, assim como seu controle, é de custo fi nanceiro e social alto. Embora a experiência brasileira no controle do HIV/Aids seja reconhecidamente exemplar para o mundo, tan-to a sua dinâmica como a necessidade crescente de recursos para o seu controle têm colocado a necessidade da avaliação sistemática de suas ações para melhoria do programa. O conjunto de mudanças no setor de saúde visa à universa-lidade do cuidado à saúde e aos serviços; à integrauniversa-lidade da atenção, pressupondo a oferta pública de ações preventivas e curativas; à resolutividade, pressupondo ações básicas, de mé-dia e de alta complexidade; à hierarquização do atendimento, garantindo referência e contra-referência; e à participação e controle da sociedade civil na gestão do processo. São prin-cípios e valores que inspiram a reforma do sistema de saúde
brasileiro, um processo permanente e contínuo, e que de fato justifi cam a existência de estudos avaliativos.
Neste contexto, as ações de controle de processos endêmi-cos e epidêmiendêmi-cos no país são regulamentadas pela portaria nº 1399/GM, de 15 de dezembro de 1999. A portaria prevê ações específi cas de monitoramento e avaliação, explicitando responsabilidades de execução e acompanhamento. A inser-ção destas recomendações na prática avaliativa das ações de controle de doenças no Brasil esbarra com uma tradição que prioriza abordagens de análises de “impacto”, demora-das e tardias em relação à implantação dos programas, em detrimento das avaliações de implementação, desempenho e resultados.
Para avaliação dos Programas de Controle dos Processos En-dêmicos e EpiEn-dêmicos é importante considerar as dimensões estratégicas do programa, tais como: Controle da Transmissão, Manejo de Caso e Promoção de Qualidade de Vida. É importan-te que ele inclua os componenimportan-tes desses mesmos programas, acomodando sempre as possibilidades de inovação. É crucial que incorpore variáveis explicativas e metodologias ágeis para que oportunamente se identifi quem inovações necessárias no contexto da incorporação e desenvolvimento de tecnologias, da gestão, da otimização de custos e da responsabilidade pú-blica (accountability). Não podemos deixar de ressaltar quão indispensável é a inclusão nestes modelos de aspectos relati-vos ao contexto socioeconômico do País, considerando-se o impacto negativo dos processos endêmicos na qualidade de vida da população, na produção e na reprodução da desigual-dade. Adicionalmente, a complexidade dos programas de
con-A Concepção do Curso
Elizabeth Moreira dos Santos Sonia Natal
trole, considerada a diversidade epidemiológica brasileira, já nos dimensiona a magnitude do desafi o de capacitar em mo-nitoramento e avaliação recursos humanos nacionais e de os institucionalizar de forma sistemática e monitorada nos vários níveis de governo (Santos, 2004).
Institucionalizar o monitoramento e avaliação tem aqui o sentido de integrá-los em um sistema organizacional, em que ambos sejam capazes de infl uenciar o seu comportamento, ou seja, um modelo orientado para a ação, ligando necessaria-mente as atividades analíticas às de gestão. O caráter insti-tucional da avaliação supõe também defi nir formalmente as responsabilidades respectivas de quem encomenda o estudo de avaliação e dos avaliadores, de modo que o primeiro possa se apropriar dos resultados dos conhecimentos produzidos e integrá-los a sua própria visão da realidade. A decisão de ins-titucionalizar a avaliação, no plano nacional, exige que seja defi nida “uma política de avaliação para a avaliação de polí-ticas” com um mínimo de diretrizes: os propósitos e recursos atribuídos à avaliação, à localização e abordagens metodo-lógicas da(s) instância(s) de avaliação (prática), e às relações estabelecidas com a sua utilização (Hartz, 1999).
No Brasil, é muito recente a defi nição de diretrizes que orien-tem esta política de avaliação, o que reforça abordagens fragmentárias e conservadoras, como a quase completa dis-sociação dos processos avaliativos do sistema nacional de auditoria, tendência inversa à dos países desenvolvidos. Na perspectiva dos programas de saúde, embora se observem al-gumas iniciativas de setores ou unidades de monitoramento e avaliação, espaços “estruturais” a serem privilegiados na institucionalização da avaliação, verifi ca-se uma incapacidade organizacional e funcional com que estas operam, com carên-cia de recursos humanos qualifi cados e excesso de atribuições decorrentes da necessidade permanente e simultânea de im-plementação, gestão e análise dos bancos de dados ligados ao monitoramento.
Assim, a agenda de institucionalização de monitoramento e avaliação dos Programas de Controle de Processos Endêmicos e Epidêmicos deve ser pautada por um amplo projeto de capa-citação. É neste espaço estratégico que este curso foi pensado e pretende se desenvolver, permitindo descentralizar e ade-quadamente fomentar a criação e implantação de um sistema nacional de monitoramento e avaliação mais oportuno e rele-vante para a tomada de decisões.
A Experiência do Curso de Especialização e o
Plano Nacional de Monitoramento &
Avalia-ção do PN DST/Aids (PNM&A)
A Especialização deve ser compreendida como uma das três estratégias de capacitação de recursos humanos para o PNM&A, isto é, o Curso de Especialização e Mestrado profi s-sionalizante em M&A; o curso de M&A a distância e a Ofi cina em M&A com foco na melhoria do programa.
O esforço em capacitação inclui o desenvolvimento de um curso de aperfeiçoamento a distância que potencialize a capa-citação em curto prazo de um número maior de profi ssionais. Prevê ainda a implantação massiça no País da ofi cina em M&A para melhoria do programa. Essa ofi cina introduz conceitos básicos e uma linguagem operacional em avaliação.
O curso de Especialização é modular, 1 semana por mês du-rante 10 meses, pressupondo como trabalho fi nal a elabora-ção e apresentaelabora-ção de um plano de M&A de nível local ou um projeto em avaliação. O mestrado implica três módulos complementares de atividades presenciais e a elaboração, implementação, mesmo que parcial, e defesa pública de um plano de M&A de nível local, ou de um projeto de investigação em M&A.
Processo de Construção do Curso
Esta proposta foi desenvolvida não só como atividade de co-operação técnica entre os múltiplos parceiros já citados, ela é resultado de um esforço participativo e compromissado. Ela buscou ouvir, digerir e criar. Mais que um produto, ela se identifica com um convite a cada aluno, a cada professor e a cada convidado à participação em um processo permanente de formação de recursos humanos. Um processo contínuo de aprender/ensinar, com o compromisso da transformação, na luta pelo direito à saúde e pela eliminação do estigma que cerca os diferentes, e, mais ainda, os diferentes em desigual-dade. O desenvolvimento do curso envolveu dois conjuntos de atividades:
• Definição das competências de avaliadores para o programa; • Desenvolvimento da proposta pedagógica.
Defi nição das competências de avaliadores para o programa de DST/Aids como base do curso
Duas premissas orientaram a defi nição de competências es-peradas para os futuros avaliadores de programa. A primei-ra diz respeito à ausência da regulação e institucionalização da avaliação como campo profi ssional no Brasil. Desta forma optou-se por selecionar três profi ssionais com reconhecida experiência em avaliação no País para coordenar os grupos de trabalho. A segunda premissa era que a defi nição das com-petências deveria expressar a participação dos programas em nível local.
Assim, a indefinição de competências esperadas para os ava-liadores do programa foi realizada através de uma oficina, em Brasília, em 2003, que incluiu técnicos do Programa DST/Aids de nível nacional e local, isto é, dos estados e municípios, e técnicos com experiência em Avaliação de Programas. Os 25 participantes foram divididos em três grupos. Cada grupo foi acompanhado por um especialista em avaliação. Os grupos deveriam responder à seguinte situação: Como gestor do pro-grama, você deve definir o perfil de contratação para um
ava-liador. Elabore este perfil, considerando o que ele deve SER, SABER e FAZER.
Optou-se por esta estratégia, baseando-se na Pedagogia das Competências. Ela pode ser entendida como uma abordagem que busca promover a reorganização e o estreitamento do vínculo entre educação profissional e sistema produtivo, con-forme os princípios que definem as atuais demandas de força de trabalho das empresas organizadas sob a égide dos con-ceitos de produção flexível e integrados (Araujo, 2001). Pauta-da num conjunto de formulações, cuja função é a orientação de práticas voltadas para o desenvolvimento de capacidades humanas necessárias ao exercício profissional, a competência abrangeria desde a disposição para aprender até a capacida-de capacida-de empreencapacida-der, e seria, segundo Perrenoud (1997), uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem se limitar a eles (saber mobilizar).
Segundo Ferreti (2002 apud Ramos, 2001), a pedagogia das competências tem implicações curriculares como: “o ponto convergente da discussão curricular que toma o desenvolvi-mento de competências como referência é a crítica à com-partimentação disciplinar do conhecimento e a defesa de um currículo que ressalte a experiência concreta dos sujeitos como situações significativas de aprendizagem”. Segundo a auto-ra, esta abordagem tende a assentar-se, de um lado, sobre o construtivismo, priorizando a dimensão subjetiva da aquisição dos conhecimentos, e, de outro, sobre a articulação interdis-ciplinar, não se devendo deixar de lado as dimensões social e histórica do processo educativo. Compreendê-lo nos possibili-ta fazer uma leitura crítica do mundo, espossibili-tabelecendo relações entre fatos, idéias e ideologias, realizando atos e ações de for-ma crítica e criativa, e construindo ativamente novas relações sociais.
A construção de competências é inseparável da formação de esquemas de mobilização dos conhecimentos. O Documento de Diretrizes para a Educação Profissional (BRASIL/MEC/CNE, 1999) define competência como capacidade pessoal de arti-cular autonomamente os saberes (saber, saber-fazer, saber-ser e saber-conviver) inerentes a situações concretas de trabalho. É um saber operativo, dinâmico e flexível, capaz de guiar de-sempenhos, num mundo do trabalho em constante mutação e permanente desenvolvimento (BRASIL/MEC/CNE, 1999). Acei-ta-se, portanto, a maneira geral como a noção de competência vem sendo discutida em torno da tríade saber, saber-fazer e saber-ser. Porém, acrescenta-se a esta concepção uma estéti-ca da sensibilidade, uma étiestéti-ca da identidade, uma polítiestéti-ca de igualdade, referências axiológicas que devem orientar a orga-nização pedagógica e curricular, além de todas as situações práticas de aprendizagem.
Considerando o momento contemporâneo, o das relações ad-vindas das interações digitais, das mediações humano-tecno-lógicas e do cidadão planetário, o centro do processo educa-tivo desloca-se de conteúdos para a mobilização criativa, para
a interação simpática (Freire, 1970). Isto é, não se compartilha mecanicamente uma realidade comportada, mas seu, cada vez mais veloz, permanente vir a ser. A tarefa dialógica é, portanto, concretizar os referentes axiológicos da estética, da identidade e da política nas dimensões do SABER, do SER e do FAZER. Os homens se encontram enraizados em condições tempo-es-paciais que os marcam (SER), e eles igualmente as marcam (FAZER) e mais serão se criticamente refletirem sobre sua pró-pria situacionalidade, a própró-pria condição de existir. Esta pro-blematização da condição do existir em objeto para o FAZER em situação anuncia a dimensão do SABER. No caso particular deste curso, o pensar avaliativo, a práxis de avaliação e o ser avaliador (Figura 1).
Figura 1
Estas dimensões são dinâmicas e qualquer mudança ou al-teração em uma delas vai infl uenciar também as outras, pois são inter-relacionadas. Todas estas dimensões podem ser tra-balhadas, modifi cadas, desenvolvidas e compartilhadas para atender ao objetivo de formar um avaliador com capacidade crítica e transformadora.
As competências propostas, resultantes da ofi cina de trabalho para as três dimensões, estão apresentadas no Quadro 1.
Das competências à proposta didático-pedagógica do curso
A partir das competências listadas acima, o desenvolvimen-to da proposta didático-pedagógica envolveu o trabalho de consultores especialmente designados para preparação dos módulos e das unidades didático-pedagógicas.
O grupo iniciou as atividades com a discussão sobre a defi ni-ção do trabalho avaliativo, aqui compreendido como processo de exercício de julgamento, sobre o mérito de uma ação orga-nizada para a tomada de decisão sobre ela. Dois componentes para refl exão emergiram desta constatação: a valoração e a utilidade, sendo que ambos estão presentes em qualquer ativi-dade avaliativa, da mais simples às mais complexas. Defi nidos estes eixos integradores, buscou-se através da concepção de competência, como já discutido, revisitar as propostas do gru-po de técnicos, resgatando-se a noção dos seus gru-possíveis sig-nifi cados hegemônicos na pedagogia atual. A idéia é, de acor-do com RAMOS (2003), contrapor às propostas hegemônicas
atuais, isto é, o neopragmatismo e o construtivismo radical, noções de competências calcadas na historicidade dos proces-sos e sujeitos e no compromisso com a mudança social. Nesta perspectiva, foram defi nidas três dimensões cognitivas: a sócio-histórica, a técnico-operacional e a da educação per-manente e comunicação. As competências sugeridas na ofi
ci-Quadro 1 – Ofi cina de Trabalho, para Construção das Competências do Curso de Especialização e Mestrado Profi ssionalizante
em Avaliação de Programas de Controle de Processos Endêmicos, com Ênfase em DST/HIV/Aids. Consolidado das Tarjetas da Ofi cina de Trabalho. Brasília, 2003.
Saber Fazer Ser
Conhecer os princípios de ética no campo da Entender a avaliação como um processo ético Generosidade avaliação
Conhecimento básico das diversas áreas de Disseminar uma nova cultura de avaliação Ter tolerância e diálogo em situações de atuação do programa confl ito
Compreensão da organização e gestão do Capacidade de mediar diferentes valores, Sentido crítico acerca da efetividade e ética processo de trabalho e saúde interesses e confl itos das intervenções propostas ou realizadas Conhecimento de tecnologias de informação e Trânsito na operacionalização da política Organização
como utilizá-las
Saber construir e interpretar os indicadores do Incorporar diferentes processos de gestão Criatividade programa
Manejar base de dados e sistema de Visão multidisciplinar Questionamento permanente do signifi cado do informação incluindo possibilidade e limites da seu trabalho e seus projetos de vida estrutura de bancos de dados
Conhecer principais técnicas de análise Dialogar com os especialistas Comunicação quantitativas e qualitativas
Conhecer os principais processos de construção Tecnifi car a pergunta Liderança de indicadores
Conhecer aportes metodológicos para precisar a Capacidade de análise do contexto em relação Valores éticos demanda com as práticas que realiza
Conhecer os valores da avaliação: acurácia, Ter a fl exibilidade de adaptação a novas modalida-disseminação, objetividade etc. des de organização e de condições de trabalho Intersetorialidade Comunicar-se de forma efetiva, escrita e
oralmente, de forma precisa com profi ssionais e com a comunidade para motivar tomada de
decisões específi cas
Analisar a viabilidade do processo avaliativo Conhecimento de avaliações estruturadas e não estruturadas em avaliação de programas sufi cientes para:
• Delimitar abrangência da atuação da equipe • Identifi car colaboradores externos • Interagir com estes colaboradores Conhecimentos em saúde coletiva: epidemiolo-gia, planejamento, políticas de saúde, gestão Processo de trabalho da gestão
Desenvolver plano de avaliação Pactuação
Análise de viabilidade
Estratégias para aproximar a avaliação da tomada de decisão
na foram elaboradas e organizadas nestas dimensões, que por sua vez foram detalhadas em unidades didático-pedagógicas.
Objetivo do Curso
Formar especialistas em avaliação capazes de realizar exer-cício de julgamento, considerando as dimensões: sócio-his-tórica e técnico-operacional da avaliação, sustentado pelos processos de comunicação e educação permanente para o desenvolvimento de uma gestão emancipatória e transfor-madora.
Objetivos específi cos:
Para defi nição do número apropriado de técnicos a serem capacitados deve-se negociar a demanda institucional e as possibilidades de obtenção de melhores resultados com a metodologia. Nesse sentido recomendam-se turmas com 20 a 30 participantes. No caso específi co do curso voltado para as necessidades do PN DST/Aids, os objetivos específi cos es-tabelecidos foram:
• Capacitar em monitoramento e avaliação de programas de controle de processos endêmicos técnicos do programa de controle das DST/Aids, o que permitirá criar a rede de avalia-ção do programa de DST/Aids, integrada à avaliaavalia-ção de outros programas.
• Capacitar os técnicos para a reprodução de conhecimento (multiplicadores).
• Adequar uma Proposta Pedagógica e de Currículo do Curso de Especialização, com o objetivo de continuidade como Mes-trado Profissionalizante.
Descrição do Curso
Proposta Pedagógica
Para formação adequada de um avaliador, optou-se pela cons-trução de um currículo integrado como plano pedagógico, em que se articule dinamicamente trabalho e ensino, prática e te-oria, ensino e comunidade. As relações entre trabalho e ensino, entre os problemas e hipóteses para solucioná-los, devem ter sempre, como pano de fundo, as características socioculturais do meio em que esse processo se desenvolve.
O currículo integrado é uma opção educativa que permite: • Efetiva integração entre ensino e prática profi ssional; • A real integração entre prática e teoria e o imediato teste da prática;
• Um avanço na construção das teorias a partir das anteriores; • A busca de soluções específi cas e originais para diferentes situações;
• A integração ensino-trabalho-comunidade, implicando uma imediata contribuição para esta última;
• A integração professor-aluno na investigação e busca de es-clarecimentos e propostas;
• A adaptação a cada realidade local e aos padrões culturais próprios de uma determinada estrutura social.
(Davini, 1997)
O currículo integrado foi estruturado de acordo com cada as-sunto-chave: “dimensão pedagógica”, e sua correspondente rede de conhecimentos teóricos e práticos, resultando em unidade didático-pedagógica (Quadro 2). Esta se defi ne como uma estrutura pedagógica dinâmica, orientada por determi-nados objetivos de aprendizagem, em função de um conjunto articulado de conteúdos e sistematizado por uma metodologia didática. Cada unidade guarda certa autonomia com respeito às demais, porém, ao mesmo tempo, encontra-se articulada com as outras com vista à totalização das áreas de atribuições e do perfi l profi ssional (Bordenave, 1997).
Segundo Ramos (2002), um currículo baseado em compe-tências parte da análise do processo de trabalho, da qual se constrói uma matriz referencial a ser transportada pedagogi-camente para uma organização modular, adotando-se uma abordagem metodológica baseada em projetos ou resoluções de problemas.
Neste curso a capacidade que se deseja desenvolver é também a de fazer perguntas relevantes em qualquer situação para en-tendê-las e ser capaz de resolvê-las adequadamente, portanto optou-se por estruturar o currículo integrado através da pro-blematização. Esta concepção pedagógica assume que em um mundo de mudanças rápidas o importante não são conteúdos certos ou errados, nem habilidades ou comportamentos sim-ples ou complexos, mas a capacidade do aluno para detectar problemas reais e buscar soluções originais e criativas. Esta abordagem não separa a transformação individual da trans-formação social possível (Freire, 1970).
O que se pretende trabalhar é o conteúdo do pensamento-linguagem do grupo, referido à realidade de seu trabalho, em nosso caso, o trabalho em avaliação. Toma-se, assim, de Freire (1970) a concepção de educação enquanto processo de comu-nicação, em que a noção do ensinar aprendendo e de produzir conhecimento na resolução de problemas práticos substitui a de transmitir conteúdos e informações. Assim, a problematiza-ção focaliza o “tema gerador”, unidade crítico-dialógica capaz de marcar as fronteiras entre o pensar-limite, a situação-limite e o ato-limite. Para o autor, estes temas são denominados ge-radores porque contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em outros temas que por sua vez provocam novas refl exões (hipóteses e soluções) e novas ações (práxis). Portanto, a ques-tão fundamental da problematização é propor aos indivíduos “dimensões geradoras” de sua realidade para discussão e compartilhar com eles a construção do “inédito viável”, isto é, trabalhar a fronteira entre “o ser e o ser mais”.
Estrutura do Curso
O curso se estrutura em três dimensões, a sócio-histórica, a téc-nico-operacional e a da educação permanente e comunicação. Cada uma delas foi detalhada em unidades didático-pedagógi-cas. A cada unidade pedagógica correspondem objetivos, pro-pósitos, assuntos ou conceitos-chave. A relação estabelecida entre objetivos e as seqüências de atividades de cada unidade didático-pedagógica viabiliza a problematização de assuntos ou conceitos-chave ligados a competências e desempenhos definidos na oficina. Apresentam-se, a seguir, as três dimensões do curso com as respectivas unidades pedagógicas e assuntos ou conceitos-chave. As seqüências de atividades são descritas detalhadamente para cada módulo e especifi cam as dinâmicas utilizadas pelos participantes e para o instrutor.
1. Dimensão Sócio-histórica
Unidades Didático-pedagógicas: • Políticas Públicas de Saúde Conceitos-chave:
a) Política de Saúde e Controle de Processos Endêmicos; b) Planejamento;
c) Políticas de Ciência e Tecnologia e Inovações. • Atitude Social em Avaliação
Conceitos-chave:
a) Princípios éticos do julgamento; ética em pesquisa com se-res humanos;
b) Direito à saúde;
c) As diferentes abordagens da avaliação.
2. Dimensão Técnico-operacional
Unidades Didático-pedagógicas: • Modelo Lógico do Programa Conceitos-chave:
a) Fundamentos de epidemiologia;
b) Estratégias de coleta de dados quantitativos e qualitativos; c) Estratégias de análise de dados quantitativos e qualitativos; d) Abordagem qualitativa;
e) Pesquisa bibliográfi ca;
f) Modelo Lógico do Programa: Dimensão estratégica, compo-nentes técnicos e estrutura operacional – insumos, atividades, efeitos;
g) Atividade de desenvolvimento do projeto: Desenvolvendo MLP.
• Modelo Teórico da Avaliação Conceitos-chave:
a) Avaliação, monitoramento e pesquisa avaliativa; b) Conceitos, tipos e usos da avaliação;
c) O papel da avaliação no programa;
d) Modelos teóricos da avaliação em programas;
e) Racionalidade entre intervenção, pergunta avaliativa, mo-delo teórico da avaliação e contexto;
f) Avaliação focada na utilização;
g) Estratégias de coleta de dados quantitativos e qualitativos; h) Estratégias de análise de dados quantitativos e qualitativos; i) Avaliação econômica;
j) Avaliação da qualidade de programas de saúde; k) Avaliação de impacto;
l) Comunicação e atitude social em avaliação;
m) Estrutura lógica do MTA: Dimensão estratégica, componen-tes técnicos e efeitos: produtos, resultados e impacto; n) Atividade de desenvolvimento do projeto: Desenvolvendo MTA.
• Meta-avaliação Conceitos-chave:
a) Atributos de uma avaliação de qualidade; b) Etapas para desenvolver uma meta-avaliação;
c) Padrões de avaliação para cada componente do modelo te-órico de avaliação;
d) Boas práticas em Monitoramento e Avaliação; e) Padrões internacionais em M&A;
f) Atividade de desenvolvimento do projeto: Desenvolvendo MTA.
3. Dimensão Educação Permanente e Comunicação
Unidades Didático-pedagógicas: • Rede sociotécnica
a) Educação e comunicação; b) Rede sociotécnicas; c) Tecnociência; d) Rede de Trabalho;
e) Modos de difusão de uma avaliação especialistas em ava-liação.
• Comunicação Conceitos-chave: a) Mercado simbólico;
b) Técnicas de negociação e de consensos;
c) Comunicação como uma dimensão estruturante dos pro-cessos sociais;
d) Instrumento de diagnóstico da prática comunicativa e social;
e) Modelo teórico de avaliação; g) Meta-avaliação;
h) Atividade de desenvolvimento do projeto: Desenvolvendo o MTA e divulgando os resultados da avaliação.
O Quadro 3 apresenta as dimensões e as unidades didáti-co-pedagógicas, destacando a transversalidade da dimensão educação permanente e comunicação, que terão seus concei-tos-chave elaborados e desenvolvidos também nas duas ou-tras dimensões.
As seqüências de atividades são séries organizadas e en-cadeadas de situações, que utilizam várias dinâmicas para atingir o objetivo. Cada uma aborda problemas e ativida-des-estímulo para busca sistemática de soluções para esses problemas. Cada seqüência deve compreender o ciclo não interrompido de prática, refl exão, teorização e ação, incluin-do o teste prático de aplicação das soluções previstas. As atividades, unidades operativas da seqüência, combinadas, variam de acordo com o objeto tematizado. Elas podem ser
Quadro 3 – Dimensões e Unidades Didático-pedagógicas.
desde exposições orais, simulações, leitura, observações, en-trevistas, exercícios individuais ou em grupos, mesas redon-das, seminário etc.
Carga horária
O curso está planejado com a duração de 18 meses, prorrogá-vel por mais seis meses, e dividido em duas etapas principais. A primeira, com duração de 480 horas, distribuídas em 12 módulos presenciais, terá terminalidade de titulação de es-pecialista. A segunda, complementar com mais dois módulos, preparo e defesa de dissertação (mais 240 horas), prevê a titu-lação de mestre. Nesta segunda etapa o processo de seleção será específi co e prevê o cumprimento dos cursos obrigatórios do mestrado acadêmico da ENSP.
Número de vagas e duração
Recomendam-se turmas entre 20 e 30 participantes para o curso de especialização, dos quais espera-se que pelo menos 10 prossigam na fase de mestrado. A entrada úni-ca com dupla saída tem a vantagem de permitir o acom-panhamento dos alunos prospectivamente, o que viabiliza uma avaliação mais realista de suas potencialidades para a elaboração de uma dissertação. Como pré-requisito para a segunda fase, isto é, a de mestrado, o aluno deverá defen-der seu projeto, realizar prova de língua estrangeira e prova geral de conhecimentos dos conteúdos da especialização. Desta forma, qualificando os pontos focais de uma rede de avaliadores com intensidade de qualificação e potencialida-de reprodutiva.
A duração do curso obedece à legislação pertinente do País e a responsabilidade de sua execução é da Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ.
Avaliação
Critérios de avaliação dos alunos
A avaliação será efetuada, considerando-se:
• Freqüência às aulas (os alunos devem possuir pelo menos 75% de presença);
• Conceitos fi nais dos trabalhos de cursos; • Avaliação de desempenho pelo orientador; • Apresentação do produto fi nal.
O rendimento escolar de cada pós-graduando será expresso em notas e/ou conceitos com a seguinte escala: A (excelente); B (bom); C (regular); I (insufi ciente). Os créditos relativos às disciplinas só serão concedidos ao pós-graduando que lograr, nas mesmas, até o conceito C. Para avaliação do aluno, serão considerados os seguintes critérios:
• Autonomia de pensamento para diagnóstico situacional, a análise e a busca de informação para tomada de decisões, bem como para continuar aprendendo ao longo da vida; • Habilidade de integrar as atividades didáticas com as ques-tões institucionais, possibilitando que a formação gere conhe-cimentos que contribuam para mudanças efetivas nas práticas e nos contextos de trabalho dos participantes;
• Capacidade sistemática e permanente de buscar informa-ções, analisar criticamente e propor práticas inovadoras con-textualizadas nos processos de trabalho;
• Capacidade de refl etir e compartilhar as experiências e os conhecimentos no processo de formação, por meio de traba-lhos práticos, teóricos e em equipe;
• Capacidade de apresentação escrita e oral, bem como a ca-pacidade de negociação em situações de confl ito.
Os créditos da monografi a-projeto só serão concedidos após sua avaliação por banca que incluirá apresentação oral pelo aluno. A banca deverá ser composta conforme recomendação da ENSP para defesa de projeto.
Critérios de avaliação do curso
A avaliação do curso será feita por meio de três abordagens: • Supervisão e acompanhamento contínuos durante o desen-volvimento dos módulos;
• Avaliação do corpo discente; • Avaliação por comitê externo.
A supervisão dos módulos terá caráter presencial e implica-rá pelo menos um seminário por módulo entre supervisores e professores. A avaliação pelo corpo discente enfatizará as ati-vidades de coordenação, as disciplinas do curso e o processo tutorial, considerando-se as seguintes dimensões:
• Aquisição de conhecimentos;
• Estabelecimento de relações entre elementos cognitivos e experimentais;
• Aplicação do conhecimento às práticas de avaliação de pro-gramas de controle de processos endêmicos;
• Generalização de conhecimentos específi cos.
A avaliação também prevê a análise das condições de espaço físico, infra-estrutura, segurança e equipamentos.
O desenvolvimento deste curso, como estratégia de institu-cionalização das atividades de avaliação em programas de controle de processos endêmicos, e sua estruturação através de competências organizadas em módulos e unidades peda-gógicas problematizadoras constituem-se em experiência ori-ginal. Além disto, a proposta ligada à implantação dos sítios, fundamentada no binômio serviço-pesquisa, com cooperação internacional, demanda um processo avaliativo específi co. Neste sentido, propõe-se a criação de um comitê de avaliação, com representação das instituições envolvidas. A este comitê competirá a avaliação da proposta pedagógica, do potencial de reprodutibilidade e do desempenho do curso. A existência deste comitê é importante para contribuir com a análise de uma experiência concreta, para a discussão de pós-graduação, alternativas ao modelo acadêmico hoje hegemônico, isto é, para aquelas hoje denominadas mestrados profi ssionalizantes.
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