• Nenhum resultado encontrado

O TEATRO DE ARENA E SUA VOCAÇÃO DE RETRATAR O BRASIL RESUMO SÃO PAULO S ARENA S THEATRE AND ITS VOCATION TO PORTRAY THE BRAZILIAN REALITY ABSTRACT

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O TEATRO DE ARENA E SUA VOCAÇÃO DE RETRATAR O BRASIL RESUMO SÃO PAULO S ARENA S THEATRE AND ITS VOCATION TO PORTRAY THE BRAZILIAN REALITY ABSTRACT"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 O TEATRO DE ARENA E SUA VOCAÇÃO DE RETRATAR O BRASIL

Marcelo Braga de Carvalho 1

RESUMO

No presente trabalho, o objetivo principal consiste em traçar uma rede de relações entre a vasta produção artística do Teatro de Arena de São Paulo e a vocação do referido grupo em retratar, através de seus espetáculos, a realidade brasileira daquela época. Foi analisada, de forma breve, a trajetória histórica do grupo, desde a sua fundação em 1953 pelo então jovem diretor José Renato, passando pelas fases realista, brasileira, de nacionalização dos clássicos, musical e, por fim, chegando até a última etapa, quando o teatro foi fechado, em 1972.

Palavras-chave: Teatro brasileiro; Teatro de Arena; História do teatro.

SÃO PAULO’S ARENA’S THEATRE AND ITS VOCATION TO PORTRAY THE BRAZILIAN REALITY

ABSTRACT

1

Marcelo Braga de Carvalho, em artes assina Marcelo Braga, é ator, diretor, dramaturgo e professor de graduação e pós-graduação em Artes Cênicas na Faculdade Paulista de Artes (FPA). É mestre pelo Instituto de Artes da UNESP e doutor pela Escola de Comunicações e Artes da USP.

(2)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 The main objective of this article is to identify a network of relations between the vast

artistic production of São Paulo’s Teatro de Arena and the vocation of the group to portray, through his theater performances, the Brazilian reality of that time. This article also aimed to analyze briefly the historical trajectory of the group since its founding in 1953 by the then young director José Renato, passing through the different stages of its productions and finally reaching the last stage, when the theater was closed, in 1972.

Keywords: Brazilian Theatre; Arena Theatre; Theatre history.

INTRODUÇÃO

A Semana de Arte Moderna, de 1922, foi um dos eventos culturais de maior importância no século XX no Brasil, inaugurando o Modernismo nas artes plásticas, na arquitetura, na poesia e na literatura. Apesar de Oswald de Andrade ter sido um dos mais importantes autores modernistas e possuir uma fértil produção dramatúrgica, tal como O Homem e o Cavalo, O Rei da Vela e A Morta, considera-se que o Teatro Brasileiro Moderno só teve seu início na década de quarenta, com a encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, sob a direção do polonês Zbigniew Ziembinsky. Essa histórica montagem traz inovações para a cena, tais como a elaborada iluminação, de autoria do próprio diretor, e um cenário inovador, projetado pelo cenógrafo Tomás Santa Rosa. A história do Teatro Brasileiro Moderno começava a ser escrita e surgiram grupos à procura de uma nova identidade teatral brasileira, como o Teatro Experimental, dirigido por Alfredo Mesquita e o Grupo Universitário de Teatro, fundado por Décio de Almeida Prado.

No final da década de quarenta, a cidade de São Paulo já se configurava como um dos mais importantes centros urbanos, devido, principalmente, à crescente industrialização e ao grande fluxo imigratório que acontecia no país desde o início do século XX. Franco Zampari, empresário italiano radicado no Brasil, afirmava que a capital paulista carecia de uma atividade teatral semelhante aos grandes centros urbanos do mundo, tais como Nova Iorque, Londres e Paris. Em maio de 1948, dois importantes marcos no processo de modernização do teatro se concretizam: a fundação, por Alfredo Mesquita, da Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD) e a inauguração, por Franco Zampari, do Teatro

(3)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 Brasileiro de Comédia (TBC). A EAD e o TBC têm, sem dúvida nenhuma, papel

fundamental no desenvolvimento do teatro brasileiro, pois foram responsáveis pela encenação dos mais importantes textos da dramaturgia universal, além da formação de várias gerações de atores, diretores, dramaturgos e críticos.

No início dos anos cinquenta, artistas e intelectuais tentam resgatar as ideias desenvolvidas durante a Semana de Arte Moderna de 1922 e iniciam um processo de criação de uma arte essencialmente brasileira, em que os movimentos mais significativos foram a Bossa Nova, os Centros Populares de Cultura, o Teatro de Arena, o Teatro Oficina, o Teatro Opinião e o Cinema Novo. Em 11 de abril de 1953, o diretor José Renato, recém-formado pela EAD, funda o Teatro de Arena de São Paulo, em um período marcado pelo início da necessidade de se desenvolver, no Brasil, uma experiência teatral nacionalista que fizesse contraposição ao modelo elitista da época, representado pelas encenações feitas pelos diretores europeus que vieram trabalhar no TBC 2.

O INÍCIO DE TUDO: A FUNDAÇÃO DO TEATRO DE ARENA.

José Renato Pécora, então aluno da EAD, ouviu pela primeira vez referência, durante o 1º Congresso Brasileiro de Teatro realizado no Rio de Janeiro em 1951, a um teatro no formato arena. Quem fez essa comunicação foi Décio de Almeida Prado, crítico teatral e então professor da Escola, destacando o possível barateamento de uma produção teatral nesse formato.

A companhia Teatro de Arena foi fundada em 1953, com a estreia, nos salões do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), de Esta noite é nossa, de Stafford Dickens. Integravam o grupo, além de José Renato, Geraldo Matheus, Henrique Becker, Sergio Britto, Renata Blaunstein e Monah Delacy. No mesmo ano o grupo encenou O demorado

2

Vários encenadores europeus, desencantados com as perspectivas que se apresentavam no velho continente no pós-guerra, encontraram no Brasil um mercado “pacífico” de trabalho. No palco do TBC foram vistos vários espetáculos dirigidos por esse grupo de profissionais, na sua maioria italianos, entre eles Adolfo Celi (o primeiro a chegar, depois de rápida estada na Argentina), Luciano Salce, Flamínio Bollini Cerri e Ruggero Jacobbi. O repertório que foi apresentado, buscando atender a diferentes gostos do público, era muito eclético e contou com encenações de peças de Carlo Goldoni, Oscar Wilde, Luigi Pirandello, Tennessee Williams, Dumas Filho, Bernard Shaw, Arthur Miller, August Strindberg, entre outros.

(4)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 adeus, de Tennessee Williams, e Uma mulher e três palhaços, de Marcel Achard, essas

peças também dirigidas por José Renato. Já em 1954 a peça Judas em sábado de aleluia, de Martins Pena, com direção de Sergio Britto, ampliou esse repertório inicial. Na busca de fidelizar o público e, ao mesmo tempo, sobreviver como grupo estável, as apresentações aconteciam nos mais diversos espaços, entre eles colégios, clubes e fábricas. No final daquele ano, uma pequena loja, situada na Rua Teodoro Baima, foi então transformada em espaço cênico, sendo batizada de Teatro de Arena de São Paulo. José Renato relata como foi esse início:

Rua Teodoro Baima, 94... Lembro-me de quando, às vezes, eu passava por ali. Era em 1953. Via aquela loja vazia, simpática. “Bem que aqui dava um teatrinho!” pensava. Bobagem, obsessão minha! Nossas estreias aconteciam no Museu de Arte Moderna, que o Ciccilo Matarazzo nos cedia; era o salão de exposições do segundo andar da Rua Sete de Abril. [...] Aí no início de 1954, montamos Uma Mulher e Três Palhaços. Foi um sucesso! [...] No final daquele conturbado ano, recebemos um convite inesperado: Café Filho, o presidente que substituíra Getúlio Vargas, nos convidava para mostrar, no Palácio do Catete, aquele estilo novo de teatro que esse atrevido grupo de jovens paulistas insistia em promover. [...] E a apresentação especial, numa sala do Catete, teve uma repercussão fantástica! [...] Quando voltamos a São Paulo, o sonho nos obrigava, seriamente, a pensar numa sede própria. [...] Subi a avenida Ipiranga em direção à Consolação e olhei de novo a lojinha da Teodoro Baima. Continuava vaga... chamando a gente... Em fevereiro de 1955, inauguramos o Teatrinho de arena: 144 lugares, um palco de pouco mais de 3 x 4 metros. Dez refletores de 500 watts... Mas nosso sonho não tinha tamanho! (ALMADA, 2004, p. 11/12)

Aquela pequena sala de espetáculos foi o local onde começou a se pensar uma nova maneira de encenar, que, além de ser barata, pois o formato arena não requer o investimento em grandes cenários, também buscava conceber um teatro genuinamente nacional, que colocava em destaque o trabalho do ator.

(5)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 Em 1956, o Teatro de Arena iniciou sua fase realista, renegando o teatro que se

praticava na época, especialmente no TBC. O grupo de artistas do Arena, através da encenação de textos modernos e de cunho realista, desejava encontrar uma nova forma de representar, que permitisse à plateia uma identificação especular com os personagens que se apresentavam no palco. É nesse momento que ocorre a fusão com o Teatro Paulista dos Estudantes e a participação de Augusto Boal, que anos mais tarde criaria o Teatro do Oprimido. Nesse período, o grupo ganha novos componentes, entre eles Gianfrancesco Guarnieri, Milton Gonçalves e Oduvaldo Vianna Filho. Augusto Boal, que tinha sido aluno ouvinte no Actor’s Studio em Nova Iorque, foi presença fundamental para a pesquisa dessa nova maneira de interpretar. A proximidade com a plateia, que caracteriza o formato arena, em contraposição ao palco Italiano, potencializa e intensifica o fenômeno teatral. Como o trabalho de interpretação ocupou o primeiro plano do Teatro de Arena, pois tudo se resumia ao trabalho do ator, os personagens, mesmo os estrangeiros, adquiriam um sotaque brasileiro na construção feita pelos artistas do Arena. A partir desse momento, torna-se imprescindível e necessária a formulação de uma dramaturgia que criasse personagens brasileiros e surge então o Seminário de Dramaturgia de São Paulo, que se tornou um projeto de onde saíram importantes dramaturgos brasileiros atuantes não só no teatro, mas também na televisão, dentre eles Oduvaldo Vianna Filho, Augusto Boal, Chico de Assis, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros. Os textos produzidos durante a existência do Seminário tinham, como ponto em comum, uma preocupação em dialogar com os movimentos sociais, assumindo assim uma postura crítica frente à história recente do Brasil daquela época.

A FASE BRASILEIRA

A partir de 1958, o Arena passa a encenar diversos textos originais, escritos por integrantes da companhia durante o Seminário de Dramaturgia, dando início à sua fase brasileira. A vontade de discutir a realidade nacional leva a um evidente movimento de nacionalização do palco, difusão dos textos brasileiros e politização da plateia. A obra emblemática que caracterizou essa fase foi Eles Não Usam Black Tie, escrita por

(6)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 Giafrancesco Guarnieri e dirigida por José Renato. Sobre os temas abordados nessa peça, a

pesquisadora Mariângela Alves de Lima afirma:

Ao mesmo tempo que investiga, como quem trafega num terreno desconhecido, as condições de vida e a linguagem do proletariado, Eles não usam black-tie revela para o espectador as contradições presentes no cotidiano de uma classe social. [...] No palco, os operários favelados de Guarnieri reproduzem aproximadamente as condições de vida das classes trabalhadoras. Condições de vida e de trabalho que estão longe de satisfazer os padrões mais moderados da dignidade humana. (DIONYSOS, 1978, pp. 44/45)

A partir do sucesso obtido por essa montagem, que colocou em cena o cotidiano da classe operária brasileira, os textos nacionais, e consequentemente seus autores, começaram a ganhar reconhecimento público. O pequeno palco da Rua Teodoro Baima passou então a abrigar textos que tivessem as questões brasileiras como tema, destaque dado a Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho, Gente como a gente, de Roberto Freire, Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, Pintado de alegre, de Flávio Migliaccio, O testamento do cangaceiro, de Chico de Assis, entre outros textos que revelavam os interstícios das condições socioeconômicas da população. O crítico Sábato Magaldi destaca esse importante momento de nacionalização do nosso teatro:

O baluarte do movimento nacionalista foi o Teatro de Arena, em São Paulo, depois que a peça Eles não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri (nascido na Itália, mas vindo para o Brasil com um ano de idade), permaneceu doze meses em cartaz, embora numa sala de 150 lugares. Acreditou-se que os espectadores quisessem ouvir seus problemas em linguagem brasileira. Como plataforma radical o elenco passou a oferecer apenas peças nacionais, a maioria delas escritas pelos próprios atores e saídas do Seminário de Dramaturgia, que se organizou como departamento do Teatro de Arena. Nestas últimas temporadas, era de se esperar que se sucedessem ali alguns dos melhores e alguns dos piores textos brasileiros, já que, freqüentemente, na faina criadora, diversos se completaram no decorrer dos ensaios e guardavam ainda, na estréia, o sabor de fruto temporão. Não condenamos o exagero: sabe-se que, nas revoluções, os erros dificilmente podem ser evitados, e era importante testar a eficácia da dramaturgia brasileira. O Teatro de Arena, com esse ardor nacionalista, trouxe numerosas contribuições, e a mais positiva foi sem dúvida a de quebrar o tabu que cercava o autor brasileiro.

(7)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 Hoje ele está em pé de igualdade com os mais populares dramaturgos

estrangeiros, e em geral é preferido nas cogitações das companhias. (MAGALDI, 1997, p.214)

Essa produção dramatúrgica genuinamente brasileira é contemporânea ao nacionalismo político, à valorização da produção industrial nacional, à construção de Brasília, além do surgimento de movimentos culturais como a Bossa Nova e o Cinema Novo.

A FASE DE NACIONALIZAÇÃO DOS CLÁSSICOS

Em 1962, o Teatro de Arena entra então em uma nova fase, denominada de nacionalização dos clássicos, com a encenação de A Mandrágora, de Maquiavel. Essa encenação possuía um evidente viés político, em que se questionava, em cena, a tomada do poder. A pesquisadora Mariângela Alves de Lima ressalta os aspectos mais relevantes dessa nova fase:

Com a encenação de obras clássicas o grupo tentou corrigir algumas deficiências da fase anterior. Surgiu a ideia de apoiar-se sobre obras de reconhecido valor artístico e que mantivessem, ao mesmo tempo, um compromisso claro na batalha entre opressores e oprimidos de todos os tempos. Fazia-se assim um retorno ao terreno da analogia, depois de ter progredido visivelmente o trabalho de descoberta do tempo presente das contingências de situações historicamente próximas. (DIONYSOS, 1987, pp.52/53)

Outros textos foram posteriormente encenados nessa nova etapa: O Noviço, de Martins Penna, O Melhor juiz, o Rei, de Lope de Vega, O Tartufo, de Molière e O Inspetor Geral de Nicolai Gógol. A nacionalização dos textos se deu de diversas formas, dependendo das discussões e objetivos do grupo de artistas que compunham cada elenco. No caso de O Melhor juiz, o Rei, de Lope de Vega, a obra sofreu algumas alterações, especialmente em relação à figura do governante justo e carismático, para que assim a releitura do texto estabelecesse uma relação estreita com a realidade brasileira da época. Em O Tartufo, as aproximações não foram necessárias, pois as críticas propostas pela

(8)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 dramaturgia de Molière sobre como a dissimulação é capaz de encobrir a hipocrisia social

já eram suficientes para que o público pudesse traçar paralelos entre a realidade do texto e a do país. Ainda fez parte dessa etapa a peça O inspetor geral, de Nicolai Gógol, que retratava as diversas situações que compõem o ciclo vicioso da corrupção, em uma pequena cidade da Rússia, situações essas que eram (e ainda são) facilmente reconhecíveis na política nacional.

A FASE DOS MUSICAIS

Partindo da experiência adquirida no Projeto Bossarena, no qual cantores e instrumentistas se apresentavam às segundas-feiras, o Teatro de Arena produziu também diversos musicais. Foi nessa fase que, talvez, a atividade teatral do grupo tenha atingido sua maior expressão popular, pois muitos dos textos dos espetáculos musicais possuíam forte caráter jornalístico e estimulavam respostas prontas dos espectadores. Algumas das experiências mais importantes na linha de shows foram as seguintes: a coprodução com o Grupo Opinião do Rio de Janeiro do musical Opinião, do qual participavam Nara Leão, Maria Bethânia, Zé Ketti e João do Valle, o one-man-show A Criação do Mundo Segundo Ari Toledo, Um Americano em Brasília, de Nelson Lins de Barros, Chico de Assis e Carlos Lyra, Arena Conta Bahia, com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, Tempos de Guerra, com Maria Bethânia, e ainda Arena Conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, com música de Edu Lobo. Vale destacar este último, pois talvez tenha sido o maior sucesso artístico e de público do Teatro de Arena. Era um espetáculo de advertência, no qual a música possuía papel essencial na dramaturgia porque preparava, de forma lúdica, o público para receber as informações históricas contidas no texto. A luta nos Quilombos era o tema proposto e a encenação discutia, sob uma ótica totalmente inovadora para a época, esse importante período da História do Brasil. Além de uma temática inédita nos palcos brasileiros, Arena conta Zumbi quebrou com várias convenções teatrais e trouxe para a cena um novo Sistema, chamado Coringa, que consistia em quatro técnicas principais: a primeira delas preconizava a desvinculação entre ator e personagem, através da elaboração de uma máscara composta por ações, gestos e atitudes que criavam um

(9)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 caráter único, dotando assim esse personagem de características próprias, que eram

expressas através de pensamento singular, vícios de linguagem e atividade profissional, sempre balizadas pelas inter-relações com a vida cotidiana. Sendo assim, um ator pode transferir a “máscara” do personagem que interpreta a outro ator também que vai interpretá-lo. A segunda técnica era a formação de um coro composto por atores que desempenhavam a função de narradores e, desta forma, a história passava a ser desenvolvida não mais sob a ótica do personagem, mas sim do ponto de vista de um grupo, resultando em uma interpretação de caráter coletivo. A terceira técnica consistiu na utilização de variados gêneros e estilos, desde a chanchada até o melodrama, passando pelo realismo, pelo expressionismo, chegando até o vaudeville. Por fim, a quarta técnica tornava a música um catalizador do processo de compreensão do enredo do espetáculo, preparando assim a plateia para receber as informações e fatos históricos contidos no texto, através da relação estreita entre a razão e a música. Em 1967, encena-se mais um espetáculo de grande sucesso, Arena Conta Tiradentes, que abordava outro tema de relevância da história do Brasil: a Inconfidência Mineira.

A FASE FINAL

O grupo de artistas do Teatro de Arena colocou em cena a Primeira Feira Paulista de Opinião, no Teatro Ruth Escobar, como resposta à situação política do país e, especificamente, após a instauração do AI-5, em 1968.

O espetáculo era composto de seis peças de dramaturgos brasileiros importantes. Todas as peças se concentravam na realidade brasileira presente, mas não havia uma tentativa de uniformizar os estilos dos diferentes dramaturgos. Cada uma das peças preservava a peculiaridade do escritor, mostrando ao mesmo tempo que estavam todos interessados na vida social e política do país. (DIONYSOS, 1987, p. 60)

Depois da grande mobilização causada por este espetáculo, foram ainda encenados, no palco da Rua Teodoro Baima, no ano de 1967, O Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, que só fez uma apresentação e La Moschetta, de Angelo Beolco. Ambos ainda

(10)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 buscaram traçar paralelos entre textos de autores estrangeiros e a realidade nacional.

Nenhuma das duas encenações alcança o êxito já experimentado pelas produções anteriores do Arena. Em 1970, A Resistível Ascensão de Arturo Ui, de Bertolt Brecht, ganha a cena, mas também resulta em um espetáculo de pouca repercussão. Ainda no mesmo ano, Augusto Boal encena o Teatro Jornal - 1ª Edição, experiência teatral que tinha como matéria-prima notícias de jornais que eram encenadas diariamente, buscando conscientizar a plateia em relação às questões socias emergentes. No ano seguinte, durante os ensaios do novo espetáculo, Arena Conta Bolivar, Augusto Boal é preso e decide exilar-se na Argentina. O grupo remanescente de artistas do grupo, denominado de NÚCLEO 2, sob o comando de Luiz Carlos Arutin, encena Doce América, Latino América. Este foi o último espetáculo do grupo, que fica em cartaz até o fechamento do teatro, em 1972.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na segunda metade da década de 50, as questões ligadas à Cultura Popular começam a ser valorizadas por artistas e intelectuais, destacando-se as atividades realizadas pelo Teatro da Arena. Diversos textos nacionais são produzidos e encenados no Arena a partir de 1958, começando um movimento de nacionalizar o palco e politizar a discussão da realidade nacional, movimento esse que teve início com a peça Eles Não Usam Black Tie de Gianfrancesco Guarnieri. O ator e diretor Antônio Fagundes, em entrevista concedida a Izaías Almada, reforça a vocação implícita do grupo em retratar a sociedade brasileira: “[...] era o grupo de teatro mais politizado do Brasil na época, com uma linha bastante clara de documentar, registar, criticar seu tempo. Todos os espetáculos tinham esse pé na realidade brasileira, e isso obrigava a gente a se posicionar diante dessa realidade.” (ALMADA, 2004, p.137/138)

A busca por um teatro nacional e popular foi o norte que guiou toda a trajetória do grupo de artistas que compuseram o Teatro de Arena ao longo da sua história, fato que acabou por influenciar o fazer teatral no Brasil, tanto no âmbito profissional quanto no amador. Uma das atrizes mais importantes do grupo, Myrian Muniz, sintetiza como foi seu processo de conscientização acerca da função do artista popular: “Ganhei consciência do

(11)

ARTEREVISTA, n. 6, ago./dez. 2015, p. 25-35 meu ser social e político. Comecei a entender o artista como um ser socialmente

responsável, e a arte passava agora a ser, para mim, um instrumento de luta.” (VARGAS, 1998, p.65)

Um palco despojado, com recursos cênicos essenciais, com forte cunho narrativo e utilizando a música como recurso épico 3, foram estes alguns dos aspectos que contribuíram para o objetivo principal dos espetáculos encenados pelo Arena: a contextualização social do enredo e a consequente caracterização dos personagens, para que o público pudesse genuinamente se enxergar no palco e assim conseguisse desenvolver um olhar crítico sobre a história e a realidade do Brasil .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMADA, Izaías. Teatro de Arena: Uma estética da resistência. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.

BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

______________. O teatro como arte marcial. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. DIONYSOS. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, n. 24, out. 1978. Número especial sobre o Teatro de Arena.

MAGALDI, Sábato. Um palco brasileiro: o Arena em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984.

_______________. Panorama do Teatro Brasileiro. São Paulo: Global Editora, 1996. ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2002.

VARGAS, Maria Thereza. GIRAMUNDO: Myrian Muniz – o percurso de uma atriz. São Paulo: Editora Hucitec, 1998.

3 O termo épico se refere ao conjunto de propostas do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, elaboradas a fim de

descrever o teatro que ele propôs. “Geralmente a música assume nas obras de Brecht a função de comentar o texto, de tomar decisões em face dele acrescentar-lhe novos horizontes.” (ROSENFELD, 2002, p. 160)

Referências

Documentos relacionados

Neste tipo de situações, os valores da propriedade cuisine da classe Restaurant deixam de ser apenas “valores” sem semântica a apresentar (possivelmente) numa caixa

QUANDO TIVER BANHEIRA LIGADA À CAIXA SIFONADA É CONVENIENTE ADOTAR A SAÍDA DA CAIXA SIFONADA COM DIÂMTRO DE 75 mm, PARA EVITAR O TRANSBORDAMENTO DA ESPUMA FORMADA DENTRO DA

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Frente ao exposto, este trabalho teve por objetivo avaliar discentes da disciplina de Matemática Discreta nos conteúdos de lógica formal, teoria dos conjuntos e

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

E ele funciona como um elo entre o time e os torcedores, com calçada da fama, uma série de brincadeiras para crianças e até área para pegar autógrafos dos jogadores.. O local

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

Apesar dos esforços para reduzir os níveis de emissão de poluentes ao longo das últimas décadas na região da cidade de Cubatão, as concentrações dos poluentes