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QUESTÃO AGRÁRIA E O AGRONEGÓCIO NO VALE DO JEQUITINHONHA/MG: Entre a superexploração e a resistência

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QUESTÃO AGRÁRIA E O AGRONEGÓCIO NO VALE DO JEQUITINHONHA/MG: Entre a superexploração e a resistência

Mariane Rodrigues Silva1 Ângela Aparecida Santos2

RESUMO:

Historicamente o Vale do Jequitinhonha é marcado pela superexploração de seu território, tendência que se intensificou a partir da prevalência da questão agrária e do modelo agrícola pautado no agronegócio. Pensando as particularidades do Vale e os rebatimentos da questão agrária e do agronegócio enquanto pilares da acumulação capitalista, buscamos neste trabalho situar o papel do Estado frente o agronegócio, bem como os programas direcionados aos segmentos familiares no Vale do Jequitinhonha.

Palavras Chaves: Questão Agrária, Agronegócio, Vale do Jequitinhonha.

1 Assistente Social (UFVJM/2013) e discente no Programa de Mestrado Interdisciplinar em Estudos Rurais pela

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM (marimariane98@hotmail.com).

2 Engenheira agrônoma pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG; Especialista em Ead pelo Instituto

Federal do Norte de Minas Gerais - IFNMG e discente no Programa de Mestrado Interdisciplinar em Estudos Rurais pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM (angelafirveagro@yahoo.com.br)

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INTRODUÇÃO:

Analisar a problemática da questão agrária é compreender que tal temática se faz arraigada na sociedade brasileira. Assim, é necessário considerar o processo de formação do Brasil nos aspectos econômicos, sociais e culturais uma vez que historicamente é caracterizado pela superexploração da força de trabalho e dos recursos naturais.

Neste sentido, é preciso ressaltar que a prevalência do agronegócio enquanto modelo de agricultura dominante “focado na produção de comoditties agrícolas para exportação, pautado na superexploração da força de trabalho e dos recursos naturais” (RAMALHO, 2017) é fruto de uma herança de três séculos de exploração do Brasil colônia que servia ao abastecimento da metrópole em Portugal. No caso do “Jequitinhonha entrou para os registros da história no século XVIII, quando era área de mineração exclusiva ou de concessão da Coroa portuguesa” (RIBEIRO, 2007, p.1081).

É a partir destas colocações que comungamos da opinião de Wood (1988) de que o modo de produção capitalista é oriundo do campo e não do meio urbano como acreditavam as sociedades ocidentais. E a expropriação do campesinato das terras e apropriação pelas oligarquias agrárias, possibilitou o processo de acumulação primitiva do capital e a consolidação do capitalismo como sistema dominador em todo o meio rural, concentrador dos meios de produção e por consequência, da riqueza socialmente produzida. Este processo culminou no modelo agrícola que vem imperando no Brasil, o chamado agronegócio introjetado no campo no pós-guerra (1950 – 1970).

Considerando que a consolidação do capitalismo no campo foi corroborada pelos pacotes tecnológicos da Revolução Verde que legitimaram a chamada agricultura convencional ou agronegócio, os incrementos tecnológicos consistiram num processo que se convencionou chamar de modernização conservadora, isto porque se fez inacessível para muitos dos agricultores familiares. Neste período, os incentivos estatais se voltaram para aqueles proprietários que possuíam um volume maior de terras nas quais puderam acompanhar o movimento de modernização.

A modernização da agricultura baseada no agronegócio foi possível graças à cumplicidade entre Estado Brasileiro e as elites agrárias, na qual verificamos que ao longo da constituição histórica do Brasil que ao deixar de ser colônia de Portugal passando a condição de republica, foi comandado pelas oligarquias agrárias dos Estados de São Paulo e Minas

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Gerais, período conhecido como “Café com Leite” nos tempos da Velha Republica. “A atuação do Estado brasileiro historicamente tem sido a de fomentar o desenvolvimento capitalista no campo, criando as bases para a sua consolidação” (CHRISTOFFOLI, 2005, p. 115).

As consequências podem ser verificadas no aprofundamento das desigualdades sociais, na proletarização de agricultores rurais expropriados, no crescente êxodo rural e nas assimetrias profundas entre o moderno e o tido como rudimentar (e até mesmo empecilho para uma agricultura economicamente viável altamente voltada para a lógica mercadológica). No campo brasileiro tais assimetrias se materializam nos conflitos políticos e ideológicos pela disputa de terras e na imensidão de monocultivos que circundam as propriedades de base familiar.

Percebe-se que ao se amarrar o fio da história, aqui apontada brevemente, vemos que o agronegócio enquanto modelo agrícola hegemônico foi viabilizado e legitimado pelo Estado nacional (e pela intocável questão agrária brasileira, na qual não existe um projeto efetivo de reforma agrária) que para além dos rebatimentos econômicos, sociais e culturais, gera uma problemática a ser considerada: a questão ambiental e alimentar, pois na lógica do agronegócio, a terra perde sua função social primordial que é a terra enquanto meio de reprodução social se transformando em um negócio lucrativo que possibilita a acumulação do capital beneficiando uma classe social em detrimento de outra, aprofundando as desigualdades sociais.

Na contemporaneidade Brasileira, impera uma tríplice aliança entre o Estado nacional, as oligarquias agrárias e os setores transnacionais que exercem grande influência no mercado nacional, tendência que se acentuou nas ultimas décadas.

Na atualidade o agravamento da questão agrária no Brasil está relacionada, com a hegemonia do modelo de desenvolvimento da agricultura, o agronegócio. Relançado em 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso como carro chefe da política agrícola, tendo continuidade nos governos seguintes, esse modelo se expressa pela articulação entre expropriação e superexploração do trabalho e dos recursos naturais. Sendo essa, uma estratégia que não implica apenas na expansão do latifúndio e da monocultura, mas também na imposição de uma forte especialização na produção de commodities agrícola e mineral, voltados à exportação e na oposição de qualquer iniciativa de democratização do mundo rural [...] (RAMALHO, 2017, p. 02-03).

Em meio a uma questão agrária eminente e um modelo agrícola industrial e conservador que coloca a agricultura de base familiar em situação de subalternização, opressão e pobreza, tem-se o protagonismo e a força dos movimentos sociais de resistência

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frente à superexploração do capital via agronegócio no campo brasileiro. Trata-se dos movimentos que defendem o uso social da terra e da agricultura familiar enquanto modelo agrícola sustentável, ecológico e economicamente viável. Dentre eles destacamos a Pastoral dos Migrantes; Comissão Pastoral da Terra; o movimento sindical de trabalhadores rurais e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de grande relevância nacional.

Estes movimentos sociais tiveram sua voz abafada no período da ditadura militar, mas a partir da década de 1980 suscitou o debate sobre a reforma agrária defendendo a necessidade de se fazer a reforma de base no Brasil, pressionando o Estado. Visto que no campo as desigualdades sociais se acentuavam ao passo que os monocultivos se alastravam pelo território rural por meio da expropriação das famílias de suas terras. Cabe colocar que as ações do MST não se pautaram apenas no cenário político, mais também contribuiu de forma significativa na cooperação e legitimação dos assentados expandindo a militância o que faz deste movimento um importante agente protagonista na luta da terra no Brasil. (MEDEIROS, 2005).

Abordar a questão agrária brasileira fez com que trouxéssemos tal discussão para a realidade do Vale do Jequitinhonha, buscando compreender o papel do Estado enquanto regulador das contradições existentes entre o agronegócio e agricultura familiar por meio políticas públicas e os segmentos da agricultura familiar enquanto resistência frente à superexploração do capital via agronegócio, considerando que nos últimos anos o monocultivo de eucalipto se instaurou e se proliferou no Vale do Jequitinhonha seguido também da pecuária e outras culturas como o café.

A partir deste plano de fundo, vemos que a questão agrária se manifesta como uma expressão particular da questão social no campo brasileiro (Ramalho, 2017 apud Sant’Ana, 2012) numa conjuntura história de repressão e exploração da terra no Brasil. Neste sentido, o trabalho ora apresentado busca para além de uma breve introdução, debater a temática sobre a questão agrária enquanto pilar das desigualdades sociais no campo brasileiro tendo no agronegócio o alicerce para a acumulação do capital. A seguir, o debate se situará nos rebatimentos da questão agrária e do agronegócio para a realidade do vale do Jequitinhonha que ainda se faz subjugado ao passo que se mantém as estruturas fundiárias conservadoras no Brasil.

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O AGRONEGOCIO E SEUS REBATIMENTOS NO VALE DO JEQUITINHONHA

Compreender o agronegócio e seus rebatimentos no Vale do Jequitinhonha implica situar em primeiro momento o papel central do estado “na indução deste processo de especialização principalmente durante o período que compreende as décadas de 1970 e 1980” (SILVA, 2014, p. 28) ao promover a especialização progressiva, sobretudo das culturas de eucalipto. O modelo de desenvolvimento da agricultura no Brasil está historicamente ligado aos interesses do capital sendo legitimado pelo Estado (Delgado, 2005) por meio do discurso de se alargar a modernização da agricultura no campo. Processo este que conforme discutido anteriormente se deu de modo conservador, aprofundando as desigualdades sociais no campo.

Posto isto, cabe enfatizar que a questão agrária e seus rebatimentos no Vale do Jequitinhonha perpassam pelas formas históricas de exploração das condições naturais e da apropriação do território. “Desde o início de sua colonização, o território mineiro vem sendo palco de intensa atividade econômica, produtora de severas transformações nas suas condições naturais e nas formas sociais de apropriação desse território” (ZHOURI E ZUCARELLI, 2008 p.08).

Moura (1988) nos traz uma reflexão sobre o Vale do Jequitinhonha, discorrendo inicialmente sobre os rótulos dirigidos ao mesmo como “ferida de subdesenvolvimento em Minas Gerais”.

Conhecida nas repartições estaduais como área da pobreza absoluta e de estagnação secular e até, em conversas mais francas, como região de mestiços ignorantes, dotados de indolência intrínseca ao trabalho agrícola [...] discrepando do conjunto do Estado em que a prosperidade da população é confirmadora do trabalho em silêncio. (MOURA, 1988, P.01),

Segundo Ribeiro et.al (2008), a associação do Jequitinhonha enquanto vale da pobreza é recente, compreendendo as décadas de 1960/70, período que remonta o chamado milagre econômico, na qual se vivia no Brasil um momento de grande efervescência da industrialização e dos programas de desenvolvimento. O Vale do Jequitinhonha destoava das regiões economicamente ativas, motivando assim, a criação do Primeiro Plano Mineiro de Desenvolvimento em 1971 em virtude de sua baixa produtividade agrícola e dos baixos indicadores sociais.

Situando brevemente o Vale do Jequitinhonha, o mesmo está localizado no nordeste de Minas Gerais e ocupa uma área de 79 mil km2, possuiu uma população de

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aproximadamente 980 mil habitantes na qual mais de dois terços são residentes na zona rural (IBGE/2010). Banhado pelo rio Jequitinhonha, o Vale é composto por 75 (setenta e cinco) municípios e está dividido em Alto Jequitinhonha (compreende as microrregiões de Diamantina e Capelinha que possuem melhores indicadores sociais), médio Jequitinhonha (parte média do Vale abrangendo as regiões de Pedra Azul e Araçuaí) e baixo Jequitinhonha (compreende a microrregião de Almenara).

O Vale possuiu uma grande extensão territorial, na qual as características econômicas, culturais vão diferir conforme cada microrregião, devendo considerar que:

Há diferenças sociais entre as microrregiões que compõe o Vale do Jequitinhonha que têm raízes históricas. O Alto Jequitinhonha atraiu a atenção dos grandes centros desde a época colonial até a República Velha, enquanto o Médio Jequitinhonha permaneceu isolado, sem estradas, comunicando-se internamente através de um primitivo transporte fluvial, alternado pelo cavalo de sela, pela tropa de burros e carro de bois. Com a decadência do ciclo do ouro, a população do Alto Jequitinhonha, em busca de alternativas de exploração econômica, deslocou-se para o Médio Jequitinhonha e ali se fixou em latifúndios dedicados à pecuária extensiva, ainda hoje a principal base econômica da região. A partir da década de 1950 outras culturas foram introduzidas, como o algodão e o reflorestamento, sem, contudo desarticular as atividades que ainda hoje compõe a base econômica da região. (PTDRS, 2010, p. 21).

Moura (1988) ressalta que com a virada para o século XIX, a região manteve o histórico de exploração do período colonial e por consequência as desigualdades sociais e violência no campo. Com a supressão da terra e das mudanças do padrão da agricultura de subsistência para vastas áreas de monocultivo, este período foi marcado pela expropriação de famílias de suas terras para a plantação e proliferação da atividade de monoculturas, sobretudo do eucalipto.

Este processo de expropriação gerou crescente êxodo rural, considerando que o cercamento de terras devolutas em favor de grandes fazendas, fez com que os agricultores se colocassem em regimes de parcerias, ou como meeiros junto aos proprietários de terra para produzirem seus alimentos. Neste contexto, Moura (1988) afirma que as fazendas foram grandes responsáveis pelo crescente êxodo rural no Jequitinhonha e acrescenta que o fazendeiro legitimou sua posse sobre a terra devoluta ao conceder sua utilização por meio de contratos temporários ao agricultor familiar ausentando o vínculo do mesmo com a terra.

A terra não mais pertenceria a quem planta e colhe, seria regulada pela lógica mercantil de contratos temporários, e uma vez instaurada esta condição, as relações dos ocupantes se transformariam em relação de trabalho rural.

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A autora supracitada enfatiza que estas relações entre fazendeiro e agricultor são tidas como favor e benevolência, pois nas sociedades rurais se tem como forte característica as relações marcadas pelo compadrio. Sobre está ótica, Moura (1988) traz a concepção da violência do favor e a violência do contrato no processo de expropriação dos agricultores da terra e ao trazer a tona tais pontos, demonstra os traços enraizados do modo de produção capitalista nas regiões ditas como subdesenvolvidas como o Vale do Jequitinhonha.

A análise feita por Moura (1988) sobre a perspectiva de cerceamento da terra através das fazendas é de extrema importância, pois revela as relações de poder através das relações de apadrinhamento e compadrio existentes no campo, sendo uma violência sutil, muitas das vezes velada aos agricultores, ao passo que também gera embates severos aos que se posicionam contrários aos cercamentos de terras devolutas pelas fazendas.

Com base nisto, faz-se imperativo abordar os conflitos oriundos do processo de expropriação e exploração de terras no Jequitinhonha. Para tanto recorremos aos estudos de Zhouri e Zucarelli (2008) que demonstram o mapa de conflitos ambientais em Minas Gerais, destacando o Vale do Jequitinhonha como uma das áreas de grande incidência destes conflitos.

[...] o colapso do esforço desenvolvimentista da modernização recuperadora mineira, ocorrido na passagem da década de 1970 para a de 1980, determinou a intensificação da produção e exportação de commodities, com vistas ao pagamento do serviço da dívida pública. Isso representou um aprofundamento da mercantilização de territórios, a exemplo da expansão das monoculturas [...] tais processos implicam a emergência de uma miríade de conflitos ambientais, nos quais se envolvem empresas mineradoras, siderúrgicas, produtoras de celulose, distribuidores de energia elétrica, empreiteiras, grandes agricultores, latifundiários, ONGs, camponeses, sociedades indígenas, pescadores, movimentos sociais urbanos etc. (ZHOURI E ZUCARELLI, 2008 p.08).

Nas analises feitas por Zhouri e Zucarelli (2008), a Mesorregião do Vale do Jequitinhonha tem nas atividades de saneamento, seguidas da mineração e da monocultura os principais focos de conflitos. Dentre os históricos de conflitos nas mesorregiões do Estado de Minas Gerais, o Vale ocupa a sexta colocação. Isto demonstra a resistência dos segmentos rurais contra a superexploração oriundas de empresas de mineração, de eucalipto, agroindústria, barragens, dentre outras, que se instalam respaldados pelo Estado.

Zhouri e Zucarelli (2008) colocam que os conflitos ambientais se destacam pela pluralidade dos segmentos sociais envolvidos na construção dos projetos sociais. Os conflitos tendem a se reproduzirem e se multiplicarem na medica em que são mantidos os mecanismos

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que aprofundam as desigualdades de distribuição e acesso a terra frente às práticas dominantes de apropriação dos recursos naturais.

No caso do Vale do Jequitinhonha, os autores ressaltam que as reflorestadoras trataram de ocupar as áreas mais altas e planas antes utilizadas por agricultores locais como uso comum para áreas de extrativismo vegetal e criação de gado. Por serem terras devolutas, tais empresas não encontram empecilhos por parte do Estado para a exploração de suas empresas. “Uma extensão territorial de mais de um milhão e meio de hectares do Vale do Jequitinhonha foi ocupada pela monocultura do eucalipto com fins exclusivos às indústrias de celulose e de carvão, alijando pequenos agricultores de suas glebas de terra” (ZHOURI E ZUCARELLI, 2008 p.11 apud WRM, 2002).

[...] A substituição gradativa do bioma Cerrado pelo eucalipto vem acarretando múltiplos problemas para o ecossistema e para as comunidades que vivem cercadas pela monocultura [...] os problemas elencados são: proibição de acesso às áreas de chapadas que antes pertenciam e eram utilizadas pelas comunidades rurais para a criação de gado na solta coletiva e extrativismo de lenha, frutos e plantas medicinais; conflitos pela delimitação de divisas; diminuição do volume de água e/ou extinção de córregos e ribeirões que são/eram utilizados pelas comunidades ribeirinhas; desmatamento do cerrado e das cabeceiras de nascentes; mortandade de animais silvestres; processos erosivos e carreamento de solo para os córregos e veredas ocasionados pela construção da malha viária das áreas de plantio; assoreamento das nascentes e cursos d’água devido a movimentação intensiva de solo na área de chapada e bordas; contaminação das águas superficiais, do lençol freático e do solo pelo uso excessivo de agrotóxicos; além da intoxicação dos trabalhadores, inclusive crianças, pela fumaça dos fornos utilizados na fabricação de carvão [...] (ZHOURI E ZUCARELLI, 2008 p.12).

Nesse processo, as famílias rurais se percebem ilhadas pela monocultura de eucalipto e ameaçadas pelos projetos desenvolvimentistas do Estado por meio da instalação de mineradoras, reflorestadoras e de hidrelétricas. Na década de 1980 o Estado lançou o Programa Novo Jequitinhonha que consistia na construção de dezesseis hidrelétricas, sendo que destas, onze seriam no rio Jequitinhonha.

Observa-se que o papel do Estado frente à problemática dos conflitos se resume em ações compensatórias para as comunidades rurais, ocultando à verdadeira problemática histórica: a concentração fundiária. As contradições são legitimadas ao passo que o Estado se posiciona como mediador dos conflitos através de políticas públicas paliativas, mantendo inalterada a questão agrária brasieleira.

Tomando por base os estudos de Ribeiro et.al (2008), verificamos que a partir dos anos de 1990, ocorreu um crescimento de programas de desenvolvimento para os segmentos

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rurais, o aprofundamento de alguns já existentes e a inovação da gestão pública em outros. Segundo os autores, os que atingem diretamente os trabalhadores rurais podem ser categorizados em três grupos: “a) os programas modernizantes de grande escala que permaneceram; b) os programas específicos para agricultura familiar que foram aprofundados; c) os programas de gestão participativa, inovadores das políticas públicas”. (RIBEIRO et.al, 2008, p. 1089).

Os programas modernizantes consistiram na criação de empregos temporários na qual o governo incentivou a mão de obra do trabalhador rural para as atividades nas empresas de reflorestamento de eucalipto e nas barragens. Foi uma estratégia contraditória do Estado ao impulsionar geração de emprego e renda em empresas responsáveis pela expropriação das terras e expulsão de comunidades interias. Estes trabalhos temporários nas reflorestadoras e mineradoras seriam para minimizar o êxodo rural.

Os programas específicos para a agricultura familiar foram aqueles de estimulo a produção ou transferência direta de renda aos agricultores. Segundo Ribeiro et.al, (2008, p. 1089) estes programas surgiram com um viés paliativo para amenizar os impactos da modernização agrícola na década de 1970 “nas regiões consideradas periféricas, por meio da distribuição de benefícios como equipamentos produtivos para melhoria da infraestrutura comunitária e assistência social”. Em 1980 estes programas foram redesenhados e operacionalizados pelas Empresas Técnicas de Extensão Rural de Minas Gerais (EMATER/MG) ou pelas Secretarias Estaduais de Trabalho.

No fim da década de 80 e inicio de 90 com o processo de redemocratização e universalização dos direitos sociais, no campo previdenciário foi garantida para a população rural o acesso às aposentadorias e pensões e também foi lançado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF consistindo na concessão de crédito para fomentar a produção agrícola uma vez que o campo já dispunha de aposentados e pensionistas para acessarem e quitarem o empréstimo. Nós anos 2000, os programas de transferência de rendas que foram incorporados ao programa Bolsa Família.

Esses programas criaram benefícios duradouros. Colocaram equipamentos de beneficiamento à disposição das comunidades rurais – as denominadas fabriquetas comunitárias – que reduziram a penosidade do trabalho, aumentaram a produção, a produtividade e a renda familiar pela agregação de valor a uma pauta produtiva tradicional vendida no comércio local: farinhas de milho e mandioca, polvilho, mel, rapadura, açúcar-mascavo e cachaça [...] (RIBEIRO et.al, 2008, p. 1090).

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Sobre as transferências de renda, aposentadorias e pensões destacam os autores que estes levaram os agricultores beneficiados a terem mais segurança para acessar o PRONAF, com isso verificou-se que:

[...] Aposentadorias e pensões elevaram – ou criaram, onde não havia – rendas monetárias; dando mais liquidez às famílias com terra, estimularam o comércio urbano e o consumo dos produtos tradicionais da lavoura e da indústria doméstica nas feiras livres. Mas essas rendas influenciam também a produção, pois famílias rurais com rendas de transferências respondem por boa parte da produção comercializada em feiras municipais [...] (RIBEIRO et.al, 2008, p. 1090).

Por fim, os programas de gestão compartilhada como o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP), consistiram na participação comunitária e na escolha das prioridades locais. Nestes programas vigoravam a participação dos agentes oficiais como gestores, os representantes dos sindicatos rurais e os próprios beneficiários. Embora estes programas participativos fossem necessários (haja vista o reconhecimento da importância dada à participação dos atores envolvidos na efetivação de políticas públicas), enfrentaram problemas devido à sobreposição de ideias e ações de uns sobre os outros para a liberação dos recursos, assim, estes programas acabam não tendo o alcance esperado.

É verificado que foram lançados programas de fomento a produção e geração de renda para os segmentos rurais no Vale do Jequitinhonha e dentre as três principais propostas, os programas de transferência de renda, aposentadorias e pensões foram os que de fato contribuíram para uma amenização da pobreza no campo, pois a questão agrária, a concentração de terra para o agronegócio permaneceu inalteradas no meio rural Brasileiro.

Vimos através da histórica que são mantidas as estruturas fundiárias no Brasil e por consequência o quadro de desigualdades sociais no meio. O Estado Brasileiro optou por um projeto de desenvolvimento nacional de fomento ao agronegócio facilitando e/ou criando as bases necessárias para sua sustentação como modelo agrícola hegemônico. Neste contexto, o Vale do Jequitinhonha é fortemente marcado por esta tendência e ao passo que são criados programas de incentivo para os trabalhadores do campo, são também fornecidos todos os mecanismos para a afirmação e prevalência do agronegócio no Vale. Desta forma, concluímos que a questão agrária arraigada no campo brasileiro se manifesta no Vale do Jequitinhonha e é materializada a partir do agronegócio e da histórica questão social.

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BREVES CONSIDERAÇÕES

Corroboramos com Ramalho (2017) de que na formação social e histórica do Vale do Jequitinhonha, têm na questão agrária elementos determinantes para se compreender a condição de trabalho e de vida dos trabalhadores rurais. Vemos que o modelo adotado pelo Estado (agronegócio) “não visa o desenvolvimento sustentável e social. O mesmo resulta em um processo contínuo de expropriação e de acirramento da superexploração da força de trabalho e dos recursos naturais” (RAMALHO, 2017, p.08)

Verificamos ainda que o Vale do Jequitinhonha é uma região marcada pelo contraste. Na qual se tem por um lado uma população em grande parte rural em situação de pobreza extrema e um meio ambiente acometido intensamente pelas atividades de exploração causadoras de grandes impactos ambientais. Por outro lado, o vale possuiu inúmeras riquezas naturais e cultural sendo um patrimônio histórico de referência para o Estado de Minas Gerais e para o Brasil, com um povo que resiste a todas as formas de violência e de superexploração no campo.

Os investimentos públicos e privados favoreceram o processo expansionista do agronegócio (grandes grupos econômicos nacionais e transnacionais), possibilitando cada vez mais o acesso as melhores terras e recursos hídricos que são condições essenciais para gestão do agronegócio e manutenção da concentração fundiária. Nas ultimas décadas não se viu ou ouviu por parte do Estado o comprometimento com uma política de Reforma Agrária efetiva para o campo Brasileiro.

Desta forma, aqueles que não possuem acesso a terra, acabam por se submeter à ordem do capital: submissão e exploração do trabalhador. É importante destacar que neste processo há correlações de forças, onde os movimentos sociais lutam e reivindica o acesso a terra. O Estado por sua vez possibilita a acumulação do capital via agricultura, atuando na mediação das contradições sociais e dos conflitos lançando políticas públicas paliativas que visam silenciar os movimentos sociais que lutam pelo acesso à renda.

Salientamos que a questão da terra no Brasil é um elemento estrutural do poder das elites agrárias e das lutas de classes, na qual a reorganização do espaço brasileiro perpassa pela natureza dos conflitos e da polarização entre interesses políticos, entre as estratégias de classes que se opõem ao capital e as lutas dos movimentos sociais pelo acesso a terra. (THOMAZ, 2010).

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Por fim, ressaltamos que o Vale do Jequitinhonha historicamente se fez lócus “privilegiado” das formas de dominação, desde o período colonial até a atualidade sob uma nova roupagem para a superexploração, forjada sobre as bases desenvolvimentistas do agronegócio em uma região considerada como subdesenvolvida. Os impactos são severos e podem ser verificados nas assimetrias econômicas, sociais e culturais, pois se trata da cultura de um povo que tem vínculo com a terra, que se baseia no trabalho familiar e nos laços comunitários de solidariedade e ajuda mútua e que historicamente tem sido impedido de usufruir da terra enquanto um bem necessário á reprodução social.

Ressaltamos que se no agronegócio impera uma “agricultura sem agricultor”, na produção agrícola familiar, “para o agricultor, a propriedade possui uma dimensão simbólica pautada no sustento e na reprodução do grupo familiar. Muitas vezes a propriedade representa a continuidade de um saber que vem sendo ensinado por gerações” (DOULA, et.al , 2012, p. 07). A partir destas narrativas, finalizamos dizendo que o debate não para por aqui dada sua magnitude e importância para o campo brasileiro e para o Vale do Jequitinhonha que ainda necessita de políticas públicas efetivas que busquem de fato melhorar as condições de sobrevivência no campo. Contudo, a verdadeira transformação perpassa pela necessária e urgente reforma agrária.

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Referências

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