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Sumários. (Estado em 22 de Novembro de 2010) 21 de Setembro (1)

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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Direito

Ano académico 2010-2011 1º Semestre

Sociologia jurídica

Docente : Pierre Guibentif

Sumários

(Estado em 22 de Novembro de 2010)

21 de Setembro (1)

Preenchimentos pelos alunos de um questionário sobre os motivos da escolha da cadeira e sobre conhecimentos em ciências sociais. Apresentação do programa: (a) objectivos: em geral, estabelecer pontes entre o direito e as ciências sociais, considerando a proximidade entre estes dois universos intelectuais, que, de alguma maneira, se observam reciprocamente, e observam, paralelamente, cada um à sua maneira, a realidade social. No esforço de estabelecer esta ponte, tira proveito do facto de existir, nas ciências sociais, um domínio especializado na temática “Direito e sociedade”. Mais especificamente: (i) para a maioria dos estudantes, facilitar o acesso à literatura socio-jurídica, que tem adquirido uma importância crescente, através de uma introdução aos procedimentos de trabalho em ciências sociais, assim como a um conjunto de conceitos e de modelos. (ii) Para alguns: um passo numa formação para a investigação sobre temas socio-jurídicos; (b) Concepção pedagógica: opta-se por centrar o ensino no estudo de cinco autores através dos quais se pode, a partir de percursos concretos, ver melhor como as recentes transformações da sociedade e do direito foram experienciadas e abordadas como objecto de uma reflexão científica. São cinco autores muito lidos e citados, pelo que o seu estudo facilitará no futuro aos estudantes a leitura de trabalhos de ciências sociais pertinentes para aprofundar o conhecimento da realidade jurídica. – (c) material disponível: (i) programa sumário com recomendações de leituras prioritárias; (ii) bibliografia complementar chamando a atenção, em particular, para as revistas da especialidade, e referindo livros e artigos na maior parte acessíveis na biblioteca na FD-UNL, ou no sector “Textos de acesso restrito” da página Web da UC no site da FD-UNL; (iii) a referida página Web, onde poderão encontrar, em particular, um documento reunindo todos os sumários, completados por alguns elementos que não cabem nos sumários oficiais; um conjunto de textos originais dos autores tratados durante o semestre; os exames dos anos anteriores, que poderão facilitar a preparação do exame deste ano. (d) Exame concebido em função do primeiro objectivo pedagógico: um exercício de leitura e de interpretação cuidadosa de um texto em ciências sociais.

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21 de Setembro (2)

Apresentação do docente: lecciona no ISCTE-IUL uma disciplina complementar a esta : sociologia do direito (consultar http://cadeiras.iscte.pt/SDir/); na FD-UNL: ligado às actividades do CEDIS (em particular ao Observatório da Legislação Portuguesa; ver o Boletim deste na biblioteca da FD); participa nas actividades de várias redes internacionais da especialidade em particular o Research Committee on Sociology of

Law ( http://rcsl.iscte.pt/ ). Esta associação internacional tem criado há vinte anos um

Instituto internacional de sociologia jurídica (http://www.iisj.net/?sesion=1347 ) que ministra um mestrado internacional em direito e sociedade. – Primeira sensibilização aos temas abordados na UC: breve discussão sobre as normas que decorrem do processo de Bolonha, nomeadamente: 1 ECTS = 25-30 horas de trabalho efectivo por semestre. Exemplo que revela várias evoluções: internacionalização do direito; hibridização das normas aplicáveis (do direito positivo ao contributo de várias disciplinas científicas e técnicas); redistribuição dos saberes (os juristas entre os vários especialistas que cooperam na implementação das políticas públicas); fragmentação do direito (diferenças entre um domínio como este – direito europeu do ensino superior – e domínios “tradicionais” que continuam estruturados à volta de códigos jurídicos); crescente distância entre os cidadãos – neste caso os estudantes – e as instâncias que produzem as normas que lhes dizem respeito. Evoluções que correspondem a evoluções macro-sociais que é, de maneira geral, importante perceber melhor; e que correspondem a transformações na natureza do trabalho dos juristas, que os próprios juristas devem perceber melhor, se quiserem ter alguma influência, mesmo que apenas marginal, sobre estas. Entre estas evoluções, a globalização que significa que o direito é cada vez menos apenas o direito do Estado onde nós nos encontramos; a crescente importância, ao lado dos Estados, de grandes organizações não públicas (empresas, ONG, etc.); as mudanças, ligadas a estes dois processos, que dizem respeito às próprias pessoas físicas.

28 de Setembro (1)

Primeira introdução geral às ciências sociais e à sociologia. Notas prévias: (a) Opta-se por uma apresentação da evolução histórica, para evidenciar as circunstâncias que favoreceram certas formas de pensamento. (b) Em rigor, não se trata apenas das ciências sociais e da sociologia mas, através destas disciplinas especializadas do conhecimento (o direito também é uma destas disciplinas especializadas), as nossas formas actuais de pensar em geral. (c) Exposição em boa parte inspirada nos autores que serão apresentados mais detalhadamente mais tarde. Vários elementos serão portanto retomadas nas próximas semanas. – (I) Surgimento das ciências humanas e sociais, entre as quais o direito: (i) considera-se como momento a partir do qual é possível reconstituir com algum rigor a evolução que conduz à diferenciação de ciências sociais a emergência da subjectividade renascentista. Ilustração deste processo através de pinturas que revelam a progressiva afirmação da subjectividade (a) pela maneira de identificar as pessoas representadas, de tratar o seu olhar, de organizar o quadro em função do olhar de um espectador, de assinar o quadro, afirmando-se como um “autor” (a sequência de reproduções apresentada na aula é posta a disposição dos estudantes, em oito ficheiros separados), formatadas para projecção. Este processo corresponde à tomada de consciência da possibilidade de dominar / de se dominar a si próprio, pelo conhecimento. (ii) Conduz ao desenvolvimento de novas práticas científicas, e, também, de uma nova forma de poder, baseada no reforço do conhecimento do mundo / das

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pessoas a dominar: o poder de Estado. No âmbito dos Estados que formam então, desenvolvimento progressivo de mecanismos permitindo um melhor conhecimento da colectividade a governar, nos seus diversos aspectos. Surgimento da geografia, da economia, da história, do direito, e de primeiros ensaios anunciando o que se chamará mais tarde linguística, demografia, etc. (iii) A dinâmica intelectual renascentista, combinada com reflexões sobre as práticas dos Estados conduz aos trabalhos filosóficos que se identificam com o Iluminismo. Estes trabalhos inspiram as revoluções – em particular na América do Norte e em França – pelas quais o Estado deixa de ser pensado incorporado no Rei, passando a ser considerado como emanando do conjunto das pessoas que formam uma nação. O conhecimento que se tinha começado a produzir para reforçar o poder do monarca deveria, nesta circunstância, passar a ser um conhecimento útil para todos os cidadãos, nomeadamente para lhes dar uma formação adequada para que possam participar na vida política. Um momento revelador precisamente desta intenção, que conduz a uma mais clara identificação das disciplinas do conhecimento: a criação do Institut no decorrer da Revolução Francesa, entidade na qual se pretendia reunir as principais entidades produtoras das ciências, e que se destinava a coordenar um sistema de ensino dirigido a toda a população (ver Tabela 1). Pode-se sustentar que é nesse momento histórico que se identifica claramente um conjunto de disciplinas como ciências sociais, sob a designação de ciências morais e políticas. A partir desta data, afirmação progressiva, no âmbito das universidades transformadas com a entrada na modernidade (em Portugal: reforma Pombalina), das várias disciplinas das ciências sociais.

Tabela 1:

Instituto nacional das ciências e das artes (décret du 3 Brumaire an IV,

25 de Outubro de 1795) Academia Francesa (Richelieu, 1635)

Academia Real de Escultura e Pintura

(Mazarin, 1648) Classe das Belas Artes Academia Real das Ciências

(Colbert, 1662) Classe das Ciências Físicas e Matemáticas Academia Real das Inscrições e

Medalhas (Colbert, 1663) Classe das Ciências Morais e Políticas (*) (**)

(*) Seis secções:

- Análise das sensações e das ideias - Moral

- Ciências sociais e legislação - Economia politica

- História - Geografia

(**) Abolida por Napoleão em 1803;

reestabelecida por Guizot em 1832.

Fontes: Encyclopaedia Universalis (“Académies”), Gusdorf, Introduction aux sciences

humaines, Paris 1974, p. 276 s., 1978, p. 308 s.

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Indicações quanto a trabalhos de estudantes a entregar durante o semestre. Deverão consistir em breves comentários de artigos, a escolher entre artigos (i) publicados em revistas especializadas no domínio direito e sociedade (pensa-se em primeira linha nas que estão à disposição na biblioteca da Faculdade), (ii) que fazem referência a um ou vários dos autores tratados nas aulas. Os trabalhos não podem ultrapassar um volume de quatro páginas por estudante, e deverão (i) apresentar brevemente a/o autor/a, (ii) apresentar brevemente a revista, eventualmente o número onde o artigo é publicado, (iii) identificar e comentar a principal interrogação da/o autor/a, (iv) analisar a maneira de utilizar o autor de referência, (v) fazer um balanço dos ensinamentos que se retirou desta analise, relacionando-a em particular com a matéria discutida nas aulas. Avaliação: serão brevemente discutidos numa das últimas aulas; a nota conta se for superior à do exame, valendo então como nota final a média entre a nota do exame e a do trabalho. – (2) Motivos da criação, entre as ciências sociais, de uma disciplina generalista, a sociologia : - necessidade de se dotar de instrumentos para analisar as estatísticas sociais, que são produzidos nomeadamente para responder à necessidade de melhor conhecer a gravidade da « questão social »; - necessidade sentida de « pensar a sociedade como unidade » face a fenómenos de « desintegração social » (Europa) ou face à nova heterogeneidade do tecido social urbano (Estados Unidos da América); - necessidade de criar um contrapeso ao materialismo histórico, interpretação global da realidade social que emana de intelectuais próximos do movimento operário. Comentários às respostas recolhidas através do questionário preenchido na primeira aula. – A sociologia abordada através da sua evolução histórica (Tabela 2). Observações preliminares: (1) Apresenta-se a evolução da sociologia como disciplina académica, ou seja como dispositivo de produção de conhecimento por uma actividade colectiva devidamente organizada, isto é dotada de mecanismos específicos de formação, comunicação, etc. (cursos universitários, revistas, associações, etc.). Neste sentido, não se inclui aqui Auguste Comte (1798-1867), a quem se atribui o lançamento do termo “Sociologia”, mas que tinha da ciência uma concepção ainda próxima da religião. (2) O quadro servirá de pano de fundo as apresentações de autores que se seguirão. (3) A evolução da sociologia não deve ser analisada como um fenómeno especificamente científico; é reveladora da evolução que conheceu o nosso modo – tanto científico como de senso comum – de olharmos para a realidade social e de nos identificarmos como colectividades. Etapas de evolução: (i) Fundação da disciplina (lançamento de revistas; criação de cadeiras e departamentos universitários especializados) ligada à preocupação de entender as transformações sofridas pelas sociedades em relação ao processo de industrialização. Exemplares: as obras de Émile Durkheim e Max Weber. (ii) na Europa, recuo entre as duas guerras (mas de referir o caso particular da Escola de Frankfurt); desenvolvimento nos EUA; (iii) envolvimento no esforço de reconstrução empreendido pelos governos depois da II Guerra Mundial; a sociologia torna-se mais “funcional” e especializa-se; (iv) reacção face aos aspectos “disciplinadores” da etapa anterior; crítica de um conhecimento condicionado pela procura de saber dos governos; apelos à inter- e transdisciplinaridade; (v) normalização progressiva procurando conciliar contribuição construtiva com distanciamento crítico; (v) fase actual marcada pelos processos ditos de “globalização”. Esta não é apenas um dos grandes temas (além das “sociedades nacionais, que deixam de ser uma referência óbvia: ver Immanuel Wallerstein); também condiciona as condições nas quais se faz investigação sociológica: já não são quase exclusivamente os Estados que a sustentam, mas também organizações supranacionais (nomeadamente a UE), assim como organizações não governamentais e empresas. Por outro lado, em parte em reacção a esta evolução, os governos dirigem à sociologia solicitações muito mais focalizadas, sujeitando a

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produção científica a novos condicionalismos. Conclusão: a evolução da sociologia revela o impacte que tiveram no nosso pensamento, sucessivamente, as experiências – dos efeitos sociais da industrialização, – do totalitarismo, – do desenvolvimento incentivado pelos Estados, – dos processos de globalização.

Tabela 2: Sociologia Fundação Émile Durkheim 1858-1917 L’Année sociologique (1896) Max Weber 1864-1920 Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (1903)

American Journal of Sociology (1895) Apagamento / Resistência Escola de Francoforte Max Horkheimer (1895-1973) Theodor W. Adorno (1903-69) Zeitschrift für Sozialforschung (1931-41)

Reconstrução Talcott Parsons

(1902-79) Robert K. Merton (1910-2003) Funcionalismo Interaccionismo Simbólico Erving Goffman (1922-1982) Críticas Michel Foucault (1925-1984) Jürgen Habermas (1929) Consolidação Pierre Bourdieu (1930-2002) Niklas Luhmann (1927-1998) Globalização

Boaventura de Sousa Santos (1940)

12 de Outubro (1)

Comentários às respostas dadas ao questionário do início do semestre. – Complemento à referência ao Auguste Comte, feita na aula anterior: inspirou um precursor da sociologia em Portugal: Teófilo Braga, autor de Sistema de Sociologia, 1884 (disponível na biblioteca digital da FD-UNL). Comentário à última frase desse livro, reveladora da concepção positivista da ciência, próxima da religião, e não fazendo uma distinção entre o âmbito científico e o âmbito político, pretendendo fundamentar directamente as instituições políticas em deduções científicas: “A doutrina positiva, como uma synthese da civilisação humana, é a que das numerosas deducções do passado tira as bases da construção, definindo a forma final do regimen da Sociocracia, ponto de convergencia de todos os esforços conscientes.” (Theophilo Braga, Systema de sociologia, 1884, p. 514). Este autor, no entanto, já não é citado hoje em dia em obras de sociologia, o que confirma as profundas diferenças entre o projecto do positivismo de Comte e o da sociologia universitária que se desenvolve a partir do fim do século XIX. – No desenvolvimento da sociologia, etapas da sociologia do direito (Tabela 3): (1) Para os

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Fundadores da disciplina: capítulo indispensável de uma sociologia geral. (2) A sociologia utilizada por juristas para propor um fundamento do direito alternativo à teoria do direito positivo; com a ambição de apoiar regras sociais num conhecimento científico da sociedade. O que conduziu ao corporativismo e faz parte de evoluções que levaram ao autoritarismo e ao totalitarismo. (3) A Escola de Frankfurt: motivo da sua criação: a preocupação dos intelectuais críticos em identificar melhor os factores culturais que condicionam o pensamento – tarefa urgente para perceber melhor como os trabalhadores, que tinham convicções internacionalistas, se deixaram convencer pelo nacionalismo e entraram na guerra – e em dotarem-se de um instrumento adequado à prossecução deste objectivo: um instituto de investigação que possa tirar proveito dos avanços das ciências sociais e dos benefícios de um entorno universitário. Instituto dirigido por Max Horkheimer, a partir de 1930, que dinamiza um grupo de investigadores cuja actividade é documentada pela Zeitschrift für Sozialforschung, publicada de 1932-1941. Notável realização organizativa, considerando que durante este período, o Instituto teve que abandonar a Alemanha e instalar-se nos Estados Unidos para fugir aos nazis. Principal interrogação: o que é que facilitou o surgimento do autoritarismo e do anti-semitismo. Neste âmbito, em particular os trabalhos de Franz Neumann (Behemoth, 1944) incidem no direito.

Tabela 3: Direito Sociologia Fundação Émile Durkheim 1858-1917 De la division du travail social, 1893 L’Année sociologique (1896) Max Weber 1864-1920 Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (1903) Rechtssoziologie, 1911 American Journal of Sociology (1895) Apagamento / Resistência A sociologia jurídica como alternativa ao positivismo Archives de philosophie du droit et sociologie juridique (1931-1940) Escola de Francoforte Max Horkheimer (1895-1973) Theodor W. Adorno (1903-69) Zeitschrift für Sozialforschung (1931-41) Franz Neumann, Behemoth, 1944 Reconstrução Normativismo Hans Kelsen (1881-1973) Reine Rechtslehre, 1934 Talcott Parsons (1902-79) Robert K. Merton (1910-2003) Funcionalismo Research Committee on Sociology of Law, 1962 Jean Carbonnier (1908-2003) Sociologie juridique, 1972 Interaccionismo Simbólico Erving Goffman (1922-1982) Críticas

“Critical Legal Studies” Michel Foucault

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Galanter, etc. Consolidação Pierre Bourdieu (1930-2002) Niklas Luhmann (1927-1998) Rechtssoziologie, 1972 Globalização Boaventura de Sousa Santos (1940) 12 de Outubro (2)

Indicações complementares na perspectiva dos trabalhos a entregar durante o semestre (II): (1) Escolhas podem ser comunicadas até a próxima semana por mail (pierre.guibentif@iscte.pt); (2) deve indicar-se os nomes dos que participam na elaboração do trabalho, ref. do texto escolhido, indicação do(s) autor(es) de referência citado no texto a analisar; (3) textos podem ser também retirados da internet, mas a fonte do texto deverá então ser cuidadosamente apreciada e caracterizada; (4) prazo de entrega: 7 de Dezembro. – Depois da II Guerra mundial, (4) uma etapa durante a qual se avança pouco em sociologia do direito. Os sociólogos entraram num processo de especialização, e não avançam no terreno do direito por este estar reservado às Faculdades de Direito; os juristas evitam a sociologia depois de doutrinas jurídicas inspiradas nela terem-se comprometido com os regimes autoritários. Ver a exigência de Hans Kelsen em voltar a um conhecimento do direito baseado apenas no próprio direito. (5) Sociologia jurídica promovida por juristas conscientes da necessidade de melhor conhecer as realidades sociais para melhor antecipar os efeitos das leis. Entre outros, Jean Carbonnier. Tomam a iniciativa da criação do Research Committee on Sociology of

Law nos anos 1960. (6) critical legal studies : contra uma visão tecnocrática do direito,

e insistindo na urgência de um trabalho transdisciplinar sobre o direito (7) regresso do direito como objecto de discussões genuinamente sociológicas, apoiadas em resultados de investigações conduzidas por cientistas sociais com longa experiência em matéria de direito. (8) Esta dinâmica de trabalho empírico cruza-se com os trabalhos de vários sociólogos e cientistas sociais – entre estes os autores tratados na UC – interessados em elaborar teorias mais globais da realidade contemporânea, às quais, no entender deles, deveriam estar particularmente atentas ao papel do direito. – Síntese das concepções do direito dos fundadores da sociologia (ver fragmentos 1 e 2 inseridos nos presentes sumários completos; não comentados nas aulas): Émile Durkheim quer entender a transição das sociedades arcaicas para as sociedades evoluídas. O que as distingue seriam as formas de “solidariedade”: passa-se de uma solidariedade “mecânica” para uma solidariedade “orgânica”, isto é: de uma moral que visa proteger cada um contra agressões dos outros, para uma moral que associa compromissos diferentes a diferentes funções sociais, para possibilitar uma complexa divisão do trabalho. Procura observar esta evolução empiricamente, e fá-lo analisando a evolução do direito: principalmente direito penal nas sociedades arcaicas; direito “cooperativo” nas sociedades evoluídas. – Max Weber quer entender a evolução das nossas formas de pensar o mundo, antes da modernidade muito ligadas à religião, a formas de “magia”; agora “racionais”, no sentido em que podemos olhar para a realidade sob vários ângulos: científico, jurídico, artístico, etc., tendo o nosso pensamento perdido o antigo nexo com formas tradicionais de religião e com a “magia” (Entzauberung). As transformações do direito contribuíram

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para esta evolução – Racionalização – nomeadamente pela maneira como os juristas se especializaram num saber sobre o direito apoiado cada vez mais nos conteúdos do direito positivo, desligando-o nomeadamente da religião. Transformações favorecidas pela Reforma e pelas necessidades geradas pelo desenvolvimento do comércio e da industria. – Implicações destes modelos para a reflexão de estudantes de direito na actualidade: poderão ajudá-l@s a considerar as matérias jurídicas que lhes são ensinadas – em particular quando se verificaram recentes reformas – como reveladoras de características mais abrangentes da sociedade. O que estão a descobrir neste curso não é apenas o direito, mas também a sociedade que gerou este direito e que este direito vai nalguma medida marcar.

Fragmento 1:

DURKHEIM, Émile, A divisão do trabalho social, Lisboa, Editorial Presença, 1977 (trad. de De la division du travail social, Paris, publ. orig. : 1893 ; novo prefácio : 1902).

[p. 79] « A divisão do trabalho desempenharia um papel muito mais importante do que o que se lhe atribui vulgarmente. Ela não serviria somente para dotar as nossas sociedades de um luxo, talvez invejável, mas supérfluo ; seria uma condição da sua existência. É através dela, ou pelo menos sobretudo através dela, que seria assegurada a sua coesão ; é ela que determinaria os traços essenciais da sua constituição.

(…) é preciso verificar a hipótese que acabamos de apresentar sobre o papel da divsião do trabalho.

Mas como proceder a esta verificação ?

(...) é preciso sobretudo determinar em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a integração geral da sociedade.

[p. 80] (…) Para responder a esta questão (…) é indispensável começar por classificar as diferentes espécies de solidariedade social.

Mas a solidariedade é um fenómeno completamente moral que, por si próprio, não se presta à observação exacta nem sobretudo à medida. Para proceder, quer a esta classificação, quer a esta comparação, é preciso portanto substituir o facto interior, que nos escapa, pelo facto exterior, que o simboliza, e estudar o primeiro através do segundo.

Este símbolo visível é o direito. (…) Com efeito, a vida social, por todo o lado onde ela existe de uma maneira durável, tende inevitavelmente a tomar uma forma definida e a organizar-se, e o direito não é outra coisa senão esta mesma organização, naquilo que tem de mais estável e de mais preciso. A vida geral da sociedade não pode estender-se num certo sentido sem que a vida jurídica para aí se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção. Podemos assim estar certos de encontrar refectida no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social.»

[Índice :]

« Solidariedade mecânica ou por similitudes : (…) As normas que o direito penal sanciona exprimem portanto as similitudes sociais mais essenciais ; por consequência, corresponde à solidariedade social, a qual deriva das semelhanças , e varia com ela. (…)

A solidariedade que deriva da divisão do trabalho ou orgânica : (…) Relações positivas ou de cooperação que derivam da divisão do trabalho regem-se por um sistema definido de normas jurídicas que se pode chamar de direito cooperativo. »

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Fragmento 2:

WEBER, Max, Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade), Tübingen, 1ª

edição 1921 (citado a partir da 5ª ed., Tübingen, Mohr, Siebeck, 1976).

[p. 198] « Efectivamente, uma ordem económica de tipo moderno, sem dúvida, não se poderia realizar sem uma ordem jurídica com características muito especiais, as quais se podem concretizar, na prática, apenas no âmbito de uma ordem ‘estadual’. A economia contemporânea baseia-se em hipóteses [de negócios] adquiridas através de contratos. Existe algum interesse próprio de cada um na ‘lealdade nos contratos’, assim como interesses comuns dos possuidores na protecção recíproca da posse. E ainda hoje os usos e os costumes determinam com alguma força o indivíduo. Mas a influência destas forças sofreu uma extraordinária perda de significado como consequência do abalo da tradição – por um lado das condições ordenadas pela tradição, e por outro lado, da crença no seu carácter sagrado. Os interesses das classes divergem como nunca. A rapidez das transacções exige um direito que funcione de maneira rápida e segura, isto é, com a garantia do mais forte poder de coerção. E, acima de tudo, a economia moderna, em virtude das suas particularidades, aniquilou as outras associações, que sustentavam o direito e as suas garantias. Isto foi a obra do desenvolvimento do mercado. O domínio universal de uma formação social assente no mercado exige (…) um funcionamento do direito calculável, na base de regras racionais. »

(conclusão do capítulo I da Segunda Parte, « A economia e as ordens sociais »)

[p. 513] « (…) em todos os casos, o destino inevitável, em consequência do desenvolvimento técnico e económico, será (…) um crescente desconhecimento, por parte dos leigos, de um direito cuja substância técnica vai aumentar constantemente, ou seja a profissionalização do direito, bem como a qualificação do direito actualmente em vigor como aparato técnico e racional, isto é, susceptível de ser modificado em qualquer altura em função de finalidades racionais, e cuja substância perdeu qualquer carácter sagrado. »

(conclusão do capítulo VII da Segunda Parte, « Sociologia do direito »)

19 de Outubro (1)

Tabela 4:

O direito, tema central nas interpretações sociológicas clássicas

Correspondência entre formas de sociedade e formas de direito

Sociedade Direito

Durkheim Divisão do trabalho Direito cooperativo aumenta traduz alterações da moral social Weber Racionalização Profissionalização

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Dessacralização Parsons Sistema Função de integração

Neumann Conflito Instância de compromisso, sob certas condições Instrumentalizável, até certo ponto

O direito, tema marginal no desenvolvimento da sociologia no Pós-Guerra A interacção, estruturada nomeadamente pelo direito

Parsons Interacções em contextos

profissionalizados As profissões jurídicas entre as leis e as pessoas Goffman Interacções em instituições Adaptação primária / segundária às regras

A sociologia jurídica fundada por juristas

Programar a observação empírica dos factos jurídicos

“Auto-entendimento” do direito Hipóteses juris-sociológicas

Carbonnier e outros “Panjurismo” Unidade Validade Publicidade Igualdade Aplic. dispositivo

Atenção ao “Não direito” Pluralismo jurídico (In)efectividade

Knowledge and Opinion about Law “Justiça de classe”

Efeitos inesperados

Abordagens sociológicas ao direito dos fundadores ao pós-segunda guerra mundial (Tabela 4): (1) Breve evocação de Durkheim e Weber, introduzidos na aulas anterior. – (2) Franz Neumann (fragmento 3): valoriza o “compromisso político” alcançado depois da I Guerra Mundial, depois do movimento operário ter alcançado “um novo significado”, mas verifica também o fim deste “sistema contratual”, pela eliminação das forças políticas que o sustentavam, enquanto se impõe o partido nacional-socialista. (b) Funções do direito: não apenas estruturar a actividade económica (Weber), mas (i) facilitador de negociações políticas; ou também (ii) instrumento das “concepções políticas dominantes”. – (3) Os sociólogos americanos que dominam a sociologia no Pós Segunda Guerra Mundial: Talcott Parsons. Apresentação sumária da teoria dos sistemas deste autor: necessidade para qualquer sistema (tanto social como, por exemplo, biológico) de se cumprirem quatro funções: Adaptação, Goal Attainment, Integração, Latent Pattern Maintenance (AGIL). Neste contexto: o direito como um sub-sistema que contribui para a integração do sistema. Mais tarde, procura operacionalizar este modelo à escala das interacções entre profissionais do direito e não juristas (ilustração: ver fragmento 4). Função geral das profissões: facilitar as ligações entre componentes diferentes de uma sociedade complexa. No caso dos juristas entre os governos e os particulares, o que pode ser considerado uma função de “controlo social”. Não conceber este controlo social como um simples contribuir para a implementação das orientações decididas pelos governos. O jurista não deve apenas fazer entender às pessoas o que devem fazer, mas também as liberdades que a lei lhes deixa. No exercício desta liberdade, os indivíduos podem contribuir para uma sociedade efectivamente “dinâmica”. – Erving Goffman: autor representativo de uma geração que reage ao funcionalismo de Parsons. Pretende-se agora estudar não tanto os grandes subsistemas sociais, mas sim as interacções concretas entre as pessoas. Nestas interacções, as

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pessoas adaptam-se aos constrangimentos impostos pelo contexto institucional, fenómeno que Goffman observa em particular num hospital psiquiátrico.

Fragmento 3:

Neumann, Franz (1937), “Der Funktionswandel des Gesetzes im Recht der bürgerlichen Gesellschaft” (A transformação da função do direito na sociedade burguesa), Zeitschrift für Sozialforschung, 1937 (cit. a partir da reedição em

Demokratischer und autoritärer Staat, Francoforte, Fischer Wissenschaft, 1986.

[p. 55] « A teoria e a prática do direito sofrem uma mudança determinante no período do capitalismo monopolístico, que começa na Alemanha com a República de Weimar. Para a compreensão das transformações do direito, deve ter-se em conta não apenas as evoluções estruturais económicas, que já foram descritas muitas vezes. O facto político determinante na República de Weimar é o novo significado do movimento operário depois de 1918. A sociedade burguesa já não podia ignorar a existência de uma oposição de classes e tinha, (…) considerando este facto, que construir de alguma forma uma constituição. A solução técnica aqui foi o contrato, única maneira de se alcançar um compromisso político. (…)

[p. 57] « Um sistema contratual apenas pode funcionar se os parceiros contratuais subsistem (…). O partido democrático, no entanto, desapareceu quase completamente na evolução política ulterior. Novos partidos, antes de mais o partido nacional-socialista alemão, surgiram e dominaram numericamente os partidos tradicionais. A crise impediu os parceiros contratuais capitalistas em cumprir as suas obrigações contratuais, em particular a manutenção das instituições sociais. (…)

[p. 58] Às transformações das estruturas económicas e políticas correspondeu uma viragem radical na teoria e na prática do direito. (…)

[p. 62] Um direito natural oculto tinha sido, na realidade, aplicado sem escrúpulos durante todo este período. O tempo de 1918 a 1932 caracterizou-se por uma aceitação quase geral da doutrina do direito livre (Freirechtsschule), pela destruição da racionalidade e da calculabilidade do direito, por restrições ao sistema contratual, e por uma vitória das cláusulas gerais sobre as verdadeiras regras jurídicas. (…)

[p. 67] No Estado autoritário, o significado das cláusulas gerais torna-se mais claro ainda. (…) Possibilitam uma aplicação das concepções políticas dominantes também nos casos onde são contraditas pelo direito positivo. Com efeito, na aplicação das cláusulas gerais, o juiz não deve, hoje, recorrer a uma ‘apreciação subjectiva’ ; ‘na aplicação das cláusulas gerais pelo juiz, pelo advogado (…) ou pelo docente de direito, são os princípios do Nacional-Socialismo que intervêm, imediatamente e exclusivamente’ (Carl Schmitt, 1933). (…) Existe unanimidade na literatura nacional-socialista neste ponto : a lei não é mais que a ordem do Führer, pois o direito ‘pre-revolucionário’ apenas tem validade por força da vontade do Führer. »

Fragmento 4:

Parsons, Talcott (1954), “A Sociologist Looks at the Legal Profession”.

[p. 381] “Esta exposição recordou factos bem conhecidos de todos os juristas […]. Referi-os, no entanto, para que fique claro que a profissão jurídica tem um lugar na nossa estrutura social, e que cumpre funções, no âmbito desta, das quais o jurista médio tem apenas uma consciência parcial. Este jurista faz o seu trabalho, no tribunal, representando o seu cliente, etc. de acordo com as instruções deste e sente, justificadamente, que este trabalho também é importante para a sociedade. O ponto essencial a tratar em conclusão é mostrar de que maneira […] estas funções são úteis

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para a sociedade.

Desde que se tenha o cuidado de qualificar adequadamente traços específicos do seu papel e da sua situação, a profissão jurídica partilha características com outras profissões. […]

O mais importante é que um membro de uma profissão se encontra entre dois aspectos da nossa estrutura social; no caso do direito entre a autoridade pública e as suas normas, por um lado, e o indivíduo privado ou o grupo cujas condutas ou intenções poderão ou não estar em conformidade ou não com a lei. […]

[p. 382] As profissões, neste sentido, podem ser consideradas, sociologicamente, como o que chamamos ‘mecanismos de controlo social’. Podem, como é o caso dos professores, ajudar a ‘socializar’ os jovens, conduzi-los a corresponder às expectativas que são associadas à plena participação, ou, como é o caso dos médico, podem ajudá-las, no caso em que se desviaram, a voltar a pôr-se em acordo [com estas expectativas]. Pode presumir-se que a profissão jurídica faz isto, mas também faz duas outras coisas; primeiro prevenir o desvio, aconselhando o cliente de tal forma que este se mantenha mais em conformidade com as leis, eventualmente arrefecendo os seus ânimos; e, em segundo lugar, nos casos graves, representando o cliente no processo que conduzirá a uma decisão socialmente sancionada sobre o estatuto deste, decisão que determinará se este é inocente ou autor de um crime.

[p. 384] […] A sua função em relação aos clientes não é, de modo algum, apenas ‘dar-lhes o que quiser’, mas em muitos casos de resistir as suas pressões e levá-los a tomar consciência de aspectos mais graves da sua situação, não apenas com referência ao que poderiam, mesmo com um apoio jurídico muito hábil, sofrer como consequências, mas também com referência ao que a lei lhes permitirá fazer. Neste sentido, o advogado representa uma espécie de amortecedor entre os desejos ilegítimos dos seus clientes e o interesse da sociedade. Neste caso, ‘representa’ a lei, mais do que o seu cliente.

[p. 385] […] A conclusão destas considerações de senso comum é que o sociólogo deve considerar as actividades das profissões jurídicas como um dos mecanismos muito importantes pelos quais se mantém um relativo equilíbrio numa sociedade dinâmica e bastante instável.”

[Nota de apresentação: “A substância deste artigo foi apresentada no primeiro seminário organizado na ocasião do 50º aniversário da Faculdade de Direito de Chicago, em 4 de Dezembro de 1952.”]

19 de Outubro (2)

Indicações complementares na perspectiva dos trabalhos a entregar durante o semestre (III): último prazo para envio de escolhas de texto: 22 de Outubro de 2010. – (5) Os juristas sociólogos dos anos 1960: preocupação de orientar o trabalho de investigação empírica por hipóteses claramente formuladas. Construção destas hipóteses essencialmente pela negação das grandes características que o direito se dá, por assim dizer, a si próprio (ver tabela 4). – Implicações possíveis destas sucessivas etapas do pensamento jurissociológico para a aprendizagem actual do direito: (a) estar atento as funções do direito, além das finalidades imediatas dos dispositivos legais (Parson, Neumann). Mais fácil quando se pode acompanhar a evolução de um ramo do direito durante um certo espaço de tempo. Duas funções antagónicas a ter particularmente em conta (Parsons / Neumann, uma vez mais): integração / formulação de conflitos. (b)

(13)

Procurar aceder à perspectiva dos destinatários da lei e saber como a (não) entendem, e como a utilizam (Goffman, Carbonnier et al.). (c) Entender o direito como uma forma particular de pensar (Weber). Uma característica que se poderá aprofundar, em particular, comparando ensinos de vários grandes ramos do direito (privado, público, penal). – Foucault (ver sinopse, em documento separado): primeira abordagem. Observações prévias: (a) Lugar na evolução geral apresentada (Tabela 3): autor que recusa influências de outros autores. Não pode ser facilmente associado a outros autores. (b) Grande parte da obra publicada depois da sua morte em 1984: nomeadamente as aulas dadas no Collège de France desde 1997. Breve apresentação do Collège de France. Actualmente: uma professora jurista: Mireille Delmas-Marty. Percurso de Michel Foucault: (1) Passos iniciais: (i) formação no domínio psiquiátrico; adere por algum tempo ao partido comunista, que procurava nessa época ganhar apoios junto dos intelectuais e universitários. (2) Estadias em vários países como responsável de institutos culturais franceses; experiência de regimes políticos exercendo um forte controlo social. Elaboração da tese de doutoramento sobre a história da loucura, com os objectivos (i) de perceber melhor os mecanismos actuais de controlo sobre as pessoas; (ii) de entender melhor as nossa formas de pensar, a partir das nossas representações dos que não estariam em condição de pensar bem. A seguir, outro livro, com perspectiva oposta: análise das formas “ordenadas” de pensamento: “As palavras e as coisas”. Livro que dá grande importância aos mecanismos por assim dizer internos aos discursos, colocando os “sujeitos” no segundo plano. Uma abordagem “estruturalista” que vai ser contraposta à dos “existencialistas” (em particular Sartre; a comparação entre as duas perspectivas é fomentada pelo editor dos dois autores) que valorizavam principalmente a pessoa (uma abordagem ligada ao estado de espírito que prevalece depois da segunda Guerra Mundial). Comentário à última frase de As palavras e as coisas, que refere o desaparecimento de uma certa noção da pessoa humana.

26 de Outubro (1)

Breve informação sobre Mireille Delmas-Marty, actualmente professora no Collège de France, de alguma forma sucessora de Foucault, cujos trabalhos aliás tem comentado nas suas publicações ( ver http://www.college-de-france.fr/default/EN/all/int_dro/ ). Deverá dar uma conferência no ISCTE-IUL em 30 de Junho de 2011 sobre o tema: “Como humanizar os mercados?” - Foucault (cont.) – quatro principais etapas na evolução do seu pensamento: (1) Primeiras investigações, orientadas pelo projecto intelectual central de pensar os “sistemas de pensamento”, além do que podem pensar aqui e agora pessoas individuais; criando as condições de / condicionando pensamentos individuais. Projecto concretizado na História da Loucura onde Foucault examina a maneira como se trataram as pessoas “insensatas” ao longo da história recente da humanidade. Raciocínio subjacente: o que sabemos do tratamento que merecem os “insensatos” orienta as nossas actuais preocupações de aparecer, pelo que dizemos, como minimamente “sensatos”. Em As palavras e as coisas, analisa como se criam, nas disciplinas intelectuais, maneiras de organizar o nosso pensamento, que variaram ao longo da história. (2) Com os debates que suscitou As palavras e as coisas, Foucault torna-se uma figura pública, cujo nome é associado ao Estruturalismo, corrente de pensamento que sustenta que, para entender a realidade social, é mais importante estudar as estruturas do que os actores. Consegue entrar no Collège de France. (3) Aplicação de elementos dos raciocínios elaborados nas obras anteriores ao domínio penal em Vigiar e Punir. Intenção deste livro: alterar as condições nas quais se debatem

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os problemas das prisões. Modo de abordar o tema: situar as prisões no contexto de um sistema de pensamento mais amplo - Forte insistência na noção de controlo social (experiência de regimes autoritários na Tunísia, no Leste europeu, na própria França, com uma certa “crispação” do regime político nos últimos anos da presidência de De Gaulle. Tema ainda central no primeiro volume da história da sexualidade. (4) Os dois volumes seguintes são publicados oito anos mais tarde e adoptam uma perspectiva radicalmente diferente (Tabela 5 [não exibida na aula]): entender como podemos fazer de nós próprios a experiência de sermos sujeitos que pensam. Ou seja, Foucault aborda sucessivamente dois aspectos radicalmente diferentes das nossas sociedades: o desenvolvimento de mecanismos de controle, por um lado; a importância crescente da subjectividade, por outro. – A mudança no pensamento de Foucault entre 1976 e 1984: Caracterização da mudança na base da comparação entre os dois planos da “História da Sexualidade”. As duas perspectivas sucessivas (pelo “controlo social”, por um lado; pelos “sujeitos” por outro) como, de alguma maneira, complementares. Etapas sucessivas desta mudança: (1) governo pela repressão; (2) governo dinamizador de actividades sociais (governamentalidade), actividades essas animadas pela capacidade que temos de reagir ao governo; (3) as reacções dos sujeitos colectivos (caso do Irão na Revolução de 1978); Foucault primeiro fascinado, depois preocupado em distanciar-se do regime que progressivamente se instala nesse país. (4) as reacções dos sujeitos individuais, da experiência de ser governado ao governo de si.

Tabela 5

Os dois planos de Histoire de la sexualité

1976 1984

1. La volonté de savoir (1976)

2. La chair et le corps 2. L’usage des plaisirs (1984)

3. La croisade des enfants 3. Le souci de soi (1984)

4. La femme, la mère et l’hystérique 4. Les aveux de la chair 5. Les pervers

6. Population et races

Os volumes publicados são mencionados em bold.

26 de Outubro (2)

Lugar dos dois textos disponibilizados neste percurso: A verdade e as formas jurídicas ainda na fase “controlo social”; A governamentalidade já depois da viragem que vai conduzir à reflexão sobre o sujeito que se governa a si próprio. – Modo de trabalhar de Foucault: privilegia a escrita; faz evoluir o seu próprio pensamento pela redacção de livros. Importância particular dos livros nas ciências sociais, onde se trata analisar não apenas determinados elementos da realidade, que podem mudar rapidamente, mas também a maneira como esta realidade, com as suas mudanças, altera as condições do trabalho em ciências sociais. – Apresentação sintética das teses de Foucault (tabela 6). – Em relação a este quadro, resumo das teses de Vigiar e Punir.: a prisão passou a ser concebida como um dispositivo “disciplinar”, num contexto no qual as estruturas de

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poder se tornaram, de maneira geral, disciplinares, isto é: assente em mecanismos de apertada vigilância, que (a) permitem acumular dados sobre as populações (cujo tratamento dará lugar ao desenvolvimento de ciências sociais), (b) levam cada um a vigiar-se a si próprio, sabendo que é actualmente vigiado. Reveladora desta modalidade de poder: a arquitectura “panóptica”. – Vigiar e punir como uma obra produzida já entre as fases (3) e (4): veja-se a última frase do livro, que refere o “grondement de la bataille”. – O “sistema de pensamento” de Michel Foucault (não uma estrutura rígida e permanente, mas elementos que têm alguma estabilidade no tempo): duas ordens de realidade: os discursos por um lado; as práticas discursivas por outro. Entre estas, duas linhas de trabalho de Foucault: a “arqueologia” (entender as práticas a partir dos sistemas de pensamento); a “genealogia” (entender como surgem sistemas de pensamento a partir de práticas. Por sua vez as práticas poderão ser condicionadas: (a) por dispositivos materiais; (b) por relações de força; (c) pelas relações que cada pessoa humana tem consigo própria. – Com este “sistema” como pano de fundo, cinco reflexões sobre o direito: (1) o discurso jurídico pode ter uma consistência susceptível de condicionar fortemente o pensamento dos juristas em dado momento (vejam as teses de Álvaro Pires e a sua escola, sobre a Racionalidade penal moderna); (2) as práticas jurídicas são condicionadas por relações de poder; a questão, na actualidade reside na complexidade/opacidade destas relações, agora que as grandes frentes de confrontação social se diluíram; [por sua vez, o direito como implicado em mecanismos de exercício do poder; actua em combinação com outros discursos, nomeadamente as ciências]; (3) processos jurídicos / judiciários podem, pelas reacções que podem suscitar nos/nas que neles se encontram envolvidos/as, favorecer tomadas de consciência de uma subjectividade, da sua capacidade de actuar criativamente como sujeito; (4) as praticas discursivas jurídicas são condicionadas por dispositivos materiais, mas também hoje em dia, imateriais: as aplicações informáticas de implementação das políticas públicas, a internet; (5) transformações do direito ligadas a transformações de sistemas de pensamento: do direito dos códigos (ordem da razão), ao direito instrumento de políticas públicas sectoriais e requerendo permanente avaliação dada a opacidade da realidade social actual.

Tabela 6:

História da Loucura Palavras e Coisas Vigiar e Punir Aulas posteriores Antiguidade Subjectivação pelas

“práticas de si” e pelo falar de si; poder pastoral pelo acompanhamento deste discurso de cada um.

Idade Média Loucura manifesta o

“não humano” As legenda. Ditam o coisas são

que podemos dizer.

Suplício

manifestando poder

do Rei. Governamentalidade “Idade Clássica” Loucura deve ser

excluída (“grand renfermement”)

Os nossos discursos podem ordenar o mundo.

Semântica penal que produz discurso ordenado sobre a sociedade.

Época actual Doença mental pode ser estudada e tratada.

O mundo tornou-se opaco; o problema é o sujeito (homem) que deverá ser capaz de o decifrar ao menos nalguma medida. Disciplina panóptica. (ver imagem no livro). Procura-se conhecer cada um o melhor possível, controlando melhor para explorar melhor. Incentivo das reacções dos sujeitos

práticas dos sujeitos Entre as épocas não há “progresso” mas sim rupturas;

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2 de Novembro (1)

Luhmann: recepção internacional; situação no panorama geral (Tabela 3): principais ligações: formação com Talcott Parsons; debate com Jürgen Habermas. O percurso: biografia (ver sinopse, documento separado): jovem no fim da guerra; inicia vida profissional na fase de intensiva reconstrução da RFA; formação como jurista; tempo nos EUA onde tem aulas com Talcott Parsons; doutora-se em sociologia; entra em sociologia formulando o seu programa de trabalho sob o título “Soziologische Aufklärung”; entra em Bielefeld onde permanece até se reformar, implementando o seu projecto de investigação: formular uma teoria da sociedade. Apresentação da obra: três fases: livros de ciência da administração; livros de sociologia do direito e de sociologia geral, formulação da sua teoria dos sistemas e realização metódica de um programa de publicações percorrendo os vários sistemas funcionais diferenciados, até abordar – último livro do autor – a própria sociedade. – Explicação da produtividade do autor: diz não dedicar-se principalmente à escrita de artigos e livros, mas sim ao preenchimento do seu ficheiro de trabalho (Zettelkasten; um pequeno filme sobre este ficheiro, razoavelmente bem realizado, esteve durante algum tempo acessível em“YouTube” ). Relação entre o funcionamento deste ficheiro e o conceito de sistema social em Luhmann: conjunto delimitado em relação ao exterior, que funciona pela forma como se estabelecem relações internas.

2 de Novembro (2)

Luhmann: as propostas teóricas. forte influência de Parsons. Opções teóricas de Luhmann: não se limitar às quatro funções identificadas por Parsons; procurar entender melhor como funciona, isto é: o que é um sistema. Principais elementos da sua teoria: entender os sistemas a partir das suas operações, da maneira como estas se ligam umas com as outras, e da maneira como certos encadeamentos de comunicações se distinguem de outros. Resumo da teoria da “autopoiese”: um sistema existe pelo facto de acontecerem, aqui e agora, operações com certas características. Desenvolvimentos desta teoria: (a) ao mesmo temo que se processa uma operação, podem estabilizar-se elementos susceptíveis de serem mobilizados noutras operações (exemplo: as letras na escrita; as palavras no falar); (b) as estruturas que dão os melhores resultados poderão ter mais hipóteses de se manterem, o que pode explicar evoluções; (c) entre sistemas diferentes, não pode haver relações imediatas; têm que existir mecanismos de “structural coupling”. – Tipos de sistemas: organismos, sistemas psíquicos, sistemas sociais. Entre os sistemas sociais: interacções, organizações, sistemas funcionalmente diferenciados, a sociedade-mundo. Exemplo de “Structural coupling” entre diferentes sistemas funcionais: a constituição entre sistema político e sistema jurídico. Entre sistemas psíquicos e sistemas sociais: nomeadamente a língua: serve para comunicar e para pensar. Aplicação do modelo (a) observar situações concretas de comunicação (exemplo: uma aula); (b) ter em conta o facto de, nesta situação, vários sistemas sociais se “cruzarem-se”: está-se, simultaneamente, a trabalhar cientificamente, a formar pessoas, a implementar disposições organizacionais (a funcionar no âmbito de uma faculdade), a interagir entre pessoas que estão no mesmo momento na mesma sala. – O direito na teoria dos sistemas de Luhmann: o direito, um sistema funcionalmente diferenciado entre outros, com mecanismos de structural coupling que o ligam a estes.

(17)

A prática do direito como, simultaneamente, operações do sistema jurídico, operações das organizações que sustentam o funcionamento do sistema jurídico (entre estas, um tipo sui generis de organização complexa sui generis: os sistemas jurídicos nacionais), e operações correspondendo a interacções. O sistema jurídico como, também, um plano de comunicação mundial pela qual se concretiza actualmente, embora imperfeitamente, uma sociedade-mundo. – Direito e sistemas psíquicos: os direitos subjectivos como estabilizando expectativas normativas (que são mantidas mesmo em caso de decepção), que, simultaneamente, orientam as nossas percepções, e permitem formular pretensões na comunicação, ou seja os direitos subjectivos são um mecanismo de structural

coupling entre sistemas psíquicos e sistemas sociais.

9 de Novembro (1)

(1) Habermas: situação no panorama geral: situa-se na linha da Escola de Frankfurt; debate com Luhmann; relações com os outros autores. Percurso : (a) No imediato pós guerra, confrontado com fragilidades da democracia na República federal; vontade de melhor entender o funcionamento do espaço público, como dispositivo necessário à democracia. Etapa de trabalho no Institut für Sozialforschung, que tem que deixar, sendo considerado como demasiado radical por Horkheimer. (b) Face aos problemas encontrados no espaço público, privilegia por algum tempo o debate no interior da universidade; intervém no chamado “Positivismusstreit”, debate entre os que preconizam uma ciência assente em procedimentos rigorosos de observação, e os que consideram que as próprias condições de observação devem ser postas em discussão. (c) Em 1968, simpatiza numa primeira fase com os estudantes. Mais tarde, qualifica de “Fascismo de esquerda” certos excessos, o que conduz à ruptura com o movimento estudantil. Procura então distanciar-se dos debates públicos. (d) Fase conduzindo à redacção da Teoria da actividade comunicacional: debate com Niklas Luhmann; direcção, com Carl von Weizsäcker, de um Instituto Max-Planck para o estudo das condições de vida na sociedade técnico-científica. Trabalho sobre a TAC como reflexão sobre as condições da comunicação em debates públicos e em debates especializados. (e) Regresso à universidade. Trabalho mais filosófico de “ética da discussão”; debate com filósofos “pós-modernos”, entre os quais Foucault; intervenção em debates públicos sobre o papel da Alemanha na história. Passa a separar duas linhas de publicações: os trabalhos “académicos”; e os “escritos políticos” (Kleine politische

Schriften). (f) Passa a tratar a questão normativa: como deveremos organizar a nossa

comunicação para podermos, enquanto sociedade complexa, governar-nos a nós próprios. Importância do direito. Trabalho de vários anos, em debate com juristas alemãs e de outros países, sobre o papel do direito nas sociedades modernas. Conduz a

Facticidade e Validade. (g) época mais recente: intervenções em debates públicos sobre

vários temas. Entre os principais focos de interesse: o governo na sociedade-mundo e na Europa.

9 de Novembro (2)

Modo de trabalhar de Habermas: privilegia a comunicação (ver os vários livros-debate que publicou); mas talvez mais importante: a escrita das suas intervenções nos debates, que nunca gostou de improvisar oralmente. As propostas teóricas de Habermas. A teoria da actividade comunicacional: condições nas quais comunicamos evoluíram na modernidade. Por um lado, existem âmbitos nos quais produzimos sentido / damos

(18)

sentido ao que nos rodeia e ao que nos acontece num processo de comunicação no qual também nós nos identificamos com locutores (tomamos consciência de nós próprios quando já estamos a comunicar). Por outro lado, existem domínios (sistemas) nos quais os indivíduos deixaram de dominar actualmente os símbolos que mobilizam (não se pode redefinir aqui e agora o sentido das palavras e outros símbolos que utilizamos): na administração e na economia: não se podem discutir os poderes legalmente atribuídos, a não ser em novos processos legislativos; não se discute o valor do dinheiro. Um problema que as sociedades modernas deve solucionar é o da relação entre estes dois âmbitos. Numa primeira etapa, Habermas aborda-a, em vários locais na Teoria da

Actividade Comunicacional à luz da tese da “colonização da Lebenswelt”: o domínio

dos sistemas estender-se-ia progressivamente, enquanto diminuiria o âmbito onde podemos definir o sentido das nossas experiências. Este tese é ilustrada por Habermas pelos resultados de investigações de sociologia do direito, que observam a tendência em regulamentar cada vez mais domínios da actividade social, nomeadamente a família e o sistema educativo, por normas jurídicas: a chamada “juridicização” (ver o texto de Habermas dedicado a este tema). Numa segunda fase, interessa-se pela maneira como a

Lebenswelt “cerca” os sistemas. Em Facticidade e validade aprofunda, em termos mais

gerais, como os dois âmbitos se relacionam, reconhecendo ao direito um papel crucial : garantir a mediação entre sistemas e Lebenswelt; garantir a coexistência de grupos com formas de vida e experiências do mundo muito diferentes. Pretende identificar de que maneira o direito pode desempenhar estas funções. Em primeiro lugar, pode articular sistemas e Lebenswelt pelo facto de os procedimentos jurídicos formalizados (tomada de decisão administrativa; debate parlamentar) terem lugar sempre no contexto de debates espontâneos. Em virtude desta característica dos procedimentos jurídicos, o direito funciona como um conjunto de “comportas” pelas quais os temas interessando o público podem ser canalizados para as arenas de debate formalizado. – Ensaio de esquematização da teoria do direito de Habermas, em três passos: (1) o direito situa-se entre Lebenswelt e sistemas. Com efeito, a sua prática consiste simultaneamente em participar em processos formalizados e em discutir de maneira criativa princípios gerais; o direito participa na formação dos sistemas (direito-medium) e no reforço das condições que permitem uma comunicação na qual os vários interlocutores podem contribuir para a invenção de projectos e significados novos; o direito pode facilitar a expressão de aspirações, do lado da Lebenswelt e a identificação, do lado dos sistemas, dos meios que poderão concretizar estas aspirações. (2) O direito que reúne estas características pode contribuir para a articulação entre Lebenswelt e sistemas, mas em contrapartida, apenas conseguiu alcançar estas características tornando-se mais profissional, sendo por isso mais difícil entender pelo não especialista. Fenómenos semelhantes se verificam com a ciência e com a arte, o que Habermas pôde observar de perto ao passar da posição do cientista à posição de interveniente num debate de política do direito. (3) Nestas condições, o direito poderá contribuir para a integração das sociedades modernas, na condição de ser praticado de acordo com uma determinada concepção. Habermas considera que se podem distinguir hoje três concepções do direito que chama paradigmas: o paradigma formalista, o paradigma providencialista e o paradigma processualista. Habermas procura valorizar o paradigma processualista, que consiste em praticar o direito com particular atenção à noção que os não juristas têm do direito e dos seus direitos, e à efectiva participação das pessoas nos processos que lhes dizem respeito.

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23 de Novembro (1)

Habermas (cont.): Intervenções públicas desde os anos 1990. (1) Aplicando a TAC, Habermas preconiza a reunificação da Alemanha pela via da elaboração de uma nova constituição, que cria as condições para um procedimento no qual os Alemães poderão desenvolver uma experiência comum da reunificação. Afinal optou-se pela outra solução: manter o Grundgesetz, os Länder da RDA aderindo a este. O debate não teve lugar. A integração entre as duas partes da Alemanha continua a ser, hoje ainda, um tema sensível. (2) Em 2003, depois da segunda guerra do Iraque, interroga-se sobre as consequências do facto de os Estados Unidos terem actuado sem ter procurado alcançar um entendimento com a comunidade internacional no âmbito do Conselho de Segurança. (3) Em 2005 sobre a necessidade de os cidadãos dos Estados europeus se experienciarem a si próprios como cidadãos não apenas do seu país mas também da Europa. (4) Trabalhos mais recentes do Habermas incidem no direito internacional. Trata-se dos dois textos seguintes:

HABERMAS, Jürgen (2004), « Hat die Konstitutionalisierung des Völkerrechts noch eine

Chance ? » [Ainda haverá alguma hipótese de constitucionalização do direito dos povos?], in : Der gespaltene Westen [O Ocidente divido] (2004), pp. 113-193. – (2005), « Eine politische Verfassung für die pluralistische Weltgesellschaft ? »

[Uma constituição política para uma sociedade-mundo pluralista?], Neue Zürcher

Zeitung, 11-12 décembre 2004, rééd. in: ID., Zwischen Naturalismus und Religion

[Entre o naturalismo e a religião], Francfort, Suhrkamp, pp. 324-365.

Textos elaborados em relação a um processo de reflexão sobre possíveis reformas das Nações Unidas, processo no qual a Alemanha tinha interesse em participar activamente, na perspectiva de um reforço da sua posição institucional. Considera que uma ordem mundial deveria desenvolver-se paralelamente em três planos.

(i) Num primeiro plano, deve haver normas de garantia dos direitos humanos básicos e de prevenção dos conflitos armados; estas normas gozam de uma legitimidade suficiente, manifestada pelas reacções da opinião pública às notícias sobre violações graves dos direitos humanos e podem, logo, ser sancionadas eventualmente por meios militares. A organização que assumiria esta função poderia ser a Organização das Nações Unidas, que se deveria concentrar nestas questões.

(ii) Num segundo plano, deveriam instituir-se arenas de negociação mundial das grandes opções de desenvolvimento económico, social e ecológico; nestas arenas, deveriam confrontar-se grandes actores da política internacional, isto é: as superpotências actuais assim como blocos de países que deveriam alcançar uma maior capacidade de acção internacional, nomeadamente a Europa.

(iii) O terceiro plano é o da formação destes blocos de países, pelo facto de os países que os compõem se experienciarem, tanto ao nível dos governos como ao nível dos cidadãos, como componentes destes blocos regionais, isto é, entidades dotadas de uma coerência interna, e assumindo um determinado papel no plano mundial. O que está em jogo a nível nacional é que os cidadãos adquiram a noção de que a sua participação política no plano nacional tem implicações nos planos regionais e mundiais. Uma das questões mais importantes para o futuro da Europa é desenvolver esta noção entre os cidadãos de todos os Estados-membros da UE.

(20)

23 de Novembro (2)

Sobre o Pierre Bourdieu em geral: O seu lugar na cronologia geral apresentada no inicio do semestre: trabalhou muito na base das obras dos clássicos Durkheim e Weber. Contribuiu para a recepção em França de Goffman, sociólogo americano que se afastava do funcionalismo de Talcott Parsons. Apareceu – e apresentou-se – de alguma forma como um sucessor de Michel Foucault. Colaborou com Habermas em esforços em criar um espaço intelectual europeu. Manifestou nalgumas ocasiões uma nítida hostilidade a Luhmann, preocupado em marcar diferenças entre as suas propostas teóricas e as de Luhmann. – Percurso em cinco etapas sucessivas: (i) investigações sobre meios sociais desfavorecidos (os Kabilos na Argélia; as classes populares e população rural em França). Com a vontade de fazer melhor reconhecer estes meios sociais e as suas diferenças em relação à elite francesa instalada em Paris. (ii) Progressivo reforço dos meios organizados de investigação: retoma a direcção de um centro de investigação, publica um manual de sociologia, lança uma revista, concorre para uma cátedra no

Collège de France. Consegue desta maneira formar uma equipa de investigação bem

formada e dotada de importantes meios materiais. (iii) Tendo conseguido entrar no Collège de France, manifesta uma grande preocupação em não se deixar condicionar intelectualmente pelo facto de ter alcançado esta posição. Neste sentido, empreende vários trabalhos de investigação agora sobre as elites e sobre os meios sociais onde actuam os que dominam a sociedade francesa: os técnicos superiores da função pública, a cultura, a economia, etc. (iv) Na realização de uma investigação sobre a formação de um novo mercado – o mercado da habitação: os franceses são incentivados em comprar e fazer construir casas próprias –, constata os efeitos do endividamento, da desertificação do espaço público, e da degradação das zonas progressivamente abandonadas pelas classes médias, e, mais geralmente, a aparição de novas formas de pobreza. Considerando que o debate publico deste tema não é bem conduzido pela comunicação social, lança um livro destinado a ter uma grande divulgação e a alterar as condições deste debate: não um livro de investigação, mas uma recolha de entrevistas de pessoas que vivem situações de precariedade: La misère du monde (1993). Grande êxito deste livro. Bourdieu aparece agora como um autor político. (v) Últimos anos: por um lado mais intervenções políticas. Por outro lado, livros nos quais procura dar mais coerência ao seu trabalho teórico (em particular as Meditações pascalianas). Neste sentido, ver a contracapa das Meditações pascalianas:

(2) Procedimentos de trabalho: privilegia a recolha de dados empíricos. Para este efeito (a) grandes esforços em organizar metodicamente o seu dispositivo de trabalho (revista; centro de investigação); (b) desenvolve conceitos destinados em primeira linha a orientar o trabalho de observação. (3) Elementos da teoria da sociedade de Pierre Bourdieu. Principalmente dois conceitos: (a) O Habitus: uma maneira de entender a realidade social sem dar uma importância excessiva à subjectividade individual.

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