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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CAMPUS VENDA NOVA DO IMIGRANTE CURSO DE LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA RAFAEL GONÇALVES MAROTTO

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Academic year: 2021

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CURSO DE LETRAS - LÍNGUA PORTUGUESA

RAFAEL GONÇALVES MAROTTO

ENREDUANA, DE ROGER MELO E MARIANA MASSARANI: PERFIL ESTÉTICO

E A QUESTÃO DE GÊNERO

VENDA NOVA DO IMIGRANTE-ES 2021

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ENREDUANA, DE ROGER MELO E MARIANA MASSARANI: PERFIL ESTÉTICO

E A QUESTÃO DE GÊNERO

Monografia apresentada à Coordenadoria do Curso de Letras - Língua Portuguesa do Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Venda Nova do Imigrante, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Letras – Língua Portuguesa.

Orientadora: Profa. Dra. Mariana Passos Ramalhete.

VENDA NOVA DO IMIGRANTE-ES 2021

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M355e Marotto, Rafael Gonçalves.

Enreduana, de Roger Melo e Mariana Massarani : perfil estético e a questão de gênero / Rafael Gonçalves Marotto. – 2021.

54 f. : il. ; 30 cm.

Orientadora: Mariana Passos Ramalhete.

Monografia (graduação) – Instituto Federal do Espírito Santo, Curso de Licenciatura em Letras Português, Venda Nova do Imigrante, 2021.

1. Literatura – Estudo e ensino. 2. Literatura infantojuvenil. 3. Análise. I. Ramalhete, Mariana Passos. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título.

CDD 23 – 869.07

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FORMULÁRIO DE PARECER DA APRESENTAÇÃO FINAL DO TCC II

O discente Rafael Gonçalves Marotto apresentou a versão final do TCC com o título “Enreduana, de Roger Melo e Mariana Massarani: perfil estético e a

questão de gênero”, ao Curso de Licenciatura em Letras-Português do Instituto

Federal de Educação do Espírito Santo – Campus Venda Nova do Imigrante, como requisito para aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso.

O trabalho obteve nota ...100..., com o seguinte parecer:

( X ) Aprovação, sem reservas, do Trabalho de Conclusão de Curso.

( ) Aprovação somente após satisfazer as exigências pré-determinadas, no prazo fixado pelo Regulamento (não superior ao término do período letivo).

( ) Reprovação o Trabalho de Conclusão de Curso.

... ...

Assinatura do/a Orientador/a

Profa Dra Mariana Passos Ramalhete Coordenadoria de Letras – Ifes, campus VNI

Siape: 2419041

...

Assinatura do Avaliador (a) I*

...

Assinatura do Avaliador (a) II*

* Preencher somente se houver banca examinadora.

Venda Nova do Imigrante, 16 de junho de 2021.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

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A presente monografia tem por objetivo analisar a obra Enreduana, de Roger Mello e Mariana Massarani, publicado em 2018 pela Companhia das Letrinhas. Trata-se de um livro finalista do prêmio Jabuti em 2019, nas categorias Melhor livro infantil e Melhor ilustração, laureado com a melhor ilustração e Hors-Concours na categoria Jovem do Prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) de 2019. Com uma abordagem metodológica qualitativa, de natureza básica, e procedimento investigativo bibliográfico-documental, a pesquisa toma como referenciais Zilberman (2015) - em relação às abordagens e leituras críticas à literatura destinada à infância, Coelho (2000) - pela classificação de literatura como arte, e Ramos e Nunes (2013) pela exploração visual e ilustrativa de obras literárias. Observa-se, por meio da análise da obra, em diálogo com questões de gênero, as estéticas organizacionais e materiais, tais como o projeto gráfico, a construção das narrativas textuais, a formação visual, as ilustrações e as contribuições da obra como um todo na formação leitora. Conclui-se, portanto, que o rico trabalho que Enreduana resulta, justifica sua necessidade de abordagem também no contexto educacional, uma vez que, por meio da linguagem metafórica utilizada, plurissignificativa, desconstrói a abordagem marginalizada do gênero feminino, imposta pelo patriarcado e apresenta uma representação cultural avessa ao padrão europeu e branco presente majoritariamente em obras literárias.

Palavras-chave: Enreduana. Literatura Infantojuvenil. Roger Mello. Mariana Massarani.

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Mariana Massarani, published in 2018 by Companhia das Letrinhas. This is a finalist book at the Jabuti Award in 2019, at the Best Children's Book and Best Illustration categories, awarded the best illustration and Hors-Concours at the Youth category of the National Foundation for Children's Books and Youth (FNLIJ) Award in 2019. With a qualitative methodological approach, of a basic nature, and bibliographic-documental investigative procedure, a research takes as references Zilberman (2015) - in relation to critical approaches and readings to literature for children, Coelho (2000) - by classifying literature as art, Ramos and Nunes (2013) for the visual and illustrative exploration of literary works. It is observed, through the analysis of the work, in dialogue with gender issues, such as organizational and material aesthetics, such as the graphic design, the construction of textual narratives, the visual formation, the characteristics and contributions of the work as a whole in reading training. It is concluded, therefore, that the rich work that Enreduana results, justifies its need to approach also in the educational context, since, through the metaphorical language, taking advantage, in a multi meaning, it puts down the marginalized approach of the female gender, imposed by the patriarchy and presents a cultural representation contrary to the European and white standard present mainly in literary works.

Keywords: Enreduana. Children and Youth Literature. Roger Mello. Mariana Massarani.

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Figura 1 - Capa do livro Enreduana ... 31

Figura 2 - Placa de argila com a escrita cuneiforme, grafia da antiga Mesopotâmia, cerca de 3200 a.C.. ... 32

Figura 3 - Folha de rosto do livro Enreduana ... 32

Figura 4 - Verso da capa do livro Enreduana ... 33

Figura 5 - Página 22 do livro Enreduna ... 34

Figura 6 - Página 32 do livro Enreduana ... 35

Figura 7 - Antiga escultura, criada pelos assírios no século IX a.C., retrata o rei Ashurnasipal com um servo ... 35

Figura 8 - Página 13 do livro Enreduana ... 36

Figura 9 - Páginas 11 e 12 do livro Enreduana ... 37

Figura 10 - Guarda do livro que ilustra a cobra do deserto e o menor grão ... 38

Figura 11 - Página 23 do livro Enreduana ... 39

Figura 12 - Epígrafe do livro Enreduana ... 42

Figura 13 - Página 10 do livro Enreduana ... 42

Figura 14 - Escultura da antiga Suméria ... 43

Figura 15 - Página do livro Floresta Rosa do Inês ... 44

Figura 16 - Página 13 do livro Enreduana ... 44

Figura 17 - Página 10 do livro Enreduana ... 47

Figura 18 - Página 17 e 18 do livro Enreduana ... 47

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INTRODUÇÃO ... 13 1 REVISÃO DE LITERATURA ... 15 2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 24 3 METODOLOGIA ... 28 4 ANÁLISE DE ENREDUANA ... 29 4.1 PROJETO GRÁFICO ... 29 4.2 CONSTRUÇÃO TEXTUAL ... 37

4.3 INVESTIGAÇÃO VISUAL E ILUSTRATIVA ... 41

4.4 DIÁLOGOS ENTRE O TEXTO E AS ILUSTRAÇÕES ... 45

4.5 ENREDUANA E SUAS POSSIBILIDADES CONTEMPORÂNEAS... 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 54

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INTRODUÇÃO

A literatura, com o passar dos anos, vem assumindo funções e papéis contextualizados, atuais e ajustados com as demandas e necessidades emergentes. Nessa esteira, ela pode abordar assuntos relacionados a tabus enraizados na sociedade, como por exemplo a igualdade de gênero.

A busca pela igualdade de gênero não pertence apenas às lutas da sociedade atual. Com o passar dos anos, a procura pelo respeito, pela liberdade de ser o que é e de ocupar o espaço que for capaz de ocupar tem aumentado. Devido a isso, na contemporaneidade, uma latente e fundamental necessidade de apresentar conceitos voltados à igualdade social às crianças tem surgido, a fim de formar indivíduos conscientes de direitos igualitários e dotados de respeito ao próximo

Nesse processo de educar para o convívio social, a literatura infantil assume um importantíssimo papel no desenvolvimento inicial pessoal, ou seja, torna-se uma aliada na transmissão de conhecimentos e no fomento de reflexões e indagações ao público de seu destino, de forma lúdica, criativa e imagética, com temáticas voltadas às problemáticas sociais atuais.

As produções literárias destinadas ao público infantil estão passando por um processo demorado e contínuo de transformação, já que décadas foram levadas para que os estereótipos e paradigmas de gêneros de personagens e enredos fossem (re)construídos. Assim, donzelas frágeis, belas e perfeitas, com padrões de beleza, à espera de um príncipe protetor, estão sendo substituídas por figuras femininas sábias, inteligentes, inspiradoras, capazes de proteger o outro e a si mesmas. A título de exemplo, tem-se a obra Enreduana, de Roger Mello e Mariana Massarani, publicada em 2018, que nos provocou para uma análise estética visual, textual e estrutural.

Enreduana, inspiração do trabalho de análise, é uma personagem que viveu na Mesopotâmia no século XXIII a. C. Poeta, filósofa e sacerdotisa, é a primeira escritora, que se tem registros, a assinar suas obras poéticas. Na obra de Mello e Massarani, a protagonista assume um importante papel na construção e estruturação do reino em que vive; ilustra, também, uma cultura desconhecida, trazendo, assim, a representação da mulher de destaque com costumes e hábitos distintos da atualidade, o que nos faz questionar: como a história de Enreduana pode contribuir para desconstruir paradigmas sociais desde a infância?

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Como o livro foi ganhador dos prêmios Melhor ilustração e Hors-Concousr da categoria Jovem pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) de 2019, este estudo fundamenta-se na procura pelas contribuições da estética literária da obra, no que se refere ao gênero adotado, à forma como o texto é construído, como as imagens são associadas à construção narrativa e ao todo físico da obra. Objetiva-se investigar as contribuições para a construção de indivíduos respeitosos para com a diversidade cultural e de gênero que existe, e sempre existiu, e para a não construção de estereótipos de personagens e temáticas específicas ao público infanto-juvenil. Em específico, busca-se analisar a estrutura literária textual, a estética visual, os possíveis diálogos entre texto e imagem e as possibilidades de construção de interação e consenso entre a estória e os leitores.

Justifica-se o estudo e a análise da obra Enreduana, de Roger Mello e Mariana Massarani, 2018, por três motivos: a) pela necessidade de conhecer melhor uma obra finalista nas categorias Melhor livro infantil e Melhor ilustração, laureado com a melhor ilustração e Hors-Concours na categoria Jovem do Prêmio da FNLIJ de 2019; b) pela urgência de discussões que envolvem estética e gênero a obra traz a lume a história de uma sacerdotisa, poeta e filósofa; expõe, o protagonismo de uma deusa, não um deus e é resultado de uma pesquisa histórica, de uma investigação de registros e dados reais, transformado em literatura infantil; c) pela possibilidade de contribuir com discussões atinentes ao campo da literatura infantil, contemplando questões inerentes à materialidade do texto, bem como o trabalho artístico. Em suma, justifica-se pela ânsia de desvelar como Enreduana contribui, com sua construção textual e visual, para a formação de indivíduos atuantes em uma sociedade igualitária e respeitosa, conhecedores da diversidade existente e avessos a estereótipos, desde a infância.

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1 REVISÃO DE LITERATURA

A presente revisão de literatura conta com a seleção de artigos, com crivo temporal de 2015 a 2020, se justifica pelo processo contínuo de transformação necessário enfrentado pela literatura infantil, valida a análise e a respalda em tessitura de materiais, com características sociais e culturais elaborados em trabalhos pregressos. Como a pesquisa analisa a obra Enreduana em seus aspectos textuais, estéticos e visuais paralelamente com suas contribuições e fomentações contemporâneas, selecionamos seis (6) artigos científicos que também analisarem obras da literatura infantil nesses aspectos e que pudessem contribuir no diálogo e para a compreensão de como se tem desvelado tais aspectos em obras para crianças.

Para a busca, recorremos aos descritores: Literatura infantil contemporânea; Ilustração de livros infantis; Gênero e sexualidade em livros de literatura Infantil; Estereótipo de Gênero em livros de literatura Infantil. Para uma seleção mais acurada, recorremos a palavras-chaves relacionadas ao que deveria ser investigado, como: Literatura infantil contemporânea; Temas transversais; Gênero; Sexualidade; Novos formatos da literatura; Estereótipo; Diversidade; Ilustração; e Materialidade de obras literárias infantis. Nesses termos, seguem os dados e as informações dos artigos selecionados no quadro abaixo.

Quadro 1 - Síntese dos artigos para revisão de literatura Informações sobre os artigos analisados

Autoria Nome do artigo Ano de

publicação Resumo 1 Andressa Botton, Marlene Neves Strey O gendramento da Infância através dos livros infantis: possíveis consequenciais em meninos e meninas

2015 Reflexões e problemáticas sobre a construção de gênero, o binarismo e estereótipos sexuais em livros premiados pelo FNLIJ de 2001-2010. 2 Karine Camilo Canazart, Oziel de Souza Estereótipos de gênero: uma comparação da representação da mulher nos clássicos da literatura infantil do século XVIII com a configuração feminina em obras infantis do século XXI.

2017 Pesquisa comparativa

bibliográfica sobre os estereótipos de gênero e a representação da mulher em obras infantis, do surgimento da literatura infantil, século XVIII, até a contemporaneidade. 3 Maria Celiane Pinto Dos Passos Souza, Hofélia Literatura infantil: A construção da identidade da criança e o respeito à diversidade étnico-cultural

2017 Explanação das contribuições da literatura infantil para a diversidade étnico-cultural e como as obras literárias, no artigo duas serão comentadas, podem formar a identidade da criança.

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Madalena Pozzobon Müller 4 Luis Fernando Herbert Massoni Ilustrações em livros infantis: alguns apontamentos

2018 Estudo híbrido de literatura e artes visuais sobre a importância do texto visual para a construção do sentido da criança e os estereótipos nas construções das imagens. 5 Marta Passos Pinheiro, Jéssica Mariana Andrade Tolentino

O papel do projeto gráfico na construção narrativa de livros de literatura infantil contemporânea

2019 Encaminhamentos e observações sobre a construção gráfica visual, a materialidade de uma obra literária, em especial, um livro infantil.

Uma das obras que é analisada no decorrer do artigo foi escrita por Roger Mello e ilustrada por Mariana Massarani, ambos escritores de Enreduana. 6 Edgar Roberto Kirchof, Renata Junqueira de Souza A literatura infantojuvenil na contemporaneidade: desafios, controvérsias e possibilidades

2019 Transformações enfrentadas pela literatura infantil relacionada com o surgimento de novas tecnologias e as mudanças sociais e culturais.

Fonte: Botton; Strey, 2015; Canazart; Souza, 2017; Souza; Müller, 2017; Massoni, 2018; Pinheiro; Tolentino, 2019; Kirchof e Souza, 2019.

O primeiro artigo, intitulado O gendramento da Infância através dos livros infantis: possíveis consequenciais em meninos e meninas de Botton e Strey (2015), problematiza a construção social sexista e patriarcal enraizada na sociedade, não questionando a existência dos sexos existentes, mas a manutenção dos papeis socialmente determinados para homens e mulheres. A reflexão sobre a ideia de feminino e masculino é feita na análise do discurso presente em livros premiados na categoria O melhor para a criança do FNLIJ, na primeira década do século XXI, isso é, utiliza dez obras para refletir sobre as questões de gênero e a manutenção dos estereótipos presentes nessas. Assim, o fato de as autoras observarem e comentarem sobre a forma como homens e mulheres são apresentados em livros destinados à infância é bastante válido, considerando a análise comparativa criada, indiretamente, e a reflexão sobre a “evolução” da representação dos papeis de gênero e o processo de desconstrução de estereótipos.

Nesse processo de análise de obras, as pesquisadoras fizeram uma observação da estética gráfica visual dos livros, com uma observação semiótica das imagens e uma análise dos discursos pertencentes nessas. Botton e Strey (2015) destacam a função da literatura infantil para a infância; explicam que as obras, por

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serem escritas por adultos, acabam assumindo função de ensino e de formação das crianças, de comportamentos e de hábitos socialmente aceitos. Sobre gênero e sexualidade, as obras acabam repetindo o que já está naturalizado na sociedade em relação a papeis e estereótipos: a submissão feminina e a hierarquização do masculino são repetidas, gerando, assim, repetições de preconceitos e dos papeis binários homem e mulher.

A análise das obras selecionadas mostrou às autoras que os papéis de gênero, bem como a construção de feminino e masculino, ainda fazem parte do cotidiano social, refletindo, assim, na literatura infantil. As crianças, em consequência, que assumem o papel de consumidoras de literatura, não produtoras, são bombardeadas por representações de padrões e segmentos estruturados. Algo que, para nós, não deveria acontecer, pois os livros são destinados a um público que está em pleno desenvolvimento cultural, e não devem servir para a manutenção de hábitos que colocam o gênero em hierarquia. Isso não é saudável para a formação individual dos sujeitos e nem para uma formação coletiva, construção de comunidades.

As pesquisadoras afirmam que por mais que se tenha algumas obras que apresentem temáticas e questões contemporâneas, há um longo caminho a ser percorrido, pois ainda é insipiente o desenvolvimento vivenciado pela literatura e há uma necessidade de se debater e discutir temáticas voltadas para a construção de gênero em livros de literatura destinados às crianças, como esse tema se insere nas obras e como são interpretadas.

No artigo Estereótipos de gênero: uma comparação da representação da mulher nos clássicos da literatura infantil do século XVIII com a configuração feminina em obras infantis do século XXI, Canazart e Souza (2017) comparam a representação do perfil feminino nos livros de literatura infantil do século XVIII, início da produção de tal gênero, até os produtos contemporâneos publicados no século XXI. Com o objetivo de identificar a forma como a mulher é retratada nos livros, evidenciando que muitas vezes assumem papeis marginalizados e submissos, destacam que as obras, conhecidas como clássicas, possuem perfis femininos bem característicos da época em que foram inseridos. Retratam, assim, o papel social da mulher do século XVIII e classificam nesse nicho temático obras como Barba Azul e Cinderela, de Perrault, e Branca de Neve, dos irmãos Grimm. Essas, analisadas no decorrer do artigo, expressam um perfil feminino estereotipado, como sexo frágil, dependente dos personagens masculinos, donas de casa e marginalizadas. Para nós, esses tipos de

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reflexões são significativas para leituras atuais, especificamente, pela forma como as personagens são apresentados aos leitores e às crianças, e como formam e transmitem informação a esses.

Segundo os autores, a forma como as personagens são representados nas obras literárias tem mudado e a literatura acompanhou as mudanças na representação das mulheres o que mostra que algumas barreiras estão em processo de superação. A transição da representação das mulheres como “donas de casa” para trabalhadoras em fábricas auxiliou na quebra de estereótipos contribuiu para reforçar as lutas pela igualdade de gênero por meio das quais as mulheres têm alcançado, gradativamente, seu espaço na sociedade.

Canazart e Souza (2017) ressaltam que a mulher do século XXI é independente, autônoma e expressa o seu direito à liberdade. Nas obras contemporâneas, por sua vez, diferentemente das obras literárias produzidas inicialmente, encontra-se autores preocupados em quebrar estereótipos sociais. Na análise das obras Homens e mulheres, de Equipo Plantel, e Chega de Rosa, de Nathalie Hense, os autores mostram o que homens e mulheres podem fazer, o que querem fazer, deixando claro que a única diferença é somente o sexo. Assim, fazem uma observação atenta e profunda sobre uma vida mais justa, sobre demarcação de brincadeiras infantis, como “coisa de menino e de menina” e sobre um convívio social adequadamente respeitável.

Canazart e Souza (2017) concluem com uma ponderação bastante válida sobre a inserção da literatura. Para eles, é natural das crianças reproduzirem os modelos de comportamento das personagens das obras literárias, por isso, não é de se estranhar, por exemplo, a repetição da submissão feminina em atitudes infantis, uma vez que essas crianças veem nos clássicos mulheres agindo de forma submissa. Há o destaque de que os livros infantis não são inocentes e devem ser interpretados assim, pois possuem uma intencionalidade em seu discurso. Logo, não significa que os clássicos devam ser abolidos do universo infantil, mas devem ser refletidos e questionados.

Outra observação feita pelos autores é de que a literatura infantil, desde o início de sua produção, vem reproduzindo o contexto social e histórico e que isso permanece na contemporaneidade. Assim, se existem hoje obras que questionam os papeis de gênero implicados pela sociedade, é fruto de lutas de grupos em prol da igualdade e de uma visão de igualdade. É preciso desconstruir o que foi construído.

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O terceiro artigo, intitulado Literatura infantil: a construção da identidade da criança e o respeito à diversidade étnico cultural, de Souza e Müller (2017), apresenta argumentos sobre a construção do respeito, das diferenças e da diversidade étnico-cultural. Para os autores, é na infância que as questões sociais e culturais são desenvolvidas, o que de fato é verdade, cabendo à literatura infantojuvenil, também, o papel de provocar reflexões e quebrar estereótipos ao público de seu destino. No artigo, obras foram analisadas com o objetivo de compreender como podem contribuir/ influenciar a formação da identidade infantil e como podem questionar a formação dos indivíduos.

As autoras acentuam que a literatura infantojuvenil é de grande importância para a formação da criança, sendo necessário o contato entre livro e criança, para ampliação do mundo imaginário e do repertório de valores que as crianças adquirem. Uma forma de se fazer isso é não introduzir a literatura como mero instrumento pedagógico e problematizar, junto com as crianças, os papéis secundarizados e marginalizados ocupados por personagens negros, em livros de literatura infantil tradicionais. As pesquisadoras afirmam que cabe à literatura dispor de textos onde o negro seja personagem com vida, cultura e história, desconstruindo, assim, visões rotuladas das populações negras, negadas pela literatura eurocêntrica. Como forma de exemplificar o exposto, analisam duas obras em que o negro pode ser protagonista da literatura infantil, Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, e O Menino Marrom, de Ziraldo. Essas são obras que reforçam a cultura, o valor e a beleza negra, ao contrário do estereótipo de negro marginal, pobre, fora dos padrões europeus de sociedade. Na análise dos livros, as investigadoras constataram que as personagens constroem sua própria história, mostram suas belezas e personalidades como características importantíssimas para a quebra de paradigmas sociais.

No texto, as autoras refletem sobre os anos 80 e o início do desenvolvimento da literatura que traz o negro como protagonista. Segundo elas, nessa época, houve o início da introdução do negro como personagem não estereotipado nos livros, como resultado do movimento negro e das lutas pelo respeito e a igualdade social. Com isso, pode-se observar, e confirmar, como a literatura e a arte, acompanha, indiscutivelmente, a sociedade e as transformações socais, e como a quebra de tabus na literatura contribui para a formação do leitor.

Em relação ao quarto artigo que compõe este estudo, intitulado Ilustrações em livros infantis: alguns apontamentos, Massoni (2018) discorre sobre a função da

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ilustração na construção e formação dos leitores. Com um estudo que engloba literatura infantil e artes visuais, o autor apresenta a ilustração como discurso gráfico-visual da história, fundamental para a construção do sentido do público leitor e, assim, denuncia os estereótipos na formação e na monopolização das imagens.

Segundo o autor, a literatura infantil proporciona na criança um desenvolvimento criativo e fantasioso, característico da aprendizagem e da formação inicial do indivíduo, sendo um modo de intervenção na interpretação da vida e na compreensão da própria vivência. O artigo propõe a reflexão sobre as ilustrações presentes em livros infantis, uma vez que elas são as que mais chamam a atenção da criança e, em consequência, contribuem para a formação crítica e para a construção do sentido da criança. Desse modo, há a ressalva de que é preciso observar nas ilustrações presentes nos livros tais aspectos: a coloração dos desenhos e da folha; a dimensão do desenho, o espaço que ele ocupa na folha; o realismo do desenho, não que seja uma regra (o fato de identificação da criança com a personagem se altera dependendo do realismo presente); a expressão das personagens; e as contribuições da ilustração para a construção da história.

Por fim, considerando que a ilustração deve construir diálogo com o texto, o autor pondera que muitas crianças têm contato com o texto por meio das imagens e que, por isso, as ilustrações assumem o papel de produzir um discurso gráfico-visual, estimulando o raciocínio e a criatividade do leitor, elemento fundamental do discurso. Acrescenta-se a isso que a ilustração não pode ser monopolizada, ou seja, não deve apresentar apenas uma única estética da personagem, até mesmo para a própria identificação da criança com a personagem e com a história contada. Ainda, que não pode ser estereotipada para não intensificar algum tipo de preconceito existente, retratando a diversidade e deve realizar pontes ao leitor durante o processo de leitura, mostrando que os sentidos do texto verbal se com o visual.

O quinto artigo intitulado O papel do projeto gráfico na construção narrativa de livros de literatura infantil contemporânea, de Pinheiro e Tolentino (2019), apresenta a importância da construção de um projeto gráfico e dos elementos visuais nos livros de literatura infantil. Para isso, foram analisadas as capas, as quartas capas, o formato do livro e, o tipo do papel e o layout dos livros: Visita à baleia, escrita por Paulo Venturelli e ilustrado por Nelson Cruz, e Inês, escrito por Roger Mello e ilustrado de Mariana Massarani. Ambas as obras foram premiadas, em 2013 e 2016, respectivamente, pela FNLIJ, na categoria “O Melhor para Criança”, e pelo Jabuti.

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Vale destacar que uma das obras analisadas no artigo resenhado, Inês, foi escrito e ilustrado pelo mesmo escritor e mesma ilustradora de Enreduana, ou seja, não é a primeira premiação do trabalho de Mello e Massarani.

O artigo menciona que a história do projeto gráfico no Brasil é marcada após um crescimento das qualidades visuais e do aperfeiçoamento da indústria gráfica nas décadas de 1970 e 1980. No trabalho, as autoras relatam a origem do produto até a entrada desse no mercado, dizendo que há uma gama de operações, envolvendo inúmeros profissionais e que é responsabilidade do designer gráfico a composição do trabalho visual: o tamanho do livro, o papel utilizado, a fonte dos textos, as imagens, as posições das imagens e dos textos e as cores utilizadas, ou seja, o papel do designer gráfico na produção literária é importantíssimo.

As pesquisadoras, assim como Massoni (2018), justificam a importância da estética visual na construção do livro infantil, compreendendo que as imagens e as cores são o que chamam a atenção da criança inicialmente e é o primeiro aspecto de leitura. Por isso, essas – imagens e cores – não devem construir apenas diálogo com o que está escrito, mas também complementar as informações, incentivando, assim, a construção imagética do leitor, de modo a destacar, inclusive, a importância do ilustrador para a composição do sentido de um trabalho literário infantil.

As autoras deixam claro que a análise das obras selecionadas e o objetivo do artigo ultrapassa a análise da materialidade da obra. O objetivo é refletir sobre as narrativas presentes no material literário, mais especificamente sobre a forma como as obras literárias são construídas, como são destinadas ao público infantil e sobre a necessidade do diálogo entre textos verbais e visuais. Do mesmo modo como pontuou Massoni (2018), chamam a atenção para o papel do designer gráfico na construção de uma obra, o que de fato é verdade, já esse profissional organiza a forma como as informações são transmitidas aos leitores. No entanto, há de se destacar que uma obra não se circunscreve à sua materialidade, ou melhor, às cores, aos materiais utilizados, à diagramação de capa e miolo do livro, ela ultrapassa o conteúdo do impresso e é o resultado do conjunto do trabalho publicado, do autor, do ilustrador e do designer gráfico.

O sexto artigo, A literatura infantojuvenil na contemporaneidade: desafios, controvérsias e possibilidades, de Kirchof e Souza (2019), aborda questões referentes às transformações enfrentadas pela literatura infantojuvenil de modo exclusivo às mudanças socioculturais, emergentes no cenário contemporâneo, e os constantes

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avanços tecnológicos utilizados na projeção e apresentação de uma obra literária. Indaga como alguns temas são polêmicos, são tabus, para serem apresentados às crianças e jovens, os novos formatos de transmissão do texto e o papel das mídias digitais nesse processo.

Os autores afirmam que o livro infantil ou infantojuvenil, por ser escrito por adultos, mesmo tendo crianças e jovens como seu público de destino, acaba abordando a realidade de quem o produz, não do seu destino. Ou seja, para o material literário ser literatura infantojuvenil deve haver o cumprimento de quesitos de literatura, de arte, que compreendem a utilização de uma linguagem própria da faixa etária, a inserção de elementos condizentes com o universo desse público, para assim conseguir a mobilização e o envolvimento de crianças e jovens - fator baseado na construção do sentido. Os pesquisadores citam que ao longo da história da literatura infantojuvenil é possível encontrar exemplos de textos moralizantes, sem propósito lúdico ou para deleite dos leitores, e citam que, no Brasil, tal situação aconteceu de forma gritante no parnasianismo, final do século XIX. O principal conflito existente nas temáticas das obras literárias é na forma com são recebidas, pois, na opinião de alguns grupos, temas como gênero, sexualidade e raça, não seriam adequados.

Outro fator apresentado no decorrer do artigo diz respeito às evoluções tecnológicas e seus impactos no projeto gráfico e nas ilustrações, causando diversas mudanças, especificamente na projeção do material escrito. Notou-se que, com o avanço tecnológico, os livros passaram a pertencer, também, aos aparelhos eletrônicos, causando o fácil acesso. Para além das relações de texto verbal e visual, os livros contemporâneos, materializados no suporte digital, expandiram as possibilidades artísticas ligadas ao projeto gráfico e integraram o trabalho do designer gráfico, com o do autor e do ilustrador, como terceiro elemento na construção de uma obra literária. Desse modo, o desenvolvimento tecnológico possibilitou a criação de novas categorias de livro infantil, tais como Picture book, Pop-up book, Flip book e livro objeto, as quais são acessadas por meio de plataformas como o Pdf, Epub, Ibook e o Kindle.

Os autores concluem que o livro infantil está cada vez mais centrado na realidade, seja pela abordagem de temas polêmicos perante a sociedade, ou no pelo uso da tecnologia para transmitir o acesso ao material. Não dizem que a integração temática esteja, ou alcançou seu ápice contemporâneo, mas que temas tabus podem ser abordados pelo livro infantil de forma racional e reflexiva. Afirmam que a integração

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tecnológica, ou seja, o suporte em que o livro é apresentado, não altera a sua função formadora e construtora reflexiva de conhecimentos.

A leitura crítica dos artigos descritos e a construção dessa revisão de literatura nos ajudou a elaborar nosso objetivo de análise e sobressaltou para nós a importância de se desenvolver a pesquisa em torno da obra Enreduana dado o destaque que ela teve no circuito das premiações de obras de literatura. Ainda, foi possível observar que não há um material de pesquisa que contribua unicamente para a formação de conceitos, e que os seis artigos selecionados se completam, seja na análise da materialidade da obra, ilustração e projeto gráfico, seja nas contribuições e formações da literatura contemporânea, com a abordagem de temas transversais e atuais, na desconstrução de estereótipos sexuais e tabus culturalmente instaurados.

Em suma, a pesquisa de Botton e Strey (2015) e de Canazart e Souza (2017) refletem sobre os perfis femininos presentes nas obras de literatura infantil e retratam as mudanças sociais enfrentadas pelo estereotipo da mulher nas obras. O artigo de Pinheiro e Tolentino (2019) e Massani (2018) abrem os olhos sobre o físico, o palpável da obra, como as imagens, o papel e as cores e sobre como esses aspectos contribuem para o universo imaginário da criança e assumem função importante na sua construção de sentidos. A pesquisa de Kirschor e Souza (2019) questiona as temáticas abordadas pela literatura infantil, criticando a comercialização das obras e a divulgação de uma literatura que não cativa o leitor. Discute, também, acerca das contribuições da tecnologia e dos suportes dos livros. Por fim, a obra de Souza e Müller (2017) contribui para a construção de referências, pois expõe uma análise literária mais voltada para o personagem negro e sua cultura. A contribuição é indireta, mas inspiradora no tocante dos elementos culturais, físicos e psicológicos observados em seus personagens e que também serão observados em Enreduana, nosso livro de análise.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

A literatura, desde o seu surgimento, já possuía sentidos e intenções que a caracterizava como obra de arte, pois traz reflexões, subjetividades, indagações e reflexos sociais em suas produções. Na contramão, o surgimento do gênero que se destina ao público infantojuvenil não seguiu essa perspectiva. Coelho (2000, p. 52) diz que “Em seus primórdios, a literatura foi essencialmente fantástica: na infância da humanidade, quando os fenômenos da vida natural e as causas e os princípios das coisas eram inexplicáveis pela lógica, o pensamento mágico ou mítico dominava”.

Vale ressaltar que por mais que o pensamento fantástico norteasse as obras literárias junto à fantasia e à sensação de inabitual que as personagens proporcionavam, a ótica adulta com o objetivo de transmitir uma amoral social prevalecia. Basta observar situações presentes em Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm, O patinho feio, de Hans Christian Andersen, O pequeno Polegar e A Bela Adormecida, ambas de Charles Perrault, com um final “feliz” ou uma moral da história.

Nesse contexto, surge a necessidade de estudar e compreender a literatura infantojuvenil publicada nos moldes atuais e suas possibilidades para com a construção leitora. Ainda, busca-se compreender essa área que envolve estudos e reflexões sobre as publicações, as aplicabilidades no universo em que se insere e os impactos causados aos leitores. Com Zilberman (2015, p. 12) completamos que

[...] valida-se a reflexão crítica sobre sua natureza, pois representa, de um lado, a interrogação sobre os vínculos ideológicos da manifestação artística (no que colabora com a Teoria Literária) e, de outro, o desvelamento de um dos processos – espalhando, portanto, os demais – de dominação da infância (no que colabora com sua emancipação).

Para nós, a literatura trabalhada na infância de forma errada causa prejuízos imensuráveis ao leitor, além de, é claro, ser uma replicação de um universo moldado pelos seus autores que são adultos. Dessa forma, institui-se compreender a procedência da literatura, pois ela pode replicar “[...] por meio dos recursos da ficção, uma realidade, que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive cotidianamente” (ZILBERMAN, 2015, p.25), ou seja, pode construir pontes e diálogos com seus leitores e não impor concepções tradicionais instauradas pela sociedade. Mesmo sabendo que a literatura destinada ao público infantojuvenil nem sempre

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assumiu a função de arte, é importante investir no pensamento de que as obras literárias devem construir diálogos e versar sobre as realidades dos leitores e as demandas sociais para, assim, causar criticidade, expressão e leituras subjetivas.

A literatura, ao transpassar os ideais historicamente impostos, tem refletido sobre suas temáticas e narrativas e proporciona, portanto, o contato com questões esquecidas e marginalizadas pela sociedade. Isso não significa que seu ápice temático tenha sido alcançado, pelo contrário, é preciso considerar que há um árduo caminho a ser percorrido e explorado. Zilberman (2015) ratifica tal conceito ao afirmar que:

Assim, por mais exacerbada que seja a fantasia do escritor ou mais distanciadas e diferentes as circunstâncias de espaço e tempo dentro das quais uma obra foi concebida, o sintoma de sua sobrevivência é o fato de que ela continua a se comunicar com seu destinatário atual porque ainda fala de seu mundo, com suas dificuldades e soluções, ajudando-o, pois a conhecê-lo melhor (ZILBERMAN, 2015, p. 25).

Concomitante ao pensamento de Zilberman (2015), que reflete sobre os diálogos temáticos erguidos pela literatura infantojuvenil, para Coelho (2000) é fundamental que

[...] toda leitura que, consciente ou inconsciente, se faça em sintonia com a essencialidade do texto lido, resultará na formação de determinada consciência de mundo no espírito do leitor, resultará na representação de determinada realidade ou valores que tomam corpo em sua mente (COELHO, 2000, p. 50).

Em outras palavras, a literatura não é neutra, mas possui intenções e objetivos para com seu público leitor. As obras literárias com destino ao público infantojuvenil possui características especificas de seu gênero, entre elas os contextos narrativos, a linguagem e as ilustrações. Não significa dizer que as obras devem possuir tais características regradas à classificação do gênero, mas para sinalizar que é justamente o conjunto dos tópicos que traz a obra mais próxima de seu público e os cativa e proporciona, ludicidade, imaginação e experiência das mais variadas possíveis. A ilustração, em especial, não é a mais importante, mas contribui para aproximar mais a obra de seus leitores, pois além de objetificar o lúdico fictício dos livros, como já exposto, é a primeira a ser lida.

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[...] mesmo que a ilustração seja proveniente da ótica do ilustrador, assim como a palavra é organizada pelo escritor, cada uma das linguagens tem uma função na construção discursiva, tentando estabelecer um vínculo com o leitor. Por isso, palavra e ilustração precisam acolher o leitor e permitir-lhe encontrar no texto uma brecha para dele fazer parte, interagir, interferir, exercendo o papel de leitor, aqui entendido como produtor de sentido (RAMOS e NUNES, 2013, p. 254).

De acordo com os autores, a ilustração assume importantíssimo papel em uma obra literária infantojuvenil. Os diálogos erguidos entre narrativa e imagem são imensuráveis e as possibilidades de leitura, mesmo sendo limitadas com a objetificação do texto, tornam-se ampliadas e proporcionadoras da ludicidade tão presente na infância. Isso é, a investigação ilustrativa deve acontecer em mediante uma análise da obra literária, especificamente para contribuir na construção de diálogos, entre: leitor e imagem; imagem e texto; e leitor, imagem e texto.

Além das barreiras expostas no fragmento, a literatura infantojuvenil é o resultado de um conjunto de elementos responsáveis por compor uma materialidade que resgata e entrelaça o leitor. Conjunto esse caraterizado pelo projeto gráfico, pela ilustração, pela narrativa e seus diálogos com o leitor. Nas palavras de Coelho (2000, p. 60),

[...] esse processo de análise visa descobrir em que medida a obra difere ou não das diretrizes propostas pelo seu tempo; em que medida inova ou dá continuidade; em que medida sua matéria literária pode ser classificada como

original, enriquecedora, convencional ou diluidora.

Ao nosso ver, em concordância com Coelho (2000), a proposição de investigar o conjunto da obra e as contribuições do conjunto, ratifica a não neutralidade dos escritos e a necessidade emergente de temáticas e mensagens que dialoguem com o leitor.

É nessa perspectiva de abordagem reflexiva de obras literárias com destino ao público infanto-juvenil que investigamos a obra Enreduana, de Mello e Massarani (2019). Partimos do pressuposto de que a abordagem de temas que destoam da realidade do leitor, além de causar o impacto, gera reflexões e indagações sobre sua aplicação, funções e uso. Assim, Enreduana se mostra como uma obra completa, ultrapassando as qualificações conferidas pelos seus prêmios e as do seu objeto comercializado. Proporciona conhecimentos e contato com culturas distintas, e às vezes esquecidas e, com essa magnitude, dedica um olhar sobre o papel da escola na concessão de uma literatura que destoe do oferecido e enraizado.

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Tomando os estudos de Zilberman (2015) como referência teórica, compreendemos que a escola não pode fechar suas portas para o mundo exterior, bem como se fez nos regimes de internatos que entraram em decadência. Mesmo que essa realidade não tenha sido suplantada do cotidiano das escolas brasileiras, seu modo de pensar a realidade tenha sido suplantado” (ZILBERMAN, 2015, p. 21) mesmo com uma realidade presente nas escolas desconexa das necessidades e realidades sociais, vislumbramos na literatura e em seus usos um reforço temático que pode ajudar na compreensão da realidade ou até mesmo no enfrentamento das mazelas que nos afligem.

Nessa crescente ausência de representatividade e diversidade, “As relações da escola com a vida são, portanto, de contrariedade: ela nega o social, para introduzir, em seu lugar, o normativo” (ZILBERMAN, 2015, p. 22). A literatura, nesse enlace, pode proporcionar uma educação voltada para a cidadania e para os tratamentos humanos que são esquecidos e substituídos pelo tradicional e pelo retrocado. Reforçando, com ela, a necessidade do tratamento e da abordagem de temas que descontroem os padrões patriarcais instaurados historicamente.

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3 METODOLOGIA

O estudo teve como objetivo observar as contribuições e as características literárias e visuais da obra Enreduana, de Roger Mello e Mariana Massarani. Por isso, constituiu-se metodologicamente por meio de uma investigação material dos componentes que fazem parte da construção da obra, e de uma investigação dos conceitos, das ideias e da estória do escrito.

A pesquisa, de natureza básica, usou fontes bibliográficas-documentais, com o objetivo de investigar a obra literária de análise. Assim, a investigação da obra de análise categoriza-se, consoante Severino (2007) nos seguintes critérios:

a) pesquisa de natureza básica, ou seja, não há uma necessidade de apresentar uma finalidade imediata e, no processo de construção do trabalho, utilizara-se outras fontes com as mesmas origens e finalidades;

b) o objetivo da investigação é explicativo, com isso, o trabalho pretende explicar, tecer e construir argumentos;

c) a abordagem do trabalho é qualitativa, colhendo, assim, dados para a construção de argumentos. Os dados coletados devem ser organizados para comprovação das hipóteses;

d) o procedimento da realização da pesquisa é bibliográfico e ao mesmo tempo documental. Ou seja, bibliográfico-documental. Tais descritores são caracterizados pela utilização, na construção da pesquisa, de livro e artigos científicos como forma de respaldo e complementação.

Portanto, a fim de organizar o pensamento e estruturar a pesquisa de Enreduana, de Mello e Massarani, essa iniciou com o estudo do projeto gráfico e da materialidade da obra de investigação. Na sequência, procedemos com a análise textual e do corpus que torna o texto uma obra literária, com a investigação visual e ilustrativa, com a inquirição dos diálogos entre o texto e as ilustrações, sabendo que uma obra literária com destino infantil necessita de uma comunicação nítida entre ambas as partes. Por fim, com os dados apurados construímos uma reflexão final conclusiva.

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4 ANÁLISE DE ENREDUANA

As obras literárias destinadas ao público infantojuvenil possuem finalidades e objetivos específicos. Nas palavras de Jobim (2009, p. 128):

No caso da literatura, uma de suas qualidades mais apontadas é a capacidade de criar novos horizontes, de prover acesso a uma versão de mundo que vai além do que conhecemos. A vivência do poder-ser de mundos ficcionais e a apreensão de interesses, objetivos, projetos e quadros de referência destes mundos podem alagar o horizonte do ser-dado, do nosso mundo conhecido.

Os resultados literários que estão em contato constante com seu público leitor não são neutros, mas extremamente políticos, já que todo trabalho artístico que trata de sociedade e reflete sobre essa torna-se político. Portanto, com o objetivo de investigar essa não neutralidade e as construções pessoais proporcionadas pela literatura, passamos a apresentar como investigamos as características, as estéticas e as estruturas textuais e visuais da obra Enreduana, de Roger Mello e Mariana Massarani, publicada em 2018.

Destinada ao público infantojuvenil, a produção relata uma pequena passagem da vida da personagem que dá título à obra, Enreduana, sacerdotisa e poeta da Suméria, que viveu em 2300 a. C. Narrada pelo menor grão de areia do deserto, a obra descreve o casamento de Enreduana com a Deusa Inana, a construção poética da personagem, a cultura e as desavenças com o irmão Rimush, até se tornar a primeira escritora que se tem registro no mundo.

A produção de Mello e Massarani possui uma estética potente, tanto textual quanto visual. Tal argumento baseia-se na forma como Roger Mello uniu a história, os acontecimentos, os fatos, a arte da poesia literária, e como Mariana Massarani conseguiu transmitir uma estética grandiosa na ilustração, unindo atualidade e narrativa. Como os fatos ocorridos e registrados em Enreduana se transformaram em uma história de literatura destinada ao público infantojuvenil é o que passaremos apresentar por meio de nossa análise.

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O projeto gráfico de uma obra literária destinada ao público infantojuvenil possui uma organização pensada para sua publicação, independente do formato e de sua comunicação. Pinheiro e Tolentino (2019) afirmam que:

Da escolha do original à distribuição do produto pronto, há uma gama de operações e profissionais que, agenciados por um editor, atuam no sentido de transformar um texto em objeto cultural comerciável. Dentre essas operações, destacamos as referentes ao campo do design gráfico. Nesse campo, são estudados os elementos que fazem parte da composição de uma publicação impressa, como o tipo de papel, o tipo de letra, o tamanho e as relações de proporção e posicionamento dos textos e imagens na página. [...] (PINHEIRO; TOLENTINO, 2019, p. 40)

Em outras palavras, o projeto gráfico organiza a estética tática e visual de obra literária, para que essa seja encaminhada para impressão e comercialização.

O projeto gráfico do livro Enreduana é bastante curioso e bem pensado. Sua composição possui seis cores: laranja fluorescente, rosa fluorescente, preto, branco, dourado e cinza. Tais elementos visuais proporcionam e trazem uma estética inovadora para uma obra literária, inclusive chama a tenção dos leitores e os guiam na narrativa. Os usos das cores projetam, também, o enredo pensado, pois quando o contexto da estória diz sobre a sacerdotisa, que assume a função de protagonista, as cores são mais vivas e vibrantes e quando se volta para seu irmão, Rimush, personagem com ideais antagonistas ao da poeta, as cores são escuras e com menos vida.

Observa-se na capa, “a embalagem do livro” (RAMOS E NUNES, 2013, p. 255), a presença da cor dourada em destaque e em abundância. Tal uso da cor pode ser associado à riqueza que os povos sumérios possuíam, especificamente os imperadores, mas também pode ser um apelo para cativar e incentivar o consumo do produto, que a obra literária não deixa de ser. Além do dourado, há a presença das cores preto e rosa, conforme apresentamos na figura 1:

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Figura 1 - Capa do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Ainda na capa, como observado, destaca-se a presença de uma ilustração que caracteriza a personagem central, que nomeia a obra, Enreduana, sendo erguida por três mãos diferentes, o que dialoga com o enredo transcrito na página 15: “Sempre foi levada por três súditos, parecendo levitar”. Além da personagem principal, há o título da obra na cor preta ocupando um espaço de dois (2) centímetros de largura e treze (13) centímetros de altura. O nome do autor e da ilustradora é apresentado, também na capa, na cor rosa neon, ocupando um espaço de meio (0,5) centímetro de largura por onze (11) centímetros de altura. As cores utilizadas na construção textual da capa, por serem fortes e chamativas, indicam que o objetivo era destacar o título da obra. A fonte usada em ambos os textos da capa não foi identificada e isso indica que foi algo projetado durante o projeto gráfico, que tomou como referência ou se inspirou nas características pertencentes a cultura da civilização mesopotâmica antiga, conforme pode ser observado nas figuras 2 e 3:

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Figura 2 - Placa de argila com a escrita cuneiforme, grafia da antiga Mesopotâmia, cerca de 3200 a.C.

Fonte: https://www.estudopratico.com.br/escrita-cuneiforme/.

Figura 3 - Folha de rosto do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Ainda sobre a capa de Enreduana, destaca-se a presença da logo da editora responsável pela publicação. Tal fragmento, como observado, une-se à ilustração e passa, talvez, de forma despercebida, ocupando uma área de dois (2) centímetros de largura por um (1) centímetro de altura. Os poucos elementos presentes na capa da obra capturam a “[...] atenção do leitor e um convite a esse sujeito para ‘abrir’ o livro e procurar lá dentro mais elementos para contemplar o que foi visto na capa” (RAMOS E NUNES, 2013, p. 257).

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Na quarta capa da obra, observa-se que há um seguimento do padrão construído na capa, isso é, há uma prevalência do dourado no fundo, o preto e o rosa na composição de detalhes, ilustração e texto. O texto da quarta página está escrito em fonte Pluto Sans Regular, tamanho 11. Escrito por Lilia Moritz Schwacz, faz uma analogia entre a história construída por Mello e Massarani e a verdade vivida por Enreduana, convidando e leitor a conhecer quem foi a sacerdotisa, além de descrever e aclamar a poesia textual no miolo da obra. A imagem seguir ilustra o exposto:

Figura 4 - Verso da capa do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Além do texto escrito por Schwarcz, há a imagem, em rosa, mesma cor e tom usado no nome dos autores na capa, de Rimush, irmão de Enreduana e responsável por acontecimentos que marcam o clímax da história. Inclusive, é o mesmo desenho presente na página 22, com outras cores, direção e dimensão. Conforme demonstramos na imagem 5:

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Figura 5 - Página 22 do livro Enreduna

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Com esses elementos presentes na capa e no verso da capa da obra, pode-se concluir que ambas possuem uma estética de apresentação, ou seja, a capa e a quarta capa se completam com elementos usados no interior da composição literária, com fragmentos do enredo e com as mesmas cores. Assim, unem ludicidade, ilustração e contextualização.

O outro elemento de análise do projeto gráfico é o formato do livro e tipo de papel. Com dimensão de vinte e oito centímetros e meio (28,5) de altura e dezesseis centímetros e meio (16,5) de largura, a capa é dura e com uma gramatura de zero virgula dois milímetros (0,2). As páginas que fazem parte do miolo da obra possuem vinte e sete ponto sete (27,7) centímetros de altura e dezesseis (16) centímetros de largura, de folha com uma gramatura alta, como a de um papel cartão. O uso dos papeis nesse formato e dimensão são curiosos, já que não é comum encontrar uma obra com um formato retangular tão estreito como o da obra. Acredita-se que a escolha do papel se deu em virtude das cores neons que compõe a obra, entendendo que no processo de impressão ocorre o depósito de muita tinta e um papel fino não suportaria tal condição.

Por fim, o último critério utilizado na investigação do projeto gráfico da obra foi layout e a forma como o texto escrito e o visual são apresentados nas páginas. Destaca-se inicialmente, nesse segmento, a presença de um diálogo gigantesco entre o texto gramatical e o visual. Tais fatores serão descritos e comentados nos tópicos seguintes.

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No layout da obra, há detalhes e informações que conversam com a cultura sumeriana, como os detalhes da fonte usada na capa citados anteriormente, mas, para além desse fator, há um destaque para a construção de desenhos que fazem alusão às esculturas em baixo relevo dos povos da mesopotâmia antiga e que fazem uma referência indireta a cultura desses. Observe as imagens 6 e 7 a seguir, por meio das quais é possível comparar as características estéticas:

Figura 6 - Página 32 do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Figura 7 - Antiga escultura, criada pelos assírios no século IX a.C., retrata o rei Ashurnasipal com um servo

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Ainda sobre a forma como a obra se apresenta e se compõe, reiteramos a marcante presença de cores fortes no decorrer das páginas, cores neons, douradas, pretas e brancas. A ilustradora cita, no verso da contracapa, que desenhou na areia, usou uma massa que se aproxima da estética do barro, nanquim, lápis 6B, tinta acrílica fluorescente e tinta de PVA, ou seja, utilizou materiais, tais como a massa e a areia, que são inusitados e pouco comuns na composição de ilustrações de obras literárias.

Em relação ao que se apresenta no miolo da obra literária, isso é, no decorrer das páginas, notamos a presença da fonte Pluto Sans Regular, tamanho 12, com espaçamento de 0,6 em todo o seu seguimento. Os textos possuem dois formatos de alinhamento: as narrativas, descrições e relatos apresentam-se de forma alinhada à esquerda, ou seja, em prosa, enquanto os poemas retirados dos próprios escritos da filósofa Enreduana, que viveu na Suméria antiga, comentados posteriormente, são alinhados de forma centralizada e em negritos, em verso. Tal organização visual auxilia o leitor na condução e na construção de sentidos, bem como pode ser observado com a figura 8 a seguir:

Figura 8 - Página 13 do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Com essas observações, compreendemos que o projeto gráfico que compõe o livro foi bastante pensado no que diz respeito à forma de apresentação ao público, para não parecer desarranjado ou passar uma mensagem confusa entre a leitura imagética e textual. Mesmo diante de cores fortes e vibrantes, notamos que não há

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nenhum tipo de bagunça visual, e sim uma preocupação com tal fator. Com a figura 9 a seguir é possível perceber como as cores vibrantes e variedades de itens e elementos se dão de forma harmoniosa, separam e guiam o leitor na própria leitura:

Figura 9 - Páginas 11 e 12 do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Na organização visual das páginas, pode ser notada não presença de elementos pequenos, considerando que tal fator destoaria o foco da obra. Bem como demonstramos na figura 9, sempre há um ajustamento dos elementos visuais e verbais; quando há uma cor neon ao fundo da obra, há um trabalho com cores neutras, como o preto e o branco, e com as variações de tom dessa cor, fazendo um tipo de monocromia na obra. Isso confirma organização do trabalho apresentado e o planejamento de uma informação visual não poluída.

4.2 CONSTRUÇÃO TEXTUAL

Conseguinte à investigação do projeto gráfico que compõe a obra Enreduana de Roger Mello e Mariana Massarani, centramo-nos no estudo da organização textual da obra, isso é, do corpus que envolve o escrito. Nesse tocante, observamos uma escrita muito bem elaborada e contextualizada, cheia de referências à civilização antiga em que Enreduana viveu, reflexivas e necessárias para a atualidade. Aborda, no decorrer das páginas, questões relativas à geografia do lugar, tais como o deserto,

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o rio e a vegetação; à biologia, como os animais que habitam ali; à cultural, como o culto a deuses pagãos e antigos e à própria forma como as personagens vivem e encaram os acontecimentos narrados. Essas questões, que dizem respeito às possíveis mensagens transmitidas pela obra serão comentadas mais à frente, neste tópico nos ateremos na organização textual.

Desse modo, observa-se a presença de um narrador observador, que presencia os acontecimentos descritos e, ao mesmo tempo, assume a função de narrador onisciente, que transmite as informações sem, em alguns momentos, mencionar como as recebeu. Na obra, o narrador é descrito como o menor grão de areia do mundo. Tal alusão à sua dimensão, isso é, o menor grão, faz referências à insignificância do narrador, declarando que sua história não importa, não convém, se comparada à magnitude da grande Enreduana. Por mais que esse, o menor grão, não seja o foco da construção narrativa, isso é, o protagonista ou o que se destaca durante os acontecimentos, em diversas passagens esse relata situações próprias vividas, o que se constitui como uma estratégia de condução do leitor às circunstâncias.

Na história, o menor grão viaja preso nas escamas de uma cobra do deserto. Com a figura 10 apresentamos a única imagem que faz referência ao narrador na obra.

Figura 10 - Guarda do livro que ilustra a cobra do deserto e o menor grão

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O narrador introduz a história dizendo que todos os grãos são mudos, menos ele, por isso sabe da história de Enreduana. Afirma, em seguida, que se os grãos falassem, e até se os próprios ladrilhos da cidade falassem, muitas histórias não estariam sendo esquecidas, mas sim lembradas e comentadas. Tal passagem na narrativa faz referência ao esquecimento do papel de Enreduana, sacerdotisa e poeta que viveu na Suméria antiga.

Foi observado, ainda sobre a estrutura textual, uma organização voltada para a poetização da narrativa, inclusive na contracapa, escrito por Schwarcz, como citado inicialmente, e na qual é dito que o resultado do livro é “pura poesia”. Dentro da própria construção narrativa há a presença de poesias, inclusive, com versos escritos pela própria Enreduana, inspiração de Mello e Massarani. A título de exemplo, trazemos a imagem a seguir, a qual contém os versos “tu exaltas os elementos. / Ata-os a tuas mãos” retirados de um poema de Enreduana.

Figura 11 - Página 23 do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Como tentativa de compreender as intenções de Mello durante a construção textual, vale uma análise do poema da imagem acima. O poema pertence a um período do livro em que Enreduana, personagem principal, em confronto com Rimush, seu irmão. Este sai para caçar e se encontra perdido, assim como a presa que tanto procura. A irmã, nesse momento, escreve um poema, na estrutura de uma prece ou de desejo para a deusa Inana. Tal oração é um pedido poetizado de Enreduana, para que ambos os perdidos, o caçador e a caça, troquem as forças e para que assim Rimush, que é o caçador, faça as pazes com sua irmã.

Tal investigação confirma que os poemas apresentados por Mello não são postos aleatoriamente na obra, mas sim, organizados de forma estrutural para

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construir diálogos com sua narrativa. Isso acontece com todos os poemas presentes na obra e retirados dos próprios escritos de Enreduana1, sacerdotisa que viveu na

Suméria antiga.

Por mais que o livro possua uma estrutura colorida e lúdica, entende-se que os escritos não são destinados à primeira infância devido a construção textual poetizada, sabendo que uma criança, dada a complexidade da construção estrutural da obra e a pouca familiaridade com esse tipo de estrutura, teria mais dificuldade em compreender, sozinha, as informações destacadas pelos autores. Outra confirmação desse argumento é a presença de palavras e termos considerados difíceis de serem objetificados, isso é, entendidos, pelo público leitor menos experiente. Palavras referentes à cultura sumérica e à localidade que a própria Enreduana viveu, tais como: antílope, sacerdotisa, tempestade de areia, escribas, liteira, súditos, ladrilhos, madrepérolas, zigurate, órix e túnica, são alguns exemplos.

Essas palavras, como citado anteriormente, não pertencem à realidade do seu público de destino, podendo causar o desentendimento e a não compreensão dos relatos. Nós tópicos seguintes, as palavras serão citadas para construção de diálogos entre texto e ilustração, portanto, o argumento será aprofundado. Sabe-se que uma leitura bem orientada poderá causar nos leitores o incentivo ao senso crítico, isto é, com os termos e as palavras esclarecidas e compreendidas em seus contextos de uso, os leitores estarão em contato com uma cultura distante da realidade em que a obra está inserida e esquecida e, assim, o aprendizado será proporcionado.

Outros termos destacados do livro são: “tomou assento” e “cidade-estado”. Pela complexidade de entendimento dessas expressões, entende-se que, como obra de literatura infantil, ambas as palavras estão desconexas do enredo criado, sendo, portanto, difíceis de serem retiradas e substituídas pelos autores ou exemplificadas. Sabe-se que não é a intenção de um texto literário ensinar e transmitir conteúdos escolares voltados para o estudo de palavras ou expressões, mas é importante ressaltar que quando uma obra é disseminada de forma imprecisa proporciona a leitura errada, não causando uma experiência de leitura adequada.

1 Vale destacar que, durante a construção da investigação textual, especificamente na procura por fontes e traduções poética, uma grande dificuldade em achar publicações da própria Enreduana, inspiração de Mello e Massarani. Inclusive, dificultando a identificação de referenciação, acreditando, portanto, que há mais referências aos poemas da filósofa e sacerdotisa, mas não foi encontrado.

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Em diálogo com o exposto, Botton e Strey (2015) afirmam que a literatura infantojuvenil acaba sendo usada de forma “auxiliar no desenvolvimento cognitivo infantil e/ ou como sinônimo da inclinação da criança para o mundo intelectual tão valorizado entre os mais velhos” (BOTTON; STREY, 2015, p. 916). Para nós isso não significa que a obra de Mello e Massarani foi introduzida com esses propósitos, entretanto, não se pode garantir e nem delimitar os seus usos.

Outra observação que pontuamos é que a obra apresenta um protagonismo adulto e uma narrativa que pertence à uma vivência adulta, como no caso do relato de um casamento. Buckowski e Aguiar (2010, p. 913) afirmam que “O protagonista da literatura para os jovens é, quase sempre, jovem. O que variam são as idades dos heróis. O que também pode variar é a idade dos narradores. Há alguns títulos em que o narrador é um adulto que conta a história da sua juventude. A seleção do item se justifica pela necessidade do entendimento da construção dos diálogos entre leitor e obra, pois Enreduana não possui personagens e narradores que conversem com a realidade do leitor. Com esse olhar, como o leitor ficaria preso na obra?

Por muito tempo as obras de literatura infantil, e algumas juvenis, possuíam personagens que construíam diálogos diretos com os seus leitores pela identificação dos relatos narrados. Em Enreduana tal fator não acontece, nem pela presença de narrador fictício, nem pelos personagens adultos. Mas é justamente essa falta que prende o leitor na história. Zilberman (2015, p. 27) afirma que “o índice de renovação de uma obra ficcional está na razão direta de sua oferta de conhecimento de uma circunstância da qual, de algum modo, o leitor faz parte”. Desse modo, compreendemos que a participação do leitor em Enreduana está na sua identificação com os fatos narrados e não nos personagens. Fatos esses que serão apresentados nos tópicos que seguintes.

4.3 INVESTIGAÇÃO VISUAL E ILUSTRATIVA

O outro fator de análise, pertencente a esse corpo analítico, como destacado anteriormente, é a questão estrutural visual construída por Mariana Massarani. Laureada como melhor ilustração no FNLIJ de 2019, a obra possui uma colossal estética pensada e projetada. Destaca-se, inicialmente, pela semelhança, provavelmente intencional, ilustração e a construção artística da Suméria antiga, aproximadamente 2300 a. C., período em que Enreduana, inspiração para a obra,

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viveu. Tal fator pode ser observado e comprovado pelas referências às ilustrações da epígrafe e da página 10 da obra, comparadas à uma lâmina de escultura cuneiforme em baixo relevo da Mesopotâmia, local onde se inseria a Suméria antiga. Com as imagens a seguir, demonstramos:

Figura 12 - Epígrafe do livro Enreduana

Fonte: MELLO e MASSARANI (2018).

Figura 13 - Página 10 do livro Enreduana

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Figura 14 - Escultura da antiga Suméria2

Fonte: https://anaburkee.wordpress.com/2014/05/14/a-descida-de-inanna-ao-inferno/

Observa-se a semelhança da formação dos trabalhos. Tanto na placa produzida na Mesopotâmia antiga como nos escritos de Mello e Massarani, destaca-se a fisionomia das personagens, a coruja, a posição das asas, o adorno usado nas cabeças e as mãos das deusas. Tais elementos trazem um grandiosíssimo requinte de detalhes que ultrapassam as barreiras de um livro, trazendo, portanto, história e realidade na sua composição. Ainda, traz visibilidade para uma cultura esquecida e desvalorizada, já que a deusa representada é pagã e não comum de ser cultuada na atualidade.

Além da referência visual, que, como mencionado, se aproxima muitos das características artísticas e culturais da Mesopotâmia antiga, não se pode deixar de citar os materiais usados por Massarani na construção do livro. Na contracapa da obra e no projeto gráfico da monografia, houve desenho na areia, uso de massa que se aproxima da estética do barro, nanquim, lápis 6B, tinta acrílica fluorescente e tinta de PVA. Objetos não comuns para uma ilustração.

Sobre o uso dessa mesma gama de matérias, observa-se, em outras ilustrações de Massarani, que é característico da ilustradora. Ela costuma utilizar

2 O Esplendor em relevo. Acredita-se que é a representação de Istar, rainha antiga da noite, irmã de Eresquigal, produzida por volta dos séculos XIV e XVIII a. C. pertencente, atualmente, ao Museu Britânico.

Referências

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